UMA ANÁLISE ACERCA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE FRENTE À PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO NO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 85/2017

07/08/2019 às 11:43
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O presente artigo, almeja uma [possível] análise do Projeto de lei do Senado nº 85/2017, que visa atualizar a Lei de Abuso de Autoridade, Lei nº 4.898/65

UMA ANÁLISE ACERCA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE FRENTE À PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO NO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 85/2017

 

Daniel Almeida Westphal

 

O presente artigo, almeja uma [possível] análise do Projeto de lei do Senado nº 85/2017, que visa atualizar a Lei de Abuso de Autoridade, Lei nº 4.898/65.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O direito de representação contra os Abusos das Autoridades, tal como o próprio conceito de autoridade, questões procedimentais, sanções penais, civis e administrativas dentre outros assuntos inerentes ao tema, encontram-se regrados pela Lei nº 4.898 de 9 de dezembro de 1965, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade.

Tema este de extrema importância ao ordenamento jurídico, pois trata da tentativa do estado em coibir condutas abusivas por parte de seus agentes, por meio do diploma legal que cria mecanismos para se processar e responsabilizar aquele que com conduta (ou omissão) tenha de alguma forma “abusado de sua autoridade”.

Ocorre que a Lei de Abuso de Autoridade, criada na década de 60, fruto de um regime militar, embora encontre aplicação aos dias atuais, apresenta necessidade de ser atualizada frente ao ordenamento jurídico moderno, diferente de outr´ora em que fora criada.

Deste modo, surge a necessidade do estudo da Lei nº 4.898/65, partindo-se de dois marcos temporais: da promulgação da Lei, em 1965, até as propostas de sua atualização, em 2016 e posterior discussão no decorrer de 2017.

Em 2016, o senador Renan Calheiros (PMDB) apresenta o Projeto de Lei do Senado nº 280/2016 (PLS 280/2016), sob a justificação: “É preciso acabar - de parte a parte - com a cultura do você sabe com quem está falando?”, em síntese, tratando de uma proposta de atualizar a Lei de Abuso de Autoridades, frente ao cenário atual e apresentando novas tratativas.

Já em 2017, o Projeto de Lei do Senado nº 85 de 2017 (PLS 85/2017), de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), traz em seu cerne, também uma proposta de atualizar os crimes de abuso de autoridade e outras providências inerentes à matéria.

Sendo assim, a presente pesquisa visa primeiramente realizar um estudo partindo dos crimes da Lei de Abuso de Autoridade, explorando a legislação, a doutrina e a jurisprudência, realizando uma análise comparativa e dialética do pensamento dos pesquisadores sobre o tema, e a necessidade (ou não) da atualização legislativa, comparado a propostas presentes nos aludidos Projetos de Lei do Senado, atinentes aos crimes e às principais mudanças depreendidas por meio da realização de um estudo comparado à Lei nº 4.898/65 - Lei de Abuso de Autoridade.

 

2 LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE, LEI Nº 4.898/65

 

A Lei de Abuso de Autoridade não constitui um diploma de natureza exclusivamente penal, ao passo que regula o direito de representação, traz em seu bojo, dispositivos que disciplinam também a responsabilidade dos agentes nas esferas civil e administrativa. (CAPEZ, 2014, p. 37). Ou seja enseja ao abusador a tríplice responsabilização.

Andreucci (2016) sinaliza no sentido de que além de ser tríplice a responsabilização do agente, as sanções penais no caso de abuso de autoridade podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente, ou seja, geram ao abusador efeitos nas esferas: administrativa, civil, e penal.

Logo, o objeto da lei pode ser entendido como dois: regular o direito de representação do ofendido, e responsabilizar o abusador a medida da gravidade do abuso.

Diferente não é o posicionamento do Ministério Público de Goiás (MPGO) quanto define a objetividade jurídica do crime de abuso de autoridade ou “o que a norma quer proteger”, separando em proteção mediata e proteção imediata.

 

a) Proteção mediata. A dignidade da função pública e a lisura do exercício da autoridade pelo Estado, ou seja, o funcionamento da administração pública, a partir do exercício regular de seus poderes delegados pelo povo;

b) Proteção imediata. Os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente consagrados (honra, liberdade, patrimônio). (MPGO, 2016, p. 01)

 

Assim, partimos do pressuposto de que os crimes de Abuso de autoridade,  exigem elementos específicos, tais como sujeito ativo, que seja autoridade conf. Art. 5º (crimes próprios), e que haja com dolo específico.

Passamos à análise dos crimes propriamente ditos.

 

2.1 DOS CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE LEI Nº 4.898/65

2.1.1 CRIMES TIPIFICADOS NO ARTIGO 3º

 

Conforme o art. 3º da Lei nº 4.898/65, constitui crime de abuso de autoridade, “in verbis”:

 

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.  (BRASIL, 1965)

 

Passa-se à análise das alíneas do art. 3º:

  • À liberdade de locomoção; (alínea “a”): Segundo Capez (2014) crime este que se configura com qualquer conduta realizada pela autoridade no exercício de suas funções, que atente contra a liberdade do individuo de ir e vir e permanecer, excluindo as hipóteses legais. Posteriormente, com o advento da constituição Federal de 1988, tal direito, individual seria ratificado e regrado também pelo art. 5º, XV da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com os seus bens”.

