VII – CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1.988 prevê outras formas de entidades familiares além da família baseada no matrimônio, acompanhando a evolução dos valores da sociedade brasileira ao longo do tempo. O Código Civil de 2.002 atendeu a grande parte dos objetivos da Constituição Federal, regulamentando as uniões entre um homem e uma mulher, baseadas no afeto e no objetivo de comunhão de vida.
Porém, o ordenamento jurídico não acompanhou totalmente a mudança e evolução dos valores da sociedade brasileira.
Apesar de as entidades formadas entre pessoas do mesmo sexo, que vivem com o objetivo de comunhão de vida baseada no afeto e respeito mútuos ser uma realidade consolidada na sociedade brasileira, a Constituição Federal as ignora, fazendo com que tais pessoas, em razão da orientação sexual, fiquem à margem do ordenamento jurídico.
O artigo 226 da Constituição Federal prevê como requisito para a união estável ser considerada entidade familiar, passível de regulamentação pelo Direito de Família, a diversidade de sexos.
Porém, o rol das entidades familiares previstas pela Constituição Federal, em seu artigo 226, não é taxativo, pois, se assim considerado, tal dispositivo estaria em confronto com a própria Constituição Federal, que dispõe, no artigo 1º, III, sobre o princípio da dignidade humana; no artigo 5º, sobre o princípio da igualdade; no artigo 3º, I e IV, sobre o princípio democrático, que se consolida através da convivência numa sociedade livre, justa, solidária e pluralista, pressupondo a possibilidade de convivência de interesses diferentes, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição Federal deve ser interpretada como um sistema de normas e princípios, sendo as normas influenciadas pelos princípios.
Assim sendo, o artigo 226, §3º da Constituição Federal deve ser aplicado, através da interpretação analógica, às uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam garantidas a vigência e a eficácia dos princípios constitucionais fundamentais de igualdade, de dignidade da pessoa humana e de liberdade.
A vontade do legislador deve adaptar – se, através da interpretação dinâmica, à realidade social em que está inserida, sob pena de marginalização de estruturações familiares existentes e, consequentemente, de descumprimento de princípios constitucionais fundamentais.
A definição de padrões sociais familiares ultrapassados, ideologias pessoais e preconceitos são fatores que não podem discriminar situações existentes.
A Jurisprudência, notadamente do Estado do Rio Grande do Sul, vem decidindo pela adaptação do ordenamento jurídico, através da interpretação analógica do artigo 226, § 3º às uniões homossexuais.
Porém, tal tema ainda é pouco abordado e debatido pela doutrina, que mostra – se tímida na discussão sobre a violação de direitos fundamentais, decorrentes da falta de regulamentação das uniões homossexuais.
Assim sendo, e visando contribuir para o estudo da necessidade de regulamentação das uniões homossexuais como entidades familiares, regulamentadas pelo Direito de Família, entendemos que à doutrina e à jurisprudência brasileiras cabe o relevante papel de suprir a lacuna encontrada na Constituição Federal, através da interpretação sistemática e analógica com a união estável heterossexual.
A Constituição Federal representa um marco histórico do fim de uma época em que a discriminação, a injustiça e os atentados às liberdades e aos direitos fundamentais eram legítimos no Brasil; representa a transformação do País e da sociedade, e tem como objetivo "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem – estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias".
O legislador constituinte originário não dispôs sobre a união homossexual como entidade familiar, passível de regulamentação pelo Direito de Família, em virtude da pressão da sociedade brasileira da época, que mantinha –se conservadora e apegada aos valores de um Estado não democrático.
Porém, após quase vinte anos da promulgação da Constituição Federal, não há mais espaço para preconceitos e para a discriminação em virtude da orientação sexual. Assim sendo, cabe aos operadores do Direito e à sociedade o debate e a interpretação dinâmica da Constituição Federal, para adapta-la à realidade social em que está inserida, que é diversa da realidade social da época em que foi promulgada.
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NOTAS
01
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição, Editora Celso Bastos, pág. 141.02
Apud, FUGIE, Érica Harumi, Inconstitucionalidade do Artigo 226, §3º, da Constituição Federal? Revista de Direito de Família, Vol. 15, Editora Síntese, pág. 140, nota de rodapé 33.03
Apud, GIORGIS, José Carlos Teixeira, A Relação Homoerótica e a Partilha de Bens, Revista Brasileira de Direito de Família, vol. 09, pág. 15004
FIUZA, Ricardo, Novo Código Civil Comentado, Editora Saraiva, 1ª edição, 3ª tiragem, pág. 21.05
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo e SCHIOCCHET, Taysa, O Reconhecimento Jurídico das Uniões Estáveis Homoafetivas no Direito de Família Brasileiro, Questões Controvertidas no direito de família e das sucessões, Editora Método, pág. 319.06
Op. cit., pág. 73.07
Op.cit., pág. 300.08
DIAS, Maria Berenice, A ética do afeto, Disponível em http:// www.flaviotartuce.adv.br/Artigos de Convidados.09
BASTOS, Celso Ribeiro, Ob. cit., pág. 72.10
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo e SCHIOCCET, Taysa, Ob. cit., pág. 317.11
VELOSO, Zeno, Comentários ao Novo Código Civil, Editora Saraiva, 1ª edição, 3ª tiragem, pág. 1604.12
BRAUNER, Maria Claudia Crespo e SHIOCCHET, Taysa, Op. cit., pág. 321.13
MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Conteúdo Jurídico de Igualdade, Editora Malheiros, 3ª edição, págs. 9-10.14
GIORGIS, José Carlos Teixeira, Op. cit., pág. 153.15
LOBO, Paulo Luiz Netto, As vicissitudes da igualdade e dos deveres conjugais no direito brasileiro, disponível em http://www.jusnavegandi.com.br/doutrina.16
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo e SCHIOCCHET Taysa, Ob. cit., pág 326.17
GIORGIS, José Carlos Teixeira, Ob. Cit., 149.18
Ob. Cit., pág. 329.19
Jornal Folha de São Paulo, edição de 20 de janeiro de 2.005, disponível em http:// www.ibdfam.com.br, acesso em 27de julho de 2.005.