O sistema prisional brasileiro como violador dos direitos humanos

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29/09/2019 às 00:58
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O presente artigo tem como escopo apontar as violações dos direitos humanos ocorridos nos presídios brasileiros, bem como analisar brevemente a história dos direitos humanos, levantando os principais tratados que versem sobre a temática.

Resumo:

O presente artigo tem como escopo apontar as violações dos direitos humanos ocorridos nos presídios brasileiros, bem como analisar brevemente a história dos direitos humanos, levantando os principais tratados que versem sobre a temática, por um lado demonstrando a decadência do sistema falido que é o sistema prisional, por outro apontando algumas alternativas de melhoria. Para tanto, se fez uma estudos bibliográficos e de dados de relatórios elaborados pelo departamento responsável pelos presídios brasileiros.

Palavras chaves: Presídios, direitos humanos, tratados internacionais.

Abstract:

This article aims to point out the violations of human rights that occurred in Brazilian prisons, as well as to briefly analyze the history of human rights, raising the main treaties that deal with the theme, on the one hand demonstrating the decay of the failed system that is the system. prison, on the other hand pointing out some alternatives for improvement. For this, a bibliographic studies and data of reports elaborated by the department responsible for the Brazilian prisons were made.

Keywords: Prisons, human rights, international treaties.

1-    INTRODUÇÃO:

A questão da violação dos direitos humanos no sistema prisional é tema que a sociedade não pode se calar, fingir que não vê, ficar inerte diante dos sofrimentos desnecessários e inaceitáveis que fazem parte do dia a dia de quem está sob a custódia do Estado.

A sociedade precisa inteirar-se mais da temática, pois estamos falando de vidas humanas, onde não cabe o discurso cruel de aceitação, pelo simples fato de que quem está preso e sofrendo tratamento desumano no cárcere, fez por merecer. De certo que, em tese, quem está detido é porque cometeu algum delito, algo contrário ao mandamento legal. A questão é que, as determinações que levam alguns a cometerem crimes e outros não, é algo multicausal, não é o objeto desta pesquisa.

O fato é que todo e qualquer ser humano merece um tratamento digno, estando livre ou em privação de sua liberdade.

Ademais, a população carcerária de hoje, é a mesma que circulará por entre a sociedade no futuro. Não se pode aceitar que os presos vivam em condições subumanas, tendo seus direitos mais básicos violados, padecendo em presídios que mais se parecem com campos de concentração.

O Brasil é um dos países com enormes problemas no campo prisional. Não é difícil se deparar com noticiários, artigos, livros e outros meios de comunicação, que versem sobre os as dificuldades enfrentadas pelos “moradores” dos presídios, tais como superlotação, falta de limpeza, alimentação inadequada, falta de água potável, abuso sexual, consumo de drogas, falta de segurança, etc.

Situações que por vezes provocam as chamadas rebeliões, onde vários presos amotinados danificam as celas, queimam colchões, fazem funcionários reféns, quando não pouco comum, agridem ou ceifam a vida de seus rivais e de agentes carcerários.

Esse cenário de barbárie, não é exclusividade dos presídios nacionais, mas sim reflexo do tratamento desumano que sempre fez parte da vida dos encarcerados. Desde o período em as punições eram mais explícitas, recaindo direto no corpo do condenado, como bem narra Michael Foucault (2017), onde em sua obra detalhou os mais variados suplícios públicos, com que se puniam os delinquentes na Europa e Estados Unidos.

Acreditava-se que com o fim da selvageria que caracterizada a punição pública, os presos, de forma geral, tanto os condenados, como encarcerado mediante prisão provisória, teriam um tratamento mais humanizado, mais condizente com as finalidades que se pretende buscar com a pena.

Todavia, encarcerar seres humanos em locais inapropriados, presídios com celas sujas, infestadas pelas  mais diversas espécies de insetos, roedores, bem como celas úmidas, quentes, com superlotação de presos, servindo de espaço para proliferação de doenças,  não parece tão distinto do sistema punitivo cruel e desumano, que em tese, havia sido deixado de lado com o advento da pena de prisão.

O presente trabalho utilizará como um dos métodos de pesquisa, o jurídico dogmático, estudando o fenômeno jurídico, de violações ocorridas no sistema prisional, em sua completude, para tanto irá levantar os principais tratados de direitos humanos, no qual o Brasil seja parte, abordando o funcionamento do sistema carcerário, demonstrando que tais tratados não são cumpridos pelo sistema penitenciário nacional, fazendo uma análise histórica da evolução dos direitos humanos, bem como análise histórica do sistema carcerário.

Faz parte também desta pesquisa a metodologia jurídico propositiva, destacando a funcionalidade do sistema prisional como violador de direitos humanos, levantando algumas propostas de mudanças para melhoria do sistema carcerário.

Destacando como principal técnica de pesquisa, a pesquisa bibliográfica, abrangendo o conhecimento produzidos em obras publicadas, artigos jurídicos, doutrina, revistas jurídicas, normas constitucionais, tratados de direitos humanos, compilando tais bibliografias para embasar o trabalho em questão, mesclando obras clássicas com doutrinas recentes.

2     -  BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL

A prisão foi o modelo de coerção encontrado pela humanidade para punir aquelas que violam o contrato social entre a sociedade e o Estado. Ao longa da história, a prisão foi tomando forma até chegar ao modelo atual. Antigamente a prisão não era utilizada como meio de regeneração do criminoso. Este pagava sua pena com seu próprio corpo, os chamados suplícios.