Vale ressaltar, conforme apontando por Habib (2017) que a autoridade agindo de forma a privar a liberdade, mas por motivo justificado e legalmente previsto, não estaria incorrendo neste crime, como o caso de uma prisão em flagrante delito (art. 301 do Código de Processo Penal), ou ainda na realização de uma busca pessoal, sob suspeição de o indivíduo trazer consigo armas, drogas ou objetos ilícitos, hipótese esta autorizada pelo art. 244 do Código de Processo Penal.

Pode haver situações excepcionais, que relativizam o direito à liberdade de ir e vir, e por conseguinte, excluírem a incidência do abuso de autoridade previsto na alínea “a”, como no caso de um estado de sítio, previsto no art. 139, I, da Constituição Federal.

Ademais, conforme Habib (2017), caso ocorra um atentado da alínea em estudo, em desfavor de uma criança, em razão do princípio da especialidade, aplicar-se-á a Lei nº 8069/90 – Estatuto da criança e do Adolescente, que traz regramento específico no art. 230: “Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente”.

  •  À inviolabilidade do domicílio; (alínea “b”): A conduta prevista na alínea “b” viola o direito fundamental que a constituição Federal de 1988, consagrou a todos os indivíduos no art. 5º XI: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Deste modo, a Constituição Federal já traz regramento sobre a inviolabilidade do domicilio, igualmente o Código Penal, em seu art. 150, todavia, a Lei de Abuso de Autoridade, prevê também o crime de invasão de domicilio praticado por autoridade, portanto responsabilizado a prática de tal conduta, pela Lei de Abuso de Autoridade. (CAPEZ, 2014, p. 28)

Habib (2017) igualmente alerta no sentido de que com a Lei nº 4.898/65, o art. 150, §2º do Código Penal, teve sua incidência prejudicada, ou seja, não se aplica o aumento de pena ali previsto, caso seja funcionário público, porque o sendo, seria, portanto um abuso de autoridade, aplicando-se o diploma específico.

  •  Sigilo à correspondência; (alínea “c”): O Art. 5º, XII da Constituição Federal trouxe a seguinte redação:

 

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (BRASIL, 1988).

 

Assim, conforme Capez (2014) no caso de violação praticada por autoridade no exercício de suas funções, o crime é o do art. 3º, alínea“c”, em face do princípio da especialidade. Cumpre ressaltar ainda que configura o delito se a correspondência estiver fechada, do contrário, não é considerada sigilosa.

  •  À liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício do culto religioso; (alíneas “d” e “e”): Tal dispositivo visa assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e crenças, também insculpido no art. 5º, VI da Constituição Federal: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias”.

Para Habib (2017) culto religioso significa “a adoração, a veneração, a manifestação externa da religião”, sendo que tal dispositivo, visa assegurar o direito do indivíduo profetizar sua fé.

Destarte, como apontando por Capez (2014) a liberdade não é ilimitada, podendo a autoridade impedir a realização de cultos que coloquem em risco a ordem pública.  Conforme apontado por Habib (2017), pode a autoridade, por exemplo, interromper uma prática religiosa da qual se pretenda realizar a morte de uma pessoa, ou de animais, sem que tal conduta tipifique o delito em comento.

  •  À liberdade de associação e o direito de reunião (alíneas “f” e “h”): Para análise dos tipos em comento, faz-se necessário a distinção do que vem a ser os termos associação e o termo reunião. Recorre-se à doutrina:

 

Associação é a reunião estável e permanente de várias pessoas, para a consecução de um fim determinado ou para o desempenho de certa atividade. Reunião é o agrupamento voluntário de pessoas, sem caráter de permanência ou estabilidade, em determinado lugar, no qual se discute um assunto qualquer e após o qual o grupo se dissolve. A reunião é transitória. A associação, permanente (CAPEZ, 2014, p. 33)

 

A Constituição Federal no art. 5º, XVI, assegura a todos o direito de reunir-se pacificamente em locais abertos e públicos independente de autorização, desde que sem armas, e não frustrem outra reunião no mesmo local, devendo comunicar à autoridade previamente.

Deste modo, a reunião somente poderá ser impedida ou dissolvida pela autoridade quando constatarem que seus fins sejam ilícitos ou que esteja sendo realizada em local proibido ou sem prévia comunicação. (Capez, 2014, p. 33)

 Por seu turno, a associação “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar” (Constituição Federal art. 5º, XVII), ou seja, ressalvada as hipóteses legais, só pode ser dissolvida por ordem judicial (Constituição Federal, art. 5º, XIX) do contrário, constitui abuso se autoridade assim a determinar.

Habib (2017) ainda complementa que poderá haver o impedimento da formação ou continuidade de uma associação, quando esta tenha caracterizado fins ilícitos, citando o autor o exemplo de uma associação de indivíduos com propósitos de atacar locais públicos.

  •  Direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; (Alínea “g”): Tal dispositivo visa assegurar os direitos legais, e constitucionais que os indivíduos têm, de escolher por meio de voto, seus representantes. É evidenciado pelo art. 1º da Constituição Federal de 1988, e pelo art. 14 do mesmo diploma.

Segundo Habib (2017) é possível que a autoridade atente contra o direito de voto em casos bem específicos, como o caso de uma séria lesão ao estado democrático de direito ou a ordem constitucional, por exemplo.

  •  À incolumidade física do indivíduo; (alínea “i”): Neste sentido, trata tal dispositivo que será considerado abuso qualquer lesão a incolumidade física do indivíduo sem justa causa, ressaltando os casos excepcionais como uma legitima defesa.

Salutar avocar sobre esta temática, o preceito constitucional contido no art. 5º, III da Constituição Federal de 1988 que assegura que: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Para Habib (2017, p. 38) o crime abrange diversas nuances de violências, que vão desde uma violência moral à uma violência física com resultado morte:

 

O tipo penal abrange qualquer violência física, não fazendo menção expressa à violência moral. Desta forma, o abuso pode consistir em uma contravenção de vias de fato, uma lesão corporal ou até a morte da vítima por abuso.

 

  •  Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Alínea “j”): Tal preceito garante o livre exercício do labor, punindo a autoridade que interfira no seu desenvolver.

É um direito também é assegurado no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal. Nos seguintes termos: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Igualmente a Consolidação das Leis Trabalhistas, regram a relação laboral, e direitos e garantias assegurados ao trabalhador.

Destarte, conforme os ensinamentos de Capez (2014) em consonância com Habib (2017) os crimes previstos no art. 3º da Lei nº 4.898/65, são classificados como delitos de atentado, ou seja, não admitem tentativa, na medida em que qualquer tentativa já se é punido como crime consumado.

 

2.1.2 CRIMES TIPIFICADOS NO ARTIGO 4º

 

Constitui crime de abuso de autoridade, de forma taxativa, as condutas tipificadas nas alíneas “a” à “i” do art. 4º da Lei nº 4.898/65, in verbis:

 

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade (BRASIL, 1965).

 

Conforme Habib (2017), os delitos em suma, configuram violação de direitos fundamentais do indivíduo, mas que ao contrário do art. 3º, foram previstos de forma taxativa.

Passa-se à análise das alíneas do art. 4º:

  • Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.  Alínea “a” visa tutelar a liberdade, quando menciona “ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”. Segundo Nucci (2008) é preciso para configurar a conduta, que a autoridade restrinja, ressalvando as hipóteses legais, com intenção de abusar do poder a liberdade do indivíduo.  

Tal conduta é norteada pelo dispositivo constitucional previsto no art. 5º, incisos XVI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Capez (2014) pontua, sobre o delito em comento que os juízes criminais só podem determinar ordens de prisão nos seguintes casos, conforme o diploma penal: I - Prisão preventiva; II - Prisão em virtude de sentença condenatória; III- Prisão em virtude de sentença de pronúncia e  IV - Prisão temporária.

O autor ainda alerta acerca das prisões determinadas pelos juízes cíveis: “a exemplo, a prisão do depositário infiel e a do devedor de alimentos (Lei nº 5.478/68), únicas autorizadas pelo Texto Constitucional”. (CAPEZ, 2014, p. 38).

B) Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei (alínea “b”). Segundo Capez (2014), o delito visa resguardar a dignidade da pessoa humana, e é norteado por diversos dispositivos constitucionais, tais como: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (Constituição Federal, art. 5º, III). “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (Constituição Federal, art. 5º, XLIX). “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral” (Código Penal, art. 38). “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”

Para Nucci (2008) o crime se amolda, quando o servidor, que aproveita da condição desfavorável que encontra o custodiado, abusa do seu poder, atentando contra a dignidade, expondo a infâmia, a desonra, e outros tratamentos vexatórios, cuja constituição veemente desaprova.

Habib (2017) aponta que não se deve confundir a situação vexatória, tipificada na alínea em comento, com o dolo específico de submeter o indivíduo a causar-lhe sofrimento ou dor, seja físico ou mental, pois neste caso, não seria um abuso e sim a tortura, prevista na Lei nº 9.455/97.

Por fim, Nucci (2008) esclarece que quando praticado conduta análoga descrita à alínea em estudo à criança e adolescente, deve-se ser enquadrado, portanto no Art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”.

C) Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa (Alínea “c”). Para Capez (2014), a finalidade da norma é permitir ao juízo competente o controle sobre a legalidade da prisão efetuada, de modo que se constatado qualquer irregularidade, a prisão deverá ser relaxada.

A Constituição Federal, no art. 5º, LXII, da determina que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.

Habib (2017) alerta que o crime tipificado na alínea “c”, é de conduta omissiva própria, de modo que, não admite a figura da tentativa. Igualmente, opera-se a especialidade, caso seja a conduta versando sobre criança ou adolescente, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê tipificação própria.

D) Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada (alínea “d”): a conduta possui respaldo constitucional, art. 5º, LXV, da Constituição Federal: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.

Para Capez (2014) trata-se, portanto de um crime próprio praticado pela autoridade judiciária, que tendo ciência de uma prisão ilegal, não determina seu imediato relaxamento.

Assim, infere-se que não basta que haja o encarceramento indevido, é necessário que a autoridade, tendo ciência da situação ilegal da prisão, haja com dolo, no intuito de manter a vítima encarcerada por interesses próprios, alheios ao preceito legal.

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Sendo a vítima criança ou adolescente, segundo Habib (2017), prevalece a norma do art. 234 do ECA, devido ao o princípio da especialidade.

E) Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei. (alínea “e”). Segundo Nucci (2008) trata-se de crime próprio denominado “mãos próprias”, que é aquele que somente um indivíduo específico pode cometer a exemplo do delegado de polícia que cabendo arbitrar fiança, mas não o faz.

O fundamento constitucional, para o regramento, está previsto no art. 5º, LXVI: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

F) Cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor. (alínea “f”).

Para Nucci (2008) no sistema jurídico brasileiro, não há qualquer cobrança de custas ou despesas para manter alguém encarcerado, de forma que quando o carcereiro, ou outro qualquer agente agir, pode ainda configurar o delito de concussão ou corrupção ativa, arts. 316 e 317 ambos do Código Penal.

G) Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; (alínea “g”). Nas lições de Nucci (2008) quando o preso é encarcerado, os pertences devem ser deixados sob tutela do Estado, sendo que o encarregado, após lista-los, fará o competente recibo, ao passo que a recusa do recibo, amolda-se ao crime de Abuso de Autoridade.

H) O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; (alínea “h”): O respaldo constitucional é amplo e subjetivo, pois segundo Nucci (2008), resguarda desde a propriedade à honra do indivíduo, princípios basilares da República Federativa do Brasil insculpidos no art. 5º, garantido a tutela estatal tanto as pessoas físicas como a jurídica.

I) E prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade; (alínea “i”).

Para Nucci (2008) trata-se crime próprio material, ou seja, que depende da efetiva ocorrência do prejuízo da pessoa que permanece presa, fora das hipóteses legais e necessárias. É crime omissivo e permanente ainda, pois permanece a consumação, enquanto não for posta em liberdade o indivíduo, por fim, pode ser tanto cometido por uma única pessoa (unisubjetivo) quando por mais de uma, ao passo que não admite tentativa.

Aduz que, embora seja um diploma especial, regrado portanto pelo princípio da especialidade, apresenta algumas peculiaridades, como no caso de haver dolo específico na conduta do agente em submeter o indivíduo a causar-lhe sofrimento ou dor, físico ou mental, sendo neste caso, o crime de tortura, crime previsto na Lei nº 9.455/97, e não o abuso de autoridade.

Por derradeiro, conforme apontado por Habib (2017) se a vítima for criança ou adolescente não será regrado pelas alíneas do art. 4º da Lei nº 4.898/65, mas sim pelo Estatuto da Criança e do Adolescente pelo princípio da especialidade.

 

3 PROJETOS RECENTES DE ATUALIZAÇÃO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

3.1 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 280/2016

 

Como estudado, tem-se que desde a promulgação da Lei de Abuso de Autoridade, aos dias atuais, o país atravessou transformações, todavia, a Lei nº 4.898/65,  manteve-se inerte preservando suas disposições originárias da década de 60.

Esta inércia foi quebrada e em 2016 quando colocado em pauta o Projeto de Lei do Senado nº 280/2016 (PLS 280/2016), pelo senador Renan Calheiros (PMDB), sob a justificativa: “É preciso acabar - de parte a parte - com a cultura do você sabe com quem está falando?”. (CALHEIROS, 2016, p. 01).

Segundo Masi (2016), o PLS 280/2016 apresentou disposições pertinentes ao ordenamento jurídico, como revogação de crimes previsto no Código Penal, a exemplo da violação de Domicilio praticado pela autoridade, ou o abuso de Poder dentre outros crimes funcionais, que passariam a ser tipificados e regrados exclusivamente pela legislação especial.

 

O projeto revoga dispositivos dos crimes de violação de domicílio (art. 150 do CP), concussão (art. 316 do CP), violência arbitrária (art. 322 do CP) e exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350 do CP), que passam a ser abarcados pela nova lei. Da mesma forma, é revogada a antiga Lei 4.898/65, que regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, já incompatível com a Constituição atual. (MASI, 2016, p. 04)

 

Porém, conforme Masi (2016) o PLS 280/2016, propondo a atualizar a Lei de Abuso de Autoridades, apresentou conflitos normativos, e criminalizou condutas na prestação jurisdicional, como o caso do “crime de hermenêutica”, que se entende como punir um magistrado por interpretar a lei de uma maneira, e que em instância superior, fosse revertida.

Como no caso art. 9º, parágrafo único, II que traz a seguinte redação: “II - deixa de conceder ao preso liberdade provisória, com ou sem fiança, quando assim admitir a lei e estiverem inequivocamente presentes seus requisitos.” Ou seja, criminalizaria a interpretação do juiz quanto aos requisitos fático e jurídicos dos arts. 312 e 321 do Código de Processo Penal.

Oportuno ainda mencionar a Ação Penal Originária n° 441 que já consolidava o entendimento de que o magistrado não pode ser censurado penalmente pela prática de atos jurisdicionais, vejamos:

 

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA - NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INEXISTÊNCIA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - CPP, ART. 41 - FALSIDADE IDEOLÓGICA - CP ART. 299 - CONTEÚDO DE DECISÕES JUDICIAIS - ATIPICIDADE DA CONDUTA. [...]

O magistrado não pode ser censurado penalmente pela prática de atos jurisdicionais, principalmente quando o próprio representante do Ministério Público, que atuava nos feitos, afirmava serem a conexão e a prevenção inquestionáveis e a decisão exarada foi tida como ilícita, confirmada pelo colegiado do próprio Tribunal e os recursos especiais interpostos sequer foram conhecidos pela 6ª Turma deste STJ. - Denúncia rejeitada"  (APn nº 411/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 24.04.2006)

 

Sendo assim, e com a presença de diversos conflitos, criminalização de condutas questionáveis, e o possível “engessamento” dos órgãos reesposáveis na persecução e na prestação jurisdicional o PLS 280/2016 não teve grande aceitação e, em 5 de abril de 2017, a Comissão Diretora do Senado Federal deliberou pela a tramitação conjunta do Projeto de Lei do Senado nº 280 de 2016, com o substituto, o Projeto de Lei do Senado nº 85 de 2017, por tratarem de matérias correlatas e a relatoria ficou a cargo do Senador Roberto Requião (PMDB)

 

3.2 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 85/2017

O Projeto de Lei do Senado nº 85/2017 (PLS 85/2017), de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), veio como uma proposta de revogar a Lei nº 4.898/65, conhecida como lei de abuso de autoridade, regrando a matéria e atualizando disposições inerentes ao Abuso de Autoridade. Nos termos do relator “visa a atualizar a legislação em vigor que define os crimes de abuso de autoridade” (RODRIGUES, 2017, p. 01).

