Teoria das janelas quebradas: uma visão jurídica e educacional

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29/09/2019 às 15:50
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Teoria das Janelas Quebradas e o Princípio da Insignificância

Observa-se que a Teoria das Janelas Quebradas e o Princípio da Insignificância estão em lados opostos, vez que, enquanto a Teoria em estudo traz que os delitos menos graves devem ser punidos, a fim de evitar o cometimento de condutas mais graves no futuro, o Princípio da Insignificância busca afastar da aplicação do Direito Penal, as condutas consideradas inofensivas ao bem jurídico tutelado.

Conforme já relatado, a Teoria das Janelas Quebradas demonstra que o problema da criminalidade pode ser amenizado através da punição de delitos pequenos, o que evitaria o cometimento de delitos mais graves.  A medida a ser adotada é resolver o problema enquanto ele ainda está pequeno. Tal constatação aproxima-se da afirmação de Foucault: “A mínima desobediência é castigada e o melhor meio de evitar delitos graves é punir muito severamente as mais leves faltas [...].”[30]

Certamente, a maioria dos delitos de maior gravidade surgem em decorrência da ausência de punição de delitos menos graves. Isso porque surge um sentimento de impunidade na sociedade. Como uma medida preventiva, precisa-se ter em mente, que os delitos pequenos, também, devem ser analisados pelo Poder Judiciário da mesma maneira que um delito grave. Nesse sentido, afirma Carvalho Neto: “

E acrescenta Dias: “Portanto, ainda que o delito não tenha gravidade exacerbada, há que se punir – em alguns casos, a depender do caso concreto –, sob pena de estimular crimes mais graves.” [32]

Faz-se necessário urgentemente que a impunidade não seja mais realidade na sociedade brasileira. Os brasileiros precisam ter um mínimo de segurança, para saírem de suas casas, seja para o trabalho, para ter um momento de lazer, sem o receio de serem vítimas de um crime. Como mudar essa situação [?]

Defende-se a aplicação dos ensinamentos trazidos pela Teoria das Janelas Quebradas, a qual demonstra mecanismos de combate à criminalidade perante uma determinada sociedade, porém, frisa-se que não é a única solução, diante da necessidade de aplicação conjunta com outras medidas. A esse respeito, destaca-se o entendimento de Silva:

Não podemos negar que a repressão a pequenas infrações tornaria a sociedade mais saciada do sentimento de justiça. Porém, não seria apenas isso que tornariam os índices de criminalidade menores, pois existem outros fatores que levam a prática da infração penal, tais como fatores econômicos, sociológicos e psicológicos.[33]

No Brasil, a possibilidade de sua aplicação deve ser adaptada a realidade do país, como por exemplo, a elaboração de normativa regulando a aplicação do princípio da insignificância pelo Poder Judiciário. Isto porque, não é possível adotar os mesmos mecanismos utilizados pela cidade de Nova York, tendo em vista que são lugares com realidades bastante diferentes.

Em contrapartida, comumente, verifica-se a aplicação do princípio da insignificância pelo Poder Judiciário, sob o fundamento de que o Direito Penal não deve intervir nas condutas que causam lesão ínfima ao bem jurídico, ou seja, não deve ser aplicado para punir os delitos de bagatela. Diante da aplicação do referido princípio é afastada a tipicidade da conduta delituosa.

Contudo, alguns tribunais brasileiros têm adotado a Teoria das Janelas Quebradas, conforme Recurso em Sentido Estrito nº

Ademais, no HC 278612 SP, também, foi adotada a Teoria em comento. Trata-se de um Habeas Corpus impetrado em favor de Cláudio Marques Rodrigues, sendo a autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O impetrado foi denunciado pela prática do crime de furto (155, §4, I e II) de bens avaliados em R$86,00, sendo absolvido sumariamente. Em sede recursal, o Tribunal de Justiça determinou a prosseguimento da ação penal. Diante disso, foi interposto o HC 278612, a fim de ser aplicado o princípio da insignificância ao caso, porém o Superior Tribunal de Justiça afastou o mencionado princípio e aplicou o preceito da Teoria das Janelas Quebradas. O ministro relator Marcos Aurélio Bellizze afirmou no referido julgado:

[...] não se pode autorizar o Estado a descurar daqueles delitos que causem pequenas ou quase nenhuma lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, a permissibilidade,em casos específicos, conduz a uma graduação criminal indesejada e consequentemente a uma falsa noção de impunidade contrária, é certo, à ordem penal.[34]

A partir da análise dos mencionados julgados, percebe-se um progresso no Judiciário brasileiro, diante da aplicação da Teoria das Janelas Quebradas, tendo em vista que, muitas vezes, a aplicação do princípio da insignificância acarreta um sentimento de impunidade perante a sociedade, o que contribui para o aumento da criminalidade no país. Isso porque, não sendo aplicada sanção em decorrência da prática de uma conduta prevista em lei como crime, as pessoas acabam por não respeitarem as normas, passando a cometer novos delitos.

