V) CONCLUSÃO
Pelo exposto, entendemos, à luz do texto da Constituição Federal e dos mecanismos por ela adotados para garantir a harmonia e independência dos Poderes da República, bem como da experiência do direito comparado, que o Poder Judiciário somente tem jurisdição para apreciar decisão proferida por qualquer das casas do Congresso Nacional, no exercício da atribuição que lhes foi expressamente outorgada pela Constituição (artigo 55), em caso de alegação de violação a um dos requisitos formais constantes do texto constitucional, sendo-lhe vedado, portanto, o exame de outras questões, de natureza interna corporis, como a existência ou não do ato imputado ao parlamentar, a sua qualificação como ofensivo ao decoro parlamentar e a proporcionalidade entre o ato e a sanção aplicada.
Vale dizer, embora se reconheça que ao Poder Judiciário, e ao Supremo Tribunal Federal em especial, cabe o "gravíssimo encargo de fazer prevalecer a autoridade da Constituição" [85], tal encargo restringe-se ao que foi disciplinado pelo próprio texto constitucional, não alcançando o que foi objeto de delegação a outro Poder, sendo vedado ao STF, a pretexto de defender a Constituição, transformar-se em juiz de uma causa para a qual o texto constitucional escolheu outro julgador.
NOTAS
01
Cf. QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O Controle Judicial de Atos do Poder Legislativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001; SILVA FILHO, Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003.02
"PERDA DE MANDATO ELETIVO. QUESTÃO RESERVADA A COMPETÊNCIA INTERNA DOS CORPOS LEGISLATIVOS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS, SOBRE A QUAL NÃO FOI DISCRIMINADA A COMPETÊNCIA QUER DA JUSTIÇA COMUM, QUER DA JUSTIÇA ELEITORAL" (STF – 2ª Turma – Recurso Extraordinário nº 32.756-BA – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 18.12.56 – m.v. – RTJ 3/74).03
Cf. SILVA FILHO, Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 87-89.04
Cf. STF –Tribunal Pleno – Recurso em Mandado de Segurança nº 2.343-GO – Rel. Min. Abner de Vasconcelos – j. 09.08.54 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 10.141-CE – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 06.05.64 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.861-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 29.09.94 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.388-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 25.11.99 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.529-DF – Rel. Min. Octavio Galotti – j. 27.09.00 – m.v.;05
Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. São Paulo: CPJ/CEBEPEJ, 1999. p. 111.06
Cf. BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 181.07
Cf. STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2.319-SP – Rel. Min. Nelson Hungria – j. 04.01.54 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 8.893-SC – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 09.08.61 – v.u.;08
Cf. Voto vencido do Ministro Marco Aurélio no MS nº 23.529-DF.09
Cf. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 639.10
Cf. "Decoro parlamentar e cassação de mandato eletivo". Revista de Direito Público, n. 10, out./dez., 1969. p. 92.11
Cf. Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.12
Cf. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 193.13
"Perderá, igualmente, o mandato o Deputado ou Senador cujo procedimento seja reputado, pelo voto de dois terços dos membros de sua Câmara, incompatível com o decoro parlamentar".14
"Nos casos dos itens I e II, a perda do mandato será declarada, em votação secreta, por dois terços da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, mediante provocação de qualquer de seus membros, da respectiva Mesa, ou de Partido Político".15
Cf. MASKELL, Jack. Expulsion, Censure, Reprimand, and Fine: Legislative Discipline in the House of Representatives. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002. p. i.16
Cf. RAWLE, William. A View of the Constitution of the United States. 2. ed. Philadephia: Philip H. Nicklin, 1829. p. 47.17
Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125.18
Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.19
Cf. TEIXEIRA, Carla Costa. A Honra da Política – Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional (1949-1994). Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998. p. 44.20
"Nor is this power to be viewed in an unfavourable light. It is a privilege, not of the members of either house; but, like all other privileges of congress, mainly intended as a privilege of the people, and for their benefit" (STORY, Joseph. Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 307).21
Cf. Direito Constitucional. 5. ed. v. I. t. I. São Paulo: Max Limonad, [s.d.]. p. 285.22
Após negar a possibilidade de controle jurisdicional do impeachment, afirmou CHARLES L. BLACK que o único resultado da tentativa judicial de rever uma decisão do Congresso seria uma terrível crise constitucional (Impeachment: A Handbook. New Haven: Yale University Press, 1998. p. 61).23
Cf. Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 35.24
Cf. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 112.25
"O conteúdo e o alcance do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, também conhecido por princípio da proteção judiciária, dependem fundamentalmente da organização político-constitucional do Estado, vale dizer, do seu direito positivo" (WATANABE, Kazuo. Controle Jurisdicional e Mandado de Segurança contra Atos Judiciais. São Paulo: RT, 1980. p. 7).26
Cf. STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.941-DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.02.90. – m.v.27