O PLS 85/2017 com a pretensão de Atualizar a legislação em vigor, inerente ao Abuso de Autoridade. Nas justificativas do PLS 85/2017, encontra-se uma breve explanação sobre o momento e a forma que se apresenta o abuso de autoridade:

 

Ocorre abuso de autoridade quando o agente público exerce o poder que lhe foi conferido com excesso de poder (o agente atua além de sua competência legal) ou com desvio de finalidade (atua com o objetivo distinto daquele para o qual foi conferido). É sempre ato doloso, portanto. (RODRIGUES, 2017, p. 01).

 

Diferentemente da polêmica causada do anterior projeto, já no próprio paragrafo único, do art. 1º do PLS 85/2017, tratou o legislador, de elencar o que não configura o abuso de autoridade, excluindo a possibilidade de haver o “crime de hermenêutica”. Pois a mera divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade:

 

Art. 1º [...]

Parágrafo único. Não configura abuso de autoridade:

I - a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada;

II - o exercício regular das funções, pelos agentes políticos referidos nos incisos I a V do art. 2º, assegurada a independência funcional;

III - o cumprimento regular de dever do ofício.  (BRASIL, 2017).

 

Segundo Rodrigues (2017), mesmo que o sujeito ativo seja um agente específico, sendo assim um crime próprio, o sujeito passivo no crime de abuso de autoridade não é somente o cidadão que sofreu diretamente o abuso, mas também a Administração Pública diretamente vinculada.

 

 3.2.1 SUJEITO ATIVO

Tem-se que os delitos previstos na Lei nº 4.898/65 são considerados crimes próprios, pois, via de regra, o sujeito ativo é a autoridade à luz do art. 5º da aludida lei. Diferente não é o viés do PLS 85/2017.

Para o PLS 85/2017, na sua redação inicial, consignado ao art. 2º, temos que o sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade são todos os membros dos poderes públicos, ou seja, dos poderes: executivo, legislativo e judiciário, os membros dos tribunais de contas, e ainda os agentes da Administração Pública, servidores públicos, civis ou militares, ou a eles equiparados:

 

Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, compreendendo, mas não se limitando a:

 

I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;

II – membros do Poder Legislativo;

III – membros do Poder Judiciário;

IV – membros do Ministério Público;

V – membros dos tribunais ou conselhos contas.

 

Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no caput. (BRASIL, 2017)

 

Para Fortini (2017), sujeito ativo nos crimes de abuso de autoridade no PLS 85/2017 pode ser entendido como qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de todos os poderes de qualquer dos entes federados (União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e território). Assim, compreendendo, mas não se limitando tão somente aos os servidores públicos ou pessoas a eles equiparadas.

Deste modo, conforme os ensinamentos de Fortin (2017, p. 02) a abrangência é plena, e alcança todos os sujeitos ativos, que podem incorrer no abuso de autoridade, sendo desnecessário portando, a utilização do termo “agente público” emprestado do direito administrativo, para se referir ao sujeito ativo:

 

Para além de utilizar o vocábulo agente público, valendo-se pois do mais abrangente rótulo que o direito administrativo conhece para sinalizar o alcance subjetivo da regra, o PLS 85/2017 ocupa-se de afastar qualquer sorte de dúvida, mencionando expressamente diversas categorias às quais se poderá atribuir a prática do crime de abuso de autoridade.

 

Oportuno observar, que o sujeito ativo, adotado pelo PLS 85/2017, conserva semelhanças, mas maior nitidez de que o conceito de autoridade do art. 5º da Lei nº 4.898/65.

 

 3.2.2 RESPONSABILIZAÇÃO TRÍPLICE 

Embora tenha classificação pelo Senado Federal como Penal e Processual Penal, igualmente tem-se na Lei nº 4.898/65, o PLS 85/2017 não constitui um diploma de natureza exclusivamente Penal e Processual Penal, pois apresenta em seu conteúdo, dispositivos que disciplinam também a responsabilidade dos agentes nas esferas civil e administrativa. O PLS mantém a tríplice responsabilização do sujeito ativo, em esferas distintas tal qual era regrado pela Lei nº 4.898/65.

Cumpre ao Art. 6º regrar a responsabilização das pessoas referidas no art. 2° pelos crimes previstos no PLS, de modo que esta responsabilização não isenta o sujeito ativo das sanções de natureza civil e administrativa em decorrência dos mesmos fatos.

Já o art. 7º apresenta o regramento no sentido de que quando a lide for resolvida na esfera criminal, e o agente for inocentado, far-se-á coisa julgada nas demais esferas.

 

Art. 7° As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. (BRASIL 2017)

 

Em conformidade com o já regrado no art. 935 do Código Civil, no sentido de que a decisão final do juízo criminal resta coisa julgada na área civil e na administrativa:

 

Art. 935 - A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. (BRASIL, 2002).

 

Inovação presente no PLS, acomodada no art. 8º, em consonância com o ordenamento jurídico, diz respeito aos excludentes de licitude, previstas no artigo 23 do Código Penal. Tendo sido reconhecido tais institutos, e prolatada a sentença na esfera criminal, os efeitos se estendem à esfera administrativa e civil, não cabendo mais questionamentos.

