Racismo Estrutural: dos troncos aos supermercados

11/09/2019 às 16:30
Leia nesta página:

Apesar dos tempos e dos debates acerca do tema, infelizmente, ainda é possível se deparar com situações que expõem seres humanos a momentos desumanos.

Adolescente negro de 17 anos é amordaçado e torturado em cárcere privado por segurança nos fundos do supermercado Ricoy localizado na capital paulista. O segurança teria chicoteado o rapaz em razão do furto de barras de chocolate. Além da tortura, o segurança fez o garoto ficar nu enquanto outro segurança gravava a atrocidade. O vídeo viralizou nas redes sociais e o inquérito policial foi instaurado na 80ª Distrito Policial da Vila Joaniza, Zona Sul de São Paulo.

Para muitos o episódio parece algo isolado, distante e superado. Todavia, condutas como essas de supermercados devem ser compreendidas como o fracasso do Estado brasileiro em empregar direitos iguais a pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

O modus operandi narrado acima não difere em nada do período de escravização, onde o castigo pautado pela tortura era tido como mecanismo de desumanização, dominação e humilhação sobre corpos negros. Observa-se que a prática senhorial, dos donos de fazendas e terras, era também instituída pelo Estado, o qual permitia que as pessoas negras fossem açoitadas tanto nos engenhos quanto como medida legitima do Estado.

A conduta coloca luz em algo viril e ainda tão vivo no Estado Brasileiro: a segregação. É preciso tomar cuidado porque aqui, de fato, não houve leis instituídas como aparato constitucional como Jim Crow ou Apartheid, a exemplo dos Estados Unidos e África do Sul. Entretanto, as discriminações adentram ao campo da ação e omissão da sociedade brasileira, tal como no caso do garoto negro do supermercado, já que a conduta, embora gere clamor, não se estabelece como algo que perturba a nação brasileira e ordem social.

Para parcela significativa da população brasileira “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, pelo menos é o que está fixado no artigo 5º da Constituição Federal. Ocorre que, para outros, a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade são nada mais do que sonhos intangíveis e dissimulados, já que a emancipação dos corpos negros é amordaçada toda vez que tenta se manifestar.

A racialização das dinâmicas sociais evidencia que o avanço sócio-jurídico está acontecendo para uma camada específica da sociedade, já que a outra parcela encontra-se a própria sorte e pior: concebido pelo imaginário popular como o inimigo social.

Em outras palavras, como é possível falar de Estado Democrático de Direito, garantias constitucionais e direitos se os açoites, estrangulamentos e chicotadas estão acontecendo sobre corpos negros e a luz do dia? O episódio, no mínimo, deveria causar um colapso no establishment, uma vez que comprova o fracasso de ordem ideológica, econômica, política e legal.

Infelizmente, os direitos iguais de alguns, contrasta com a segregação para outros, os quais são excluídos pela demografia e derrotados pela violência em favor do simbolismo do herói e da hegemonia da ordem social.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Monique Rodrigues do Prado

Advogada, palestrante e facilitadora no Instituto Gaio. Atuo nas áreas de Direito Médico e Direito de Família. Além disso, componho o corpo jurídico de advogados voluntários da EDUCAFRO. Co-Fundei o Afronta Coletivo, trabalho sociocultural protagonizado por mulheres negras que acredita na disseminação da cultura afrobrasileira. Também, participo do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos