A gradual mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal pública incondicionada e a implantação da justiça penal negociada no Brasil

14/09/2019 às 17:24
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Objetivou-se realizar uma breve análise sobre um dos princípios da ação penal pública incondicionada, qual seja, o princípio da indisponibilidade, evidenciando gradativa mitigação ocasionada por inovações legislativas levadas a termo nas últimas décadas.

O presente artigo científico terá por finalidade, em seu capítulo inicial, uma abordagem sobre um dos mais caros princípios da ação penal pública incondicionada, qual seja, o princípio da indisponibilidade, tecendo-se comentários sobre sua conceituação e necessidade, dentro de um sistema processual penal acusatório.

No capítulo segundo, far-se-á um breve retrospecto sobre as sucessivas modificações legislativas que consequentemente culminaram com progressiva mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal pública incondicionada, fazendo-se breves comentários a institutos penais inseridos em nosso sistema processual pelas Leis nº 9.099/95, nº 12.850/13, acrescidos por uma observação sobre instituto trazido pela Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.

 No capítulo terceiro incursiona-se brevemente no Direito internacional comparado, em específico, no sistema processual penal estadunidense, para ter-se uma pequena noção sobre a Justiça Penal Negociada.

O escopo do presente artigo é lançar luz a uma tendência que evidentemente está a se desenvolver no Brasil; em outras palavras, a potencial e progressiva migração do Sistema Processual Penal contencioso para um Sistema de Justiça penal negociada. A adoção de uma Justiça penal Negociada no Brasil, que começou timidamente em meados da década de noventa com o advento da Lei nº 9.099/95, hodiernamente, ganhou proeminência com a vigência da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13) inserindo instituto que ganhou relevo não só para os operadores do Direito, mas para todos que acompanharam os desdobramentos da chamada Operação Lava Jato e o Instituto da Colaboração Premiada.

Para alcançar o desiderato científico proposto, fez-se levantamento doutrinário e jurisprudência sobre assuntos correlatos, para ter-se conhecimento de como a comunidade acadêmica jurídica e os Tribunais estão se manifestando sobre o tema ora sob análise.

             

1. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA E O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

               Desde o momento em que a sociedade abril mão da Justiça privada e por intermédio de um “Contrato Social” transferiu para o Estado- Juiz a aplicação da lei Penal, tornou-se necessário a instituição de uma ritualística para que,   aqueles que realizam condutas passivas de responsabilização na esfera penal, possam ser efetivamente punidos. Para que isso possa ter início, é necessário, em um sistema acusatório, que haja uma manifestação do interessado na punição daquele que violou a norma penal.

             Afastando-se as hipóteses em que é dada ao ofendido ou outros legitimados (art.24,§1º e art.31, do CPP) a iniciativa de ver o autor de um ilícito penal punido (ações penais privadas ou públicas condicionadas), cabe a um órgão constitucionalmente previsto exercer esta função por meio do ajuizamento da ação penal pública incondicionada, de acordo com o que preceitua o art.129, I, da CRFB e do art. 257, I, do Código de Processo Penal.

             Desta obrigação de instauração de uma ação penal em face do autor de uma conduta que formal e materialmente tipifique-se como uma infração penal caracteriza-se o que temos como o Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública Incondicionada.

             

             Conforme leciona  Nestor Tavora

“[...] estando presentes os requisitos legais, o Ministério Público está obrigado a patrocinar a persecução criminal, ofertando denúncia para que o processo seja iniciado. Não cabe ao MP juízo de conveniência ou oportunidade. Não por acaso, o art. 24 do CPP informa que ‘nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público”. ( TAVORA,  ALENCAR,  2016, p. 77).

              Em se adotando um sistema processual acusatório, com nítida separação das funções de acusar, defender e julgar e, suprimindo-se situações em que dá-se ao ofendido a escolha de tomar a iniciativa ou não de instar o Estado – Juiz para exercer o Jus Puniendi, como é o caso das ações penais privadas ou públicas condicionadas, a instituição incumbida a dar início  ao processo penal será o Ministério Público, por meio de seus órgãos de execução, tendo  em vista ser esta a instituição responsável pelo defesa  da ordem jurídica e dos interesses socias e individuais indisponíveis (art.127 “caput”, da CRFB).