O período em que as punições eram mais explícitas, recaindo direto no corpo do condenado, como bem narra Michael Foucault (2017, pag.9) , “seu corpo será puxado e desmembrado”, onde em sua obra detalhou os mais variados suplícios públicos com que se puniam os delinquentes na Europa e Estados Unidos, como: queimar o sujeito vivo, ter seus membros arrancados, enforcado, puxados por cavalos, enfim, as mais diversas torturas que se tem notícia.

Todo esse teatro tinha um propósito, incutir na sociedade o medo, o respeito ao soberano, não que o Estado estivesse de fato preocupado com a população, tentando solução para punir o delinquente, cuja propósito real era advertir a sociedade para consequência de quem ousasse atentar contra a soberania do rei.

Aos poucos a pena corpórea pública foi dando espaço para pena de prisão, onde punição deixava de recair no corpo, para recair na alma do sujeito, notadamente na segunda metade do século XVIII e XIX, como dito por Michel Foucault[2], em sua obra intitulada “Vigiar e Punir – o nascimento da prisão:

A punição vai-se tornando, pois, parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não o mais abominável teatro;

Assim, para Foucault, a pena vai deixando de recair no corpo do sujeito para recair na sua alma, pois com a prisão e sua clausura, restou evidente que sujeito o continuou a sofrer, não só fisicamente, mas psicologicamente.

De forma geral, nos vários períodos da história, a prisão era utilizada como meio para se alcançar a punição, para que o criminoso pudesse receber seu castigo. A prisão não era tida como pena autônoma, nos moldes que se conhece na atualidade.

O marco histórico de profundas mudanças nesse cenário foi surgimento do Iluminismo e seus ideais de liberdade política e econômica, defendidos pela burguesia. Vários foram os pensadores da época que endureceram as críticas sobre os métodos punição aplicados.

Nesse cenário de mudanças, destaca-se os trabalhos de Beccaria[3], em sua obra “Dos delitos e das penas”. As indagações levantadas pelo autor trazem profundas reflexões acerca da finalidade da pena, que deveria ser, senão outra, a de ter um fim utilitário, não meramente pagar o mal pelo mal:

O objetivo da pena, portanto, não é outro que evitar que o criminoso cause mais danos à sociedade e impedir a outros de cometer o mesmo delito. Assim, as penas e o modo de infligi-las devem ser escolhidos de maneira a causar a mais forte e duradoura impressão na mente de outros, como mínimo tormento ao corpo do criminoso.

Desta forma, a pena outrora aplicada passa a ser questionada acerca de sua finalidade. Dentre as finalidades, de servir como exemplo inibindo novas práticas, mas agora não mais pelo terror dos suplícios.

Nas lições de Carnellutti{4], a pena pode ser entendida como uma prevenção aos delitos que viessem a ocorrer, uma prevenção ao delito, assim:

Este modo de conceber a razão da pena pode por um grave obstáculo à concepção, ou melhor, à limitação, temporal da realidade, tal como se expressa na fórmula factum infectum fieri nequit. Se aquilo que é feito é feito e não pode converter-se em não feito, a pena poderá, naturalmente, impedir um novo feito, mas não eliminar o feito já acontecido; tal é o fundamento da inclinação a resolver em ne peccetur o quia peccatum est ou, como costumamos dizer, a repressão na prevenção. Não se pode negar que, quando se contrapõe esta àquela, a ideia da repressão é melhor intuída que concebida, ou seja, expressada em um conceito: à pergunta por que se reprime, nós não saberíamos, em definitivo, responder senão porque reprimindo se previne um novo delito; mas assim, inadvertidamente, o pensamento desliza de um conceito a outro.

Assim, nos pensamentos do autor, a pena pode ter o condão de evitar a prática de novos delitos, onde por exemplo, no caso de uma vida ceifada, não pode esta ser restaurada, assim caberia punição por meio da pena.

Neste cenário de profundas mudanças, a prisão passou a alcançar a essência do modelo punitivo, tendo caráter de pena autônoma, até alcançar o modelo que conhecemos no Brasil, com a finalidade de repressivo e preventivo, cuja finalidade seria ressocializar os indivíduos para que regressem para a sociedade.

3 - SISTEMA PRISIONAL E DIREITOS HUMANOS

É importe definir o que são direitos humanos, pois muitas vezes os direitos humanos são rechaçados pela opinião pública que desconhece seu significado, sua origem, sua importância para a sociedade. Diferente do que a maioria da população crê, os direitos humanos não são apenas para “humanos direitos”.

Antes da definição de direitos humanos, é necessário o entendimento do que vem a ser dignidade humana, que a partir de uma ótica positivista, é fundamento da República, prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Na doutrina, nas palavras de André de Carvalho Ramos[5]{C} define como ‘’dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência’’.

Na concepção de Ingo Wolfgang Sarlet[6]:

A dignidade humana constitui-se em qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

 O conceito de direitos humanos está intimamente ligado ao conceito de dignidade humana, uma vez que direitos humanos são expressões da dignidade humana. No dizer de André de Carvalho Ramos[7]:

Os direitos humanos apresentam valores essenciais, que são explicitamente ou implicitamente retratados nas constituições ou nos tratados internacionais. A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal, por meio da inscrição desses direitos no rol de direitos protegidos nas Constituições e tratados, ou pode ser material, sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que – mesmo não expresso – é indispensável para promoção da dignidade humana.