Cf. BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira, 1891 (Comentada). Brasília: Senado Federal, 2002. p. 97-100; BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 138-143; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. I. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 324; GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em sua Unidade II. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 42; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 457 (citando voto do Ministro Paulo Brossard no MS nº 21.689-DF); SEABRA FAGUNDES, M. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 140.28
Hamilton refere-se ao Senado como "tribunal para o julgamento de impeachments", ressaltando o seu caráter judicial (Hamilton et alii. Os Artigos Federalistas 1787-1788. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 416), opinião que é seguida por BRYCE (The American Commonwealth. v. I. Indianapolis: Liberty Fund, 1995. p. 100) e STORY (Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 227). Idêntico é o entendimento de William Rawle, segundo o qual no julgamento do impeachment o Senado é um tribunal superior (high court) e de sua decisão, que tem natureza judicial ("the decision... is a judicial one"), não cabe recurso (appeal). O mesmo autor ainda menciona a jurisdição de cada um dos órgãos legislativos (jurisdiction of the legislative body), isto é, da Câmara e do Senado, sobre seus membros (A View of the Constitution of the United States. 2. ed. Philadephia: Philip H. Nicklin, 1829. p. 46).29
Na Questão de Ordem na Petição nº 1.365-DF decidiu o Supremo Tribunal Federal que a renúncia do Presidente Collor não fez cessar a "jurisdição do Senado Federal", para prosseguir no julgamento do processo de impeachment. Segundo o Ministro Carlos Velloso, ao julgar o comportamento do parlamentar o Congresso age como um "autêntico tribunal", embora seja órgão que não integra o Poder Judiciário (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125). No RMS nº 12.388-SP afirmou o Ministro Francisco Falcão que "a cassação de mandato eletivo é situação em que os integrantes do Poder Legislativo exercem a função jurisdicional" (STJ – 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 12.388-SP – Rel. Min. Francisco Falcão – j. 18.12.01 – v.u.).30
Cf. STF – Tribunal Pleno – Petição (QO) nº 1365-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 03.12.97 – v.u.31
É o sistema de jurisdição dupla: "O sistema de jurisdição dupla, de origem francesa, caracteriza-se pela existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição ordinária comum e a jurisdição administrativa, destinada a julgar litígios que envolvem a Administração Pública. A jurisdição administrativa ou contencioso administrativo forma um conjunto escalonado de juízes ou tribunais administrativos, encabeçados por um órgão supremo, de regra denominado Conselho de Estado, independente do tribunal supremo da jurisdição ordinária e cujas decisões representam a última instância" (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 432).32
Cf. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 105.33
"Se é certo que só o Judiciário julga crimes e a seus autores aplica a pena criminal, é igualmente certo que só a Câmara julga a ocorrência de falta de decoro parlamentar e aplica ao faltoso a sanção adequada, que nada tem com a sanção penal" (Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no MS nº 21.443-DF).34
Cf. TJRJ – 17ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 2005.001.03324 – Rel. Des. Edson Vasconcelos – j. 22.06.05 – v.u.35
Nixon v. United States, 506 U.S. 224 (1993).36
"The process of disciplining a Member in the Congress is not without countervailing risks of abuse since it is not surrounded with the panoply of protective shields that are present in a criminal case. An accused Member is judged by no specifically articulated standards 13 and is at the mercy of an almost unbridled discretion of the charging body that functions at once as accuser, prosecutor, judge, and jury from whose decision there is no established right of review".37
Admitindo-se que fosse possível realizar algum julgamento com a exclusão dos parlamentares partidários e adversários do acusado, o número de julgadores seria tão pequeno que comprometeria e legitimidade do resultado .Em boa hora, portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu serem aplicáveis ao processo de impeachment apenas as hipóteses de impedimento e suspeição previstas na Lei nº 1.079/50 (STF – Tribunal Pleno – MS nº 21.623-DF – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 17.12.92 – m.v. – RTJ 167/414), entendimento que é igualmente aplicável ao processo de cassação de mandato.38
Mais do que uma decisão sem "fundamentação expressa", como entendeu o Ministro Néri da Silveira no MS nº 21.861-DF, trata-se de decisão sem fundamentação alguma, como vislumbrou o Ministro Moreira Alves no MS nº 21.360-DF ("... será um julgamento judiciário sem motivação") e reconheceu o Ministro Carlos Velloso no MS nº 21.861-DF ("... não se exige dos parlamentares, que julgam o seu par, decisão fundamentada"), o que, a nosso ver, impede a substituição da decisão da maioria dos membros da Câmara ou do Senado, absolutória ou condenatória, por uma decisão judicial, eis que não há como demonstrar, objetivamente, quais foram os erros da decisão "recorrida".39
A identidade de natureza entre a cassação de mandato e o impeachment foi bem ressaltada por PONTES DE MIRANDA, em seus comentários ao artigo 35 da CF/67: "Dois terços da câmara a que pertence o congressista podem cassar (é bem o termo) o cargo do deputado ou senador cujo procedimento seja, a juízo desses dois terços, incompatível com o decoro parlamentar, ou atentatório das instituições vigentes. É o impeachment. Ato político, não sujeito a controle judicial, salvo se não tivesse havido o quanto de votos acordes na destituição do deputado ou senador ..." (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969. t. III. São Paulo: RT, 1970. p. 39). Por tal razão, aplicam-se ao processo de cassação muitas das considerações formuladas pela doutrina e pela jurisprudência, nacionais e estrangeiras, a respeito do impeachment.