              Renato Brasileiro leciona:

De acordo com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, também denominado de legalidade processual, aos órgãos persecutórios criminais não se reserva qualquer critério político ou de utilidade social para decidir se atuarão ou não. Assim é que, diante da notícia de uma infração penal, da mesma forma que as autoridades policiais têm a obrigação de proceder à apuração do fato delituoso, ao órgão do Ministério Público se impõe o dever de oferecer denúncia caso visualize elementos de informação quanto à existência de fato típico, ilícito e culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a deflagração do processo criminal. (BRASILEIRO, 2015, p.226)

             Nesta linha, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada impõe que, tratando-se de situação em que haja lastro probatório mínimo, como prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, de condutas que gerem lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos indispensáveis para a manutenção da sociedade e dos indivíduos (princípio da ofensividade/lesividade), faz-se mister a consequente intervenção de um órgão estatal legitimado para a propositura da ação penal pública incondicionada, não tendo o Ministério Público, em regra e na atual sistemática processual penal, discricionariedade para,  em juízo de conveniência e oportunidade,  provocar  ou não o Estado- Juiz para promover o processamento penal de um suposto autor de uma infração penal.

  

2. A PROGRESSIVA MITIGAÇÃO AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA

2.1.  O ADVENTO DA LEI Nº 9099/95

Nada obstante a inquestionável presença do princípio em estudo neste trabalho, temos que como decorrência de sucessivas e pontuais mudanças legislativas levadas a termo nas últimas décadas, percebe-se uma atenuação, uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade.

Em meados da década de noventa, com o advento da Lei nº 9.099/95, instaurou-se o que veio a ser legalmente conceituado como transação penal. No art. 76 do referido diploma legislativo, temos um instituto que permite ao Ministério Público, uma vez preenchidos determinados requisitos, deixar de oferecer denúncia em ação pública incondicionada, e propor a aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Nesta linha, alguns doutrinadores e a própria jurisprudência dos Tribunais passou a entender o instituto como verdadeira mitigação ao princípio da obrigatoriedade. Novamente tomamos como base doutrinária o escólio de Nestor Távora, que, apesar de entender que o instituto da transação penal não reflete mitigação à obrigatoriedade da ação pública, coloca ser este o entendimento de muitos doutrinadores:

“Substitui-se o embate formal em juízo, pela composição entre as partes. A transação penal brasileira não exige o reconhecimento da culpa nem importará em reincidência, distinguindo-se da transação norte-americana (plea bargaining), onde a composição pressupõe a assunção da culpa pelo transacionado. Como se depreende, a transação penal não é propriamente exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, como sustenta parte da doutrina. A transação penal é ação penal pública não convencional tendente a propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito, seguindo um “devido processo legal” abreviado. Convencional é a denúncia, petição inicial da ação penal pública. Daí que se o Ministério Público estiver diante dos pressupostos para o oferecimento da transação penal, nos termos do art. 76, da Lei nº 9.099/1995, estará compelido a propor essa espécie de “ação penal” (transação penal), incidindo o princípio da obrigatoriedade.” (TAVORA, 2016, p. 77).

Oportuno se faz citar a tese 112 do Ministério Público do Estado de São Paulo, do Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais:

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI Nº 9.099/95 – TRANSAÇÃO PENAL – ATO DISCRICIONÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONCESSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ – INADMISSIBILIDADE. A transação penal é ato discricionário do representante do Ministério Público. Se houver recusa deste, o Juiz deve remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, por aplicação analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal.

 Aury Lopes Júnior afirma que “Trata-se apenas de situações muito restritas e devidamente disciplinadas em que o Ministério Público tem uma pequena (e bem circunscrita) esfera de negociação com o imputado (dentro de rígidos critérios Legais)” (LOPES JUNIOR, 2014, p. 386).

Apenas a título de complementação de pesquisa sobre o fenômeno da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada, Renato Brasileiro entende que: 

“[...] o parcelamento do débito tributário também figura como exceção ao princípio da obrigatoriedade, já que a sua formalização antes do recebimento da denúncia é causa de suspensão da pretensão punitiva, impedindo, pois, o oferecimento da peça acusatória pelo Ministério Público (Lei n° 9.430/96, art. 83, § 2°).” (BRASILEIRO, 2015, p.229).

   

  2.2. A LEI Nº 12.850/13 E A POSSIBILIDADE DE NÃO OFERECIMENTO DE DENÚNCIA EM FACE DO COLABORADOR.

Em 2013, com o início da vigência da Lei que deu definição, definiu formas de investigação e meio de obtenção de prova em hipóteses de infrações penais praticadas no âmbito de organizações criminosas, surgiu instituto que novamente promoveu outra relativização ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada. Aqui diferentemente do que ocorreu com a Lei nº 9.099/95, a possibilidade de não oferecimento da denúncia é possível não somente para os casos de prática dos chamados crimes de menor potencial ofensivo, mas também para qualquer espécie de infração penal praticada pelo integrante da organização criminosa desde que preenchidos os requisitos dispostos no  § 4º, do art.4º, da Lei nº 12.850/13, que, em sua redação dispõe , in verbis: "Nas hipóteses do caput,  o Ministério Público poderá  deixar de oferecer denúncia  se o colaborador: I- não for o líder da organização criminosa; II- for o primeiro a prestar colaboração nos termos deste artigo."

Nesse sentido, um integrante de uma organização criminosa, não sendo ele seu líder, poderá ter o benefício de não se ver processado, caso se comprometa a colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e eventual processo, e, desse colaborar resulte identificação dos demais coautores e partícipes da organização, revelação de eventual estrutura hierárquica ou divisão de tarefas da organização criminosa, prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa, recuperação do produto do crime, localização de eventual vítima. Estes resultados não são cumulativos, bastando um deles ou mais para ocorrer a benesse da não instauração de ação penal.

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 Importante destacar que o  Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão de 20 de julho de 2018, encerrou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508, considerando constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial. Por maioria de votos, os ministros se posicionaram pela improcedência da ação, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava dispositivos da Lei 12.850/2013 (Lei que define organização criminosa e trata da colaboração premiada).

 Tomando-se a decisão como um todo, se o STF entendeu constitucional Delegados de Polícia firmarem acordo de colaboração premiada, resta a conclusão de que o dispositivo da Lei de Organizações Criminosas, que trata do acordo de colaboração premiada firmado entre o titular da ação penal e o acusado, com muito mais razão já foi declarado também constitucional.

 2.3. A RESOLUÇÃO Nº 181/17 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.

 Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a resolução nº 181, dispondo sobre o Acordo de Não Persecução Penal.  Em síntese, em determinados caso em que o delito não envolvesse violência ou grade ameaça, se preenchidos requisitos dispostos da referida resolução, o membro do Ministério Público, poderia propor ao investigado, Acordo de Não Persecução Penal. Cumpridas as obrigações o investigado teria o arquivamento das investigações que pesariam sobre ele, por meio de determinação do Ministério Público. Inicialmente, a redação não impunha limites quanto à pena cominada ao crime e também não previa apreciação posterior judicial.

Posteriormente, a Associação dos Magistrados do Brasil (ADI 5790) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5.793) propuseram ADIs ao chamado Acordo de Não Persecução Penal na sua redação original da Resolução 181/2017. Posteriormente, foi editada nova resolução, oportunidade em que se previu controle judicial do acordo e estabelecimento de patamar mínimo de pena, conforme demostra a redação dada pela nova resolução:

 Art 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente: (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)

Mesmo promovendo-se os ajustes ultimados pela nova redação, setores da doutrina entendem que a referida resolução continua padecendo de vício de inconstitucionalidade formal, pois segundo esses autores, a resolução extrapola a regulamentação de aspectos relacionados à instituição do Ministério Público e invade competência legislativa privativa da União, disposta no art. 22, caput, da CRFB, ao tratar de questões afetas a processo penal.

Insta colacionar notícia veiculada em sítio eletrônico de notícias jurídicas no seguinte sentido:

O Conselho Nacional do Ministério Público não pode abrir processos administrativos contra membros do MP que deixarem de aplicar sua resolução de não persecução penal. Segundo o juiz Isaac Batista de Carvalho Neto, da 1ª Vara Federal de Pernambuco, o CNMP não pode se sobrepor ao Código de Processo Penal, já que sua competência é administrativa e disciplinar.

(Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-jul-24/cnmp-nao-impor-resolucao-nao-persecucao-penal-juiz>Acesso em: 26 ago. 2019, 18:15).

Por outra via, muitos entendem não se tratar de invasão ou inovar na ordem jurídica legislativa e sim uma nova perspectiva em política criminal no sentido de enfrentamento da criminalidade, tratando-se de medida  voltada a uma política criminal eficiente, e plenamente constitucional, tomando-se o princípio da presunção da constitucionalidade de atos normativos, até ulterior análise pelo STF e, mais do que tudo, medida não divorciada de postulados constitucionais do Devido Processo Legal.

              Para estes, a resolução atende a demandas internacionais, permitindo métodos negociais de resolução de lides criminais.

 “Como esse fenômeno da expansão dos espaços de consenso na Justiça criminal é de ordem mundial, não uma exclusividade brasileira, é relevante observar que a Corte Europeia de Direitos Humanos, em 2014, no caso Togonidze v. Georgia, já teve oportunidade de manifestar que acordos criminais, similares ao ANPP, não ofendem ao contraditório e ao devido processo legal. E nos EUA, a Suprema Corte reconheceu, no caso Brady v. USA, em 1970, a constitucionalidade do plea bargaining quando o tribunal estipulou algumas condições para que o acordo seja válido.”, (Acordo de não persecução penal: um atalho para o triunfo da Justiça penal consensual?<https://www.conjur.com.br/2018-nov-30/hermes-morais-acordo-nao-persecucao-penal-constitucional>- acesso em 22 ago.2019, 21h11).

 3. O PLEA BARGAINING DO DIREITO ESTADUNIDENSE

 Cumpre discorrer, em breve análise sobre instituto que vem ganhando evidência não só no meio acadêmico jurídico, mas também nas colunas e matérias televisivas jornalísticas, haja vista a tramitação de projetos no Congresso Nacional, que visam sua aplicação no ordenamento processual penal pátrio (PL nº 8045/2010; PL nº 882/2019; e PLS nº 236/2012).  Trata-se do mecanismo processual ou instituto do Plea Bargaining.

Em linhas introdutórias sobre o tema, pode-se dizer que o Plea Bargaining é um instituto processual penal Norte-Americano direcionado para uma justiça penal negocial (ou consensual).

Nos EUA, forma-se um acordo de acusação pelo MP norte-americano. Assim, as partes – acusador e acusado – chegam a um consenso em relação aos termos de um verdadeiro contrato que tem por escopo, a imposição pelo órgão acusatório e aceitação por parte do acusado, de uma sentença criminal e, para isso, o acusado necessariamente declarar-se-á culpado, confessando a prática da infração penal que lhe é imputada ou, passando-se por uma análise do Juízo Criminal, deixar de contestar a ação penal.

Em resumo, o objeto de negociação Plea Bargaining consiste em uma negociação entre acusador e acusado dentro do processo-crime, no qual a acusação oferece uma proposta de acordo que pode ter relação com a pena a ser aplicada, modificação de tipificação penal ou redução de crimes imputados na denúncia (charge bargaining), bem como negociação de aspectos ligados à sentença a ser recomendada ao juiz, natureza da sanção a ser aplicadas, atenuantes, local de execução penal, não oposição a requerimento de sentença feito pela defesa, com a condição de que o acusado se declare culpado, seja por meio da confissão da prática do crime, seja pela não contestação da ação penal.

Isso ocorre seguindo-se uma sistemática procedimental muito peculiar do sistema Norte-Americano.

A realização do acordo de Plea Bargaining é normalmente iniciada a partir oferecimento da acusação pelo MP norte-americano; nesta fase, acusador e acusado, passam a ajustar os termos de um verdadeiro contrato que tem por objeto a prolação de uma sentença.  Numa primeira audiência, o réu poderá declarar inocência (plea of not guilty) ou, visando já o acordo, declarar-se culpado, confessando o crime (declaração de culpado/ guilty plea) ou, quando permitido pela Lei Processual local, não contestar a ação penal (no contest plea/ plea of nolonolo contedere).

Se o acusado decide confessar a culpa, haverá uma audiência para que ele manifeste sua decisão em Juízo.

Nas hipóteses de não ocorrer confissão de culpa ou renúncia ao direito de defender-se das imputações penais, o caso deve seguir para julgamento, a ser apreciado perante um magistrado togado, ou perante o Tribunal do Júri.

Superada a fase acima citada, a acusação, então formalizada contra o infrator é submetida à análise pelo Grande Júri, que apreciará, em juízo, todos os elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público, deliberando-se sobre a existência de lastro probatório mínimo para que o réu seja submetido a julgamento. Havendo a aceitação da acusação formalizada pelo promotor de Justiça, o Grande Júri procede ao “indiciamento”. Nesta fase, fixam-se as acusações que serão levadas a julgamento.

O réu é chamado a comparecer a outra audiência, na qual será perguntado novamente como ele se declara, culpado ou inocente, ou se não deseja contestar, caso tal faculdade seja dada ao réu pela lei processual estadual, sendo advertido sobre as acusações. Após, será agendada data para se proceder a julgamento, segundo padrões constitucionais de agilidade processual.

Nessa audiência, o réu quase sempre é orientado para declarar-se inocente para ganhar mais tempo de negociações com a acusação, intentando acordo de Plea Bargaining mais vantajoso. Desta forma, apenas irá se declarar culpado ou manifestar desejo em não contestar as acusações aquele acusado que já tenha um acordo satisfatório.

Em seguida, promove-se o confronto da prova, em que cada parte procura analisar as evidências que a parte contraria intenta utilizar no julgamento. Nesse momento, é possibilitado às partes requer supressão de provas ilicitamente obtidas e alegar eventuais nulidades procedimentais.

O acusado ainda pode alterar a sua declaração de inocente para culpado ou mostrar desinteresse em impugnar as acusações enquanto houver oportunidade do acordo de Plea Bargaining. Este geralmente ocorre antes do julgamento, mas poderá ser realizado até mesmo durante a fase execução penal.

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A chamada plea bargaining, ocorre usualmente antes do julgamento, consistindo em um processo de negociação entre a acusação, o réu e seu defensor, podendo culminar na confissão de culpa ou, mesmo no caso do réu não assumir a culpa, este declara que não quer discuti-la, isto é, não deseja tentar se desvencilhar da carga acusatória.

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 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Constata-se, portanto, que nas últimas décadas, partimos de uma tímida inovação legislativa que possibilitou ao titular da ação penal pública Incondicionada propor uma aplicação de pena restritiva de direito ou multa, nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo (art.76 da Lei nº 9099/95) para, posteriormente, a possibilidade de não oferecimento de denúncia em casos de infrações penais perpetradas por organizações criminosas (art.4, §4º da Lei nº 12.850/13). Ainda, nota-se esforço dentro da própria instituição responsável pela instauração da ação penal por não oferecimento de denúncia em caso em que haverá um Acordo de Não Persecução Penal (Res.181/2017 do CNMP).

 Questionar se estamos indo rumo a um modelo de administração da justiça penal típico de um modelo americano faz-se intuitivo. Acrescente-se a iniciativa de Projetos de Lei advindas do executivo no sentido de modificar o Código de Processo Penal para, definitivamente, albergar-se a justiça penal negociada ou consensual em nosso País. 

Os institutos já aprovados e implementados em nosso sistema obrigatoriamente trouxeram a noção de justiça penal negocial. Tal sistema de Justiça, objetiva precipuamente a realização de um acordo, um negócio entre as partes processuais visando facilitar e acelerar a imposição de alguma sanção, tendo por finalidade a imposição de uma reprimenda mais branda ao acusado, acelerando e otimizando a marcha, o tramite do processo, com intima relação à economia processual, buscando eventuais benefícios processuais para todos os envolvidos. Em outras palavras, uma justiça penal negociada para dar direção diversa daquela adotada no curso ordinário do processo.

A questão da viabilidade e possível adoção da justiça penal negociada no Brasil gravita em torno de postulados basilares constitucionais e deverá ser posta sob a ótica de um sistema penal que se intitula democrático e acusatório.  Tem, portanto, relação direta, porém antagônica, com dois valores caros para uma Justiça num contexto de Estado democrático de Direito, quais sejam, efetividade e segurança jurídica.  

Negócios em matéria Penal tem relação direta com o tempo das ações judiciais, tendo-se em conta o fato de que, quando aplicada, visa reduzir prazos para o deslinde de uma lide penal, promovendo abreviação processual de causas penais com possíveis efeitos positivos à vítima, ao autor do fato, Administração da Justiça e advogados.

