A vigente Lei de Falências merece ser reformada, imediatamente, para se adaptar ao novo milênio, que se aproxima velozmente, e a um mundo fascinante envolvido por novos mercados e blocos comerciais, profundas alterações político-sociais, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa universalização jamais vista, e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração legislativa, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a realidade.
As leis são amostras de comportamento que traduzem a consciência social de um povo e de uma era e devem-se harmonizar com as novas realidades que despontam, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitária.
Os objetivos das Comissões, que elaboraram os anteprojetos de leis (1), concentravam-se primacialmente na modernização do vigente diploma legal, vez que, promulgado numa época em que o Brasil ainda se encontrava numa fase subdesenvolvida, está plenamente superado (2).
Fruto de um momento ultrapassado, as transformações sócio - econômicas deveriam, efetivamente, ser consideradas.
O direito romano é fonte primeira do processo de execução, que recaía sobre o próprio devedor e não sobre seus bens, calcada no impiedoso sistema escravagista.
No direito medieval, sob a influência da invasão bárbara, mas ainda envolvida pelo direito romano, a execução por dívidas fazia-se sobre o próprio devedor ou sobre seus bens móveis, com exclusão dos imóveis, em vista do regime corporativista da propriedade.
Só na Itália do norte, surge com extrema nitidez, a execução de caráter coletivo, remanescendo ainda as penas severíssimas, para os devedores falidos e a falência, por si só, constituía-se em crime. A finalidade primeira era a liquidação do patrimônio do devedor, através da execução coletiva. Essa fase encerra-se com a primeira grande guerra mundial.
A seguir, a preocupação maior era a preservação da empresa, todavia, ainda, de forma empírica, como o faziam a lei espanhola, francesa, inglesa, norte - americana (USA) e alemã.
Numa fase posterior, que se iniciaria, para alguns, após a segunda guerra e, para outros, mais recentemente, o núcleo de toda discussão se centra especialmente numa postura inovadora, visando o saneamento da empresa e sua preservação, para se liquidar somente, quando inviável e inevitável aquela solução.
A empresa é, hoje, encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém de mera abstração, senão de uma realidade incontestável, com assento na doutrina e no direito alienígena.
A Alemanha experimentou a Lei do Acordo, de 1935, a Espanha reconhece situações distintas entre a empresa que não paga, por dificuldades financeiras de momento, contornáveis, e a que simplesmente deixa de pagar.
A França, na vanguarda, tem em vista a salvaguarda da empresa, a manutenção das atividades empresariais e o emprego.
Roger Houin, enriquece o relatório elaborado por uma comissão de juristas franceses, com um memorável comunicado, com reflexos não só no direito comercial francês, mas também no direito comparado, pois defende a permanência da empresa dentro da falência, já que ela interessa não apenas aos assalariados, mas também aos sócios, especialmente aos acionistas e à própria economia do país.
O Estado tem, por dever ético, ofertar condições, para sua sobrevivência e não massacrá-la.
Na Itália, Ferrara sugere que o instituto em vigor passe a chamar-se de saneamento da empresa. Os Estados Unidos da América cuidam de reorganizar a empresa permitindo ao devedor manter todos os poderes de gestão e representação da empresa.
A simplificação, a conciliação de todos os interesses e a observância, fundamentalmente, da economia processual deverá nortear qualquer reforma.
O projeto governamental apresentou inúmeras novidades revolucionárias, destacando-se o instituto da recuperação da empresa (3) , visando reorganizá-la, ao invés de destruí-la, para a manutenção dos empregados e a preservação da produção e circulação da riqueza, tendo em vista o desenvolvimento e o bem estar sociais; extensão às empresas estatais dos benefícios da concordata e da recuperação, se esta não ocorresse às custas do Tesouro Público e sim do próprio esforço; expressa submissão dessas empresas - sociedades de economia mista, empresas públicas e outras entidades estatais - à falência, desde que explorem atividade econômica, em consonância com o artigo 173 da Constituição da República; supressão da concordata suspensiva, porque, no curso desta e da falência, poder-se-á propor a recuperação da empresa.
O Substitutivo (4) , adotado pela Comissão Especial da Câmara do Deputados, inova, com muita felicidade, na denominação do projeto, e também manteve a preocupação nuclear na recuperação e liquidação judicial de empresas e pessoas físicas que exerçam atividades econômicas, em nome próprio e de forma organizada, visando recuperá-la, ao invés de destruí-la, para a manutenção dos empregados e a preservação da produção e circulação da riqueza, tendo por escopo o desenvolvimento e o bem estar sociais; e resguardou as linhas mestras do projeto, como a submissão das empresas de economia mista e as empresas públicas, com finalidade econômica e de cunho mercantil, às regras desse diploma legal, as comunicações processuais feitas, também, por meios eletrônicos e modernos, adotando, com profunda humildade, sugestões de juristas e de entidades, o que é extremamente louvável.