Assim, os direitos humanos são algo inerente a todo e qualquer ser humano, independente de se encontra livre ou privado de sua liberdade. Nesse sentido Siqueira[8] afirma:

O núcleo básico dos direitos humanos é algo absoluto. São direitos universais imutáveis e que surgem da própria natureza humana. As realidades, teorias e denominações os direitos humanos surge da conjugação da jusnaturalismo e culturalismo, tendo como fundamento nuclear a dignidade da pessoa humana [...]

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que agrega em si todos os direitos humanos e constitui seu principal fundamento. [...]. A pessoa possui um valor em si,  que é absoluto, que constitui sua dignidade e se exterioriza pelos direitos humanos.

Desta forma, como pontua o autor, existe um núcleo intangível, núcleo básico dos direitos humanos que devem ser preservados e são inerentes a todos.

De acordo com a ONU, direitos humanos são “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”, por exemple, direito à vida, saúde, integridade física, etc. Quando esses direitos são positivados nas constituições são ditos direitos fundamentais.

Os direitos humanos ganharam força após a II Guerra Mundial, como resposta as atrocidades e aos horrores cometidos durante as guerras, significando uma remodelação de tais direitos, como nas palavras de Flávia Piovesan[9] “se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução”. Desde então os direitos humanos foram tomando dimensão internacional.

Assim, se os direitos humanos protegem os seres humanos das ações ou omissões do Estado e muitas vezes percebemos que esses direitos são violados para aquelas pessoas que estão livres, que são capazes de ao menos serem ouvidas, imaginemos aquelas pessoas que estão sob a custódia estatal, detidas nos mais longínquos presídios do Brasil.

O Brasil é um dos países com enormes problemas no campo prisional. Não é difícil se deparar com noticiários, artigos, livros e outros meios de comunicação, que versem sobre os as dificuldades enfrentadas pelos “moradores” dos presídios, tais como superlotação, falta de limpeza, alimentação inadequada, falta de água potável, abuso sexual, consumo de drogas, falta de segurança. Nesse sentido registramos o dito em “Estação Carandiru”, por Dráuzio Varela[10], que descreve uma cela como “ambiente lúgubre, infestado de sarna, muquirana e baratas que sobem pelo esgoto. Durante a noite, ratos cinzentos passeiam pela galeria deserta”.

A esse respeito, assevera Bitencout[11]:

Nas prisões clássicas existem condições que podem exercer efeitos nefastos sobre a saúde dos internos. As deficiências de alojamentos e de alimentação facilitam o desenvolvimento da tuberculose, enfermidade por excelência nas prisões. Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos reclusos as más condições de higiene dos locais, originadas na falta de ar, na umidade e nos odores nauseabundos.

Situações como narradas pelo autor, muitas são um dos motivos que por vezes provocam as chamadas rebeliões, onde vários presos amotinados danificam as celas, queimam colchões, fazem funcionários reféns, quando não pouco comum, agridem ou ceifam a vida de seus rivais e de agentes carcerários.

A violação dos direitos humanos nas cadeias, no medieval sistema carcerário brasileiro, passa despercebida ou até mesmo ignorada, pela força do ódio, do sentimento de vingança que assola a maioria da sociedade. Esquecendo que as pessoas que hoje estão detidas, são as mesmas que “amanhã” estão livres pela sociedade.

No que concerne às legislações pertinentes ao tema em questão, a Constituição Federal não foi omissa, pelo contrário, o legislador originário teve a preocupação e trouxe no artigo 5º, XLIX que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Na realidade, o Estado não consegue assegurar o mandamento constitucional, a vista do que foi proposto e da realidade do sistema prisional, se nota que há um total descaso por parte das autoridades públicas.

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Registre-se que em legislação infraconstitucional, temos a lei de execuções penais brasileira, lei 7.210/84, que pode ser considerada uma evolução, ao menos no prevê  legalmente, mesmo que distante da realidade, como o que se denota do artigo 88 que diz “ o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Segundo o parágrafo único, “são requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de areação, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”, b) área mínima de 6m2 (seis metros quadrados).

No que tange ao regramento de caráter internacional, podemos destacar, o que preconiza as “Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos (Regas de Mandela)”[12], que foi adotada pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, que foi realizado em Genebra, em 1955, tendo sido revisado em 2015. Sendo um dos principais instrumentos que vem prestigiar o tratamento mais humanizado daqueles que estão privados de suas liberdades, sob a tutela Estatal.

Nesse sentido, é grande valia a exposição do autor André de Carvalho Ramos[13], sobre as regras de Mandela, onde afirma:

As regras mínimas possuem natureza soft law que consiste no conjunto de normas não vinculantes de Direito Internacional, mas que podem se transformar em normas vinculantes posteriormente, caso consigam a anuência dos Estados. Ademais, tais normas espelham diversos direitos dos presos, previstos em tratados, como, por exemplo, o direito à integridade física e psíquica, igualdade, liberdade de religião, direito à saúde, entre outros. Essa interação das “Regras” com normas de direitos humanos foi atestada nos ‘’considerados’’ da resolução de 2015, pois se reconheceu a influência do Comentário Geral n. 21 do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

De fato como assevera o autor, o documento em questão serve de base para os Estados, onde demonstra ao longo de seus 94 artigos, que vão desde previsões relativas às matérias administrativas do estabelecimento penitenciário, passando por princípios básicos, onde não pode haver “discriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimento ou outra condição”. Bem como orientações acerca de higiene, condições de cela, que não podem ser escuras, vestuário, alimentação, exercícios, serviços médicos, dentre outros, que devam permitir ao recluso, uma permanência digna e condizente ao ser humano.

Historicamente os direitos humanos ganharam destaque sobretudo no período do pós guerra. As grandes guerras mundiais trouxeram à tona a diversas atrocidades que o homem foi capaz de realizar em nome da “nação”, passando por cima da dignidade do ser humano. Foi no século XX, após as grandes guerras que dos direitos humanos foram tomando cada vez mais espaço, assim assevera Flávia Piovesan[14]:

É nesse cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional e contemporânea. Com efeito, no momento em que os seres humanos se tornaram supérfluos e descartáveis, no momento em que se vige a lógica da destruição, em que é cruelmente abolido o valor da pessoa humana, torna-se necessário a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos por meio a negação do valor da pessoa humana como valor fonte do Direito.

Nesse contexto, vislumbrou-se a necessidade de proteção e garantia da dignidade humana, passando esta a ser objeto da sensibilidade de doutrinadores, juristas, estudiosos do direito, como se observa com os crescentes debates acerca da pena de prisão e suas consequências para o apenado, sobretudo pelas péssimas condições dos presídios brasileiros.

4  - DECADÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL

O sistema prisional, com destaque do sistema brasileiro, vem demonstrando toda sua fragilidade e sua ineficácia, pois o presídio, em tese, deveria ser o lugar onde os apenados pagassem pelos seus erros, de modo a refletir e não voltar a delinquir. O que se vê na realidade, é o que presídio se tornou um local mais perigoso do que fora dele. Não é comum se ouvir que quando saem dos presídios, são piores do que entraram, isso quando saem,  quando não são vítimas de massacre de seus pares “o condenado à morte é atraído para lá e esfaqueado por um grupo de composição variável”[15], nítida demonstração do submundo dos presídios.

Não bastasse a existência de um mundo paralelo, onde existem outras regras, outras “leis”, criadas e determinadas por facções criminosas, existe ainda a omissão do próprio estado.

Como exemplo da omissão estatal, registre-se o pior de todos os massacres da história do sistema prisional brasileiro, que ficou conhecido como o massacre do Carandiru, que foi uma chacina ocorrida em 02 de outubro de 1992, quando da intervenção da Polícia Militar, para conter uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, causando a morte de 111 detentos.

Outro episódio que também retrata o ápice do descaso estatal com os presídios brasileiros foi o massacre ocorrido em Manaus, janeiro de 2017, com um saldo de 56 presos assassinados. Seguidos de outras rebeliões pelo Brasil demonstrando que medidas necessitam ser tomadas, ou reformulam os presídios dando mais dignidade para aqueles lá estão, “transitoriamente” habitando, ou as rebeliões, massacres, mortes, atrocidades, vão continuar ocorrendo.

O descaso estatal é tamanho, também exercendo papel fundamental para a decadência do sistema prisional, o Poder Judiciário, pois ciente até mesmo pela imprensa e outros meios, que os presídios estão superlotados, servindo apenas para amontoar pessoas ociosas, continuam mandando para o sistema não apenas os condenas, mas aqueles que ainda aguardam o desenrolar de um processo, os presos provisórios. Assim, partindo-se da análise do peso que uma sentença condenatório penal pode atingir, qual seja, encarcerar seres humanos em locais sem condições de habitação, como superlotação, falta de higiene, sem segurança, dominado por gangues, deduz que a prisão torna-se ilegal.

Nesse sentido, em recente decisão da suprema corte brasileira, foi reconhecido o estado de coisas inconstitucionais nos presídios brasileiros, ao julgamento da ADPF 347, merecendo destaque alguns trechos do voto do ministro Edson Fachin[16]:

Os estabelecimentos prisionais funcionam como instituições segregacionistas de grupos em situação de vulnerabilidade social. Encontram-se separados da sociedade os negros, as pessoas com deficiência, os analfabetos. E não há mostras que essa segregação objetive – um dia – reintegrá-los à sociedade, mas sim, mantê-los indefinitivamente apartados, a partir da contribuição que precariedade dos estabelecimentos oferece à reincidência.

Bem como, na mesma linha de raciocínio são as explicações do ministro Marco Aurélio[17]:

No sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ‘masmorras medievais.

Deste modo, há uma nítida demonstração pela corte suprema brasileira, que os presídios brasileiros são ilegais, mais grave ainda, são inconstitucionais. Assim, aquele que é encaminhado a prisão, em análise mais acertada, está sendo encaminhado para ter seus direitos fundamentais violados.

A política de encarceramento em massa, adotado pelo Brasil, transforma o nosso sistema penal, em um aparato genocida. Dados do Departamento Penitenciário, no relatório Infopen de 2016[18], demonstram uma população prisional de mais de 726 mil detentos. Apontando um déficit de mais de 300 mil de vagas, ou seja, nítida demonstração de superlotação carcerária.

Desde modo, podemos perceber que, a política de encarceramento em massa adotada pelo Brasil fere convenções que do qual este país faz parte. Como o decreto 30.822/52, que promulgou a Convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio, da ONU. Esta convenção traz a definição de genocídio no artigo II, qual seja:

Na presente Convenção entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional. étnico, racial ou religioso, como tal:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;             

c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de   ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Em especial atenção na alínea “c”, o grupo de presos, é um grupo específico, sendo estes submetidos a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física ou parcial, se amolda perfeitamente o que ocorre nos presídios brasileiros, deste modo, fica evidente que o país convive cotidianamente como genocídio, um verdadeiro processo de extermínio de uma população dita “indesejada”.

Some-se a isto, os dados alarmantes, não menos preocupantes, do público alvo que se pretende atingir com esse encarceramento. Dados do relatório do Departamento Nacional de informações penitenciária (Infopen) 2014,[19] demonstram que o perfil do cárcere são jovens negros, pardos e de classe baixa.

São vários os fatores que levam a decadência do sistema prisional, como já dito, a omissão estatal, onde o sistema prisional nunca mereceu atenção por parte das autoridades, somente quando a situação sai dos muros dos presídios e ganha repercussão nacional e até mesmo internacional. Como assevera Rogério Greco[20], em sua obra “Sistema prisional, colapso e soluções alternativas”:

O problema carcerário nunca ocupou, basicamente, a pauta das preocupações administrativas do governo. O tema vem à tona, normalmente, em situações de crises agudas, ou seja, quando existe alguma rebelião, quando movimentos não governamentais trazem a público as mazelas existentes no cárcere, enfim, não é uma preocupação constante dos governos a manutenção de sistemas carcerários que cumpram a finalidade para as quais foram construídos.

Tal constatação, como destacou o autor, afirmando que a preocupação estatal se dá, sobretudo, da ocorrência de rebeliões, situações que chamam atenção da mídia, causando verdadeiro temor aos que estão do lado de fora. Restando evidente nos diversos episódios ocorridos nos mais diversos presídios brasileiros, ganhando destaque o já citado massacre do Carandiru, mas vários outros massacres vieram e continuam sendo o reflexo da política de encarceramento em massa brasileira.

Outro ponto considerado pelo Rogério Greco, que contribuem sobremaneira, para a superpopulação carcerária, são as chamadas inflações legislativas, fruto do “Direito Penal Simbólico’’, que na visão acertada do autor contribuiu sobremaneira para o crescimento da população prisional:

...permitindo que fatos de pequena ou nenhuma importância sejam julgados pela Justiça Criminal, fazendo com que o sistema fique superlotado com pessoas que poderiam ser punidas pelos demais ramos do ordenamento jurídico, a exemplo do civil e do administrativo.

Desta forma, não se pode duvidar que o excesso de leis punitivas contribui para a falência do sistema prisional.

Além de superlotação dos presídios, excesso de leis que punem condutas já até mesmo toleradas pela população, o descaso governamental em políticas públicas de melhoramento dos serviços prestados nos presídios, continua sendo o fator preponderante para o caos em que se encontram os presídios. Falta ainda, maior fiscalização por parte daqueles que deveriam fiscalizar o sistema penitenciário. Nesse sentido, ensina Rogério Greco[21]:

A culpa por essa ineficiência não deve ser creditada somente ao Poder Executivo, ou seja, aquele Poder encarregado de implementar os recursos necessários ao sistema penitenciário. A corrupção, o desvio de verbas, a má administração dos recursos, enfim, todos esses fatores podem ocorrer se, para tanto, não houver uma efetiva fiscalização por parte dos órgãos competentes.

Registre-se ainda, que o autor faz referência como órgãos de fiscalização o Ministério Público, o Poder Judiciário e Defensoria Pública, que com fiscalização periódica do sistema, levando os motivos da aplicação, muitos casos, dos direitos mínimos dos presos, elencados até mesmo na Lei de Execução Penal brasileira. De certo modo, tal atividade de forma mais taxativa, traria maior controle e segurança jurídica para os apenados, bem como para seus familiares, que muitas vezes seguem aflitos e sem noticia se seu parente aprisionado, sobretudo após ocorrências de rebeliões nos presídios, pois, na maioria dos casos, os presos ficam proibidos de receber visitas até a situação seja considerada “controlada”.

 5 - ALTERNATIVAS DE MELHORIA DO SISTEMA PRISIONAL

A população carcerária cresce em ritmo acelerado, mesmo diante do quadro deficitário dos presídios brasileiros, que é estruturalmente caótico. Os dados do relatório Infopen 2014{C}[22], revelaram um crescimento de mais de 100 por cento no total de presos desde 2000. Diante do crescimento do número de presos, seguem crescente o número do déficit de vagas. No relatório infopen 2016[23] demonstram uma população prisional de mais de 726 mil detentos. Apontando um déficit de mais de 300 mil de vagas, ou seja, nítida demonstração de superlotação carcerária, com demonstra a figura abaixo:

Tabela 1 – quadro da população carcerária brasileira

 

Brasil 2014

Brasil 2016

População prisional

622.202

726.712

Sistema penitenciário estadual

584.758

689.510

Secretarias de segurança/ celas de delegacias

37.444

36.765

Sistema penitenciário federal

397

437

Vagas

371.884

368.049

Déficit de vagas

250.318

358.663

Taxa de ocupação

167%

197,4%

Taxa de aprisionamento

306,22

352,6

Fonte: Relatórios do levantamento nacional de Informações penitenciárias (INFOPEN), 2014 e 2016.

