Teoria das janelas quebradas: uma visão jurídica e educacional

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29/09/2019 às 15:50
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Educação e ressocialização dos criminosos que cumprem pena – uma proposta possível de execução

Como é sabido, o Direito Penal na busca pelo combate aos crimes, prevê a aplicação de penas privativas de liberdade para os indivíduos infratores da norma penal, tendo a Lei de Execuções Penais – nº 7.210 de 1984 como um de seus objetivos a ressocialização do condenado, a fim de que este retorne ao convívio social e não comete novos crimes. Preleciona Foucalt acerca do papel da prisão: “Mas a obviedade da prisão se fundamenta também em seu papel, suposto ou exigido, de aparelho para transformar os indivíduos”.[14]

E complementa Sousa:

O Estado quando condena um indivíduo que cometeu um crime contra a sociedade e por conseqüência aplica a esse uma pena restritiva da liberdade, teoricamente, acredita que após o cumprimento da sentença expedida esse indivíduo estar á pronto para voltar, em harmonia, ao convívio social. O que então se costuma chamar de reeducação social, uma espécie de preparação temporária pela qual precisa passar todo criminoso condenado pela justiça. [15]

A Lei de Execuções Penais – nº 7.210 de 1984 traz mecanismos visando promover a ressocialização do condenado. Dispõe o seu art. 10: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” [16]

Dentre uma das assistências que devem ser colocadas a disposição do preso está o previsto no art. 11 da lei mencionada acima, qual seja: assistência educacional. Referida assistência educacional “compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”[17], de acordo com o art. 17, também, do referido diploma legal.

Não obstante a previsão normativa dos mecanismos de ressocialização, esta não tem alcançados os objetivos almejados, vez que muitos indivíduos no retorno ao convívio social tendem a cometerem

“Sabe-se que muitas das pessoas que saem da prisão cometem outro delito em um pequeno intervalo. Esse fator apresenta um círculo vicioso de contínuas entradas e saídas dos serviços públicos de assistência a população. [19]

Todavia, convém salientar que algo está errado, pois os mecanismos trazidos pela lei na busca pela reinserção do indivíduo na sociedade não estão logrando êxito. É de conhecimento de todos que o sistema carcerário brasileiro não promove a ressocialização do condenado, diante da existência de inúmeras falhas no sistema. Sustenta Brutti:

O sistema carcerário brasileiro é mundialmente conhecido pelos seus efeitos negativos. Se fora criado, com o intuito de reverter a ascendência das infrações penais, culminou não a impedindo, senão a instigando ainda mais. [20]

Muita das vezes, a situação descrita acima decorre da ausência de estrutura do sistema carcerário, o qual conta com profissionais despreparados, ausência de educação de qualidade, ociosidade do apenado, falta de estrutura física para acomodar todos os detentos e não observância das normas reguladores existentes dentro dos próprios presídios. Porém, esse problema, também, resulta do sentimento de impunidade que muitos desses condenados possuem, diante da ausência de punição pela prática dos seus atos.

Comumente os meios de comunicação noticiam fatos lamentáveis ocorridos dentro de presídios brasileiros, como por exemplo, rebeliões, uso constante de celulares pelos detentos, violência entre os presos, o que comprova a ausência de estrutura nesses locais e impede a ressocialização do condenado. Corroborando com esse entendimento afirma Greco:

Os presos, com a finalidade de verem suas reivindicações atendidas, praticam atos inimagináveis com aqueles que foram escolhidos para serem suas vítimas. Não é comum que os reféns sejam escolhidos para ser suas vítimas. São esquartejados, decapitados, ateado fogo em corpos, enfim, a crueldade não tem limites.[21]

Cabe frisar a necessidade de mudanças urgentes no sistema prisional brasileiro, pois como um ser humano que foi condenado pela prática de crime irar ser ressocializado em um ambiente que não possui a estrutura adequada, onde as normas não são observadas e onde a mínima estrutura básica não existe [?]