40
41
Anteriormente, o quorum era de dois terços. De qualquer forma, exigindo-se a maioria absoluta dos votos é virtualmente impossível (ou pelo menos altamente improvável) que ocorra a cassação do mandato sem que haja o voto concordante de membros de diversos partidos, de diversas correntes ideológicas, o que afasta o risco de utilização do instituto como instrumento de vingança política.42
Conforme aduziu o Chief Justice Rehnquist em Nixon v. United States, invocando a lição de Hamilton nos Artigos Federalistas (Capítulo LXXIX).43
"O Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes" (STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03).44
Como demonstrou, de forma irrespondível, o ilustre Ministro Carlos Ayres Britto no Mandado de Segurança nº 25.594-DF: "Se já existe processo que vise ou possa levar à perda do mandato, é porque já existe pelo menos um parlamentar formalmente posto na condição de acusado. Ao contrário, se ainda não se deu a abertura desse tipo de processo, é porque também ainda não existe sequer um parlamentar formalmente posto na condição de acusado" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).45
"A perda do mandato de Deputados e Senadores é tema de explícita previsão constitucional. Quero dizer: a Constituição Republicana chamou para si a regulação da matéria. E o fez para arrolar as hipóteses de perda de mandato, os conteúdos a conduta incompatível com o decoro parlamentar, as instâncias responsáveis pelo respectivo processo e as garantias outorgadas aos processados (artigo 55 da CF)" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).46
"Sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica" (PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969. t III. São Paulo: RT,1970. p. 644). Entendemos, porém, que a questão não deixa de ser política; torna-se política e constitucional.47
"Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei" (STF – Tribunal Pleno – ADI(MC) nº 1105-DF – Rel. Min. Paulo Brossard – j. 03.08.94 – m.v.).48
Vale dizer, encontrando-se a matéria relativa à cassação de mandato parlamentar disciplinada pelo regimento interno, como determina a Constituição (artigo 55, § 1º), não é cabível a edição de lei a esse respeito, nem, muito menos, a aplicação analógica de leis que estabelecem "juízos e procedimentos concebidos para o modo típico de atuar do Poder Judiciário" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005), que não foram impostos pelo próprio texto constitucional.49
Cf. STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.464-DF – Rel. Min. Soares Muñoz – j. 31.10.84 – v.u. – RTJ 112/598; STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.471-DF – Rel. Min. Francisco Rezek – j. 19.12.84 – v.u. – RTJ 112/1023; STF – Tribunal Pleno – Agravo Regimental no MS nº 21.754-DF – Rel. Min. Francisco Rezek – j. 07.10.93 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – MS nº 22.183-DF – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 05.04.95 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – MS nº 22.503-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa – j. 08.05.96 – m.v. – RTJ 169/181; STF – Tribunal Pleno – MS nº 24.356-DF – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 13.02.03 – m.v.50
Em nossa opinião, mais do que mera restrição, no plano horizontal, à cognição do órgão jurisdicional, trata-se de ausência de jurisdição sobre o assunto (no MS nº 24.356_DF alude o Ministro Sepúlveda Pertence ao "critério dos atos interna corporis como excludentes da jurisdição dos tribunais"), embora tanto em um como noutro caso o resultado prático seja idêntico (extinção do processo sem julgamento de mérito). Caso, todavia, se trate de conflito entre o regimento e a Constituição Federal ou entre o regimento e lei (o que ocorreu, por exemplo, quanto ao procedimento de impeachment), há questão constitucional a ser solucionada pelo Poder Judiciário (STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.941-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.02.90 – m.v. – RTJ 142/88; STF – Tribunal Pleno – MS (MC-QO) nº 21.564-DF – Rel. Min. Octavio Galotti – j. 10.09.92 – m.v.).51
Cf. STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005.52
É evidente que também seria inconstitucional a aplicação de pena não prevista pela Constituição (v.g., prisão ou inelegibilidade perpétua) ou com base em fato que a própria acusação reconhecesse não configurar falta de decoro. Tais hipóteses, porém, são por demais aberrantes, e portanto não foram consideradas.53