Obviamente que um lugar onde as normas penais não são respeitadas, em sua grande maioria; onde a morosidade do Poder Judiciário é realidade, o que acarreta muitas vezes a prescrição do direito de punir do Estado; onde as normas são aplicadas e não conseguem almejar o objetivo para as quais foram editadas, certamente essas situações contribuem para a elevação do número de crimes e de atos desordeiros.

Conforme exposto anteriormente, o que se verifica no Brasil é uma maior preocupação na punição de delitos mais graves, como por exemplo, homicídio, lesões corporais, estupro, estelionato, latrocínio, dentre outros, ou seja, é dada uma maior atenção ao problema da macro criminalidade.

Todavia, os delitos menos graves, quais sejam infração de menor potencial ofensivo e contravenções penais, acabam, por muitas vezes, não sendo apuradas, por diversos fatores, dentre eles: ausência efetiva de investigação consistente acerca da conduta delituosa e prescrição pela demora de atuação do Poder Judiciário. Porém, a micro criminalidade também necessita de uma maior atuação estatal mais efetiva. São situações como estas que provocam o descrédito no Poder Judiciário, bem como a sensação de impunidade pela população. Nessa linha de pensamento afirma Prioto:

Tal impunidade que se instalou em relação às contravenções penais e delitos de menor potencial ofensivo no Brasil simboliza as janelas quebradas do nosso ordenamento. Aqueles que tem propensão para o crime, ao visualizarem a impunidade, tendem a não mais respeitar as regras, pois se não há punição para um determinado crime, teoricamente não haverá para outros, tornando a criminalidade um círculo vicioso e incontrolável.”[35]

Como é sabido, o crime é inerente ao homem, portanto, a criminalidade sempre existira na sociedade. Entretanto, devem ser adotadas no Brasil medidas que não sirvam apenas para propor uma solução momentânea acerca da criminalidade, mas, sim, medidas que proporcionem um mínimo de segurança à sociedade de forma contínua.

As soluções momentâneas apenas resolvem o problema por um determinado período, pois, em momento posterior o crime ocorrerá novamente, podendo ser mais grave ou não. Nesse sentido, preleciona Costa e Miranda: “[...] O aniquilamento de toda e qualquer conduta delituosa constitui ficção. O que pode ser realizado é um trabalho de combate voltado a redução dos “incidentes”, mas nunca sua extinção”.[36]

Considerando o atual cenário criminal no Brasil, onde os índices de criminalidade são elevados e existe um descaso por parte do Poder Público em solucionar o problema, defende-se uma maior aplicabilidade da Teoria em estudo, a fim de que seja afastado o sentimento de impunidade que paira no seio da sociedade brasileira e buscado a redução dos índices de criminalidade.

É uma excelente inovação a adoção da Teoria das Janelas Quebradas pelo Poder Judiciário, porém, aplicada juntamente como outras políticas sociais, como uma tentativa de buscar resultados positivos face ao problema da criminalidade.

Indubitavelmente, a sanção a ser aplicada, sendo adotada a Teoria das Janelas Quebradas, não é sempre a pena privativa de liberdade, pois, conforme apresentado no tópico acima, não obstante o número de encarcerados no Brasil seja muito grande, a criminalidade no país ainda é muito grande, o que demonstra que a solução não é sempre a privação da liberdade do infrator. Nesse sentido, destaca-se o pensamento de Roxin: “[...] uma imposição massificada de penas privativas de liberdade não é político-criminalmente desejável”.[37]

A punição para qualquer delito seja ele de natureza grave ou infrações de menor potencial ofensivo e contravenção penal necessita ser educativa, ou seja, uma punição que não sirva apenas para conferir a sociedade uma resposta de que está havendo atuação estatal naquele caso, mas sim que consiga fazer que o infrator não cometa outros crimes no futuro.

Acredita-se que, não é somente a pena restritiva de liberdade que é capaz de promover mudanças eficazes no infrator, mas aquela punição que fará este repensar sobre as condutas praticadas. A esse respeito, coaduna-se com o pensamento de Ribeiro:

[...] o homicida poderia ser apenado também, além do regime prisional, a de dois em dois meses doar sangue ara salvar vidas. Se o condenado puder e isso não ofender a sua integridade corporal ou saúde, que ele saiba o valor pedagógico dessa medida: tirei uma vida humana, mas agora estou devolvendo com minha ajuda a vida a muitas outras.[38]

E acrescenta: “É simples: a regra é demonstrar para o infrator o erro e fazer com que ele conviva com o erro, mas agora olhando na direção certa. Se restaurando.”[39]

Ademais, não se defende o afastamento total da aplicação do princípio da insignificância, pois, conforme já dito em momentos anteriores, existem condutas humanas que realmente estão amparadas pelo referido princípio, não sendo coerente que haja punição por parte do Poder Judiciário, como por exemplo, o furto famélico.

