1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto a análise acerca da possibilidade ou não de penhora de animais de estimação no processo de execução.
Quando as obrigações contraídas não são cumpridas de acordo com o que foi entabulado pelos contraentes, se perfazem necessário o acionamento do Poder Judiciário e seus mecanismos para satisfação da obrigação.
Como meios aptos a buscarem o cumprimento do débito excutido, há o que se chama de penhora, que é formado por atos de constrição de bens do executado, a legislação vigente, nesse viés, apresenta regras pertinentes à penhora, ordem de bens penhoráveis e, inclusive, os casos de impenhorabilidade.
Nesse sentido, com o intuito de tratar o tema central do presente estudo, o artigo se dividirá em três pontos essenciais.
Em um primeiro momento, tratar-se-á sobre o processo de execução, envolvendo a análise dos princípios vigentes, bem como sobre a penhora e procedimentos pertinentes. Na sequência, o objeto do estudo envolverá o direito dos animais com questões referentes a proteção destes e as teorias protecionistas, que são a do bem-estar e abolicionismo.
Como ponto final, será apresentado o estudo pertinente a (im) penhorabilidade dos direitos dos animais e a questão do afeto como instrumento de proteção dos animais de estimação.
Feitas as considerações introdutórias, passar-se-á a análise dos respectivos estudos.
2. PROCESSO DE EXECUÇÃO
O Estado, como um ente soberano que busca a resolução dos conflitos, desenvolveu vários meios processuais para declaração, constituição, anulação, cumprimento, dentre outros métodos para satisfação de objetivos existentes nas lides.
Dentre esses meios, está o chamado processo de execução. Dinamarco (1998, p. 98) enuncia que “assumindo a missão de executar julgados e títulos extrajudiciais, ao longo dos tempos o Estado procurou com isso chegar mais perto do exaurimento de seu dever de pacificação social”.
Como é função do Estado a manutenção e observância das normas, cabe a ele também impor sanções diante do descumprimento dos preceitos legais existentes. Wambier e Talamini (2015) ensinam que quando essa atuação do Estado, caracterizada pela sanção, se dá por meio da prática de atos materiais, ou seja, concretos, têm-se, in casu, a execução.
Para realização da execução forçada, admitem-se dois modos processuais: o cumprimento de sentença e o processo de execução. Nos ensinamentos de Theodoro Júnior (2017, p. 211), o processo de execução “contém a disciplina da ação executiva própria para a satisfação dos direitos representados por títulos executivos extrajudiciais. Serve também de fonte normativa subsidiária para o procedimento de cumprimento de sentença [...]”.
Feitas essas considerações iniciais, abordar-se-á os princípios basilares do processo de execução que possuem aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o princípio da autonomia, do título, da responsabilidade patrimonial, do resultado, da disponibilidade e da adequação.
2.1 PRINCÍPIOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
Os princípios, juntamente com as regras, integram as normas jurídicas e possuem grande carga valorativa, servindo de fundamento para aplicação de vários preceitos legais.
Segundo Assis (2016, p. 139) “as diretrizes expressam os valores historicamente preponderantes, originados de prévio consenso e estabelecidos em dado sistema. Designam-se de princípios”.
Os princípios, seguindo o pensamento do autor acima mencionado, são representações de valores construídos historicamente, sendo que tiveram grande abordagem com os estudos realizados por Alexy.
Os princípios, de acordo com Alexy, são “normas que demandam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas”. Isso conduz à tese de que os princípios podem ser satisfeitos (concretizados) em vários graus, e que esse grau de satisfação depende não só do que é possível faticamente, mas também do que é possível juridicamente. As regras, por sua vez, são normas que ou são satisfeitas ou não são satisfeitas. Se uma regra é válida, então o mandamento é fazer exatamente o que ela prescreve, nem mais, nem menos (SOUSA, 2011, p. 99).
Assim, os princípios são mandamentos de otimização e, do mesmo modo que possuem aplicação em várias áreas do direito, também abrangem o processo de execução, sendo a seguir investigados.
A doutrina apresenta vários princípios no que tange ao processo de execução. “Entre os princípios que a doutrina normalmente destaca como fundamentais na execução, alguns são, se não exclusivos, muito especialmente afeitos à função jurisdicional executiva. Mas outros constituem princípios gerais do processo” (WAMBIER; TALAMINI, 2015, p. 181).