Em todas as hipóteses cuida-se de aspectos formais. O controle jurisdicional, todavia, é possível não por se serem as questões de ordem formal, mas por ter sido a forma (e apenas a forma) disciplinada pela Constituição, o que é coisa bem diferente54
Cf. STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005.55
Segundo PONTES DE MIRANDA, embora não exista um "conceito a priori de defesa", "existe algo mínimo, aquém do qual não mais existe defesa" (Comentários à Constituição de 1967 – Com a Emenda n. 1, de 1969. t. V. 2. ed. São Paulo:RT, 1971. p. 234). A ampla defesa, portanto, tem um conteúdo mínimo, como afirmou o Supremo Tribunal Federal (STF – 1ª T – RE nº 266.397-PR – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.03.2004 – v.u.), em função do qual, em nossa opinião, o parlamentar acusado deve ter o direito de: a) ser citado pessoalmente (admitindo-se a citação por hora certa ou por edital quando houver suspeita de ocultação); b) apresentar a sua defesa em prazo razoável; c) produzir provas (cabendo ao órgão competente avaliar a sua pertinência e relevância); d) manifestar-se sobre as provas produzidas após a apresentação da sua defesa. "56
O regimento é lei em sentido material e, portanto, sujeita-se ao controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.57
Pois a amplitude de defesa deve ser entendida "em conformidade com a natureza do processo a que está submetido o interessado" (Voto do Ministro Octavio Gallotti no MS nº 21.360-DF).58
Ou mesmo um processo de impeachment, que também tem natureza política, como ressalta a doutrina norte-americana: "Membros do Congresso dos Estados Unidos não são removidos através de um processo de ‘impeachment’ perante o legislativo, como os ocupantes de cargos do Executivo e Judiciário, encontrando-se sujeitos a um processo legislativo mais simplificado de expulsão" ("Members of the Unites States Congress are not removed by way of an ‘impeachment’ procedure in the legislature, as are executive and judicial officers, but are subject to the more simplified legislative process of expulsion") (MASKELL, Jack. Expulsion, Censure, Reprimand, and Fine: Legislative Discipline in the House of Representatives. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002) (grifou-se).59
Por exemplo, decidiu o STF que o direito à ampla defesa "não encerra, necessariamente, a representação do parlamentar por profissional da advocacia, a ponto de impor, a qualquer das Casas do Legislativo, a admissão deste na Tribuna" (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125).60
Cf. Voto do Ministro Sydney Sanches no MS nº 21.360-DF.61
No caso específico do indeferimento de prova, sequer é possível ao Poder Judiciário aquilatar se a prova que deixou (ou deixará) de ser produzida influiria (ou influirá) ou não no resultado do julgamento, eis que não se trata de processo técnico-jurídico, mas político-jurídico, a que os magistrados não se encontram afeitos. É nesse sentido que se deve compreender o voto proferido pelo Chief Justice de Grey, do King’s Bench, no julgamento do caso Brass Crosby (95 Eng. Rep. 1005, 1771), em que se discutia a revisão judicial de decisão proferida pelo Parlamento inglês no exercício do seu poder disciplinar: "...este Tribunal não pode conhecer de uma decisão da Câmara dos Comuns, porque não pode julgar pela mesma lei; pois a lei com base no qual os Comuns julgam as suas prerrogativas nos é desconhecida... a lei parlamentar é conhecida apenas pelos membros do Parlamento, pela experiência vivida na Câmara..." ("... this Court cannot take cognizance of a commitment by the House of Commons, because it cannot judge by the same law; for the law by which the Commons judge of their privileges is unknown to us… the law of Parliament is only known to Parliament-men, by experience in the House…").62
Se em um processo judicial, civil ou criminal, é necessária certeza para proferir condenação (entendendo-se por certeza um grau de probabilidade em que os elementos de convicção favoráveis à condenação preponderam sobre os desfavoráveis), isto não ocorre em um processo de cassação de mandato parlamentar (ou de impeachment). Aos parlamentares, tal como se dizia da mulher de César, não basta serem honestos, é preciso parecerem honestos, de modo que mesmo indícios e presunções podem autorizar a aplicação da pena de cassação.63
Cf. STJ – 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 12.388-SP – Rel. Min. Francisco Falcão – j. 18.12.01 – v.u. Em sentido contrário: STJ - 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 14.170-AP – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 25.06.02 – m.v.64
