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Algumas notas sobre a Lei nº 8.742/1993

(amparo assistencial ao idoso ou deficiente mental)

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6. Interpretação judicial da concessão do benefício na Lei nº 8742/1993.

            6.1. Decisões que concederam em primeira instância ou que restabeleceram o benefício.

            6.1.1. Autos nº 95.11.03634-3, 1a Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal de Piracicaba-SP.

            Neste feito, o pedido do benefício de prestação continuada foi requerido por menor impúbere, devidamente representado nos autos, sendo deficiente mental, e oriundo de família miserável, portanto incapaz de trabalhar e ser sustentado pelos parentes. Sobreveio pedido de antecipação de tutela.

            O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pela implementação do benefício, foi citado e contestou o pedido, alegando ilegitimidade passiva à luz do artigo 12 da Lei 8742/1993, uma vez que não poderia suportar o custeio do benefício sem fonte de receita própria, sendo que as verbas seriam repassadas pelo Tesouro Nacional apenas aos Estados e Municípios, e, no mérito, alegando que não se encontrava provada a situação alegada pelo autor.

            A antecipação de tutela foi deferida e cumprida, concedendo o benefício. Houve a intervenção do Ministério Público Federal (visto o interesse de incapaz), onde o parquet opinou pela concessão do benefício.

            Após importante retrospecto histórico, pouquíssimo comum nas sentenças judiciais, o decisum de lavra do magistrado Luis Antonio Johonson di Salvo ressaltou que a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, consoante se lê no caput do artigo 203 da Constituição Federal. Ademais, comprovada a incapacidade do autor, a fundamentação demonstra que a Carta Política não estabeleceu restrições ao amparo assistencial preconizado no inciso V do referido artigo 203, enfatizando a convicção que o dispositivo trata-se de norma self executing, desnecessitada de autoritas interpositio para ganhar eficácia e validade, cabendo à lei comum apenas regular a instrumentalidade do benefício, sendo pífias e de nenhum valor as restrições impostas pela lei comum à percepção do benefício.

            De outra sorte, ressaltou-se inafastável a responsabilidade do INSS de efetivar o pagamento do benefício, ex vi do texto do artigo 32 do Decreto nº 1744, de 8 de dezembro de 1995 [30], bem como a ampla verificação do preenchimento do critérios de ordem objetiva estabelecidos pelo § 3º do artigo 20 da Lei nº 8742/1993 (a renda mensal da família deverá ser inferior a ¼ do salário-mínimo vigente na data do requerimento): a renda familiar não ultrapassava, per carpita, R$ 9,00.

            O processo, sujeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório (artigo 10 da Lei nº 9469/1997), está atualmente no Tribunal Regional Federal da Terceira Região e não foi examinado.

            Aqui, aduz-se que o benefício em questão vem auxiliar a situação de milhões de brasileiros à margem da Previdência Social e de qualquer amparo ou proteção estatal, num mundo cada vez mais "racional", egoísta e "competitivo", que a partir do final do século XIX e início do Século XX, passou a tratar o mercado como se fosse uma entidade dotada de personalidade jurídica, de vida e de vontade própria (e claro, em favor das políticas liberais), sendo uma entidade "quase divina". Como nos disse Peter DRUCKER,

            no século dezenove, a maior necessidade financeira das pessoas comuns era de um seguro de vida para a proteção de suas famílias em caso de morte prematura. Com as atuais expectativas de vida – quase duas vezes maiores que aquelas do século passado –, a maior necessidade das pessoas de hoje é a proteção contra a ameaça de viver demais. O "seguro de vida" do século dezenove era realmente um "seguro de morte". Já o fundo de pensão é o "seguro da velhice". Trata-se de uma instituição essencial em uma sociedade na qual a maioria das pessoas pode esperar por muitos anos às suas vidas profissionais

[31].

            Observa-se assim, que as necessidades atuais das pessoas na sociedade atual são muito maiores e sobretudo mais difíceis de alcançar, e não poderia – pelo menos não deveria ser, justamente neste momento – que elas deveriam estar desamparadas. As pessoas não deveriam sentir medo por viver demais. Isso, pela própria essência e natureza do ser humano, deveria ser uma dádiva, uma benção. No entanto, num momento onde significativa parte das relações de trabalho – e, portanto, as relações capazes de gerar quase todas as relações previdenciárias – estariam em crise, ocorreria algo semelhante ao que Edgar Salvadori de DECCA definiu como impotência social, onde as relações de trabalho estariam inseridas além de um mecanismo regulado por leis econômicas, mas também numa esfera de domínio social na qual os homens se vêem impossibilitados de pensar além de registros que se impõem à vista de todos como uma ordem natural [32].

            A intenção do benefício aos necessitados colima com os objetivos primordiais da República Federativa do Brasil, expresso em nosso texto constitucional no artigo 1º, notadamente incisos II e III, respaldados por um direito fundamental, consubstanciado e garantido em enunciados contidos no caput do texto do artigo 5º, notadamente o asseguramento do direito à vida e à segurança, não somente no sentido do vulgar direito de nascer e viver e à segurança pública e incolumidade pessoal, respectivamente, como poderia parecer, mas num sentido amplo, de viver e cumprir a existência não como um suplício, com um fim em si mesmo, mas na sua forma mais ampla e próxima da felicidade e realização pessoal possível, sentindo segurança de existir, incólume moral, física e espiritualmente, o que se mostra impossível ante a falta de suprimento de necessidades básicas, que muitas vezes são apenas supridas no assistencialismo, nas nem sempre – no entanto muitas vezes – nada despretensiosas boa-vontade e caridade alheias.