A resposta parece óbvia: não haverá ressocialização. Esse indivíduo irar retornar ao convívio social e provavelmente cometerá novos crimes, sejam crimes mais graves ou não. Já asseverava Foucalt: “[...] depois de sair da prisão, se tem mais chance de voltar para ela, os condenados são, em proporção considerável, antigos detentos.”[22]

O condenado deve ser tratado como dignidade, como um sujeito detentor de direitos, os quais devem ser observados. O art. 41 da Lei de Execução Penal traz rol exemplificativo de direitos dos presos, sendo um deles a assistência educacional. Nessa linha de pensamento constata Vieira:

Primeiramente, precisamos reconhecê-lo como um ser humano dotado de anseios, expectativas e projetos. A vivência na prisão muitas vezes corresponde a um processo de desumanização do indivíduo privado de sua liberdade, que não vê redenção para sua conduta, muito menos vislumbra possibilidades de aceitação social pós-cárcere.[23]

Embora haja ampla previsão de que deve ser assegurada ao preso educação dentro do sistema prisional, sabe-se que nem todos os Estados possuem preocupação em implementarem políticas que efetivem a educação. Afirma Prudente: [...] Todavia, trabalhar ou estudar na prisão diminui as chances de reincidência em até 40%.[24]

De acordo com os dados estatísticos apresentados pelo Departamento Nacional de Penitenciária, em dezembro de 2014, somente 13% da população carcerária brasileira estava envolvida em alguma atividade educativa. Esse dado demonstra que muito precisa ser melhorado na interação do detento e a educação, com instrumento eficaz na ressocialização.

A Lei de Execuções Penais traz expressamente no seu art. 126 que o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto, poderá remir parte do tempo da execução da pena pelo estudo. Ou seja, será diminuído um dia da pena, para cada doze horas de frequência escolar, divididas no mínimo em três dias.

Ademais, a Portaria conjunta nº 276 de 2012, da Justiça Federal e do Departamento Penitenciário Nacional, disciplina o projeto de remição pela leitura no Sistema Penitenciário Federal. De acordo com referida portaria, para cada leitura de uma obra literária, no prazo de 21 a 30 dias, diante da elaboração de uma resenha acerca do assunto, o condenado terá quatro dias de pena a menos.

Para fins exemplificativos da adoção por alguns Estados da remição pela leitura, o Estado do Ceará através da lei nº 15.718 de 2014, foi o segundo Estado a instituir a leitura no âmbito dos estabelecimentos prisionais do Estado do Ceará como forma de remição de pena para os condenados alfabetizados em regime fechado e semi-aberto.

Referidos mecanismos descritos acima, demonstram o incentivo que é dado ao condenado em relação aos estudos, a fim de que este seja ressocializado, através da educação, retornando ao meio social sem cometer novos crimes. Todavia, embora, haja a previsão legal desses institutos e a tentativa de colocação em pratica por algumas unidades prisionais, o que se verifica, conforme dito anteriormente, é que muitos dos condenados, voltam a cometerem novos delitos, após a saída da unidade prisional. Insiste-se na ideia: algo está errado.

A educação é uma importante ferramenta na vida de qualquer pessoa, pois esta confere um pensamento mais crítico acerca de tudo que ocorre no mundo, contribui para a formação humana, proporciona capacidade de formular a sua própria opinião, evitando, assim a sua alienação, bem como permite o maior progresso profissional.

Por intermédio da educação, um importante instrumento na ressocialização, o condenado passará a refletir como será o seu retorno ao convívio social, possuíra um maior conhecimento de si mesmo, perceberá que é melhor não possuir a vida que possuía antes, passará a ver o mundo ao seu redor de outra maneira, entendendo que a educação poderá lhe proporcionar muitos benefícios. Destaca-se o posicionamento de Foucalt acerca do papel da educação: “A educação do detento é, por parte do poder publico, ao mesmo tempo, uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento.”[25]

A educação do indivíduo que cometeu crime deve ser repassada por profissionais qualificados, que consigam demonstrar ao detento a importância da educação para a sua vida e a ferramenta eficaz na sua reinserção na sociedade, devendo respeitar os saberes dos educandos de acordo com as suas realidades, conforme preleciona Freire:

Por isso mesmo pensar certo coloca o professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. [26]

Além disso, o fornecimento de educação dentro da unidade prisional concederá ao detento ferramentas de inserção no mercado de trabalho, pois muitas vezes o egresso após sua saída da prisão, não possui nenhuma perspectiva, situação a qual acarreta a volta ao mundo do crime.

