Tema recente e palpitante nos dias atuais, o Direito da Concorrência assume relevância cada vez maior nos fóruns de debate. Historicamente, dentro do modelo estatal liberal, a concorrência pressupunha, tão-somente, uma pluralidade de agentes atuando dentro de um mesmo mercado.
Atualmente, a defesa da concorrência, dentro de um contexto político-social, não é um fim em si mesmo, mas um meio pelo qual se busca criar uma economia eficiente, por meio do estabelecimento de políticas públicas e de um ordenamento jurídico específico para tanto. Isto porque, em um sistema econômico eficiente, os cidadãos dispõem da maior variedade de produtos pelos menores preços possíveis e, conseqüentemente, os indivíduos desfrutam de um nível máximo de bem-estar econômico. O objetivo final da defesa da concorrência, portanto, é tornar máximo o devido processo competitivo e, por corolário, o nível de bem-estar econômico da sociedade.
Como ensina Luis S. Cabral de Moncada, sob um ponto de vista sociológico, a defesa da concorrência traduz-se na garantia de escolha racional de consumo; sob uma ótica eminentemente política, significa salvaguardar o Estado da imposição arbitrária de interesses privados, por parte dos agentes detentores de poder econômico [01]. Todavia, para a elaboração de um disciplinamento eficiente, bem como para a atuação eficaz das autoridades antitruste, mister se faz ao direito socorrer-se a outras áreas de pensamento cientifico, uma vez que a complexidade do tema impõe a interdisciplinaridade de conhecimentos necessários para se garantir o devido processo competitivo nos diversos nichos relevantes de nossa economia.
Dentre os diversos ramos científicos que permeiam o direito econômico em sua vertente concorrencial, a economia e a matemática assumem papel imprescindível. Destaque-se, por oportuno, a revolucionária Teoria dos Jogos, desenvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no início do século XX, que analisa a forma como agentes econômicos ou sociais definem sua atuação no mercado, considerando as possíveis ações e estratégias dos demais agentes econômicos [02]. A teoria dos jogos analisa as características dos agentes da economia, as estratégias de cada um deles e os possíveis resultados, diante de cada estratégia, para avaliar as prováveis decisões que esses agentes tomarão. Ressalte-se que essa teoria constituiu significativo avanço nas ciências econômicas e sociais, pois permite se examinar a conduta do jogador (agente econômico) em interação com os demais agentes, e não só de forma isolada.
Todavia, a Teoria dos Jogos ganhou grande contribuição, assumindo relevância jurídica a partir dos estudos desenvolvidos pelo matemático norte-americano John Nash, que aprofundou os estudos de equilíbrio entre os agentes econômicos, mormente em relação à aplicação desta teoria em ambientes não cooperativos.
John Nash nasceu a 13 de Junho de 1928 em Bluefield, West Virginia, nos Estados Unidos. Desde cedo, apresentou forte inclinação para as ciências exatas, dando grandes demonstrações de aptidão para matemática, aliada a um peculiar comportamento anti-social, que o levava ao isolamento em seu quarto.
Em Junho de 1945, Nash ingressou na prestigiosa Universidade de Carnegie Mellon onde lhe foi oferecida uma bolsa de estudos. Em 1948, foi aceite no programa de doutoramento em matemática em uma das mais famosas universidades dos Estados Unidos: Princeton. Em 1949, aos 21 anos, Nash, desenvolveu sua tese de doutoramento.O trabalho, intitulado Theory of Non-cooperative games, outrossim, conhecido como "Equilíbrio de Nash", causou verdadeira revolução no estudo da estratégia econômica.
Conforme narrado por sua biografa, Nash sentia-se inferiorizado diante de seus colegas acadêmicos por nunca ter publicado um trabalho e buscava uma idéia original para sua tese. Todavia, seus comportamento anti-social causou-lhe dificuldades acadêmicas, por não freqüentar as aulas e constantemente trancar-se em seu quarto a procura de sua idéia. A conselho de seu colega de quarto, Nash resolve sair de sua clausura e apreciar a vida. Um dia, ao estudar em um bar, seus companheiros vão ter com ele, chamando-lhe a atenção para umas moças que lá se encontravam, em especial uma loira que se destacava por sua beleza. Um de seus colegas relembra a célebre lição de Adam Smith: em competição, ambição individual serve o bem comum.
Após ouvir o comentário do seu companheiro, Nash afirma que a teoria de Adam Smith tem de ser revista, contrariando 150 anos de doutrina econômica. Argumentou Nash que se todos optassem pela loira, bloqueariam-se uns aos outros, e nenhum de conseguirá tê-la. Em seguida, se optassem pelas amigas, nenhuma se interessaria, pois ninguém gosta de ser segunda escolha. Mas, se ninguém optasse pela loira não haveria o bloqueio mútuo dos competidores em face desta, e não haveria ofensa, ainda que indireta, as outras moças. Esta, segundo Nash, seria a única forma de obtenção de resultados satisfatórios a todos, garantindo-se o equilíbrio de interesses. Ao contrário de Adam Smith, para quem os melhores resultados surgem quando cada um no grupo olhar pelos seus próprios interesses, Nash defendeu que o melhor resultado surge quando todos elementos do grupo olham pelos seus próprios interesses e pelos do grupo.
