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Cidadania e direitos políticos

27/11/2005 às 00:00
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            Há que se observar, preliminarmente, que a independência do Brasil foi relativamente pacífica, ao contrário da maioria dos países latino-americanos, onde houve grandes guerras de libertação, ou a mobilização de grandes exércitos promovidas por grandes líderes, ou ainda revolta libertadoras lideradas por populares. A independência do Brasil foi, na verdade, um grande acordo, mediado por D. Pedro, entre as elites nacionais e a coroa portuguesa.

            O papel do povo não foi irrelevante, mas, certamente, diminuto, tanto na independência quanto na proclamação da república. O clima de estabilidade facilitou a transição, e o regime de governo implantado foi a monarquia constitucional e representativa ao modo europeu, se bem que além dos poderes tradicionais, manteve resquícios do absolutismo com a criação do quarto poder (o Moderador). A independência foi, ao mesmo tempo, liberal e conservadora: representou um avanço com relação aos direitos políticos, já que, no período anterior, os nacionais não tinham o mesmo acesso à corte que os reinóis e manteve a escravidão, não provocando qualquer mudança com relação aos direitos civis.

            O regime político adotado exigia o voto e a separação de poderes. A Constituição de 1824 regulou os direitos políticos de forma bastante liberal para a época, instituindo o voto censitário obrigatório para os maiores de 25 anos que recebessem mais de 100 mil-réis por ano, o que atingia a maioria da população trabalhadora. O limite de idade caia em alguns casos, como para chefes de família, oficiais militares, bacharéis, clérigos... Segundo José Murilo de Carvalho (2002:30), mesmo depois da reforma de 1832, a lei brasileira continuou permitindo que analfabetos votassem, o que talvez não acontecesse com nenhuma legislação européia. Note-se que houve eleições ininterruptas de 1822 até 1930, com raras e bastantes específicas suspensões: na província do Rio Grande do Sul por ocasião da Guerra do Paraguai e na Proclamação da República.

            Letícia Bicalho Canêdo, no capítulo Aprendendo a votar, da obra História da Cidadania, apresenta como eram construídas as listas eleitorais no Brasil imperial (p. 525). No âmbito local, votava-se para eleger o juiz de paz e os vereadores, votava-se ainda para a Assembléia Provincial, para a Câmara dos Deputados e para o Senado, até 1880 as eleições para os cargos locais era direita, para os outros, indireta. O alistamento dos eleitores, até 1842, acontecia no dia das eleições. Em cada paróquia, funcionava uma mesa eleitoral presidida por um juiz que decidia sobre a idoneidade dos votantes. As listas eleitorais só se tornaram permanentes depois de 1881, os clérigos exerceram grande influência sobre a dinâmica eleitoral, visto que atestavam a legalidade das qualidades requeridas para o exercício da cidadania ativa através dos registros paroquiais, e, as eleições aconteciam dentro das igrejas e vários eram os atores sociais que as envolviam:

            [...] Cabia ao cabalista fornecer a prova, que, em geral, era o testemunho de alguém pago para jurar que o votante tinha renda legal.

            O cabalista devia ainda garantir o voto dos alistados. Na hora de votar, os alistados tinham que provar sua identidade. Aí entrava outro personagem importante: o "fósforo". Se o alistado não podia comparecer por qualquer razão, inclusive por ter morrido, comparecia o fósforo [...] o bom fósforo votava várias vezes em locais diferentes, representando diversos votantes.

            Outra figura importante era o capanga eleitoral. Os capangas cuidavam da parte mais truculenta do processo. [...] Cabia-lhes proteger os partidários, e, sobretudo, ameaçar e amedrontar os adversários, se possível evitando que comparecessem à eleição. CARVALHO, 2002: 33-34)

            O que estava em jogo com o voto? O que significava votar? São perguntas pertinentes e que devem ser respondidas. O voto, mais que o exercício regular de um direito, era um exercício de poder, não de quem efetivamente votava, mas de quem convocava o cidadão a votar. O voto era demonstração de lealdade e gratidão, quando não era conquistado pelo uso da força, ou mediante paga.

            A Lei Saraiva de 1881 introduziu severas mudanças no processo eleitoral, a qual cerceou o acesso ao voto a um número muito grande de brasileiros. A exigência de renda subiu para 200 mil-réis, excluiu os analfabetos e extinguiu as juntas paroquiais de qualificação, deixando a cargo da magistratura a formação das listas de votantes. A conseqüência disso foi que, em 1872, havia 1 milhão de eleitores e, em 1886, votaram para as eleições parlamentares apenas 100 mil eleitores. Esse retrocesso foi duradouro, e a República não alterou esse quadro, somente depois de 64 anos e após quatro regimes políticos diversos, os índices de eleitores anteriores, a referida lei, foram novamente alcançados.

            A proclamação da república foi um episódio emblemático na história dos direitos políticos e do exercício da cidadania. José Murilo (2000) traz uma coletânea ilustrativa da reação de alguns observadores da época: Aristides Lobo afirmara que o povo assistira a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ver uma parada militar, Louis Couty, acabou por concluir: "o Brasil não tem povo". Todavia, José Murilo acaba por concluir de maneira diversa:

            Mais do que qualquer outra cidade brasileira, o Rio acumulou forças contraditórias da ordem e da desordem. [...] Embora criada com a finalidade de ser instrumento de colonização, centro de poder e de controle, a própria geografia já derrotava qualquer plano urbanístico que se lhe quisesse impor. [...] Daí que da parte do próprio poder e de seus representantes desenvolveram-se táticas de convivência com a desordem, ou com uma ordem distinta da prevista. A lei era desmoralizada de todos os lados, em todos os domínios. Essa duplicidade de mundos, mais aguda no Rio, talvez tenha contribuído para a mentalidade de irreverência, de deboche, de malícia, de tribofe.

            [...] O povo sabia que o formal não era sério. Não havia caminhos de participação, a República não era para valer. Nessa perspectiva, o bestializado era que levasse a política a sério, era o que se prestasse à manipulação. Num sentido talvez ainda mais profundo que o dos anarquistas, a política era tribofe. Quem apenas assistia, como fazia o povo do Rio por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra. (158-160)

            A política era, portanto, tribofe, ou seja, uma grande trapaça; e quem assistia a esse jogo nefasto impavidamente alheio era na verdade um "velhaco", um "espertalhão". Essa vinculação de política e sujeira, nascida muito provavelmente no contexto histórico acima, alcançou a contemporaneidade, de tal sorte que, ainda hoje, a cidadania ativa é vista com maus olhos, com se não fosse possível fazer "política limpa" e, a seu turno, a própria noção de política limpa nasce em oposição a crença cristalizada de que a política é intrinsecamente suja. Destarte, não se envolver nos processos de decisão pelo exercício de um múnus publicus de caráter eletivo, ainda é a regra em quase todos os rincões do país.

            Os direitos políticos foram exercidos num clima de proto-regularidade até a década de 30 do século passado. Essa proto-regularidade era caracterizada pelo controle minucioso dos processos eleitorais através dos mecanismos da política que ficou conhecida como "Café com Leite", marcada pela alternância de Chefes de Executivo Federal oriundos dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, conduzidos ao poder pelo voto de cabresto, desenvolvendo-se, neste interregno, um verdadeiro clientelismo político.

            O governo de exceção de Vargas iniciado então, foi marcado pela supressão dos direitos políticos, num sentido lato, pelo fortalecimento do chefe do poder executivo, pelo desenvolvimento de políticas assistencialistas, que de um modo geral caracterizaram os regimes populistas e de cunho fascista do período. Não obstante, a Constituição de 1934 trouxe uma inovação interessante, no seu art. 57, letra d, ela definia, como crime de responsabilidade do Presidente da República, os atos que atentassem contra "o gozo ou exercício dos direitos políticos, sociais ou individuais".

            A Constituição de 1937, que vigeu até 1946, de manifesta influência nazi-facista, marcou o enrijecimento do regime de Vargas pela suspensão definitiva dos direitos individuais e políticos, os plebiscitos que a referida Carta estabelecia para sua legitimação jamais foram realizados. Veja-se o excerto de Ylves José de Miranda Guimarães [01]

            A carta de 1937 restringiu direitos e garantias individuais, abolindo o mandado de segurança e alijando os princípios de legalidade e irretroatividade da lei, instituiu a censura prévia e a pena de morte em casos expressamente especificados, inclusive para a subversão da ordem pública e social por meios violentos e para homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade

            Com o fim do governo Vargas, foram convocadas eleições presidenciais e legislativas para dezembro de 1945 e, nas palavras de José Murilo (2002: 127), "o país entrou em fase que pode ser descrita como a primeira experiência democrática de sua história".