Esse quadro demonstra bem a situação da falta de vagas nos presídios do Brasil, bem como a taxa de aprisionamento, que ultrapassou a marca de trezentos por cento. Com a taxa de aprisionamento crescendo de forma, como se vê acima e não acompanhamento do número de vagas nos presídios, o reflexo, por óbvio são as superlotações e toda sua consequência desastrosa como já acima exposto. Esse crescimento se deve não apenas pelo crescente número de condenados, mas também em razão do excesso de preso aguardando julgamento.

No já citado relatório de 2014, foi destacado o investimento do governo federal para aumentar o número de vagas nos presídios. De certo esta não seria a solução para o problema, posto que ataca apenas uma das faces de toda a problemática do sistema prisional, resolvendo, em tese, o problema da superlotação, bem como a separação dos presos de acordo com o tipo de crime e separando os presos condenados dos presos provisórios, desde modo já evitaria também a captação de presos para as chamadas facções.

Registre-se ainda que os presos provisórios, nada incomum, podem no final do processo, serem absolvidos, sem ao menos receber indenização pelo tempo de confinamento de forma indevida.

Desta forma, nos dizeres de Luigi Ferrajoli[24]:

Cada vez mais um inocente tem razão de temer a um juiz, significa que este se encontra fora da lógica do direito: o medo, a desconfiança e a não garantia de inocência indicam a quebra da função própria da jurisdição penal e a ruptura dos valores políticos que a legitimam, por isso a presunção de inocência precisa ser reafirmada para superação da crise de legitimidade do poder judicial e restituição do papel de garantes dos direitos fundamentais aos juízes.

Outro fator que também contribui para o alto índice de encarcerados, é a não observação da progressão de regime. A progressão ocorre, de acordo com a Lei de execuções penais brasileira, nos crimes não hediondos, para os presos que ostentam bom comportamento, cumprindo 1/6 da pena. Ocorre que, mesmo preenchidos tais requisitos, na prática, por morosidade do sistema, a progressão não é posta em prática. Sem falar nos presos que estão nos presídios por excesso de prazo, cumprindo muito além da pena.

Esses casos muitas vezes encontram solução pela atuação de núcleos da Defensoria Pública, ou quando a situação sai do controle, com a ocorrência das rebeliões. Quando da ocorrência destas, o Estado costuma fazer mutirões pra dar celeridade nos processos, rever os casos de presos que estão cumprindo pena além do prazo. Não deveria ser necessário chegar nesse extremo.

Uma saída para controlar o aumento da população carcerária seria atacar o fator desencadeador de tal crescimento. Como destacado também, no relatório apontado, da necessidade de levantar a necessidade das prisões efetuadas, bem como levantar o perfil das pessoas que são encarceradas e então “problematizar a porta de entrada e a prática de gestão dos serviços penais, desde a baixa aplicação de medidas cautelares e de alternativas penais até a organização das diversas rotinas do cotidiano das unidades prisionais”.

Essa ideia, apontada no relatório, já foi aplicada em alguns países como China, Rússia e Estados Unidos, três dos países que mais encarceram no mundo, com resultados positivos de diminuição da população carcerária em até 24% entre os anos de 2008 a 2014.

Desta forma, todo o discurso acerca da funcionalidade do sistema prisional, de sua falência, da contrariedade do fim que se busca com sua realidade, registre-se que não é o único meio legitimador para aqueles que resolvem quebrar as regras pagarem suas penas, consequentemente dariam um alívio ao sistema prisional, suas mazelas de superlotação e toda consequência negativa advinda com esta.

Assim sendo, vários autores, juristas, doutrinadores, estudiosos sobre a temática, já delinearam várias alternativas de melhoria da prisão convencional, dentre as quais, uma ‘depuração do sistema legal’, afastando da proteção legal os bens que poderiam ser protegidos por outros sistemas jurídicos.

Como por exemplo, uma melhor aplicação das medidas despenalizadoras, como substituição da pena privativa por restritiva de direitos, utilização da tecnologia como uso de tornozeleiras eletrônicas, como já vem sendo realizado em muitos presídios brasileiros.

Nesse sentido, aponta Rogério Greco[25], como outra medida de melhoria do sistema prisional a chamada “privatização do Direito Penal”, com uma maior participação da vítima nas decisões, onde assevera:

Também deverá se valorizada a chamada privatização do Direito Penal, onde a vítima exerce um papel de fundamental importância, permitindo-se a composição dos danos, como o ressarcimento, pelo acusado, dos prejuízos por aquela experimentados. Da mesma forma, deverão ser criados tipos penais em que haja a previsão de necessidade de representação da vítima para abertura das investigações, bem como para o início da ação penal. Assim, somente com conjugação da vontade da vítima poderia o órgão oficial da acusação, vale dizer o Ministério Público, dar início a persecutio criminis in judicio.

