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Alterações na lei de desapropriação

12/09/2019 às 18:30
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Apresentamos proposta legislativa para interromper o crescimento vertiginoso de precatórios judiciais expedidos nos autos das ações expropriatórias, bem como para tornar efetivo o princípio constitucional do pagamento prévio da justa indenização em dinheiro.

Introdução

O estatuto básico da desapropriação é o Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que vem cumprindo com eficiência a sua missão, conferindo celeridade ao processo expropriatório graças a seus preceitos claros e objetivos, sem os procedimentos burocráticos que contaminam as demais leis vigentes do país. Por isso, a contestação só pode versar sobre eventuais vícios do processo e discordância quanto ao justo preço da indenização oferecido pelo poder público. Qualquer dúvida acerca do domínio do bem expropriado é remetida à via ordinária, ficando eventuais vícios sub-rogados no preço da indenização fixada.

É um dos raríssimos instrumentos processuais dos bons que ainda restam de pé sem ser destruído, apesar de algumas tentativas legislativas de tumultuar essa lei de rara felicidade.

A lei básica de desapropriação merece, contudo, uma atualização no que tange ao valor da oferta para fins de imissão provisória, tendo em vista as transformações da realidade social desde o seu advento até os dias atuais, como veremos no tópico final.


Exame das alterações trazidas pela Lei nº 13.867/2019

Recentemente foi sancionada a Lei nº 13.867, de 26 de agosto de 2019, que acrescenta os requisitos da petição inicial e introduz a mediação e a arbitragem, por opção das partes, para a definição dos valores da indenização, mediante a inserção dos arts. 10-A e 10-B ao Decreto-lei nº 3.365/41 conforme transcrições abaixo:

“Art. 10-A. O poder público deverá notificar o proprietário e apresentar-lhe oferta de indenização.

§ 1º A notificação de que trata o caput deste artigo conterá:

I - cópia do ato de declaração de utilidade pública;

II - planta ou descrição dos bens e suas confrontações;

III - valor da oferta;

IV - informação de que o prazo para aceitar ou rejeitar a oferta é de 15 (quinze) dias e de que o silêncio será considerado rejeição;

V - (VETADO).

§ 2º Aceita a oferta e realizado o pagamento, será lavrado acordo, o qual será título hábil para a transcrição no registro de imóveis.

§ 3º Rejeitada a oferta, ou transcorrido o prazo sem manifestação, o poder público procederá na forma dos arts. 11 e seguintes deste Decreto-Lei.”

“Art. 10-B. Feita a opção pela mediação ou pela via arbitral, o particular indicará um dos órgãos ou instituições especializados em mediação ou arbitragem previamente cadastrados pelo órgão responsável pela desapropriação.

§ 1º A mediação seguirá as normas da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

§ 2º Poderá ser eleita câmara de mediação criada pelo poder público, nos termos do art. 32 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

§ 3º (VETADO).

§ 4º A arbitragem seguirá as normas da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e, subsidiariamente, os regulamentos do órgão ou instituição responsável.

§ 5º (VETADO).”

A inserção do art.10-A era desnecessária, pois a matéria aí versada já está abrangida pelo art. 13 do estatuto básico, que enumera todos os requisitos que devem preencher a petição inicial para possibilitar a defesa do expropriado. Tanto é assim que, em 78 anos de vigência do Decreto-lei nº 3.365/41, nunca houve qualquer problema com referência aos requisitos da inicial.

Assim o art. 10-A, além de ter sido inserida topologicamente na parte de disposições preliminares e não na parte concernente ao processo judicial, é totalmente ocioso, só servindo para promover o inchaço da legislação, muito ao gosto do legislador atual, que dificilmente aceita textos claros, objetivos e enxutos.

Quanto ao art. 10-B, que introduz a mediação e a arbitragem, por opção das partes, para a definição do justo preço da indenização, temos sérias dúvidas quanto a sua eficácia.

Independentemente da lei sob comento, a conciliação já está regulada no art. 165 e seguintes do CPC, nada impedindo que seja ela empregada no processo de desapropriação para se chegar a um acordo quanto ao justo preço da indenização, único ponto em que pode versar o litígio em matéria de desapropriação. O Judiciário conta, inclusive, com câmara de mediação e conciliação. Haverá naturalmente o deslocamento de um órgão judiciário para outro retornando à vara de origem após a conclusão da mediação.

No que concerne a arbitragem, ela também tem previsão no § 1º do art. 3º do CPC e poderá ser implementada no processo de desapropriação, observados os requisitos da Lei nº 9.307/96.

A lei sob análise não traz, portanto, novidade alguma. Com ela ou sem ela, tanto a mediação quanto a arbitragem podem ser utilizadas no processo de desapropriação.

Teoricamente, o emprego da mediação ou da arbitragem, notadamente da mediação e conciliação, quando efetivamente concluída com fixação do justo preço da indenização, resultará em uma economia processual, porque permitirá ao juiz prolatar a sentença fixadora do justo preço em caráter de definitividade que servirá de título hábil ao registro imobiliário, sem cogitação de eventuais recursos à superior instância.

fixação      

A mediação ou arbitragem tem mais ou menos o mesmo efeito da desapropriação amigável referida no art. 10 do DL nº 3365, que se faz por meio de escritura púbica, dispensando-se o processo judicial de desapropriação, que é sempre mais moroso.

Todavia, a tentativa de desapropriação amigável por escritura pública que fizemos, na condição de Diretor do Departamento de Desapropriações da Prefeitura de São Paulo, não teve êxito, tendo em vista o elevado custo da escritura de desapropriação em virtude da cobrança de emolumentos respectivos por parte dos tabelionatos que atuam sob o regime de direito privado, nos termos do art. 236 da CF. Devido a esse custo, pouquíssimas desapropriações foram feitas por meio de escrituras, motivadas pela excessiva demora na obtenção da imissão provisória perante a Justiça.

O Departamento de Desapropriações da Prefeitura paulistana desenvolveu uma peculiar forma de desapropriação amigável, mas por via judicial para evitar os custos com a escritura. Consiste em celebrar previamente com o expropriado um “termo de acordo” quanto ao preço oferecido que é levado no bojo do processo judicial para homologação. Alguns juízes indeferiam esse tipo de requerimento sustentando que a desapropriação amigável deve ser feita por escritura. O problema foi contornado com o ajuizamento da ação de forma usual, promovendo, após a citação do expropriado, a juntada do termo de acordo quando ao preço da indenização, o que impede a avaliação do bem expropriando. De fato, prescreve o art. 22 do Decreto-lei nº 3.365/41 que, em havendo acordo sobre o preço, o juiz homologará por sentença. Esse tipo de procedimento sempre contou com a repulsa dos advogados que atuam na área, por suprimir a verba honorária eventualmente cabível no processo judicial.

Resulta do exposto que é eficaz a introdução da mediação e da arbitragem, ainda que, por opção das partes, não substitua com vantagem a desapropriação amigável a que alude o art. 10 da lei de regência da matéria, na forma preconizada neste artigo.

Outrossim, pelo menos na Comarca de São Paulo, o valor ofertado, na maioria dos casos, coincide com o valor da justa indenização preconizada pelo perito judicial, o que abrevia de maneira decisiva o tempo de duração para proferir a decisão de primeira instância. Em havendo laudos concordantes, também, são dispensadas as apelações das partes. É que o valor da oferta para fins de imissão provisória há de corresponder ao valor prévio fixado pelo juiz com base no laudo prévio elaborado pelo perito com fundamento nas Normas para Avaliações de Imóveis na Capital aprovadas pela Portaria nº 1/2012 do CAJUFA.

Dessa forma, superada a fase da imissão provisória não há muito que se discutir em torno da justa indenização.


Omissão da Lei nº 13.867/2019

A Lei sob comento peca por excesso, de um lado, e peca por omissão de outro lado. Deveria ter disposto sobre a isenção de emolumentos na escritura pública de desapropriação e com isso acabaria com a burocracia de ação judicial nos casos em que o expropriado concorda com o valor ofertado pelo poder público.

Outrossim, perdeu-se a oportunidade de proceder a atualização legislativa do § 1º, do art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/41, bem como a de revogar as disposições do Decreto-lei nº 1.075/70 que permitem a imissão provisória mediante depósito do valor cadastral do imóvel, e mediante o depósito da metade do valor provisório arbitrado, limitado a 2.300 vezes o salário mínimo, respectivamente.

Para corrigir a injustiça da lei que a nosso ver passou a ser inconstitucional, apesar do entendimento em contrário do STF, em 12-3-12, elaboramos e enviamos a um dos Deputados da Câmara Federal um anteprojeto abaixo reproduzido com as justificativas:

Projeto legislativo nº ...

Ementa: Altera a redação do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 e revoga o Decreto- lei nº 1.075, de 22 de janeiro de 1970.

“Art. 1º O parágrafo 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 passa a vigorar com a seguinte redação:

A imissão provisória poderá ser feita, independentemente de citação do réu, mediante o depósito do valor prévio arbitrado pelo juiz, no prazo de quarenta e oito horas, servindo-se, caso necessário, de perito avaliador.

Art. 2º Revogam-se as disposições do Decreto- lei nº 1.075, de 22 de janeiro de 1970.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”

Justificativas

A excepcionalidade da medida prevista no parágrafo 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, qual seja, a imissão provisória mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, na prática, tornou-se uma regra geral, pois, não se conhece ação de desapropriação que não seja precedida do caráter de urgência a demandar imissão provisória.

Entretanto, aquele preceito, que data de 1941, bem como, a sua constitucionalidade, proclamada pela Súmula 652 do Supremo Tribunal Federal, pressupõem regime de normalidade da Justiça, tanto no que diz respeito ao tempo de duração do processo, como também, no que se refere ao cumprimento do precatório judicial no prazo constitucional, o que, a toda evidência, não vem acontecendo.

Portanto, a proclamação feita pelo STF no RE nº 91.611 de que o depósito da oferta representada pelo valor cadastral do imóvel objeto de desapropriação representa mera “contraprestação capaz de retirar da medida excepcional o caráter de gratuidade” não mais corresponde à realidade atual em que o expropriado amarga anos na fila de precatórios para percepção da prévia e justa indenização assegurada pelo art. 5º, XXIV da Constituição Federal.