            A propósito do artigo 5º, pertinentes são as lições de Dimitri DIMOULIS, que colimadas com o propósito da possibilidade de aferição dos desejados direito à vida e à segurança através do benefício de prestação continuada, no intuito de proferir análise aos direitos fundamentais contidos na atual Constituição brasileira e de conferir ao dispositivo constitucional do artigo 5º, em especial ao seu § 1º, aplicabilidade imediata e efeito vinculante, nos ensina:

            Uma norma de particular importância encontra-se no art. 5º, § 1º: todos os direitos e garantias fundamentais, isto é, todas as disposições e garantias individuais, sociais e políticos são diretamente e imediatamente vinculantes.

            Esta norma significa, em primeiro lugar, que os direitos fundamentais vinculam todas as autoridades do Estado, incluindo o poder legislativo. Este último não pode restringir um direito fundamental de forma não permitida pela Constituição sob o pretexto que possui o poder (e a legitimação) de criar leis.

            Em segundo lugar, a referida norma significa que os titulares dos direitos não precisam esperar uma autorização ou "concretização" para poder exercer seus direitos. Se o legislador omitir, regulamentar e/ ou limitar um direito, este poderá ser exercido imediatamente em toda a extensão que a Constituição Federal define, sendo o poder judiciário competente para apreciar casos de sua violação.

            Em outras palavras, a norma em questão esclarece que os direitos fundamentais não são simples declarações políticas, mas preceitos que vinculam o poder do Estado de forma direta"

[33].

            Dessa forma, observa-se que o benefício pode colimar com a efetivação de objetivos que podem ser equiparados a um direito fundamental, que são a cidadania e a dignidade humana daqueles que, além de padecer de necessidades especiais de ordem mental, padecem os horrores da falta de recursos básicos, em estado de notável e impressionante miséria material.

            6.1.2. Autos nº 2000.85.00.002544-0, classe X, 3ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado de Sergipe (Aracaju).

            A ação, distribuída pelo rito sumário, objetivava o restabelecimento do benefício de amparo assistencial ao deficiente mental contido na referida Lei nº 8742/1993, questionando a legalidade do ato administrativo do Instituto Nacional do Seguro Social que o havia suspendido. Segundo o autor, o ato que suspendia o benefício suprimia assim o direito à subsistência, assegurado pela Lei Fundamental a deficientes e idosos que por ventura preenchessem certas condições legalmente estabelecidas. Nesse diapasão, não comprovada a legalidade do ato administrativo que fulminou o direito vital da parte hipossuficiente, o benefício foi restabelecido, com o pagamento dos valores devidos desde a suspensão, acrescidos de juros e correção monetária.

            Em síntese, alegou ainda o autor que o benefício lhe foi concedido em 1997, e abruptamente suspenso sem justificativa em junho de 1998, sendo inadequada a suspensão, visto que a deficiência do demandante perdurava, não restando consequentemente comprovada irregularidade na sua concessão. Ademais, insurgia-se contra o fato que dita revisão desrespeitou o prazo de dois anos preconizado no artigo 21 da Lei nº 8742/1993 [34].

            Como é cediço no procedimento sumário, realizada audiência de instrução e julgamento, o INSS apresentou sua resposta sob a forma de contestação, argüindo que a revisão do benefício de amparo social é obrigatória a cada dois anos, mas que ao demandado é facultado revê-lo antes do transcurso deste prazo, aduzindo ainda que o requerente, apesar de sua deficiência, não era totalmente incapaz para a vida independente e para o trabalho, não satisfazendo assim os requisitos indispensáveis para o restabelecimento.

            A sentença de lavra da magistrada Telma Maria Santos expôs que a Lei Magna, em seu artigo 203, inciso V, garante um salário-mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovar sua inaptidão para prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, tendo o dispositivo sido regulamentado pela Lei nº 8742/1993, que estabelece no artigo 20 os requisitos necessários à sua obtenção. Assim, a suspensão só seria válida se a revisão tivesse constatado irregularidade na concessão do benefício – caso em que o requerente a ele não fizesse jus – ou a superação das condições que teriam dado origem ao benefício, como, por exemplo a redução ou cessação da deficiência, possibilitando exercício de atividade remunerada, ou mesmo a elevação da renda familiar acima do patamar de hipossuficiência legalmente estabelecido e a cumulação de benefícios.

            Ressaltou a magistrada que mesmo não sendo possível alcançar a verdade real, o órgão jurisdicional estando obrigado a decidir sobre a questão sub judice, em tal situação, deve valer-se de princípios subsidiários da verdade real, tal como o da distribuição do ônus da prova, de sorte que o demandado limitou-se a meras alegações de que não estavam satisfeitas as condições para a concessão do benefício, sem fazer prova efetiva de seus argumentos. O pedido de improcedência da ação poderia ser corroborado com a juntada de cópias de peças de possível procedimento administrativo que culminou com a decisão da suspensão do amparo. Como não o fez, justificou sua decisão neste caso, em lição jurisprudencial:

            (...) em causa beneficio de assistência social atribuído pelo inciso V do art. 203 da Carta Magna aos deficientes físicos e idosos que não possam suprir a própria mantença e nem tenha quem o faça; é, portanto, do valor vida de que se está cuidando, na apreciação do qual devem ser afastados quaisquer formalismos jurídicos, especialmente o processual (...) TRF 3ª Região, 1ª Turma. MS 03010605/1995- SP. DJU: 24-09-1996, pág. 71.565

.

            E aduzindo ainda acerca do ônus da prova, os seguintes arestos:

            (...) em face de a previdência social dispor de melhores condições para esclarecer o "modus faciendi" das revisões implementadas, poderá o magistrado requerer a ela os elementos necessários ao deslinde da lide, ou ainda, inverter o "onus probandi" em favor do postulante, especialmente se o órgão previdenciário, na contestação, limitou-se a afirmar a inexistência do direito pleiteado na inicial, sem qualquer comprovação da legalidade dos reajustes efetuados. TRF 5ª Região, 3ª Turma. AC 0573123/1995-RN, Rel. Juiz José Maria Lucena. DJU: 27-10-1997, pág.: 89.999.

            PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART-333, INC-1, DO CPC-73. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO.

            1. Nas ações previdenciárias há hipóteses em que se opera uma inversão do

onus probandi, a fim de que sejam trazidos aos autos os elementos necessários ao deslinde da controvérsia e que estão em poder do réu. TRF 4ª Região, 6ª Turma. AG 0461425/1996-RS, Juiz Nylson Paim de Abreu. DJU 30-04-1997, pág. 29.717.

            Em conclusão, julgando procedente a ação, inferindo que o autor alega e comprova que percebia benefício assistencial, e reafirmando que o benefício concedido e pago pelo INSS foi suspenso sem que este provasse a legalidade e adequação do ato de suspensão, acolheu-se o pedido da parte ativa, extinguindo o processo com julgamento do mérito, condenando a Autarquia Previdenciária a restabelecê-lo, pagando os valores dos benefícios vencidos, desde a suspensão, devidamente atualizados monetariamente nos termos da Lei nº 8213/1991 e dos subseqüentes critérios legais, acrescidos de juros de mora de 6% ao ano, a partir da citação.

            6.1.3. Autos nº 98.04423-0, classe X, 3ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado de Sergipe (Aracaju).

            A ação, intentada via representante legal de autor portador de deficiência física verificada desde o nascimento, foi distribuída pelo procedimento ordinário, objetivando o restabelecimento do benefício de prestação continuada da Lei nº 8742/1993, com juros e correção monetária, cancelado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, sem a observância do princípio do devido processo legal e sem a realização de perícia médica.

            Em síntese, o INSS em forma de contestação, alegou que a deficiência do autor não se encontrava entre as patologias inseridas na lei, uma vez que no decorrer do processo administrativo, tal fato fora constatado pela perícia médica, sem descuidar portanto do princípio constitucional da ampla defesa, pois os atos da Administração Pública estão adstritos ao cumprimento das normas legais, requerendo por fim a improcedência da ação e condenação do autor em custas e honorários advocatícios.

            O rito do processo foi convertido para o sumário, e o Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação.

            Na fundamentação do magistrado Carlos Rebelo, se infere que do estudo da Lei nº 8742/1993, constata-se que ali não foram arroladas patologias, como afirmava a autarquia previdenciária, dentre as quais poder-se-ia inserir a de que o autor é portador. Assim, sem identificar a assinatura do profissional que subscreve o laudo juntado pelo INSS, verificou-se que foi adotado um requisito subjetivo para a concessão do benefício, mas que em contrapartida houve o cancelamento baseado em mera suposição. Dever-se-ia assim, ter sido oferecido ao autor um procedimento regular, interna corporis, pois, se igualmente há a presunção juris tantum de legitimidade do ato administrativo, nenhum desses elementos de fato veio aos autos, inclusive no oferecimento da oportunidade de exercício do princípio do devido processo legal [35]. Assim não o fazendo, o ônus da prova deverá incumbir àquele que a alegar (onus probandi incumbit ei qui allegat).

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            A ação foi julgada procedente, acrescendo à condenação juros e correção monetária.

            6.2. Decisões de primeira instância que denegaram a transferibilidade do benefício e denegando-o ao portador de capacidade laborativa parcial.

            6.2.1. Autos nº 2001.85.00.2550-9, classe 01000, 1a Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado de Sergipe (Aracaju).

            A ação, intentada sob o rito ordinário e com pedido de antecipação de tutela, objetivava a transferência do benefício contido na Lei nº 8742/1993 à dependente, nos moldes do que se verifica na pensão por morte do segurado. Fica aqui evidente que o pedido de antecipação de tutela tem por objetivo garantir a agilidade da prestação jurisdicional, uma vez que se torna extremamente árduo para a parte em ações dessa natureza (de caráter na maioria das vezes alimentar) esperar o término do processo de conhecimento para ver constituído seu direito ou prestada a efetiva jurisdição.

            Em sua explanação, alega a autora que era casada com segurado da Previdência Social, tendo o INSS negado-lhe a concessão do benefício, ao fundamento da perda de qualidade de segurado. A antecipação da tutela somente fora apreciada após a citação do réu que, em sua contestação, refutou a pretensão, reafirmando a dita perda da qualidade de segurado, ou seja, a ausência de contribuição junto à Autarquia Previdenciária nos termos estabelecidos pela lei por determinado lapso de tempo, que determina a perda do direito ao recebimento de benefícios, em situação equivalente à "desfiliação" do sistema da Previdência Social.

            A Autarquia Previdenciária esclareceu a espécie de benefício recebido pelo de cujus, juntando documento, ao qual, regularmente intimada para que dele manifestasse, a autora silenciou.

            Desse documento inferiu-se que o de cujus não recebia benefício na qualidade de segurado da Previdência Social, mas na verdade benefício de amparo social, que não integra a estrutura da Previdência e, sim, a Assistência Social (Constituição Federal, artigo 194, caput). Dessa forma, tratando-se de institutos diferentes, embora ligados à Seguridade Social, com disposições normativas diversas, não seria possível pretender aplicar a regra concernente a um, quando se trata de beneficio integrante do outro.

            A pensão por morte, regulada pelos artigos 74 a 79 da Lei nº 8213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social), é devida aos dependentes do segurado da Previdência Social. O falecido esposo da autora não poderia ser classificado como "segurado" da Previdência Social, eis que recebia benefício de amparo social. Não sendo segurado da Previdência, inexiste amparo legal para que se concedesse o benefício pleiteado.

            A sentença de punho do magistrado Ricardo César Mandarino Baretto, julgou a ação improcedente, esclarecendo que a própria Lei nº 8742/1993, que regula os benefícios de amparo social, dispõe, em seu artigo 21, § 1º, que ocorrendo a morte do beneficiário, cessará o pagamento, de sorte que benefício tem caráter personalíssimo, eis que voltado à manutenção da pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família (Constituição Federal, artigo 203, inciso V). Sendo personalíssimo, extingue-se com o óbito de quem o recebe, não fazendo jus à continuidade de seu recebimento, os familiares do de cujus, embora possam, eventualmente, ser dependentes economicamente do beneficiário.

            6.2.2. Autos nº 2.000.85.00.000630-4, classe X, 3ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal do Estado de Sergipe (Aracaju).

            Pela ação, intentada pelo rito sumário, objetivava o autor reverter a suspensão do benefício contido na Lei nº 8742/1993 pelo Instituto Nacional do Seguro Social, tendo no seu bojo pedido cumulado com cobrança de diferenças. Alegava o autor receber o dito benefício desde agosto de 1996, tendo sido o seu pagamento interrompido abruptamente em setembro de 1998, em virtude de um parecer médico que atestava a inexistência de invalidez do requerente. Chegou o autor inclusive a recorrer às instâncias administrativas superiores da Previdência Social, não obtendo sucesso.

            Em virtude de sua patologia que o incapacitava para o trabalho, considerava-se o autor merecedor deste benefício de amparo social aos deficientes. Sendo assim, requereu o seu restabelecimento, bem como o pagamento das prestações atrasadas.

            Realizada audiência de instrução e julgamento, onde o INSS apresentou sua resposta sob a forma de contestação, argüiu o réu que a perícia médica realizada constatou que a deficiência física apresentada pelo autor não o incapacitava totalmente para o trabalho. Ademais, aduziu que o benefício regulado pela lei federal de amparo social ao deficiente físico – Lei nº 8742/1993 – deve ser revisto a cada dois anos, por força dessa mesma lei. Por conseguinte, o cancelamento do benefício foi consentâneo com o dispositivo legal, não devendo, pois, ser restabelecido.

            A perícia médica determinada a posteriori pelo Juízo constatou que o autor, em razão da amputação parcial de sua coxa, não teria condições de trabalhar no seu antigo emprego, mas poderia exercer perfeitamente outras profissões.

            A sentença de lavra da magistrada Telma Maria Santos, fundamentou-se no escopo que só será beneficiário do amparo social aquele deficiente com inaptidão para o desempenho de atividades diárias e para o trabalho, considerado no sentido amplo, e não, especificamente, no trabalho exercido anteriormente, onde no caso sub judice, o demandante, segundo a perícia médica realizada, realmente não possui condições de exercer sua antiga profissão. Entretanto, em virtude de seu bom nível intelectual, poderia perfeitamente se adaptar em outra função e passar a exercer outro tipo de trabalho, não sendo, por conseguinte, totalmente incapaz para o trabalho, não cumprindo o requisito estabelecido no § 2° do artigo 20 da Lei nº 8742/1993 e, portanto, não fazendo jus ao benefício de amparo social.

            A ação foi julgada improcedente, vez que o demandante não preencheu todos os requisitos imprescindíveis para a obtenção do benefício pleiteado, de sorte que a suspensão do benefício procedida pelo INSS foi adequada, vez que a sua revisão foi um procedimento administrativo resguardado com amparo legal.

            6.3. A prática judicial da Lei nº 8742/1993 em Acórdãos.

            Como se verá, a análise do benefício contido na Lei nº 8742/1993 em segundo e terceiro graus de jurisdição é relativamente mais complexa e abrangente.

            6.3.1. Decisões de segunda e terceira instâncias que concederam o benefício.

            6.3.1.1. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 1a Turma, acórdão nº 452022-SP.

            Em decisão do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (cuja jurisdição se estende aos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul), em acórdão de relatoria do desembargador Oliveira Lima, se depreendeu no exame de ação civil pública que a assistência social está garantida aos portadores de deficiência física e ao idoso, consoante disposições do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, da Lei nº 8742/1993 e do Decreto nº 1744/1995, havendo legitimidade da União Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social para responder pelo pagamento e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no referido artigo 203 da Lei Maior [36], de forma que comprovada a incapacidade total e permanente do autor, bem como a falta de condições para prover seu próprio sustento ou tê-lo provido por outrem, de quem dependa economicamente, faz ele jus ao benefício da Assistência Social. Ademais, a renda mínima percebida pelo pai do autor não obsta o direito do mesmo de perceber o benefício vitalício, consoante precedentes do próprio tribunal (TRF – 3a Região – 1a T.; AC nº 452022-SP; Rel. Des. Federal Oliveira Lima; j. 07-11-2000; v. u., in BAASP – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) –, nº 2242, Ementário (ementa nº 07), de 17 a 23-12-2001, p. 482.

            6.3.1.2. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 1a Turma, acórdão nº 539982-SP.

            Em decisão do mesmo TRF da Terceira Região, em acórdão unânime da lavra do juiz relator Carlos Loverra, vê-se que ante ao disposto no artigo 32, parágrafo único, do Decreto nº 1744/1995, cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social receber requerimentos administrativos e conceder ou não o benefício de prestação continuada, sendo inafastável sua exclusiva legitimação para figurar no pólo passivo da demanda, pouco importando toque à União Federal o repasse de verbas para custeio da Assistência Social como um todo, em observância a precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da própria Turma. Ademais, o limite de renda familiar ditado pelo artigo 20, §3º, da Lei nº 8742/1993 funciona como mero parâmetro objetivo de miserabilidade, de forma a se entender que a renda per capita inferior a um quarto do salário-mínimo configuraria prova inconteste de necessidade, dispensando outros elementos probatórios. Por outro lado, caso tivesse sido suplantado tal limite, nada impediria que fosse demonstrada a pobreza e efetiva necessidade do benefício por todos os meios de prova. Estando nos autos provada a incapacidade laborativa e a premente necessidade de recebimento do benefício assistencial, o mesmo foi concedido. No apelo da União, sua preliminar teve acolhida, no intuito de excluí-la da lide. (TRF – 3a Região, 2a Turma, AC, Apelação Cível nº 539982-SP, Processo nº 1999.03.99.098226-3, data da decisão: 29-04-2002, documento nº TRF 300065860, DJU de 18-11-2002, página 656, Relator Juiz Carlos Loverra).

            6.3.1.3. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 2a Turma, acórdão nº 558268-SP.

            Neste acórdão, em decisão unânime, evidenciou-se desnecessário o prévio requerimento administrativo ao INSS como condição do ajuizamento de ação com pedido de benefício de prestação continuada tratado pelo artigo 20 da Lei nº 8742/1993, consoante Súmula nº 9 do tribunal [37]. O relator, o mesmo juiz Carlos Loverra, ponderou na decisão que o limite de renda familiar ditado pelo referido artigo 20, §3º, da Lei nº 8742/1993 funciona como mero parâmetro objetivo de miserabilidade, de forma a se entender que a renda per capita inferior a um quarto de salário-mínimo configuraria prova inconteste de necessidade, dispensando outros elementos probatórios. Por outro lado, caso suplantado tal limite, nada impediria que fosse demonstrada a pobreza e efetiva necessidade do benefício por todos os meios de prova. Some-se a fundamentação do acórdão, deveras semelhante ao anterior, o fato que nada impediria a produção da exclusiva prova testemunhal como demonstrativo de miserabilidade, não se aplicando, nesse aspecto, o artigo 401 do Código de Processo Civil (Lei nº 5869/1973), por não se tratar de relação jurídica de natureza contratual, e sim de Direito Público. (TRF – 3a Região, 2ª Turma, acórdão nº 558368-SP, apelação cível, processo nº 1999.03.99.116015-5, data da decisão: 15-04-2002, documento nº TRF 300065869, DJU de 18-11-2002, página 658, Relator Juiz Carlos Loverra).

            6.3.1.4. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 1a Turma, acórdão nº 96.03.029438-1-SP.

            Em acórdão unânime da lavra do juiz federal convocado David Diniz, entendeu-se que esteve correto o entendimento do juiz de primeiro grau sentenciante em acolher as conclusões do vistor oficial no sentido de observar que o autor está incapacitado – total e permanentemente – para o exercício habitual e de qualquer outra atividade laboral. O conjunto probatório dos autos demonstrou que o mesmo não tinha condições econômicas de provir o seu próprio sustento, nem tê-lo provido por familiares, preenchendo os requisitos necessários para obtenção do benefício de renda mensal vitalícia, mediante prova documental, pericial e testemunhal. Assim, a renda mensal vitalícia é devida a contar da data de ingresso do requerimento no protocolo da repartição previdenciária. (TRF – 3ª Região – 1ª T.; AC e Remessa Oficial nº 96.03.029438-1 – Batatais-SP; Rel. Juiz Federal Convocado David Diniz; j. 13-03-2001; v. u., in BAASP – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) –, nº 2245, Ementário (ementa nº 03), de 07 a 13-01-2002, p. 489.).

            6.3.1.5. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 2a Turma, acórdão nº AI nº 125252-SP; Reg. Nº 2001.03.00.004-496-0;

            Neste acórdão, com votação unânime, cuja relatoria coube à juíza convocada Marisa Santos, o benefício de prestação continuada da Lei nº 8742/1993 foi requerido por pessoa maior de 70 anos com pedido de antecipação de tutela, efetivamente concedida.

            Oriundo de recurso de agravo de instrumento (com provimento negado) interposto pela Autarquia Previdenciária em função de decisão interlocutória que o concedeu, alegou o INSS que não caberia a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, sob pena de pôr em risco o erário público, ou, ainda, que neste esteio seria exigível a prestação de caução. Ademais não haveria prova da miserabilidade, estando ausentes os requisitos indispensáveis à antecipação de tutela.

            Requerendo efeito suspensivo, o mesmo foi indeferido, opinando o Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso.

            No que dizia respeito à possibilidade de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, ressaltou a magistrada julgado do Superior Tribunal de Justiça, que apreciou a matéria:

            "Processual Civil – Medida Cautelar – Recurso Especial contra acórdão em agravo de instrumento – Tutela antecipada contra a Fazenda Pública - Art. 273 do CPC e Lei nº 9.494/1997 – Sentença definitiva prolatada - Plausibilidade do bom direito e perigo da demora preenchidos – Cautelar procedente com processamento imediato do recurso especial.

            1 - Afora a exceção prevista na Lei nº 9.494, de 10-09-1997, é admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, circunstância que demonstra presente o fumus boni iuris.

            2 - A probabilidade de as autuações e as execuções fiscais levadas a efeito pelo Fisco ocasionar prejuízo de difícil ou penosa reparação configuram a presença do periculum in mora.

            3 - Em sendo a tutela antecipada convolada em definitiva, nada resultaria em desconstituir tal tutela, posto que seus efeitos persistiriam por força da sentença.

            Medida cautelar procedente, com imediato processamento do recurso especial interposto. Decisão unânime" (STJ – MC nº 1794/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, v. u. DJ 27-03-2000, p. 82).

            Em atenção ao disposto no artigo 475 do Código de Processo Civil brasileiro (Lei nº 5869/1973), o princípio do duplo grau de jurisdição obrigatório, recepcionado pela Constituição de 05 de outubro de 1988, é diferenciado do princípio do reexame necessário, definido como simples norma veiculada pelo referido artigo 475, e incisos, da lei processual [38]. Na fundamentação, transcrição do voto do mesmo acórdão de lavra do ministro Franciulli Netto, do mesmo Superior Tribunal de Justiça:

            "(...)

            "O dissídio, que lavrava sobre a inflexão do art. 273 do Código de Processo Civil entre os que abrigavam a tutela antecipada contra a Fazenda Pública e os que tomavam posição oposta, acabou superado com o advento da Lei nº 9.494, de 10-09-1997, que brotou a Medida Provisória nº 1.570, editada muitas vezes. Veio a lume, pela primeira vez, como conseqüência da r. decisão do Excelso Supremo Tribunal Federal, ao estender aos servidores públicos civis os 28,86 %, concedidos exclusivamente aos militares. Esse novo texto legal, a despeito das inúmeras restrições contidas em seu art. 1º, de qualquer forma, sem dúvida nenhuma, admitiu, como regra geral, a possibilidade, de que é possível, salvo os casos que exceptua, a antecipação da tutela contra o Poder Público. (...)"

            Acresce-se o fato que as sentenças de conhecimento proferidas contra a Autarquia Previdenciária estarem sujeitas ao duplo grau obrigatório não impedem a concessão da tutela antecipada, pois o instituto do reexame necessário tem por escopo garantir a eficácia de sentença proferida pelo juízo a quo (1º grau de jurisdição), com a sua confirmação ou não pelo órgão ad quem (2º grau de jurisdição), em nada se confundindo com os efeitos decorrentes de concessão de liminares, tutelas antecipadas ou mesmo da execução provisória.

            Com relação à análise do pedido de liminar, cumulado com o pedido de antecipação de tutela, se dispôs que o artigo 273, inciso V, da Constituição Federal, que tratou do benefício assistencial, regulamentado pela Lei nº 8742/1993 e pelos Decretos nº 1330/1994 e nº 1744/1995, teve por escopo instituir benefício sui generis, em razão da dificuldade enfrentada por aqueles que, inválidos ou idosos, não dispõem de mínimas condições para o exercício de qualquer atividade laborativa, seja em razão de incapacidade física ou mental, seja em razão de eventual dificuldade oriunda da velhice. Assim, seria suficiente, para a concessão do benefício, a prova da invalidez ou de idade avançada, comprovada a situação de miserabilidade ou desvalia, sendo que tal conclusão se coadunaria com a caracterização da norma do referido artigo 203, inciso V, da Lex Fundamentalis como norma de eficácia plena. Dessa forma, seria exigível o atendimento dos requisitos contidos na sua enumeração (artigo 203, V, "a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei"), por onde, nesse contexto adiciona-se o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8742/1993, que determina a sua concessão aos que auferirem renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo.

            Caberia assim ao magistrado observar os elementos colhidos nos processos individualmente, caso a caso, procurando verificar se estão preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, atendendo assim aos fins sociais e às exigências do bem comum, estabelecidos pelo art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (LICCB), o que abrandaria o rigor do pressuposto relativo à situação econômica preconizado no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8742/1993.

            Para tanto, citou a relatora excerto colhido do voto condutor proferido na Apelação Cível nº 97.03.050777-8/SP, pelo desembargador federal Theotônio Costa, e da 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente:

            ". .. a Turma tem abrandado o rigor do pressuposto relativo à situação econômica, já que, tanto o art. 20, parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93, como o inciso II do art. 6º do Decreto nº 1.744/95, estabeleceram que a renda per capita familiar deve ser inferior a um quarto do salário mínimo, para possibilitar a concessão do benefício. Por tal razão, entendo que na apreciação de pedidos como o aqui em desate não pode o juiz enfocar a matéria sob o prisma rigoroso da lei, devendo, na verdade, observar qual o alcance da norma, levando-se em conta o objeto do texto interpretado." (julgado em 23-09-1997, v. u.)

            "Previdenciário. Renda mensal vitalícia. Renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo. Interpretação conforme a constituição.

            A Lei nº 8.742/93, art. 20, § 3º, quis definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo é objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado. (...)". (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 227.163/SP (99/0012870-2), Relator o ministro Edson Vidigal, v. u., julgado em 14-12-1999)

            (...)

            "Dispondo que o benefício seria concedido ‘conforme dispuser a lei’, não quis o constituinte, por certo, deixar ao livre arbítrio do legislador a tarefa de fixar um valor-padrão, ao qual se possa considerar como mínimo à subsistência. Mas foi o que fez, aparentemente, a Lei nº 8.742/93, art. 20, § 3º:

            ‘Art. 20 -. ................................................

            § 3º. – Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo

            "Tenho que o dispositivo transcrito, ao contrário do que busca fazer crer o INSS, quis apenas definir que o rendimento familiar inferior a ¼ do salário mínimo é objetivamente considerado insuficiente para a subsistência ao idoso ou do portador de deficiência. Nada impede, entretanto, que em cada caso concreto possa o julgador auferir essa impossibilidade financeira, como foi feito na hipótese, em que a recorrida e seu marido sobrevivem com apenas pouco mais que um salário." (grifo original).

            Nesse sentido, extrai-se do julgado colacionado que, se a renda per capita for inferior ao ¼ do salário mínimo, já está presumido o requisito atinente à miserabilidade. Aqui, a presunção de miserabilidade seria juris et de jure. Todavia, o julgador também poderá verificar a existência de tal requisito, nas condições econômicas vivenciadas pelos jurisdicionados nos casos concretos, verificando se incidem na previsão constitucional do artigo 203. Nesse caso, caberia ao INSS provar a ausência do requisito, já que o atestado de pobreza, a pesquisa social, ou outras provas traduziriam presunção juris tantum de que o requerente não tem condições de prover a própria subsistência, nem pode contar com a ajuda de sua família.

            A autor-agravado, ademais sendo beneficiário da assistência judiciária gratuita – Lei nº 1060/1950 –, aduz outro requisito de miserabilidade, que igualmente goza de presunção juris tantum, não se insurgindo a Autarquia Previdenciária, pelo meio processual adequado (ou seja, através do competente incidente de impugnação à assistência judiciária gratuita), contra tal deferimento, nem ao menos logrando provar a inexistência dos requisitos necessários à concessão do aludido benefício, a teor do artigo 7º da mencionada lei.

            Rechaçada também a alegação de ausência de periculum in mora eis que entendeu o juiz a quo na decisão agravada estar o autor num patamar de considerá-lo pessoa pobre, devendo ter acesso ao mínimo necessário à sua sobrevivência, de forma que o pagamento do benefício suavizaria sua situação de penúria.

            A decisão a quo expôs:

            "(...)

            "Dois são, portanto, os requisitos necessários à concessão do benefício reconhecido como ‘amparo social’: a) deficiência física ou idade avançada por parte do interessado; b) impossibilidade do interessado prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

            No presente caso, comprovou o (autor) (a), em sede de cognição sumária, que é portador (a) de deficiência que o (a) impede de trabalhar.

            O atestado médico de fls. 24 indica que o (a) e a família respectiva não possuem meios para prover a própria subsistência.

            A respeito, concluiu o senhor assistente social:

            ‘A família é composta por L. C. S., 47 anos, do lar; e M. M. S., 62 anos, ambulante (quando acha alguma coisa para vender, a maioria fica desempregado).

            "(...)

            ‘Se não fosse o Departamento Social e a Prefeitura Municipal a fazer doações de medicamentos, alimentação, água, luz, e o que for necessário, os mesmos passariam necessidades, pois o que o senhor M. não chega a 50, 60 reais mensais’ (fls. 28).

            "De rigor, portanto, a concessão da tutela antecipada, mas não na amplitude pleiteada pelo autor (a)".

            Reitera a relatora julgamento neste sentido, firmado pela própria 2a Turma do TRF da 3a Região, no julgado do Agravo de Instrumento nº 97.03.064889-4 (v. u., in DJU 18-12-1997).

            Por derradeiro, estaria descabido falar-se na prestação de caução de modo a possibilitar a concessão de tutela antecipada, por se tratar de verba de natureza alimentar, pelo que deve, em princípio, ser utilizado o mesmo entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito das execuções provisórias, segundo o qual "no crédito de natureza alimentar não tem cabimento a exigência de caução, na execução provisória. As cautelas recomendadas não podem ter o alcance amplo e absoluto que se deseja" (STJ – 6a Turma, Resp nº 78.911/SP, Rel. Min. William Patterson, DJU 11-03-1996, pág. 6.719), negando provimento ao agravo. (In: BAASP – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – nº 2284, de 24 a 30-06-2002, págs. 2281-2284, com a colaboração do TRF – 3ª Região).

            6.3.1.6. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 360202.

            O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no acórdão oriundo do Recurso Especial nº 360202 (RESP 360202), garantiu ao portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA, ou, doença mais comumente referida por sua sigla em língua inglesa, "AIDS"), o direito de perceber junto ao Instituto Nacional do Seguro Social o benefício de prestação continuada da garantia de um salário-mínimo mensal, originalmente destinados ao portador de deficiência e ao idoso com setenta anos ou mais [39] que comprovem não possuir condições de manter-se por si mesmo ou por intermédio de sua família. A decisão unânime da Quinta Turma do STJ foi tomada em um recurso em que o INSS buscava eximir-se de pagar o benefício instituído pela Lei nº 8742/1993.

            A questão começou no Estado de Alagoas, com a ação de concessão de benefício intentada por autor de 37 anos, portador do vírus HIV (causador da doença) em estágio avançado da infecção, contra o INSS. Isso porque, apesar de seu advogado ter juntado atestados médicos comprovando a doença, além de sua impossibilidade de desenvolver atividades laborativas, o INSS indeferiu administrativamente o pedido, não tendo reconhecido sua incapacidade para o trabalho e que a doença não se enquadra nas relacionadas na lei.