            Com relação a Constituição de 1946, pondera o prof. Vladimir Brega Filho:

            ... ressurgiram e revigoraram-se os direitos fundamentais do homem, reconhecidos nos capítulos referentes à "Nacionalidade e à Cidadania" e aos "Direitos e Garantias individuais" (arts. 129 a 144). [...] foram abolidas as penas de morte e de prisão perpétua. Foram restaurados os institutos do habeas corpus, mandado de segurança e a ação popular, bem como, a integralidade dos princípios da legalidade e irretroatividade da lei.

            Foi estabelecida a total liberdade de pensamento, limitada apenas no que dizia respeito aos espetáculos e diversões públicas. AS liberdades e garantias individuais não podiam ser cerceadas através de expedientes autoritários e a aprovação do estado de sítio era reservada ao Congresso Nacional. Além disso, a organização partidária era livre.

            [...] um dos melhores aperfeiçoamentos introduzidos na Constituição de 1946 foi o que instituiu no capítulo dos direitos individuais que "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual", estabelecendo um Estado de direito e harmonia entre os três poderes. (p. 37-38)

            Houve, também, a manutenção dos direitos sociais, que será abordada de forma própria no item subseqüente. O governo de Vargas influencia todo o período, foi eleito senador e manteve uma postura discreta, preparando o seu retorno pelo voto em 1954, enquanto seus opositores articulavam manobras políticas e legais para impedir a sua posse. Depois de sua recondução democrática até a presidência da república e seu suicídio tornou-se herói nacional.

            O choque de forças que levou a seu suicídio resolveu-se apenas com o golpe militar de 1964. Foram mais dez anos de intensa luta política que poderiam ter resultado em consolidação democrática, mas que terminaram em derrota dos herdeiros de Vargas e também do primeiro experimento democrático da história do país. (CARVALHO, 2002: 131)

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            Muito embora o clima de tensão política tivesse se instalado no cenário nacional, e a despeito a oposição civil e das revoltas militares, Kubitschek habilmente controlou o governo sem o recurso a nenhuma medida de exceção, ou qualquer meio legal ou ilegal de restrição da participação, fundou sua política no desenvolvimentismo nacionalista da CEPAL, transferiu a capital nacional para o centro do país, investe pesadamente em obras de infra-estrutura, e instituiu programa de industrialização vasta. Embora tivesse enfrentado oposição dos nacionalistas mais radicais que se opunham a abertura ao capital internacional e aos acordos com o Fundo Monetário Internacional, consegue terminar seu governo em paz e transmitir a faixa presidencial ao sucessor eleito popularmente, feito só repetido por outro presidente civil na história recente do Brasil, por Fernando Henrique Cardoso na transferência de cargo e posse de Luis Inácio Lula da Silva.

            O governo de Jânio Quadros foi extremamente curto. Eleito em 1960, sucessor de J.K., tomou posse em janeiro de 1960 e renunciou em agosto daquele mesmo ano, por razões nunca satisfatoriamente esclarecidas. Provavelmente, tratara-se de uma manobra política para a conquista de poderes extraordinários do Congresso. No entanto, sua renuncia foi prontamente aceita pelo Congresso, e o país acabou por entrar numa séria crise política precipitada pelos ministros militares que não aceitaram a posse do vice-presidente. Acabou-se por adotar um regime parlamentarista de emergência para manter a sucessão presidencial dentro da legalidade e retirar do presidente grande parte de suas atribuições. Depois de uma sucessão de primeiros ministros que não conseguiam governar, em 1963, quando houve finalmente um plebiscito sobre a forma de governo, o presidencialismo retornou e Goulart assumiu com plenos poderes.

            A partir, o conflito direita/esquerda se acirrou, os trabalhadores começaram a se organizar em centrais gerais. Muito embora organizações desse caráter fossem expressamente proibidas por lei, os partidos políticos ganharam alguma expressividade e a mobilização política atingiu a base da sociedade. A mobilização política girava em torno das chamadas reformas de base: estrutura agrária, fiscal, bancária, política e educacional.

            O amadurecimento democrático observado a partir dos anos 30, para José Murilo de Carvalho, pode ser verificado na evolução partidária:

            Eram partidos no sentido moderno da palavra e apenas necessitavam de tempo para criar raízes na sociedade [...] como era de esperar, dada a novidade da experiência, houve grande movimentação de políticos dentro desses partidos, e entre eles, durante os quase 20 anos que duraram [1947 – 1964. ..]

            Pesquisas de opinião pública feitas pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em 1964, antes do golpe, em oito capitais, e só, recentemente, trazidas a público por Antônio Lavareda, revelam aspectos muito positivos. O primeiro deles é que 64% da população dessas capitais tinha preferência partidária, índice alto mesmo para padrões internacionais. [...] outra revelação das pesquisas de 1964 refere-se à orientação ideológica do eleitorado das oito capitais às vésperas do golpe. Enquanto as lideranças se radicalizavam, o eleitorado mostrava tendência claramente centrista [...] Indagados sobre qual a linha política mais indicada para o governo, 45% dos pesquisados preferiram o centro, contra 23% que preferiram a direita e 19% a esquerda. (2002: 148-150)

            Tem-se, portanto, que a maioria da população acreditava no sistema partidário, ponto central no sistema representativo e democrático, e sobretudo que a população ideologicamente não era radical, dado importante para o desenvolvimento de uma cidadania eficaz. O colapso da democracia, em 1964, deu-se principalmente em virtude da falta de convicção democrática das elites, que disputavam o poder afastando as práticas da democracia representativa. A direita porque queria evitar as reformas de base defendidas pela esquerda, e esta, porque acreditava que a direita preparava um golpe. Não havia organizações civis suficientemente fortes e representativas que pudessem refrear a radicalização, o que precipitou no Golpe Militar de 1964.

            Dado o golpe, os direitos políticos se viram atingidos de forma sensível pelas medidas de repressão, não obstante os vinte anos que se lhe seguiram, a despeito do bipartidarismo obrigatório e o fechamento do Congresso, em duas ocasiões apenas, foram sustentados com base em eleições proporcionais que não foram suspensas. O voto serviu de garantia de legitimidade ao regime.

            O eleitorado cresceu substancialmente durante os governos militares,

            [...] A tendência iniciada em 1945 não foi interrompida, foi acelerada. Em 1960, nas eleições presidenciais, votaram 22,4 milhões; nas de 1982, 48,7 milhões; nas de 1986, 66,5 milhões. Em 1960, a parcela da população que votava era de 18%, em 1986, de 47%, um crescimento de 161%. Isso significa que 53 milhões de brasileiros, mais do que a população total do país em 1950, foram formalmente incorporados ao sistema político durante o governo militar. (CARVALHO, 2002: 167).

            Através de Atos Institucionais, o regime controlava duramente a oposição, de forma que cassava direitos políticos, exonerava cargos e funções públicas, aposentava compulsoriamente, determinava intervenções de toda sorte. O direito de opinião foi restringido, a justiça militar passou a ser competente para julgar os crimes contra a segurança nacional, a pena de morte foi re-introduzida no meio do regime, havia proibição expressa com relação a greves, os direitos fundamentais da pessoa humana tinham previsão constitucional, no artigo 150 da CF/1968, embora tivessem sido suspensos pelo A I – 5 (o mais repressor dos atos institucionais, que entre outras coisas também suspendeu o habeas corpus) etc.

            A reabertura teve seu início com as eleições presidenciais de 1974 quando foram diminuídas as restrições à propaganda eleitoral, apesar de ter o MDB novamente derrotado, o que se justifica em face da existência de um colégio eleitoral altamente manipulado. Como o aparato repressor se tornara algo mais ou menos independente dentro do próprio governo, as principais esperanças das elites giravam em torno da possibilidade de controle das estruturas repressoras pelo novo governo e senão a supressão, pelo menos a diminuição da tortura. Em novembro de 1974, o regime militar sofreu seu primeiro grande choque quando das eleições – que eram diretas para o Congresso – o MDB conseguiu dobrar sua representatividade, havia algo de novo. Em resposta, o Governo Geisel fechou o Congresso e passou a legislar por decretos, o que representou retrocesso, mas não interrompeu o processo de abertura.

            A oposição vinha desde o início do governo Geisel exigindo o retorno ao estado de direito. Em 1978, o governo deu um grande passo no sentido da democratização com a revogação do AI – 5, o fim da censura prévia e o retorno dos primeiros exilados. A lei de anistia aprovada em 1979 já no governo do General Figueiredo foi bastante polêmica uma vez que estendia o benefício aos dois lados, tanto aos acusados de crimes contra a segurança nacional, quanto aos torturadores e assassinos dos opositores do regime.

            Outro episódio marcante da reabertura foi a fundação do Partido dos Trabalhadores no início da década de 80. O partido surgiu da reunião da Igreja Católica, dos sindicalistas renovadores e, principalmente, dos metalúrgicos paulistas, bem como alguns intelectuais.