O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e conseqüentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo.Uma educação dentro do sistema penitenciário deve trabalhar com conceitos fundamentais, como família, amor, dignidade, liberdade, vida, morte, cidadania, governo, eleição, miséria, comunidade, dentre outros.[27]

Ademais, a educação dentro do sistema penitenciário, além do ensino de alfabetização, ensino fundamental, ensino profissional, também, deve promover o ensino de valores básicos, como por exemplo, o respeito ao próximo e ao meio ambiente, pois muitos dos condenados não tiveram esses ensinamentos. Ou seja, será dentro da unidade prisional que muitos condenados terão a oportunidade de ter acesso a educação que antes do cometimento do crime não possuíram. Preconiza Ribeiro:

Como educar um detento? Um condenado? Um celerado costumaz? Existem diversas formas. Muitas não tentadas, outras bem sucedidas, poucas não restauráveis. Uma delas é transferir ao condenado a possibilidade de reparação do delito cometido” [28]

Adotando-se o ensinamento de Ribeiro, é correto que haja a reparação do delito cometido pelo condenado como uma das formas de educação, pois, este poderá refletir sobre as consequências da sua conduta, o que muitas vezes o preso não chega a fazer, na ociosidade que vive dentro da unidade prisional.

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Deve ser priorizado dentro da unidade prisional medidas eficazes que consigam envolver o condenado dentro de projetos educacionais, conscientizando-o acerca da importância da educação na vida de qualquer pessoa, a fim de evitar a ociosidade nesses locais, o que impedi a ressocialização do detento, pois, muitas vezes, essa situação gera o momento propício para planejamento de novos crimes.

É necessária maior conscientização dos representantes do povo da importância da educação para a ressocialização do indivíduo, devendo, assim, haver uma maior conexão entre os órgãos de execução penal e o governo, a fim de que possam pensar conjuntamente medidas eficazes da educação dentro do sistema penitenciário. Além disso, precisa-se ser fornecido dentro da unidade prisional um ambiente propício ao trabalho educacional, treinamento adequado a todos que participam do processo de ressocialização do detento, a fim de evitar situações como a descrita por Carreira e Carneiro:

Em todas as unidades visitadas, foi identificada a resistência, que chega muitas vezes ao boicote, por parte dos/das agentes penitenciários à liberação de presos para as aulas. Em algumas unidades, observamos a existência de revistas (blitz) regulares por agentes e policiais militares que destroem materiais e trabalhos escolares. Como já citado, há casos de agentes que criam problemas para a entrada e saída de professores e geram constrangimentos e coação ao trabalho dos educadores e educadoras.[29]

Nesse contexto, a educação dentro do sistema penitenciário deve aplicada de forma consistente, a fim evitar que o egresso no retorno ao convívio social venha a cometer novos crimes. Além disso, a implementação de uma educação de qualidade para os condenados, também, contribuirá para a mudança da realidade precária dentro do cárcere. O que se percebe é que a educação não é um dos principais interesses nas unidades prisionais.

A educação de qualidade, capaz de promover a ressocialização dentro do sistema carcerário deve sair do papel e se tornar realidade dentro dos presídios, deve ser uma educação padrão em todos os presídios federais e estaduais, contando com uma equipe qualificada, com cursos técnicos profissionalizantes.

Assim sendo, conclui-se que, a educação e a ressocialização é uma proposta passível de execução, devendo ser um dos objetivos dos agentes públicos a colocação dessa proposta em prática, por intermédio de medidas a serem implementadas dentro das unidades prisionais, como por exemplo, local adequado para instalação das salas de aula, professores e agentes penitenciários capacitados para promover a ressocialização, material didático de boa qualidade, a fim de ser alcançada a redução dos índices de criminalidade no país.

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Sobre a autora
Camila Rodrigues Machado

Advogada. Especialista em Direito e Processo Previdenciário pela Universidade de Fortaleza. Pós-Graduanda em Novo Direito do Trabalho pela PUCRS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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