Tal singela observação empírica do comportamento humano serviu de base para a "Teoria do Equilíbrio", achando Nash, enfim, sua idéia original. Esta teoria, por sua vez, se traduz na solução para determinado mercado competitivo, no qual nenhum agente pode maximizar seus resultados, diante da estratégia do outros agentes [03]. A análise combinada das estratégias de mercado a serem escolhidas levará, segundo Nash, a um resultado do qual nenhum dos agentes individualmente experimentará prejuízo, em vista da estratégia de mercado de outros agentes, garantindo o êxito da atividade econômica e a salutar manutenção do mercado.
Infelizmente, sua carreira foi precocemente interrompida em 1958, pelo diagnóstico de esquizofrenia, que lhe afastou do meio acadêmico até o princípio da década de 90, quando a patologia retrocedeu. O reconhecimento por sua contribuição científica somente veio em 1994, quando, juntamente com John C. Harsanyi e Reinhard Selten, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Economia pelo seu trabalho na Teoria dos Jogos (Theory of Non-cooperative Games).
A vida de John Nash foi imortalizada tanto nos livros - Uma mente brilhante, Sylvia Nassar, trad.: Sergio Moraes Rego, Rio de Janeiro, Record, 2002 -, quanto na grande tela, em película homônima ao livro, estrelada pelo ato neozelandês, Russel Crowe, filme este, agraciado com o Oscar, prêmio da academia de cinema de Los Angeles.
Observe-se que, a análise econômica das condutas de agentes em ambientes não cooperativos é fator primordial para a indicação de eventual infração à ordem econômica, uma vez que, se dois ou mais agentes maximizam seus resultados, concentrando poder de mercado em torno de si, em detrimento dos demais competidores, tal prática é indicativa de acordo cartelizado.
Vale ressaltar que o pensamento de Nash encontra-se presente na legislação antitruste brasileira, a teor do Anexo I da Resolução nº 20/99 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica: "As práticas restritivas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade".
A importância do pensamento de Nash, por tudo dito, transcende sua área de especialização, uma vez que, diante das complexas relações da sociedade atual, o Direito não pode ser um sistema fechado em si mesmo, sob pena de cair no desuso, descaso e descrédito. Isto porque, uma eficaz análise jurídica de mercados competitivos prescinde de uma prévia análise econômica do mesmo, a fim de fornecer substratos para consubstanciar o julgamento das autoridades antitruste.
Em outras palavras, a hermenêutica do moderno operador do Direito deve se pautar em novas técnicas de interpretação, mormente as oriundas e permeadas no pensamento científico advindo das diversas áreas de pesquisa humana, a fim de ser socialmente efetiva e eficaz.
Neste sentido, modernidade e tradição caminham lado a lado, merecendo destaque a célebre lição de Carlos Maximiliano [04], ensinando que: "(...) não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica. (...) As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução social." (n.g.).
Para tanto, compete ao jurista socorrer-se de diversas outras áreas científicas, observando-se que a moderna tendência do Direito é mesclar-se com as demais ciências. Tal tendência faz-se clara ao analisarmos nossa produção legislativa realizada no último decênio.
Diversos dispositivos legais foram editados com o fim de disciplinar nichos específicos de nossa economia, bem como setores de relevante interesse coletivo, mesclando normas jurídicas com conceitos técnicos (Lei de Planos de Saúde – nº 9.656/98, Lei das Telecomunicações – nº 9.472/97, Lei de Energia Elétrica – nº 9.427/97, Lei do Petróleo – nº 9.478/97, Lei de Vigilância Sanitária – nº 9.782/99, etc). Nesta linha de raciocínio, a teoria desenvolvida por John Nash serve de contribuição imprescindível para a moderna análise econômica do Direito.
Leonardo Vizeu Figueiredo [05]
Notas
01
MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Econômico. 3ª edição. Portugal: Editora Coimbra. 2000. p. 372.02
Veja-se, a respeito da teoria dos jogos, BAIRD, Douglas G., Gertner, Robert H. and Picker, Randal C., Game Theory and the Law. Cambridge-MA: Harvard University Press, 1998.03
SAMUELSON, Paul A. e NORDHAUS, William D. Economia. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill, 1999, p. 199.04
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 16ª ed., 1997. p. 157-159.05
Leonardo Vizeu Figueiredo é Procurador Federal, pertencente aos quadros da Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 131 da CRFB e da Lei nº 10.480/02, aprovado mediante concurso público de provas e títulos.