 Portanto, seus defensores argumentam a solução da lide de forma rápida por iniciativa partes, a consequente diminuição do número de processos e a redução de gastos com os processos.

Entre os pontos negativos estão, principalmente, a violação de diversos direitos humanos e fundamentais garantidos ao acusado, como o direito a um Devido Processo Penal, a de ter presumida a sua não culpabilidade sem antes passar por todas as possibilidades de audiências, defesas e recursos processuais que possibilitarão a efetiva oportunidade ao exercício de princípios constitucionais tão valiosos com a ampla defesa e o contraditório.

Percebe-se, como não poderia ser diferente, doutrina no sentido de que tal importação de instituto típico do Direito alienígena afrontaria garantias fundamentais inseridas da Carta Constitucional de 1988, haja vista que a todo indivíduo sob o qual é imputada uma infração penal, devem ser oportunizadas e esgotadas todas as garantias processuais no sentido de desvencilhar-se da pretensão estatal, qual seja, a aplicação o Jus Puniendi. Isso seria observar o chamado garantismo negativo.

Por outra via, representante da doutrina voltada à defesa da implantação do instituto propugnam ser uma avanço em termos de solução de conflitos penais, e que, observados todos os requisitos próprios da aplicação da justiça penal negociada, oportunizaria um negócio (bargain) ao acusado de uma ilícito penal, por meio da uma declaração (plea), havendo na verdade não supressão ou renúncia de garantias constitucionais, mas sim renúncia ao exercício de certas prerrogativas processuais tendo como compensação, a imposição de uma pena mais branda. Estar-se-ia com isso, dentro de uma “visão garantista binocular”, ou seja, voltada também para a proibição da proteção deficiente de bens jurídicos penalmente tutelados, buscando economia, agilidade processual, evitando-se processos excessivamente morosos que em muitos casos levam a causas extintivas da punibilidade.

Caberá ao Poder Legislativo deliberar sobre a recusa à implantação deste sistema no ordenamento processual penal pátrio - e um dos argumentos para isso seria a grande diferença de contextos social e judiciário entre os EUA e o Brasil- ou, de “lege ferenda”, albergar a importação de institutos que, no mínimo demandarão aprimoramento do aparato Judiciário e maturação do organismo social nacional, no sentido de acolher a tendência à implantação de uma Justiça penal negociada no sistema processual penal brasileiro, sendo a medida, talvez, um dos meios de tentar-se minorar um quadro nacional que o Supremo Tribunal Federal já denominou, ao apreciar uma cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/DF, de “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema carcerário brasileiro.

REFERÊNCIAS

BRASILEIRO, Renato, Manual de Direito Processual Penal, Salvador-Editora Jus Podium- 3ª Edição 2015.

CAVALHEIRO FONTES, Lucas. PLEA BARGAINING: O que é isto, como é aplicado e como o ordenamento jurídico brasileiro pode implementá-lo? Disponível em <https://luccavalheiro.jusbrasil.com.br/artigos/667190934/plea-bargaining-o-que-e-isto-como-e-aplicado-e-como-o-ordenamento-juridico-brasileiro-pode-implementa-lo> acesso em 22 ago. 2019, 21:55.

DUARTE  MORAIS, Hermes, Acordo de não persecução penal: um atalho para o triunfo da Justiça penal consensual?<https://www.conjur.com.br/2018-nov-30/hermes-morais-acordo-nao-persecucao-penal-constitucional>- acesso em 22 ago.2019, 21h11.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 11ª Edição 2014.

Notícias STF. STF decide que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração premiada. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382031> acesso em 22 ago.2019. 18 horas.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR Rosmar Rodrigues de, -Curso de Direito Processual Penal, Editora Jus Podium- 11ª Edição- 2016.

VALENTE, Fernanda. CNMP não pode impor resolução de "não persecução penal", diz juiz federal. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-jul-24/cnmp-nao-impor-resolucao-nao-persecucao-penal-juiz>Acesso em: 26 ago. 2019, 18:15. 

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Sobre o autor
Aguinaldo Brambati Júnior

Aguinaldo Brambati Júnior Advogado. [email protected] Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

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