O primeiro princípio a ser mencionada e que tem forte relevância na doutrina específica, é o princípio da autonomia. Conforme Assis (2016, p. 141) “corolário da especificidade da própria função executiva, crucial se ostenta a autonomia da execução, agora compreendida no sentido funcional. Ela constitui ente à parte das funções de cognição e cautelar”. Importante neste ponto destacar os dizeres de Theodoro Júnior (2017, p. 219):
Cognição e execução, em seu conjunto, forma a estrutura global do processo civil, como instrumento de pacificação dos litígios. Ambas se manifestam como formas da jurisdição contenciosa, mas não se confundem necessariamente numa unidade, já que os campos de atuação de uma e outra se diversificam profundamente: o processo de pura cognição busca a solução, enquanto que o de pura execução vai em rumo a realização das pretensões.
Esse princípio se compreende, portanto, no fato de que o processo de execução independe de um processo de cognição, possui autonomia funcional dentro do sistema processual brasileiro.
Como menciona Theodoro Júnior (2017, p. 219) “pode-se, portanto, compor o litígio sem necessidade de utilizar o processo de execução; e pode-se, também, compor o litígio apenas com o processo de execução, sem necessidade de passar pelo [...] processo de conhecimento”.
Outro princípio que se perfaz de extrema necessidade mencionar, é o princípio do título. Assis (2016, p. 143) explica que “a pretensão a executar sempre se baseará no título executivo. Célebre metáfora ao título designou de “bilhete de ingresso”, ostentado pelo credor para acudir ao procedimento in executivis”.
Isso significa que, para a existência da execução, é necessária a pré-existência de um título, ou seja, um bilhete de ingresso.1
Tocante ao princípio da responsabilidade patrimonial, este se refere ao fato de que a execução visa atingir o patrimônio do executado para que haja a satisfação integral da obrigação. Segundo Assis (2016, p. 145), “[...] a diretriz deriva do art. 789 do NCPC, que assenta o princípio da responsabilidade patrimonial do executado. Na fórmula assaz discutível da lei, o devedor responde pelo cumprimento da obrigação com todos os seus bens, presentes e futuros”. 2
A diretriz desse princípio da responsabilidade implica no fato de que todos os bens do devedor e somente dele respondem por suas obrigações, inclusive aqueles que entraram em seu patrimônio após contraída a dívida ou ajuizada a execução, salvo as situações de impenhorabilidade e responsabilidade patrimonial de terceiros (WAMBIER; TALAMINI, 2015, p. 182).
Outro princípio que norteia o processo de execução é o princípio do resultado, ou seja, a execução tem como objeto/resultado a satisfação do credor. Importante destacar os ensinamentos de Assis (2016, p. 146) no que tange ao mencionado assunto:
Toda execução, portanto, há de ser específica. Uma execução é bem-sucedida, de fato, quando entrega rigorosamente ao exequente o bem da vida, objeto da prestação inadimplida, e seus consectários, ou obtém o direito reconhecido no título executivo (execução in natura). Este há de ser o objetivo fundamental de toda e qualquer reforma da função jurisdicional executiva, favorecendo a realização dos créditos e dos direitos em geral.
Aliado a esse princípio, há o enunciado que preza pela execução através dos meios menos gravosos ao executado. Ou seja, apesar de haver a busca pelo resultado – satisfação do exequente – essa tende ser menor onerosa possível ao devedor.3
Em que pese o objeto da execução ser a satisfação do exequente, isso não impede dizer que ela tem que ser realizada através dos meios menos gravosos ao devedor, nos casos em que for possível. Neste sentido, “o objetivo da execução civil é a atuação da sanção mediante a satisfação do credor. Não se busca, pelos meios executivos civis, a punição do devedor” (WMABIER; TALAMINI, 2015, p. 185).
Essa proteção ao executado deriva do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme Theodoro Júnior (2017, p. 228), “não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e de sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana”.
Há também, no processo de execução, o princípio da disponibilidade4. De acordo com Assis (2016, p. 147):
Fundando-se o processo executivo na ideia de satisfação plena do credor, parece lógico acudir-lhe, a seu exclusivo critério, pela disposição da pretensão a executar. Diversamente do que sucede no processo de conhecimento, em que o réu possui interesse análogo na composição da lide e na extirpação da incerteza, excluindo ou não a razoabilidade da posição assumida no processo, a execução almeja o benefício exclusivo do credor.
A disponibilidade nada mais é do que uma faculdade dado ao credor no processo executivo. “Reconhece-se ao credor a livre disponibilidade do processo de execução, no sentido de que ele não se acha obrigado a executar seu título, nem se encontra jungido ao dever de prosseguir na execução forçada a que deu início [...]” (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 228). Desse modo, o credor tem a possibilidade de dispor do processo quando bem entender.
A disponibilidade é, portanto, a prerrogativa que o exequente tem de desistir de toda ou de parte da execução. “Vale dizer: o exequente pode desistir da execução sem consentimento do executado. Os embargos de mérito, todavia, não se extinguem, se com isso não aquiescer o embargante” (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 229).
Não se confunde a desistência da ação com a renúncia do direito de ação ou do crédito. A renúncia tem eficácia no plano do direito material: manifestada e acolhida pela sentença, extingue-se não apenas o processo, mas também o direito de crédito e a pretensão à execução. Já a desistência opera no plano exclusivamente processual, podendo a ação de execução ser repetida. Neste caso, aplica-se subsidiariamente o artigo 268 do CPC, ou seja, a petição inicial não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários advocatícios devidos no processo anterior (ZAVASKI, 2004, p. 98).
E, por fim, há o chamado princípio da adequação, no qual a execução deve ser específica, ou seja, os atos do processo devem estar de acordo com a espécie da execução ajuizada. Assis (2016, p. 154) cita:
A adequação se distribui em três níveis: subjetivo, objetivo e teleológico. O processo de execução obedece a todos. Tão importante como o desimpedimento do juiz (adequação subjetiva), por exemplo, é a disponibilidade do bem (adequação objetiva) e a idoneidade do meio executório (adequação teleológica). Sem meio hábil, o bem nunca será alcançado pelo credor.
A adequação, no processo de execução, se permeia pela razoabilidade e a proporcionalidade, devendo, desse modo, o credor utilizar-se dos meios mais efetivos possíveis para a satisfação da obrigação.
Feitas as abordagens, percebe-se que os princípios são fortes meios de instrumentalização do processo de execução, havendo alguns específicos da matéria e outros relacionados ao Direito em geral, mas que também possuem aplicabilidade e/ou fortes reflexos no que tange a força executiva e seu procedimento judicial.
2.2 DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
Dentre as modalidades de execução, está a chamada execução por quantia certa, prevista no artigo 824 do Código de Processo Civil.5 Esse modelo de execução ocorre quando há necessidade de cumprimento da satisfação por meio do pagamento em dinheiro.
Theodoro Júnior (2017, p. 429) menciona:
Quando a obrigação representada no título executivo extrajudicial refere-se a uma importância de dinheiro, a sua realização coativa dá-se por meio da execução por quantia certa [...]. Não importa que a origem da dívida seja contratual ou extracontratual, ou que tenha como base material o negócio jurídico unilateral ou bilateral, ou ainda o ato ilícito. O que se exige é que o fim da execução seja a obtenção do pagamento de uma quantia expressa em valor monetário.
Esse modelo de execução pode ser tanto de título judicial e extrajudicial, porém o artigo 824 e seguintes do CPC tratam especificadamente do título executivo extrajudicial.
Outro ponto relevante neste tipo de execução é que, no caso de inadimplemento, pode haver a expropriação de bens do devedor, consistindo tanto em adjudicação, alienação e apropriação de frutos rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.
“A execução por quantia certa tem que passar, necessariamente, por uma fase complexa de apropriação judicial de bens ou valores pertencentes ao executado para munir-se o juiz de meio adequado à satisfação do crédito [...]” (THEODORO JÚNIOR, 2017).
Theodoro Júnior (2017) ensina que a obrigação por quantia certa é basicamente uma obrigação dar, cuja coisa devida compreende uma soma de dinheiro. Se houver a possibilidade de encontrar o cumprimento dessa obrigação em espécie no patrimônio do devedor, o dinheiro poderá ser apreendido. Se não houver valores monetários, a via judicial permite atingir outros bens, com o intuito final da satisfação integral do débito excutido.
Por fim, segundo o mencionado autor, os atos fundamentais dessa modalidade de execução são a penhora, a alienação e o pagamento, podendo, em alguns casos, haver a entrega ao credor dos próprios bens aprendidos, como meio de cumprimento da obrigação (2017, p. 430).
2.3 DA PENHORA DE BENS E O CRÉDITO DE PREFERÊNCIA
A penhora de bens é um ato judicial que visa a satisfação da obrigação6. Assis (2016, p. 1312) cita que “por meio da penhora, individualiza-se determinado bem do patrimônio do executado que passa a partir desse ato de constrição a se sujeitar diretamente à execução”.
Conforme Theodoro Júnior (2016, p. 911), “a penhora é o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”.
Em regra, todos os bens do executado podem ser penhorados. Mas há as exceções de impenhorabilidade7.
Além dos casos de impenhorabilidade, há na lei processual civil, a questão do chamado direito de preferência. Conforme Theodoro Júnior (2017, p. 918):
Efeito de largo emprego é a preferência contemplada no art. 797, caput, do NCPC. Por meio da penhora, o credor adquire a vantajosa posição de satisfazer integralmente seu crédito com o produto da venda do bem, “ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal”, reza a parte inicial do art. 797, caput, ainda que outro credor penhora a coisa posteriormente (art. 797, parágrafo único).
Assim, mesmo havendo a penhora em uma determinada execução, o crédito originário desta deve respeitar a ordem de credores e sua preferência. Para o direito de preferência, há quatro grupo de credores, quais sejam, os quirografários, os com garantia real, os de origem fiscal e os de natureza trabalhista (ou alimentar).
Além do direito de preferência dos credores, há também a ordem legal da penhora. Neves (2016, p. 835) menciona que “o art. 835 do Novo CPC regulamenta a ordem de preferência da penhora, de forma que, havendo diferentes bens no patrimônio do executado e não sendo necessária a penhora de todos eles, alguns prefiram a outros [...]8”.
Desse modo, na ordem de preferência, o dinheiro assume a primeira posição seguido de títulos da dívida pública, títulos mobiliários, veículos, bens imóveis, móveis, semoventes e outros dispostos em lei.
O tópico seguinte tratará acerca da penhora dos semoventes, que nada mais são do que os animas da propriedade.
2.4 PENHORA DE SEMOVENTES
Além da penhora de dinheiro e bens imóveis, que são as mais comuns, há também a penhora de semoventes9. Os semoventes são os animais da propriedade, como os bovinos, suínos e ovinos.
“A penhora desses bens – [...] – somente será determinada se não houver outro meio eficaz para a efetivação do crédito (art. 865). Assim, essa penhora tem caráter subsidiário” (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 503).
Nesta espécie de penhora, haverá sempre um depositário nomeado pelo juiz para administrar os bens penhorados. Conforme Theodoro Júnior (2017, p. 502):
A preocupação do legislado aqui é com a continuidade da exploração econômica, que não deve ser tolhida pela penhora, em face da função social que desempenham as empresas comerciais, industriais e agropastoris. A este administrador incumbe organizar o plano de administração, no prazo de dez dias após a investidura na função (art. 862). Sobre tal plano serão ouvidas as partes da execução, cabendo ao juiz decidir sobre dúvidas e divergências suscitadas [...].
Desse modo, a necessidade de depositário dos bens semoventes penhorados se justifica pela manutenção da exploração econômica destes e dos frutos a serem colhidos até o término do processo de execução.
2.5 DA AVALIAÇÃO DOS BENS PENHORADOS – PENHORA DOS ANIMAIS
Após a penhora dos bens semoventes, haverá a necessidade de fazer sua avaliação, ou seja, determinar qual o valor que cada um representa no mercado10.
A avalição tem a “finalidade de tonar conhecido a todos os interessados o valor aproximado dos bens a serem utilizados como fonte dos meios com que o juiz promoverá a satisfação do crédito do exequente” (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 537).
Enquanto na alienação consensual os figurantes do negócio ajustam entre, livremente, as condições do negócio e o preço e, embora este se revele desvantajoso – ressalva feita, nos negócios de consumo, a vantagem exagerada [...], tal circunstância não dissolva o vínculo, a alienação coativa repousa na busca de preço justo. A execução se realiza pelo modo menos gravoso ao executado e, por isso, o art. 891, caput, impede o “preço civil” (ASSIS, 2016, p. 1051).
É a avaliação que vai determinar o preço do bem, tanto para o caso de adjudicação, alienação ou hasta pública. A avaliação dos bens penhorados é realizada pelo oficial de justiça, regra geral. Contudo, se for necessário algum conhecimento mais específico sobre o bem penhora, poderá ser nomeado um avaliador que vai indicar o valor do bem.
Mesmo com a avaliação, o juiz não fica adstrito ao valor apontado. As partes podem, inclusive, pleitear uma nova avaliação do bem, designando perito (ASSIS, 2016)11. No caso dos animais, nem sempre o oficial de justiça tem condições de determinar qual o valor de mercado do bem. Nesses casos, o juiz vai nomear um avaliador, que terá o prazo de dez dias para juntar o laudo nos autos.
Realizadas as considerações sobre o processo de execução, o item seguinte tratará acerca do direito dos animais e a sua proteção.