Porém, referido princípio deve ser aplicado de maneira mais coerente, a fim de que não seja qualquer conduta que se enquadre nos pressupostos adotados pelo Supremo Tribunal Federal que venha afastar a incidência do Direito Penal. Insiste-se na ideia de que é necessária uma regulamentação acerca da aplicação do princípio da insignificância no Brasil.

Logo, condutas desordeiras, como por exemplo, quebrar janelas de prédios, quebra de estátua em praça pública, quebras de lâmpadas de postes em praças públicas, bem como delitos de menos graves, como, por exemplo, furto de bem de valor ínfimo, necessitam de uma punição capaz de impedir novamente a prática de outras condutas iguais, como maneira de evitar a prática de condutas mais graves, pois, como é sabido a impunidade é uma forte influência ao cometimento de novos delitos.

Sendo assim, tomando por base a Teoria das Janelas Quebradas, a primeira janela deve ser concertada, em relação à educação, a punição de delitos pequenos e as políticas públicas de melhoramento da qualidade de vida das pessoas.


CONCLUSÃO

No Brasil, existem inúmeras normas tipificando determinadas condutas como criminosas. Entretanto, não obstante a existência dessas diversas normas, muitos delitos pequenos, como por exemplo, furto de celular no ônibus termina não sendo apurado ou o direito de punir do Estado prescreve, em decorrência da morosidade do Poder Judiciário.

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Além disso, diante da aplicação do princípio da insignificância pelos Tribunais brasileiros, muitas condutas que se enquadram no tipo penal, não são punidas, diante do afastamento da tipicidade, o que se entende como fator estimulante para o cometimento de novas condutas criminosas, sejam elas mais graves ou não.

Tendo em vista que o homem necessita de normas regulando as suas condutas, e sendo aquelas infringidas e o Poder Judiciário ficando inerte, sem dúvidas, surge um sentimento de que é possível realizá-la novamente sem que nenhuma sanção lhe seja aplicada, situação que acarreta a prática de novas condutas criminosas.

O princípio em comento, na hodiernidade, é aplicado tendo por base os pressupostos do Supremo Tribunal Federal partindo da análise do caso concreto. Entretanto, existe necessidade de regulação normativa para a sua aplicação, como parâmetro a ser seguido por todos os julgadores, a fim de evitar a sua aplicação para casos que deveriam ser punidos, bem como para afastar a subjetividade no julgamento.

De maneira indubitável, defende-se a permanência da aplicação do mencionado princípio, porém, de maneira limitada, a fim de que não seja enquadrada toda e qualquer conduta que não acarrete lesão ao bem jurídico tutelado. Essa alternativa apresentada funcionaria como maneira de afastar o sentimento de impunidade dos brasileiros.

A educação de qualidade ofertada a todos, de maneira igualitária, conforme determina a Constituição Federal, não é a única, mas é uma das principais soluções para a redução do número de crimes no Brasil, tendo em vista que as pessoas passam a ter uma melhor qualidade de vida, ferramentas de inserção no mercado de trabalho, bem como percebem o mundo de outra maneira. O indivíduo que teve acesso a uma educação de qualidade recuará para a prática de um crime.

Considerando que inexiste sociedade isenta de crimes, a aplicação das conclusões apresentadas pela Teoria das Janelas Quebradas certamente seria importante na sociedade brasileira, como maneira de reduzir os índices de criminalidade. Isso porque, os delitos pequenos não deixariam de serem punidos, exceto casos excepcionados pela aplicação do princípio da insignificância, o que afastaria o sentimento de impunidade que muitos brasileiros possuem.

Diante disso, para que muitos delitos pequenos sejam apurados e punidos no Brasil, conforme determina a Teoria das Janelas Quebradas, faz-se imprescindível a reestruturação no Poder Judiciário Brasileiro, a regulamentação da aplicação do princípio da insignificância, a mudança na legislação, a fim de prever as sanções educativas e eficazes a serem aplicadas para delitos menores, policiamento mais efetivo e com treinamento adequado para a apuração desses delitos, mediante condições de trabalho propícias.

Nesse sentido, chegou-se à conclusão que reduziria os índices de criminalidade no Brasil a observância do seguinte tripé: Teoria das Janelas Quebradas, como maneira de afastar o sentimento de impunidade na sociedade brasileira; educação de qualidade e igualitária para todos, como mecanismo de contribuição para o não cometimento de crimes pelos brasileiros e sistema carcerário bem estruturado que promovesse a ressocialização do indivíduo infrator.

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Sobre a autora
Camila Rodrigues Machado

Advogada. Especialista em Direito e Processo Previdenciário pela Universidade de Fortaleza. Pós-Graduanda em Novo Direito do Trabalho pela PUCRS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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