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Diferenças existentes entre o crime de concussão e corrupção praticado por militar do estado em razão da função

22/12/2005 às 00:00

Resumo:


  • A concussão é caracterizada pela exigência de vantagem indevida por parte de um funcionário público, como um militar, utilizando o medo para coagir a vítima.

  • A corrupção passiva ocorre quando um militar recebe vantagem indevida ou aceita a promessa dessa vantagem, comprometendo a função e a moralidade da Administração Militar.

  • Tanto a concussão quanto a corrupção passiva são consideradas crimes formais, consumando-se com a simples exigência ou recebimento da vantagem indevida, independentemente do resultado pretendido pelo agente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1. Da Concussão; 2. Da Corrupção Passiva; 3. Consumação dos Crimes de Concussão e Corrupção Passiva; 4. Da Regularidade da Prisão em flagrante; 5. Conclusão e 6. Bibliografia Consultada.


1. Da Concussão.

Os tipos concussão e corrupção passiva são capitulados nos arts. 305. e 308 do Código Penal Militar, nos Capítulos III e IV, respectivamente, do Título VII – destinado a tratar dos Crimes Contra a Administração Militar.

Evidencia-se o crime de concussão pela exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, de vantagem indevida, por parte do funcionário público, na espécie, o militar do Estado.

A conduta típica é exigir, impor como obrigação, ordenar, reclamar vantagem indevida, aproveitando-se o agente do metus publicae potestatis, ou seja, do temor de represálias a que fica constrangida a vítima.

Nessa esteira, comete o delito de concussão aquele que, em razão da função de policial militar, exige vantagem indevida para relaxar prisão de indivíduos implicados em porte de cigarros de maconha 01. Da mesma forma comete o delito de concussão o policial que exige dinheiro de preso para libertá-lo 02.

Na lição do saudoso professor Julio Fabbrini Mirabete, não é necessário que se faça a promessa de um mal determinado; basta o temor genérico que a autoridade inspira, que influa na manifestação volitiva do sujeito passivo 03.

Assim sendo, não integraliza o tipo e não representa concussão a insinuação sutil, a sugestão, a proposta maliciosa para que a vantagem seja proporcionada, conforme já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo 04.

Destarte, não é necessário que haja uma exigência sob ameaça explícita de represálias (imediatas ou futuras). Também não se faz mister a promessa de infligir mal determinado 05.


2. Da Corrupção Passiva.

Por outro lado, cometerá corrupção passiva o militar do Estado que recebe, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem.

O tipo objetivo prevê duas condutas típicas: receber vantagem indevida ratione offici, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Nesse ponto, diferencia-se do Código Penal comum, conquanto este prevê além das duas condutas típicas suso elencadas a de solicitar, consistente no manifesto desejo de receber vantagem indevida, por intermédio de pedido, induzimento. Nesta hipótese, a corrupção parte do intraneus que toma a iniciativa da mercancia, requerendo que a vantagem lhe seja concedida ou a promessa lhe seja feita 06.

Com isso, dessume-se que se o militar do Estado v.g. solicitar vantagem indevida para liberar um veículo apreendido antes de satisfeitas as exigências legais, não estará incorrendo no crime de concussão, capitulado no art. 305. do CPM, nem tão pouco no de corrupção passiva, capitulado no art. 308. do mesmo codex, mas sim no delito previsto no art. 317. do Código Penal comum, competindo à Justiça comum, processá-lo e julgá-lo pelo crime de corrupção passiva própria, ante a ausência de previsão desta conduta no Código castrense.

No mesmo sentido se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência n° 18.555, publicado no DJU, de 23.06.1997, cujo aresto é da lavra do eminente Min. Fernando Gonçalves, moldado nos seguintes termos:

"Competência – Militar – Corrupção Passiva – Art. 317, do CP – Compete à Justiça Comum processar e julgar crime de corrupção passiva por militar, ante a ausência de previsão desta conduta no CPM".

Na espécie, um Segundo Sargento de uma Força Armada, no Estado do Mato Grosso do Sul, havia solicitado cento e cinqüenta reais, para dispensar um conscrito do serviço militar obrigatório, restando indiciado pela prática do crime de concussão, previsto no art. 305. do CPM.

Ocorre que, no voto do insigne Ministro do STJ, ficou consignado que o núcleo do tipo do crime de concussão é o verbo exigir, não configurado na hipótese, porquanto no seu entender houve tão-somente uma solicitação, subsumindo-se o fato à conduta preceituada no art. 317. do CP, qual seja, corrupção passiva.

Noutro turno, decidiu o Superior Tribunal Militar, no Recurso Criminal n° 1986.01.005726-4, cuja decisão foi publica no DJU, de 09.09.1986, vol.: 00786-01, que embora o atual CPM, no art. 308. tenha afastado a incriminação solicitar que era contemplada no art. 232. do CPM de 1944, não ocorreu abolitio criminis, posto que subsiste a incriminação na órbita do ilícito penal comum, ex vi do art. 317, do Código Penal.

Na verdade, para que se configure o crime de corrupção passiva do Código Penal Militar é necessário que o militar receba ou aceite promessa de vantagem indevida, a fim de mercadejar com a sua função, comprometendo, desta forma, o funcionamento normal da Administração Militar, ferindo princípios morais e éticos de probidade e de moralidade.

Assim, uma simples troca de serviço sem autorização superior, porém com o recebimento de dinheiro como pagamento para efetivação da troca, configura o ilícito penal militar capitulado no art. 308. do CPM.

Cabe ressaltar, por oportuno, que alguns doutrinadores, como Nelson Hungria, conferem ao termo vantagem conceito restrito, limitando-o somente ao de natureza patrimonial; outros, porém, como Heleno Cláudio Fragoso, seguido por Mirabete e Damásio, através de uma interpretação mais ampla, consideram relevante qualquer espécie de retribuição, ainda que não de natureza econômica, como por exemplo, a sentimental, sexual etc.

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Não se desconsideram na doutrina pátria aqueles que entendem que o art. 308. do CPM deve ser interpretado com certa parcimônia, de modo que não se subsume como criminoso o recebimento de meras dádivas e outras vantagens provenientes de amizade, gratidão, cortesia e motivos semelhantes, como, por exemplo, quando militares do Estado efetuam suas refeições em lanchonetes ou restaurantes sem que lhes seja cobrado o efetivo pagamento pelos gêneros consumidos.

Outrossim, não há que se falar em ato de improbidade administrativa, pois a severidade das sanções previstas no art. 37. § 6º da Constituição Federal e no art. 12. da Lei 8.429/92, está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que apresentem conseqüências danosas para o patrimônio público, ou proporcionem benefícios indevidos para o agente público ou para terceiros, porquanto a aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre os meios e fins, na abalizada lição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro 07.

Quando muito, pode haver na conduta dos milicianos a configuração de transgressão disciplinar.


3. Da Consumação dos Crimes de Concussão e Corrupção Passiva.

Majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência entendem que a concussão é um delito formal ou de consumação antecipada, haja vista que se consuma com a simples exigência da vantagem indevida, ocorrendo o mero exaurimento do crime se sobrevém a percepção de tal vantagem.

O mesmo pode-se dizer acerca da consumação da corrupção passiva, uma vez que este também é considerado crime formal, que independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente, consumando-se com o recebimento ou aceitação da promessa da vantagem indevida, para configuração do art. 308. do CPM, ou ainda, pela solicitação da referida vantagem para caracterização do tipo previsto no art. 317. do CP.


4. Da Regularidade da Prisão em flagrante.

Não se descaracteriza o crime pela preparação do flagrante quando já houve a exigência, a solicitação ou a promessa de vantagem indevida.

Não há que confundir o flagrante preparado, que é aquele onde a polícia ou um agente provocador induz completamente um terceiro a praticar uma ação delituosa, com o flagrante esperado, que é aquele onde a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração, frustrando a sua consumação, quer porque recebeu informações a respeito do provável cometimento do crime, quer porque exercia vigilância sobre o delinqüente 08.

Neste diapasão, pode-se concluir pela legalidade da prisão em flagrante, quando a intervenção policial ocorre apenas na fase de pagamento da vantagem indevida, já consumado o delito pela simples exigência daquela, sendo inaplicável à hipótese a Súmula 145 do STF 09.


5. Conclusão.

Entre concussão e corrupção passiva há de existir uma diferença ontológica expressa no sentido diverso dos verbos-núcleos "exigir" e "solicitar". Exigir implica obrigar a alguma coisa, sob certa pena. Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada pelo medo a atender a exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou não, em contrapartida, alguma vantagem.

Todavia, essa diferença não reside na seara penal castrense, porquanto, o art. 308. do CPM não descreve, como elemento objetivo do tipo, a conduta solicitar, motivo pelo qual, em se verificando que o militar do Estado solicitou uma vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, estará configurado o crime tipificado no art. 317. do Código Penal comum, devendo ser ele processado e julgado pela Justiça comum.


6. Bibliografia Consultada.

CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal – crimes funcionais. 1ª ed. Salvador: Juspodium, 2004.

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15ª e. São Paulo: Atlas, 2003.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. J. Bushatsky, 1959. 4v.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1944. 9v.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 4v.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. São Paulo, 2000.


Notas

01 RT 597/365.

02 RT 512/345.

03 In Código penal. São Paulo: Atlas, 2000. p. 1709.

04 RT 685/307.

05 RT 586/273.

06 CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal – crimes funcionais. Salvador: Edição Juspodium, 1ª ed., p. 56.

07 In Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 15ª ed. P. 689.

08 JCAT 75/675.

09 RT 691/314.

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Sobre o autor
Honazi de Paula Farias

bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), primeiro-tenente da Polícia Militar de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Honazi Paula. Diferenças existentes entre o crime de concussão e corrupção praticado por militar do estado em razão da função. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 904, 22 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7668. Acesso em: 22 dez. 2024.

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