            A segunda vara federal de Maceió-AL deferiu o pedido do autor, concedendo-lhe a tutela antecipada, buscando resguardar direito individual, determinando ao INSS que providenciasse a concessão provisória até futura conclusão. No final, o juiz concedeu o auxílio o benefício, em decisão que foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da Quinta Região, com sede no Estado de Pernambuco). Tendo perdido nas duas instâncias, o INSS recorreu ao STJ, alegando que para a concessão de tal benefício, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei nº 8742/1993), exige que ocorra simultaneamente a incapacidade laboral e a incapacidade para a vida independente, sendo que essa última o laudo médico-pericial atestou que ele pode exercer.

            O relator do recurso, Ministro Gilson Dipp, ressaltou que a Constituição Federal assegurou ao idoso com setenta anos ou mais e ao deficiente o direito de perceber o benefício, desde que comprovem não poder suprir ou ver suprida a própria subsistência, na forma como a lei determinar. O que foi repetido pela Lei nº 8742/1993, que todavia traz como definição de portador de deficiência, em seu artigo 20, a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Contudo, a seu ver, tal classificação não poderia servir de obstáculo à concessão do benefício previdenciário, exigindo que o deficiente comprovasse ser incapacitado tanto para uma coisa quanto para outra como queria o Instituto réu, sendo bastante que fosse comprovado os requisitos previstos no caput do artigo 20 (que fosse portador de deficiência ou idoso sem meio de suprir a própria subsistência e sem tem ter quem o faça) e ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal (que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivo garantir um salário mínimo-mensal à pessoa naquelas condições definidas na lei), não parecendo razoável ao Ministro negar o direito à percepção do benefício devido ao atestado de ele ser capaz para a vida independente, como pretendia a autarquia, cujo laudo demonstrou essa capacidade pelo simples fato de ele não necessitar de ajuda para alimentar-se, vestir-se e fazer sua higiene. Segundo o Ministro, se essa fosse a conceituação de vida independente, o benefício só seria devido aos portadores de uma deficiência tal que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo, e não lhe pareceu que fosse esse o intuito o legislador. Ainda mais nesse caso, que trata de portador do vírus HIV, há a necessidade de cuidados médicos e psicológicos freqüentes, encontrando-se o autor incapaz de trabalhar para promover seu sustento, onde os pais – a mãe é doméstica e o pai biscateiro – perfazem uma renda mensal de R$ 80,00.

            A conclusão a que chegou o relator é que o laudo que atesta inaptidão para a vida independente baseado na capacidade de realizar atividades básicas e rotineiras de um ser humano não pode servir de fundamento para negar-se o benefício a quem tem direito por cumprir todos os requisitos legais (Superior Tribunal de Justiça, RESP 360202).

            6.3.1.6. Tribunal Regional Federal, 3a Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), 5a Turma, acórdão nº 98.03.050939-0-SP.

            Digno de registro ainda é o acórdão unânime da lavra da desembargadora Ramza Tartuce, donde se encontra que a renda mensal vitalícia, requerida na petição inicial, foi extinta pelo Decreto nº 1744/1995, para dar lugar ao benefício de assistência social (artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988), que se destina a amparar um maior número de pessoas que aquele favorecido pela renda mensal vitalícia, já que não exige, para sua concessão, que o postulante tenha exercido atividade laboral ou tenha sido, em algum momento da vida, filiado ao Instituto Previdenciário. Desse modo, em obediência ao princípio da economia processual, o pedido foi analisado como se fosse de benefício de assistência social, em possibilidade igualmente semelhante ao que se observa no princípio da fungibilidade dos recursos. No feito em questão, o recurso foi provido no intuito de reformar a sentença e afastar a carência da ação nela reconhecida, determinando o retorno dos autos à vara de origem, para que se dê prosseguimento ao feito, com a produção das provas requeridas. (TRF – 3a Região – 5a T.; AC nº 98.03.050939-0-SP; Rela. Desa. Federal Ramza Tartuce; j. 24-05-1999, v. u., in: BAASP – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) –, nº 2237, Ementário (ementa nº 07), de 12 a 18-11-2001, p. 466.).

            6.3.2. Decisão de segunda instância que indeferiu o benefício.

            Em acórdão unânime da lavra do desembargador Oliveira Lima, se dispôs que, no caso do benefício contido na Lei nº 8742/1993, Decreto nº 1744/1995, bem como artigo 203, inciso V da Constituição Federal, se não comprovada a incapacidade total e permanente do autor para o trabalho, mesmo tendo comprovada a falta de condições para prover seu próprio susutento ou tê-lo provido por outrem, de quem dependa obrigatoriamente, o mesmo não faz jus ao benefício da Assistência Social, previsto no artigo 203, V, da Carta Magna. O recurso de apelação, assim, restou improvido. (TRF – 3a Região – 1ª T.; AC nº 447009-SP; Reg. nº 98.03.098963-4; Rel. Des. Federal Oliveira Lima; j. 09-11-1999; v. u., in: BAASP – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo – nº 2258, XLIV, 08 a 14-04-2.002, Ementário, p. 529.).

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Sobre o autor
Rogério Duarte Fernandes dos Passos

advogado e professor, mestre em Direito Internacional pela Universidade Metodista de Piracicaba (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Rogério Duarte Fernandes. Algumas notas sobre a Lei nº 8.742/1993: (amparo assistencial ao idoso ou deficiente mental). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 881, 1 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7647. Acesso em: 5 nov. 2024.

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