            Eleições diretas para governador, no início da década de 80 levaram a oposição ao governo de nove dos vinte e dois Estados da Federação. Processo que culminou com a eleição do candidato oposicionista Tancredo Neves para a presidência da República em 1985. Com a morte do candidato antes de assumir a presidência, assume José Sarney antigo aliado político dos militares. A Constituição de 1988 promoveu inúmeras inovações no sentido de implementação da democracia, não obstante, o regime só foi desmantelado ao longo da década de 90.

            A experiência nacional com a democracia e com o exercício dos direitos políticos é recente, imatura e ainda precária. Recente pesquisa da ONU, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, revelou que mais da metade dos latino-americanos prefeririam, ao regime democrático, uma ditadura que fosse eficaz na resolução dos problemas econômicos.

            Observem-se os seguintes dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo em 21 de abril de 2004, no Caderno A, p.14.

            58,1%

            Concordam que o presidente possa ir além das leis

            56,3%

            Crêem que o desenvolvimento econômico seja mais importante que a democracia

            54,7%

            Apoiariam um governo autoritário se resolvesse os problemas econômicos

            43,9%

            Não crêem que a democracia solucione os problemas do país

            40%

            Crêem que possa haver democracia sem partidos

            38,25%

            Crêem que possa haver democracia sem Congresso Nacional

            37,2%

            Concordam que o presidente ponha ordem pela força

            37,2%

            Concordam que o presidente controle os meios de comunicação

            36%

            Concordam que o presidente deixe de lado partidos e congresso

            25,1%

            Não crêem que a democracia seja indispensável para o desenvolvimento

            É emblemático o resultado da tal pesquisa, haja vista, a amarga experiência do ponto de vista político e humanitário que os governos autoritários propiciaram aos latino-americanos, e ainda, o legado de dívidas inumeráveis pelos contemporâneos herdado do referido período.

            Entrementes, é mister salientar que a democratização não aconteceu de forma pacífica e que os militares não assistiram passivos ao processo. Rebeldes oposicionistas, ao longo das três décadas de regime organizaram movimentos de guerrilha tanto urbanos quanto rurais, promoveram assaltos a bancos para financiar a resistência, seqüestros tendo por objetivo a soltura de presos políticos etc. Os militares, ao seu turno, bem como aqueles que não eram favoráveis a nova ordem que estava na iminência de se instalar, também promoveram ações de impacto, exemplo clássico foi o atentado ao Rio-Centro.

            Durante o ano de 1980 e começo de 1981, o Brasil foi sacudido por uma série de incidentes violentos. As bancas de jornal, por exemplo, receberam notas ameaçadoras ordenando que parassem de vender publicações esquerdistas. Algumas que se recusaram a obedecer tiveram suas bancas explodidas por bombas no meio da noite. Uma carta-bomba que foi mandada para a Ordem dos Advogados do Brasil matou a secretária que a abriu. Poucos duvidavam de que o ataque viera da direita. (SKIDMORE, in STEPAN: 58)

            A relação entre os direitos políticos – em sentido estrito - e o exercício da cidadania se processaram de forma ambígua, de tal sorte que, na história do Brasil não se pode afirmar que os momentos de maior exercício dos direitos políticos, mormente o direito de voto, coincidiram com os de maior desenvolvimento da cidadania.

            É de suma importância e de urgente necessidade que se resgate o sentido original da política, para que o exercício efetivo desse múnus público tenha como objetivos precípuos a defesa e a promoção do bem comum como o era na cidade antiga, pelo menos nas concepções platônicas e aristotélicas.


BIBLIOGRAFIA

            BREGA FILHO, Vladmir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.

            CARVALHO, JOSÉ MURILO. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

            ______. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3a. ed. 8a. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

            PINSKY, Jaime; PISNKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.

            STEPAN, Alfred (org). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.


NOTAS

            01

Apud BREGA FILHO, Vladmir.Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
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Sobre o autor
Fernando de Brito Alves

professor de filosofia e sociologia, licenciado pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru, bacharelando em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, em Jacarezinho (PR), membro do programa de pós-graduação latu sensu em História, historiografia, sociedade e cultura da Faculdade Estadual de Filosofia de Jacarezinho, ambas da Universidade Estadual do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Fernando Brito. Cidadania e direitos políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 877, 27 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7628. Acesso em: 28 mar. 2024.

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