 

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL, 2017)

 

Para Rodrigues (2017), a punição pelo crime de abuso de autoridade não isenta o agente público de responder pelas consequências disciplinares e civis de seu ato, devendo autoridade disciplinar ser comunicada do fato, para a devida apuração na esfera administrativa-disciplinar.

Ademais, como efeito da condenação, elenca o art. 4º, alguns regramentos, dentre tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, fixando o Juiz na sentença o valor mínimo para a sua reparação; a perda do cargo, mandato ou função pública; inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública.

Já os parágrafos 1º e 2º ratificam entendimento já aplicado na Lei de Abuso de Autoridade em que a perda do cargo, mandado ou função pública é sempre decidida por meio de sentença motivada, quando for aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano respeitando sempre o direito constitucional do contraditório e da ampla defesa ao acusado.

 

§ 1º A perda do cargo, mandato ou função pública, deverá ser decidida motivadamente na sentença, quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano.

§ 2º Na fixação do valor mínimo previsto no inciso I, o juiz observará o contraditório e a ampla defesa, bem como a existência de prévio requerimento a respeito. (BRASIL. 2017)

 

Inovação apresentada no paragrafo 2º diz respeito à fixação do valor mínimo. No atual legislação, havia um montante determinado, já no PLS, temos a precedência do requerimento da parte, sobre o determinado valor, em que o juiz poderá ponderar pelo requerido e o de direito.

Deste modo, tem-se no PLS 85/2017 o interesse em reprimir a conduta abusiva, ou seja, o abuso de autoridade ultrapassa a esfera individual do lesado e que macula a Administração Pública.

 

 3.2.3 DOLO OBJETIVO

Na Lei nº 4.898/65, os crimes não admitem a modalidade culposa, ou seja, somente ocorre abuso de autoridade na modalidade dolosa do agente. Para Girão (2016) o dolo na Lei de Abuso de Autoridade, nada mais é que a vontade livre e consciente de exceder os limites do poder que possui autoridade em função do labor que exerce.

Já no PLS 85/2017, conforme Rodrigues (2017) ocorre abuso de autoridade quando o agente público exerce o poder que lhe foi conferido com excesso de poder ou com desvio de finalidade, sendo sempre ato doloso.  

Para Fortini (2017) tratou acertadamente o legislador, após conceituar o crime de abuso de autoridade, nos parágrafos do artigo 1º do PLS 85/2017 ressaltar o dolo objetivo, do agente para a tipificação do abuso de autoridade.

 

Art. 1º [...]

§ 1º As condutas descritas nesta lei constituem crime de abuso de autoridade somente quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal. (BRASIL, 2017)

 

Desde modo, no PLS 85/2017, o dolo continua sendo elemento do tipo penal de modo que o delito se configurará, quando demonstrado o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente e a finalidade específica, “mero capricho ou satisfação pessoal prejudicando outrem”. Como apresentando por Fortini (2017) extrapolando limites, motivado por razões pessoais incompatíveis com os interesses públicos.

 

 3.2.4 CRIMES

Quanto aos crimes, o PLS 85/2017 apresenta uma série de tipificações, acomodadas no capitulo VI, atualizando crimes e penas, assim, o PLS estabelece taxativamente diversos tipos penais que descrevem precisamente cada uma das condutas incriminadas, o que representa nítida vantagem em relação à vaga e imprecisa definição prevista no art. 3º Lei nº 4.898/65.

 

Fica evidente que, por apresentar um rol exemplificativo, sem descrição precisa de condutas, o art. 3º dessa Lei não define crimes, posto que evidente e indiscutível o desatendimento ao princípio da legalidade em matéria penal. Apenas no art. 4º, a Lei nº 4.898, de 1965, define crimes, mas o faz somente em relação a nove condutas. (REQUIÃO, 2017)

 

Segundo Rodrigues (2017), não há tentativa de ‘desarmar’ ou ‘engessar’ a autoridade na persecução criminal, permitindo aos operadores a interpretação de acordo com o caso:

 

[...] evitou-se colocar camisa de força na autoridade, obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de interpretação da lei. A interpretação gramatical é apenas um dos métodos internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou mais festejada. Ao seu lado temos, ainda, a interpretação lógica, a interpretação sistemática, a interpretação histórica, a interpretação sociológica, a interpretação teleológica e a interpretação axiológica. Ao lado da interpretação literal, temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às exceções à norma) e a interpretação extensiva. (RODRIGUES, 2017).

 

Há de se mencionar ainda o viés mais objetivo no PLS 85/2017, quanto ao quesito da elaboração dos tipos penais, não seguindo a via dos tipos penais. “abertos”, que alegou Rodrigues (2017) ser um tipo de “curingas hermenêuticos”, pois possui conteúdo vago e impreciso, dando margem à insegurança jurídica.