Assim, acolhendo a proposta do anteprojeto e do projeto, a citação, intimação, interpelação, reclamação e comunicação serão feitas por qualquer meio eletrônico de transmissão de mensagem ou por carta com aviso de recebimento, ou pessoalmente, mediante assinatura de protocolo, aproveitando-se esta grande oportunidade, para atualizar-se o processo e harmonizá-lo, com os progressos científicos, já abrigados pelo Direito, vez que o direito informatizado é o direito do futuro ou, mesmo, do presente.
Delineia algumas figuras significativas, como o administrador judicial ( pessoa física ou jurídica ), que terá por incumbência administrar os bens do devedor, em liquidação judicial, ou auxiliá-lo, na administração, durante a reorganização, e o comitê de recuperação, sob a supervisão do juiz, para auxiliá-lo, na superação da crise por que passa, ou fiscalizar os atos do administrador judicial, se decretada a liquidação judicial, novo nome dado à falência.
A intervenção do Ministério Público continua obrigatória, todavia, visando dinamizar o processo, este será imediatamente encaminhado ao juiz, se não houver manifestação daquele órgão em tempo hábil, em consonância com as fundas reformas exigidas e a compensação das dívidas dos credores poderá ser feita com os créditos que tiverem contra o devedor, com alvissareiras perspectivas.
Ainda se mostra notável o referido Substitutivo, porque trata da recuperação da empresa, alcançando as micro - empresas, sem restrição de um mínimo de cem empregados, tal qual propuséramos, nas Comissões ministeriais, e para ter aplicação em qualquer fase da concordata (neste Substitutivo, simplesmente, chamada recuperação judicial da empresa), ou da falência (aqui cognominada liquidação judicial), vez que aquele instituto traduz moderna orientação doutrinária, agasalhada por inúmeros países. E a constrição simplesmente abortaria esse instituto.
Permite também que, durante a liquidação judicial, se ficar demonstrada a possibilidade de superação das causas e circunstâncias que determinaram o pedido de liquidação judicial, poderá ser proposta a recuperação da empresa, harmonizando-se com a premissas do instituto, seguindo as pegadas do artigo 74 da lei atual.
Todavia, alguns reparos são dignos de consideração.
O pagamento parcial, antes do ajuizamento, e não apenas o total da dívida, e a novação, após o pedido de falência, devem ser razão bastante para obstar a decretação da liquidação judicial, restaurando salutar disposição do projeto, in verbis: "a liquidação judicial não será decretada, se o requerente provar: ...............) novação, após o pedido....) pagamento efetuado, antes do pedido, de parcela da dívida exigível.....".
A legitimidade para requerer a recuperação deverá ser ampliada, nos moldes da redação originária do texto das Comissões, acrescentando-se parágrafo ao artigo 53, in verbis: "Parágrafo único: Podem, também, requerer a recuperação qualquer credor, o Poder Público, o Ministério Público, o administrador judicial e qualquer deles individualmente, bem como os empregados."
Justifica-se essa postura, em havendo o interesse púbico ou econômico, na recuperação da empresa, e, sem dúvida, eles o têm.
No artigo 10, a recuperação está mal colocada e deverá ser excluída, porquanto os pressupostos da falência (ou liquidação judicial, na nova nomenclatura) não se confundem com os da recuperação, como configurada no inciso II do artigo 6o e no artigo 52.
A nova modalidade de despacho, na petição inicial, ordenando a realização de vários atos, sucessivamente, visando a economia processual, como já o fizeram o artigo 7o. da Lei 6830/80, que dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, de forma pioneira, e, mais recentemente, o Código de Processo Civil, através das salutares alterações, deverá ser encampada, pelo Substitutivo, restaurando a idéia original das Comissões.
A lei de execução fiscal é precursora das medidas saneadoras e desburocratizantes do processo, devendo servir de modelo, porque, em harmonia, com o princípio da segurança e presteza, proporciona-lhe mais agilidade, tão necessária e desejável quanto o processo de modernização.
Urge recordar, ainda, que a Lei de Licitações e Contratos também deve ser contemplada com alterações a dispositivos que se refletem diretamente, neste Substitutivo, mercê das novidades introduzidas, com as quais se deve conformar plenamente.