Além das anotações do autor, de grande valia, onde destaca a importância da vítima, para que seja ouvida e concordo em dar prosseguimento no feito, caso sejam criados crimes que assim permitam, afora os já existentes delitos de menor potencial ofensivo, que já ocorre mediante representação da vítima. Sua necessidade de dá, por exemplo, imagine um crime de fruto que hoje é um crime de ação pública incondicionada. O que a vítima sofreu foi violação patrimonial, onde uma reparação desta violação traria a situação para o status inicial.

Há ainda quem defenda uma justiça reparadora, com ênfase na solução consensual do conflito, terminando o processo com reparação de danos. Bem como tem correntes mais radicais que defendem um abolicionismo penal de Louk Hulsman, sendo um modo de pensar o direito penal, questionando o verdadeiro significado das punições e instituições. Assim descreveu Edson Passeti ao referenciar Louk Hulsman[26]:

O abolicionismo penal requer práticas libertadoras. Desse ponto de vista, ainda que possa ser tomado como a utopia da sociedade igualitária livre de prisões e manicômios, ele é mais e menos que isso. Como explicitou Louk Hulsman, seu pensador mais radical, o abolicionismo penal começa na própria pessoa. Está além da libertação. É também uma prática de libertação.

            Assim, como assegurou o autor, o abolicionismo penal parece estar longe da realidade em que vivemos. Não se tem até o momento, outro meio de punir os violadores das normas, sobretudo daqueles crimes mais horrendos, que assombram e atormentam a sociedade.

O fato é que a extinção por completo do sistema penal é algo utópico, posto que não se vislumbra outra solução para aqueles que cometem crimes graves senão seu enclausuramento. A solução, de certo, não seria sua abolição e sim, mais humanização, com presídios que vivam seres humanos privados da liberdade, mas não privados de saúde, educação, saneamento, qualificação profissional, acompanhamento e orientação para quando deixarem o sistema, pois sabemos que um dia o detento sairá do presídio, pois não se adota prisão perpétua, tão pouco pena de morte.

A realidade é que se o Estado colocasse em prática o que determina a Constituição Federal, Lei de Execução Penal, Tratados internacionais de Direitos Humanos, certamente minimizaria sobremaneira o sofrimento e as atrocidades ocorridas dentro dos presídios.

No fato de tornar os presídios lugares mais habitáveis, capazes de segregar seres humanos respeitando sua condição de ser humano, infelizmente parte da sociedade não comunga de tal urgência e necessidade de mudanças, acreditam que o mal deve ser pago com o mal, que outra medida menos branda apenas estaria favorecendo mais o crime.

O Brasil pode e deve se valer de exemplos positivos de outros países que vem adotando uma política diferenciada acerca não só de diminuir o excesso de leis normativas, como existem países que já vêm adotando como medida de diminuição do cárcere a política de descriminalização das drogas. O Brasil continua com sua polícia proibicionista, de guerras as drogas, que o melhor é criminalizar o porte, o uso, a venda de drogas, fazendo com que os presídios estejam cada vez abastecido por pessoas que serão cooptadas para o cometimento de outros crimes.

Até porque, é sabido, que na prática, os presídios só funcionam como verdadeiros centros de terror, ambiente propício para violação dos direitos mais básicos dos seres humanos, porque ressocializar, nos moldes que funciona, jamais esse objetivo será alcançado, muito menos fazer o preso refletir no mal que causou a outrem. Nesse sentido, aponta Mibete[27]:

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior.  A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena incorporação ao meio social. A prisão não cumpre sua função ressocializadora. Serve como instrumento para manutenção da estrutura social de dominação.

Registre-se também, que os presos amontoados e ociosos, tornando ambiente propício para cometerem outros delitos, ou seja, o crime ultrapassa os muros dos presídios, muitas vezes através de equipamentos eletrônicos, são capazes de comandar organizações criminosas, responsáveis por diversos tipos de delitos do lado de fora, ou seja, fica evidente que não está havendo uma fiscalização, tão pouco ocupação com trabalhos ou estudos para utilização do tempo de forma útil dentro do presídio, para que o apenado possa refletir no mal que causou, no crime que praticou antes de ingressar no sistema, ao que parece, o presídio se tornou apenas uma extensão da organizações criminosas, um lugar onde estas podem recrutar  novos membros para compor tais organizações, demonstrando que o que parece é que o sistema prisional não foi feito para funcionar, está sendo subutilizado, não vem atingindo o seu propósito, qual seja de ressocializar e reintegrar na sociedade.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

                                                                

Já é sabido que o ser humano precisa agrupar-se em sociedade, pois é de sua própria natureza essa necessidade, para que juntos, possam, dentre outras coisas, buscar soluções para seus conflitos. Neste contexto, o conflito que pairou foi o demonstrar que a sociedade precisa buscar soluções para a crise do sistema prisional.

Assim, diante do exposto, que não se pretendeu esgotar a temática da violação dos direitos humanos dentro dos cárceres brasileiros, mas sinalizar para o problema, onde a sociedade não pode fingir que não vê que o problema existe, não ficar apenas assistindo os graves massacres ocorridos dentro das prisões. É preciso cobrar mais dos responsáveis por esta decadência e discutir soluções e políticas públicas urgentes e eficazes.

Vários são os fatores apontados para a crise no sistema prisional e consequente violação de direitos humanos, restou evidente o descaso estatal em face daqueles que estão sob sua tutela, tal situação muitas vezes até mesmo aplaudida por parte da população, pela falsa crença de que os violares da lei devessem ter os piores tratamentos para que “aprendessem” a não cometerem crimes.