 

 3.2.5 OS “NOVOS” CRIMES

Os crimes de abuso de autoridade, no o PLS 85/2017 encontra-se acomodados no Capitulo VI, dos artigos 9º ao 35, para fins didáticos, listados de “A” à “AA” na presente pesquisa, sendo criminalizadas portanto as seguintes condutas:

A) Privar alguém de liberdade ordenando ou executando a medida fora das hipóteses legais com a intenção deliberada de constrangê-lo indevidamente no curso de investigação ou processo judicial. (art. 9º)

B) Deixar de comunicar injustificadamente prisão em flagrante à autoridade judiciária, ao Ministério Público e à defesa, no prazo legal. (art. 10)

C) Constranger o preso ou detento, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe ter reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência. (art. 11)

 D) Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo. (art. 12)

 E) Deixar de identificar-se ao preso, o responsável pela prisão, ou identificar-se falsamente. (art. 13)

F) Submeter o preso ao uso de algema, ou outro objeto que lhe tolha a locomoção, sem justa causa e com o fim deliberado de constrangê-lo indevidamente ou provocar sua exposição vexatória. (art. 14)

G) Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito, ou por necessidade inadiável, ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações. (art. 15)

H) Impedir ou retardar injustificadamente o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para o conhecimento da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia. (art. 16).

I) Impedir, sem justa causa, que o preso se entreviste com advogado. (art. 17)

J) Constranger preso com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. (art. 18)

K) Manter presos de ambos os sexos na mesma cela, ou num espaço de confinamento congênere. (art. 19)

L) Invadir, entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências, sem autorização judicial e fora das condições legais. (art. 20)

M) Praticar ou mandar praticar violência física ou moral contra pessoa, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la. (art. 21)

N) Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de responsabilizar penal, civil ou administrativamente alguém ou agravar sua responsabilidade. (art. 22)

O) Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de quem sabe ser inocente. (art. 23)

P) Ofender, sem justa causa, a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de investigado, acusado ou parte, divulgando conteúdo de gravação de comunicação telefônica ou telemática que não guarde relação com a administração da justiça, a ordem pública ou outro interesse público. (art. 24)

Q) Prestar informação que sabe ser falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar investigado ou parte. (art. 25)

R) Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada, contra quem o sabe inocente. (art. 26)

S) Exceder, com o fim deliberado de causar constrangimento indevido ao investigado ou fiscalizado, o prazo fixado em lei ou norma infralegal para a conclusão de procedimento de investigação ou fiscalização. (art. 27)

T) Negar ao defensor, sem justa causa, acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ressalvadas as diligências cujo sigilo seja imprescindível. (art. 28)

U) Exigir, sem fundamentação, o cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer. (art. 29)

V) Deixar de corrigir, quando provocado e tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento, quando não houver outra via impugnativa e com a intenção deliberada de constranger indevidamente o interessado. (art. 30)

X) Deixar, sem justa causa, de determinar a instauração de procedimento investigatório para apurar a prática de crimes previstos nesta lei quando tiver conhecimento e competência para fazê-lo. (art. 31)

W) Coibir ou por qualquer meio impedir, sem justa causa, a reunião, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo. (art. 32)

Y) Exceder-se o agente público, mediante violência ou grave ameaça e sem justa causa, no cumprimento de ordem legal, de mandado de prisão ou de mandado de busca e apreensão. (art. 33)

Z) Utilizar-se de cargo ou função pública ou invocar a condição de agente público para se eximir de cumprir obrigação legal a todos imposta ou para obter vantagem ou privilégio indevido. (art. 34)

AA) Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, incluindo rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.  (art. 35)

Os crimes tipificados de forma taxativa no PLS 85/2017, conforme Requião (2017) em grande parte são atualizações das condutas previstas nos art. 3º e 4º da Lei nº 4.898/65, em consonância com o ordenamento jurídico moderno como se observa no crime da conhecida “carteirada” conduta prevista na proposta no art. 34 “caput”.

Todavia, encontra-se condutas criminalizadas inovadoras como: “Constranger preso com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, previsto no art. 18 “caput” Ou ainda, “Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, incluindo rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”.  (art. 35 “caput”)

Deste modo, em consonância com Requião (2017, p. 22) o PLS vem ao encontro dos anseios da sociedade e não carrega o vício dos tipos penais abertos, em desacordo com o principio da legalidade, norte no direito penal conferindo ao PLS maior segurança jurídica.

 

 3.2.6 AÇÃO PENAL

A ação penal, nos crimes de abuso de autoridade, pelo atual regramento é pública incondicionada, em síntese, o Ministério Público não está condicionado à representação da vítima para ingressar com a ação penal. Tais disposições já aplicadas na Lei nº 4.898/65, por força do o artigo 1º da Lei nº 5.249/67, cujo o texto esclarece que a falta de representação do ofendido, nos casos de abusos previsto na Lei de Abuso de Autoridade, não obsta a iniciativa ou o curso de ação penal.

Conforme regramento do art. 3º: “Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se a legitimidade concorrente do ofendido para a promoção da ação penal privada.” (BRASIL, 2017)

O projeto prevê que os crimes de abuso de autoridade são de ação pública incondicionada, admitida a ação penal privada subsidiária da pública nos termos do Código de Processo Penal. Para o relator: “justificando-se tal medida em razão das reduzidas penas nelas previstas, o que implica também prazo prescricional mais curto.” (REQUIÃO, 2017, p. 33)

Conforme Rodrigues (2017), considerando que o interesse em reprimir a conduta ultrapassa a esfera individual, a ação penal, deve ser a incondicionada na persecução dos crimes definidos no PLS, admitindo também a ação pena privada subsidiária da pública, conforme disposições do Código de Processo Penal, nos casos de inércia do “parquet”.

 

O interesse em reprimir a conduta abusiva transcende a esfera individual do cidadão. Por isso, sugere-se a adoção da ação penal pública incondicionada, para a persecução dos crimes de abuso de autoridade, bem assim a admissão da ação privada subsidiária, nos termos do Código de Processo Penal. (RODRIGUES, 2017, p.12)

 

 Destarte, temos que o PLS 85/2017 prevê nos crimes de abuso de autoridade a ação pública incondicionada, admitida a ação penal privada subsidiária da pública conforme a legislação processual vigente.  