Destarte, o inciso II do artigo 31 exige certidão negativa de falência e concordata, para habilitação nas licitações, para contratação com a Administração Pública. Não se justifica a certidão negativa de concordata ou, pelo Substitutivo, da recuperação da empresa, pelos motivos que autorizam essa mesma recuperação. Consequentemente, a concordatária ou a empresa, em recuperação, não pode ser impedida de contratar com o Poder Público (5) .
A concordata, com efeito, não pode ser óbice para o exercício de suas atividades empresariais.
Qualquer obstáculo se me afigura atentatória à Constituição. A restrição para contratar com a Administração Pública, simplesmente, porque concordatária, encontra barreira intransponível, na definição constitucional do princípio fundamental da isonomia e da livre iniciativa, porque a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, observada a livre concorrência (6) .
A todos assegura a Lei Maior o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente da permissão de órgãos públicos, salvo nos casos previstos na lei. A lei, entretanto, deverá regular o exercício dessa mesma atividade, sem restringir ou fazê-lo, de modo a impedir esse exercício.
Há que se inserir um dispositivo, neste sentido, deixando bem claro que a recuperação da empresa não será óbice para a contração com o Poder Público.
A estrutura do Poder Judiciário não pode ser olvidada, pelos que se decidem estudar essas questões cruciais.
O aumento vegetativo da população e o crescente desenvolvimento das atividades econômicas exigem do legislador uma tomada de posição séria e urgente.
Não bastam leis renovadoras, é preciso que se aumente o número de juízes, dando-se-lhes remuneração condigna, com a respectiva reestruturação do sistema cartorário, para que realmente este Poder possa desempenhar o ofício constitucional que lhes cabe.
Propomos, assim, a criação de juizados especiais de falência, em número suficiente, para desemperrar de vez o congestionamento da justiça falimentar e a comum. Os juizados de pequenas causas são o exemplo gritante de que há remédio para tudo.
Basta a vontade política para se resolverem as mais intrincadas questões.
Os crimes e as penas, merecem certamente melhor adequação à realidade, visando surtir efeitos práticos imediatos.
(1) O Poder Executivo, através da Mensagem n º 1014, de 21 de dezembro de 1993, enviou ao Congresso Nacional texto do Projeto de Lei , acompanhado da Exposição de Motivos do então Ministro da Justiça, Dr. Maurício Corrêa, elaborado pelas Comissões constituídas pelas Portarias 233, publicada no DOU, de 9 de maio de 1991, e 552 MJ. O Projeto de Lei 4376/93 está em trâmite no Congresso Nacional.
Participaram da primeira Comissão, coordenada pelo Dr. Raul Bernardo Nelson de Senna, os Drs. Leon Frejda Szklarowsky (secretário), Geraldo de Camargo Vidigal, assessorado pelos Drs. Geraldo Facó Vidigal, Marcos da Costa e Fernando D’ Almeida e Souza Júnior; Solange Nascimento Velloso, Carlos Alberto de São Tiago Hagstrom, Danilo José Loureiro , Maria Luíza Grossi Franco Neto e Marília Pinheiro de Abreu Miranda (Texto e Nota Explicativa publicados, no DOU
de 27 de maio de 1992);
e da segunda, presidida pelo Dr. Alfredo Bumachar Filho,
os Drs. Fran Martins, Rubens Requião, Werter R. Faria,
José Fernando Mandel, João Raimundo Cysneiros Vianna
e Leon Frejda Szklarowsky (Texto publicado, no DOU de 29 de julho
de 1993 ).
(2) Cf. anteprojeto do IASP encaminhado ao Ministério da Justiça, sob a coordenação do jurista Rubens Approbato, in Manual de Falências e Concordatas, de Jorge Pereira Andrade, Atlas, 1993; consulte-se a Reforma da Lei de Falências, de Waldírio Bulgarelli, in Revista de Direito Mercantil 83, de 1991, pp.122-136.
(3) Sobre o assunto, consulte-se, a excelente monografia, de Jorge Lobo, Da Recuperação da Empresa no Direito Comparado, Editora Lumen Juris, 1993.
(4) O Substitutivo ao Projeto de Lei 4376-A, de 1993, de 4.12.93, encaminhado pelo Poder Executivo, através da Mensagem 1014/93, está em pauta para a ordem do dia (discussão e votação em plenário), sendo relator o Deputado Osvaldo Biolchi e presidente o Deputado José Luiz Clerot.
(5) Cf. nosso A concordata e a Lei de Licitações e Contratos, in INFORMATIVO CONSULEX, número 50, de 9.12.96.
(6) Cf. arts. 1º, caput, inciso IV, 5º, caput, 170, caput, inciso IV.