A crença de que manter várias pessoas juntas, submetidas a mais diversas doenças, violência, sem acesso a condições mínimas de saúde, de higiene, ociosos, sem expectativa de vida, seria a melhor solução para reparação de delitos e recuperação de delinquentes, se mostrou ao longo dos séculos totalmente equivocada, até mesmo pelo evidente alto nível de reiteração criminosa, ou seja, o sistema não funciona, da forma em que se encontra.

O poder judiciário pode ser visto como um grande protagonista de toda barbárie existente nos presídios, pois,  sendo aquele que condena ou quando envia  para o sistema de forma excessiva, presos que sequer foram condenados, tudo em razão de uma pseudo “conveniência da instrução criminal”, dentro outros argumentos para manutenção da cautelar do preso.

Assim, uma sentença condenatória nos dias de hoje, vai muito além de retirar a liberdade de uma pessoa, condenando também a fazer parte de um submundo, sombrio, com regras cruéis e desumanas, que são obrigados a seguir para se manter vivos, assim, em última análise, estão sendo condenados à morte, desta forma os juízes precisam ter a certeza necessária para evitar condenar um inocente.

Ademais, se uma sentença condenatória já tem todo um peso devastador, as penas provisórias carregam a mesma consequência devastadora para os detentos. Para Carnelutti[28], a pena de prisão já cerceia um dos bens mais importantes da vida, a liberdade, mas no caso dos presídios brasileiros, como já dito, vai muito além de privação de liberdade.

Outra problemática, não menos importante, diz respeito a responsabilidade civil do Estado frente aos danos sofridos pelos presos e suas famílias, se dão, quando ocorrem, de forma ínfima, variando de 10 a 50 mil. Essa responsabilidade objetiva que existe para todo mundo, não existe para prisões, porque os juízes não aplicam. Em que pese sua existência jurídico/formal, mas os juízes são relutantes para aplicar a lei.

Fica evidente que a forma como funciona o sistema prisional, sua realidade dura, desumana, não será capaz de ressocializar ou prevenir outros crimes. Pelo contrário, o que se verifica é que as cadeias de forma geral, servem como grandes escolas do crime.

O mais assustador é que tal conduta é tida como legítima e aceita, por parte da sociedade e pelo Estado. O que se tem é o pagamento do crime com o crime. A situação daqueles tidos  como a escória da sociedade, os criminosos, aqueles que ninguém quer por perto, nem mesmo aqueles ditos ex criminosos, posto que este também não tem credibilidade, deveria ser tratada com mais seriedade, mais humanidade, para ao menos terem opção de mudança, para não serem cooptados pelas facções criminosas existentes no Brasil.

Ademais, a ideia de amontoar várias pessoas numa cela, sem se preocupar como conseguirão sobreviver sem espaço até para fazer suas necessidades fisiológicas, acreditando que os presos merecem pagar pelo crime que fizeram e, portanto, devem suportar as mazelas do cárcere, vai na contramão de um viés ressocializador. Na verdade, o discurso ressocializador nada mais é do que legitimador da pena, uma vez que almejar “ensinar” presos a viver em sociedade, mas ao mesmo tempo o extirpando da sociedade, para viver em um ambiente que mais parece um cenário guerra, de terra sem lei, destoa do tal fim ressocializador da pena.

Portando, o aprisionamento se mostra como uma lógica perversa, em que pese poucos presídios ofertarem cursos técnicos e profissionalizantes para os detentos, não é garantia que do lado de fora serão empregados, porque carregam o estigma de ex-presidiário. Assim, o egresso do sistema prisional padece de preconceito que dificulta sua reintegração na sociedade, não conseguindo emprego formal, não restando outra opção senão o emprego informal.

A falta de oportunidade enfrentada pelos egressos do sistema prisional vai além da carência de emprego formal em razão da mancha que carregam, repercutindo também sempre de forma negativa na sua vida cotidiana, sofrendo preconceito também da comunidade onde vive, nas abordagens policiais que culminam em prisão para averiguação, porque na visão de muitos, seja sociedade, seja o sistema de justiça, um egresso é sempre visto como um risco iminente, sempre estigmatizado pela tarja de ex-presidiário, como sempre será conhecido e identificado.

Extrai-se, do exposto acima, que restou de sobejo comprovado que estamos longe de atingir um mínimo de garantia a direitos fundamentais, expressões dos direitos humanos, nos presídios do Brasil. Os poderes responsáveis por concretizar tais direitos restam omissos, em que pese raras exceções, permanecendo insensíveis as questões dos cárceres, por motivos diversos já apontados, seja porque, em tese, estamos falando de pessoas não produtivas, aos olhos do Estado e de parte da sociedade, que que de certo modo violaram a lei e na sua maioria são negros, pardos, pobres, ditos como escória da sociedade, motivos este jamais aceitáveis. Uma vez que, antes de tudo, são seres humanos, e como tais, merecem ter sua dignidade resguardada.

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23. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 2ªed. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002

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Sobre a autora
Elza Veríssimo

Servidora pública, graduada em Ciências Econômicas, graduada em Direito, Pós graduada em Segurança Pública e Direitos Humanos, Pós graduada em Direito Penal e Processual Penal.

Informações sobre o texto

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