Realmente, entre a data da imissão provisória, quando o expropriado perde a posse do bem expropriando em caráter definitivo, dada a irreversibilidade da desapropriação, e a data do trânsito em julgado da sentença fixadora do justo preço, mesmo após o advento da EC nº 45/04, que introduziu o princípio da duração razoável do processo judicial, leva-se no mínimo quatro anos, se exaurida até a última instância judicial. Seguem-se, depois, as providências burocráticas para expedição de precatório judicial, sua inserção no orçamento anual da entidade política devedora e uma longa e cansativa espera na fila de precatórios, hoje, tidos como “impagáveis”. Estamos discutindo atualmente a terceira moratória dos precatórios.

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É forçoso reconhecer que, dentro desse quadro sombrio em que a expressão “imissão provisória” perdeu por completo o seu significado etimológico, aquele texto do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365/41, assim como os textos do Decreto- lei nº 1.075/70 perderam aplicabilidade por absoluta ausência de suporte fático. Não há nem possibilidade de se cogitar de interpretação atualizada dos textos. Eles perderam a eficácia em potencial porque simplesmente ficaram no plano do imaginário. Não se pode entender uma situação provisória que se perpetua no tempo.

Daí porque se impõe a exigência do depósito do valor prévio a ser arbitrado pelo juiz com auxílio de perito avaliador, se necessário, a fim de assegurar ao expropriado um valor que mais se aproxima do mercado, como condição para o deferimento da imissão provisória. Na Capital de nosso Estado, esse valor prévio tem sido arbitrado no prazo de 5 dias no máximo dada a experiência dos peritos judiciais que dispõem do banco de dados do valor unitário médio por m2 de imóveis situados nas diversas regiões da cidade.

Na interpretação conforme a Constituição do preceito constitucional do pagamento prévio da justa indenização em dinheiro – art. 5º, inciso XXIV –, não se deve limitar-se à questão da transferência do domínio que se dá com o registro da carta de adjudicação extraída dos autos da ação de desapropriação, após pagamento do precatório judicial. Essa interpretação conforme a Constituição implica, necessariamente, o reconhecimento de que a indenização deve ser prévia ao sacrifício de quaisquer direitos do proprietário.

De fato, nada adiantará o expropriado continuar como proprietário de imóvel despojado de qualquer utilidade econômica em decorrência da perda da sua posse por força da imissão provisória.

Dessa forma, à perda do direito de usufruir da propriedade deve corresponder a prévia indenização em dinheiro. Sendo irreversível a desapropriação, a perda de posse pelo expropriado a título provisório ou a título definitivo é irrelevante, visto que, n’uma o n’outra hipótese o proprietário perderá a disponibilidade econômica da propriedade. E não se pode entender a propriedade, tal qual prevista no art. 1.228 do Código Civil, desfalcada em um de seus elementos essenciais, que é exatamente a faculdade de gozar da coisa, exteriorizada na percepção de seus frutos e na sua utilização.

Para tentar conter as desapropriações indiscriminadas nos grandes centros urbanos, sem a necessária previsão de recursos financeiros a gerar milhares de precatórios não satisfeitos tempestivamente, colocando em risco a estabilidade de nossas instituições públicas, o legislador inseriu na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – o dispositivo do art. 16 e § 4º, II que condiciona a desapropriação à declaração do ordenador da defesa de que o aumento da despesa gerada pela desapropriação tem adequação orçamentária e financeira.

Tudo foi em vão. As desapropriações indiscriminadas continuam para execuções de obras que causam impacto político-social. É que ofertando e depositando apenas o valor cadastral de cada imóvel, a totalidade das despesas a título de desapropriações ficará sempre dentro dos limites da verba orçamentária respectiva.

O remédio para colocar em ponto final nas desapropriações em massa, consistente em deixar para próximo governante o ônus do pagamento da justa indenização, está na alteração do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365/41 na forma proposta neste projeto legislativo. Somente com o depósito do valor prévio arbitrado pelo juiz será possível a imissão provisória.

Esta proposta legislativa, se aprovada, contribuirá para interromper o crescimento vertiginoso de precatórios judiciais expedidos nos autos das ações expropriatórias, bem como para tornar efetivo o princípio constitucional do pagamento prévio da justa indenização em dinheiro.

A adequação do § 1º, do art. 15 do Decreto-lei nº 3.365/41 à realidade atual se impõe porque fora da Comarca de São Paulo aquele dispositivo que data da década de 40 ainda vem sendo aplicado à sombra da Súmula de nº 652 do STF do seguinte teor:

“Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º do DL 3.365/41 (Lei de Desapropriação por interesse público).”

E também vem sendo proclamada a constitucionalidade do Decreto-lei nº 1.075/70 mesma na vigência da Constituição de 1988 (Ag. 149.557-0-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJe de 12-8-1993).

Daí a atualidade de nossa proposta legislativa.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Alterações na lei de desapropriação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5916, 12 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76258. Acesso em: 21 nov. 2024.

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