 

 3.2.7 PROCEDIMENTO

Conforme regramento do art. 37 do PLS 85/2017, o processo e julgamento dos crimes obedecerá ao processo comum, estabelecido no Código de Processo Penal, Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Já para Requião (2017) aplica-se ao processo e ao julgamento dos delitos no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 – Lei dos Juizados Especiais.

 

 3.2.8 PRESCRIÇÃO

Igualmente não encontramos no PLS 85/2017, regulação acerca da prescrição, sendo aplicadas as regras do Código Penal, no que lhe for compatível, em consonância com o art. 12 do aludido diploma “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O PLS 280/2016, de autoria do Senador Renan Calheiros (PMDB), apresentou disposições pertinentes ao ordenamento jurídico, servindo-se de proposta para atualizar a atual Lei de Abuso de Autoridade, todavia, desde sua propositura em regime de urgência, até a criminalização de condutas questionáveis, como o citado crime de hermenêutica, não restou claro a quais objetivos serviam, de modo que somando a conflitos normativos, não teve grande aceitação.

Por seu turno, o PLS 85/2017 de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), visa atualizar a legislação em vigor ao definir os crimes de abuso de autoridade, e regrar a matéria inerente.

No PLS 85/2017, igualmente mantém-se a tríplice responsabilização do agente, em esferas distintas, ou seja, a responsabilização penal, civil e administrativa-disciplinar. Ao posso que conforme o regramento do art. 6º, a responsabilização na esfera penal, não isenta o sujeito ativo das sanções de natureza civil e administrativa em decorrência dos mesmos fatos.

O sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade é a própria autoridade, ou seja, qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de todos os poderes de qualquer dos entes federados (União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios, de território). Assim, compreendendo, mas não se limitando aos servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas, conforme art. 2º do aludido PLS.

Oportuno observar que o sujeito ativo, adotado pelo PLS 85/2017, conserva semelhanças com o conceito de autoridade do art. 5º da Lei nº 4.898/65, mas com abrangência e especificação inequívoca.

Ao passo que o dolo continua sendo elemento do tipo penal de modo que o delito se configurará, quando demonstrada a vontade livre e consciente do agente e a finalidade específica, prejudicando outrem, que extrapole os limites legais e motivada por razões pessoais incompatíveis com os interesses públicos.

Quanto aos crimes, o PLS 85/2017 apresenta uma série de tipificações, acomodadas no capitulo VI, dos artigos 9º ao 38, que atualizam crimes e penas de forma taxativa, descrevendo precisamente condutas incriminadas, o que representa nítida vantagem em relação a vaga e imprecisa definição prevista no art. 3º Lei nº 4.898/65.

Como se observou, diversas condutas criminalizadas no PLS 85/2017, partem de atualizações dos crimes previstos nos art. 3º e 4º da Lei nº 4.898/65, em consonância com o ordenamento jurídico a luz do texto constitucional como se observa no crime da conhecida “carteirada”, conduta prevista agora no art. 34 “caput”: “Utilizar-se de cargo ou função pública ou invocar a condição de agente público para se eximir de cumprir obrigação legal a todos imposta ou para obter vantagem ou privilégio indevido”.

Ainda, apresenta condutas que não estavam taxativamente expressas, que merecem tutela estatal, e elevadas ao “status” de crime por afronta aos preceitos jurídicos, tais como: “Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de responsabilizar penal, civil ou administrativamente alguém ou agravar sua responsabilidade”. (art. 22 “caput”) ou ainda: “Deixar de corrigir, quando provocado e tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento, quando não houver outra via impugnativa e com a intenção deliberada de constranger indevidamente o interessado”. (art. 30 “caput”)

Destarte, constataram-se condutas criminalizadas pelo PLS inovadoras como o caso de: “Ofender, sem justa causa, a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de investigado, acusado ou parte, divulgando conteúdo de gravação de comunicação telefônica ou telemática que não guarde relação com a administração da justiça, a ordem pública ou outro interesse público”. (art. 24 “caput”) ou “Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, incluindo rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”.  (art. 35 “caput”). Penalizam-se condutas como os “vazamentos” de áudios obtidos a partir de interceptações telemáticas de operações em curso.

Com as atualizações, vê-se uma maior tutela do estado em relação aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, e ainda quanto ao quesito formal, observa-se o respeito ao princípio da taxatividade, penalizando condutas descritas de forma precisa e inequívoca.

 

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
 Daniel Almeida Westphal

Aluno especial no Mestrado em Filosofia do Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2019 - atual); Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2018); Pós-Graduado em Advocacia Contemporânea com ênfase em Prática Administrativa pela Faculdade de Educação São Luís (2018); Cursou graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2005 - 2007). É servidor público, vínculo SESP/PR. Pós-Graduado em Direito Administrativo, faculdade São Bras-SP.

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O presente artigo, almeja uma [possível] análise do Projeto de lei do Senado nº 85/2017, e da Lei nº 4.898/65, conhecida como Lei de Abuso de Autoridade, que regula o direito de representação e da outras providências acerca de abusos cometidos por agentes públicos no exercício ou em razão de suas funções. Por fim, realiza-se uma análise do Projeto de lei do Senado nº 85/2017, que visa atualizar a Lei de Abuso de Autoridade.

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