Cf. LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília: Senado Federal, 2003. p. 65-66.65
Cf. Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no MS nº 21.443-DF.66
Em caso de impeachment e de cassação de mandato, a legitimidade da decisão decorre, em grande parte (além da observância do procedimento estabelecido na CF e no regimento), do número de julgadores e do fato de serem os Deputados e Senadores eleitos pelo povo, o que torna temerário, a nosso ver, a substituição do entendimento de 41 ou mais Senadores ou 257 Deputados pelo de 6 Ministros do Supremo Tribunal Federal. Como Hamilton, acreditamos que a liberdade "para determinar a honra ou a infâmia das figuras mais respeitadas e destacadas da comunidade proíbe a entrega dessa missão a um pequeno número de pessoas" (Hamilton et alii. Os Artigos Federalistas 1787-1788. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 418).67
Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125.68
Cf. Voto do Ministro Nelson Hungria no ROMS nº 2.319-SP, voto vencido do Ministro Marco Aurélio no MS nº 23.529-DF,69
"O Magno Texto Federal não teve a intenção de exaurir a regulação de tudo quanto diga respeito a perda de mandato parlamentar. E tanto não exauriu, que dele mesmo se contém autorização para que regimento interno possa definir outras condutas incompatíveis com o decoro parlamentar (§ 1º do artigo 55)" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).70
O único "recurso" cabível é o apelo à opinião pública. Assim, se o Poder Judiciário se tornasse a última instância de julgamento, entraria na "arena política" (é a chamada "judicialização da política"), expondo-se a toda sorte de ataques, que poderiam resultar no comprometimento da sua autoridade.71
72
Cf. BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 174.73
"A sanção disciplinar imposta pela Câmara dos Deputados difere da natureza da condenação criminal; é processada em outra instância que a do Poder Judiciário, cabendo privativamente à Câmara dos Deputados" (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.443-DF – Rel. Min. Octavio Gallotti – j. 22.04.92 – v.u.).74
Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, por expressiva maioria (sete votos a três, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim), ao indeferir pedido de liminar formulado no Mandado de Segurança nº 25.579-DF (acórdão ainda não publicado).75
Como ponderou o Deputado Kastenmeier no processo de impeachment do Juiz Federal Harry E. Claiborne, seria absurdo concluir que um juiz que tivesse praticado homicídio, lesão corporal grave, estupro ou espionagem em sua vida particular não pudesse ser removido do seu cargo (Constitutional Grounds for Presidential Impeachment: Modern Precedents. Washington: US Government Printing Office, 1998. p. 6).76
Em 1797 o Senador William Blount, por votação quase unânime, foi expulso por fato não relacionado ao exercício do mandato parlamentar (STORY, Joseph. Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 299-300).77
Cf. TEIXEIRA, Carla Costa. A Honra da Política – Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional (1949-1994). Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998. p. 47.78
Cf. STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2.319-SP – Rel. Min. Nelson Hungria – j. 04.01.54 – v.u.79
Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.388-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 25.11.99 – v.u.; STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.80
Cf. Comentários à Constituição Brasileira. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 28.81
Não se trata de presunção, muito menos prova de que, na opinião de seus eleitores, o parlamentar não praticou nenhuma ofensa ou já foi punido o suficiente, como pretendeu JAMES WILSON ("Legislative Department, Lectures on Law". In: Works. v. 1. 1791. p. 420) ao comentar dispositivo da Constituição do Estado da Pennsylvania. De qualquer forma, a Constituição da Pennsylvania vedava expressamente que o parlamentar fosse expulso mais de uma vez pela mesma causa ("not a second time for the same cause"), restrição que não consta nem da Constituição dos Estados Unidos, nem da Constituição Brasileira.82
Cf. Voto do Ministro Paulo Brossard no MS nº 21.360-DF.83
Cf. MASKELL, Jack. Status of a Member of the House Who Has Been Convicted of a Felony. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002. p. 5-6.84
Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.85
Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.