4 CONCLUSÃO
Importante salientar que a tese defendida no presente trabalho não tem como premissa a impunidade dos indivíduos hipossuficientes. De forma alguma é o que se pretende expor. Mas sim que o Estado, ao deixar de propiciar condições mínimas de vida, saúde, educação e dignidade se torna corresponsável pelo cometimento de delitos por parte dos indivíduos menos favorecidos.
Isso porque, o Estado Democrático de Direito, embora tenha o poder-dever de buscar a persecução penal, também possui o dever de propiciar condições mínimas para a sobrevivência de seu povo.
Assim, quando o sujeito não tem o mínimo para a sua sobrevivência, pode-se dizer que ele entra em uma espécie de estado de necessidade, retornando, muitas das vezes, ao seu estado de natureza, deixando de lado, por vezes, a ética e a moral existentes na sociedade e acaba por perpetrar crimes para sobreviver.
Desta feita, quando o Estado deixou de oferecer oportunidades mínimas para o indivíduo se desenvolver e sobreviver de maneira saudável, ele se torna corresponsável pelo cometimento dos delitos por parte do sujeito hipossuficiente.
A partir de então desenvolveu-se a teoria da coculpabilidade, que culminou no princípio da coculpabilidade, que, segundo Moura (2015), é um princípio implícito na Constituição Federal.
Contudo, questionou-se: como, então, aplicar o mencionado princípio em casos concretos?
Por intermédio da pesquisa na doutrina, principalmente na de Greco, chegou-se à conclusão que é possível a aplicação do supracitado princípio por meio do artigo 187, § 1º, do Código de Processo Penal, pelo qual o juiz, no momento do interrogatório, pode inferir as condições sociais e a vida pregressa do acusado.
Ademais, pode-se, também, utilizar o artigo 59 do Código Penal, que é a primeira fase da dosimetria da pena, no qual o magistrado, observando a (co)culpabilidade e os antecedentes do agente, pode aplicar uma pena mais branda.
Alternativamente a este último artigo, pode-se aplicar, na segunda fase da dosimetria da pena, a denominada atenuante genérica, do artigo 66 do Código Penal.
No entanto, embora haja a possibilidade de se aplicar o princípio da coculpabilidade ao ordenamento jurídico brasileiro, conforme acima delineado, os juízes, com argumentos duvidosos, tendem a afastar a sua aplicação, com base, usualmente, na igualdade formal, a qual, conforme narrado neste trabalho, vai de encontro com o que é de fato justo, pois o correto seria aplicar a igualdade material, que é tratar os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades, o que é o caso dos indivíduos hipossuficientes, que não tiveram boas oportunidades de vida e foram obrigados a optar ao crime para sobreviverem.
Conforme descrito neste trabalho, o magistrado, ao aplicar a igualdade formal, atua como o chamado sujeito solipsista, ou individualista, e decide como a própria consciência, julgando, pois, de forma consideravelmente parcial, o que deve ser repelido no ordenamento jurídico.
Ante o exposto, resta claro que, ao menos até o momento, o princípio da coculpabilidade não é efetivado no ordenamento jurídico brasileiro, não por falta de alternativas, mas sim pelas decisões dos juízes, motivo pelo qual, para o princípio da coculpabilidade ser aplicado em casos concretos, apenas devido à jurisprudência, pois a doutrina é favorável, deve existir a inovação legislativa, preferencialmente no Código Penal e, também, na Constituição Federal.
Quanto às teorias correlatas, a culpabilidade por vulnerabilidade pode ser aplicada como causa de excludente de culpabilidade, devido à inexigibilidade de conduta diversa, ao passo que a teoria da coculpabilidade às avessas já é aplicada no ordenamento jurídico, por intermédio do Código de Defesa do Consumidor e da Lei dos Crimes contra a Economia Popular.
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Notas
[1] Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. § 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.
[2][2] Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: [...] II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
[3] Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.
[4] Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código: IV – quando cometidos: a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima.
[5] Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: [...] § 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura: IV – quando cometido: a) por militar, funcionário público, ministro de culto religioso, por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima.