1. O POSICIONAMENTO DO RELATOR DO RESP 1.798.903
Veja-se o julgamento do caso Riocentro, diante do voto do relator daquele caso no Superior Tribunal de Justiça.
É o que se diz no site do STJ, datado de 29 de agosto do corrente ano:
“Em julgamento iniciado nesta quarta-feira, 28, pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Rogerio Schietti Cruz votou no sentido de considerar que a tentativa de atentado a bomba no Riocentro, em 1981, configurou crime contra a humanidade e, portanto, é imprescritível – o que possibilitaria a retomada de uma ação penal contra os militares envolvidos na ação. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Relator do caso, Schietti afirmou que o Brasil se submete a normas de direito penal internacional que preveem a imprescritibilidade de delitos graves ocorridos em períodos de exceção, além de ter sido condenado em julgamentos recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos por episódios ocorridos durante a ditadura militar.
O ministro entendeu que as características atribuídas ao atentado – participação de agentes estatais, ações sistemáticas para impedir a redemocratização do Brasil e o potencial de lesão para a população civil – justificam a caracterização do episódio como crime de lesa-humanidade.
O caso, ocorrido no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, foi uma tentativa fracassada de ataque a bomba durante um show comemorativo do Dia do Trabalhador, que reuniu mais de 20 mil pessoas no Centro de Convenções do Riocentro na noite de 30 de abril de 1981. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a ação, intentada por militares, buscava a criação de um clima de medo na sociedade para justificar o recrudescimento da ditadura, que já estava em processo de abertura política.
Após o recebimento de denúncia do MPF em primeira instância contra seis agentes supostamente envolvidos no atentado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) concedeu habeas corpus para trancar a ação penal, por considerar extinta a punibilidade pela prescrição. Para o TRF2, os atos foram praticados cladestinamente, sem influência do Estado, e assim não haveria causa que indicasse a imprescritibilidade.
No voto apresentado à Terceira Seção, o ministro Rogerio Schietti traçou um panorama histórico da definição dos crimes contra a humanidade, que foi mencionado pela primeira vez na Convenção de Haya, em 1907, e teve contornos modernos definidos pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional, em 1998. Segundo o estatuto, caracterizam-se como crimes contra a humanidade aqueles cometidos em um quadro de ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, tendo como resultado homicídio, extermínio e outros.
O ministro também lembrou que, ao julgar recentemente processos como o da morte do jornalista Vladimir Herzog, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade tem caráter de jus cogens.
Segundo a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados – da qual o Brasil é signatário –, a norma jus cogens é aquela aceita pela comunidade internacional como a norma da qual nenhuma revogação é permitida e que só pode ser modificada por normativo posterior de direito internacional de mesma natureza.
Por isso, o ministro afirmou que não é um argumento válido o de que o Brasil não internalizou, até o momento, a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade (1968), mesmo porque o país se submeteu voluntariamente à Convenção de Viena e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (ambas de 1969), por meio das quais se comprometeu a seguir as decisões e a jurisprudência da corte interamericana.
Schietti lamentou que países como o Brasil ainda se mostrem reticentes em exercer um controle de convencionalidade sobre as normas de direito interno, como forma de dar cumprimento às sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Para o ministro, se o Brasil ratificou a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos e a introduziu no país com, no mínimo, hierarquia supralegal, "todo o sistema judicial, desde o magistrado de primeiro grau até os membros da Suprema Corte, deve se conformar à ideia de que o controle de constitucionalidade implica também um controle de convencionalidade, os quais hão de ser exercidos de forma intercomplementar".
Nesse sentido, em relação às violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar, Schietti lembrou que a corte interamericana já reconheceu a necessidade de dar prosseguimento às ações criminais e às devidas responsabilizações por crimes contra a humanidade cometidos até mesmo antes de 1979 – portanto, abarcados pela Lei de Anistia –, a exemplo do entendimento do tribunal internacional em casos como a Guerrilha do Araguaia e a morte de Herzog.
"Com muito mais razão, deve ser aplicado tal posicionamento ao caso do Riocentro, ocorrido no ano de 1981 e que, por isso mesmo, não é alcançado pela Lei de Anistia promovida dois anos antes", afirmou o ministro”.
A lição que se tem é de que a chamada primazia da norma mais favorável significa que deve ser aplicada pelo intérprete necessariamente a norma que mais favoreça o indivíduo. Assim, a primazia da norma mais favorável nos leva a aplicar que a norma internacional quer a norma interna, a depender da que seja a mais favorável ao indivíduo.
Tal princípio é verdadeiro dispositivo convencional internacional, uma verdadeira clausula tradicional insculpida nos tratados internacionais de direitos humanos.
2. O POSICIONAMENTO DA MAIORIA
Porém, não foi essa a vontade da maioria no julgamento historiado.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento, por maioria, ao recurso do Ministério Público Federal (MPF) que questionava o trancamento de ação penal contra seis agentes do Exército acusados de envolvimento no atentado do Riocentro, alegando tratar-se de crime contra a humanidade.
O julgamento, iniciado em 28 de agosto, foi retomado nesta quarta-feira, 25, com a apresentação do voto-vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que divergiu do relator do processo, ministro Rogerio Schietti Cruz. De acordo com o voto divergente, não é possível considerar que os fatos narrados se insiram na categoria de crime contra a humanidade, uma vez que o MPF não apontou violação de dispositivo legal que pudesse caracterizar lesa-humanidade.
"Em observância aos princípios constitucionais penais, não é possível tipificar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade, sem prévia lei que o defina, nem é possível retirar a eficácia das normas que disciplinam a prescrição, sob pena de se violar o princípio da legalidade e o da irretroatividade, tão caros ao direito penal", afirmou Reynaldo Soares da Fonseca.
Afirma-se que o crime contra a humanidade, da forma como está nas Convenções Internacionais não foi aceito pelo ordenamento interno brasileiro.
Para o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro admita uma norma internacional como jus cogens – normativo cuja modificação só pode ser realizada por norma posterior de direito internacional de mesma natureza –, essa norma terá status infraconstitucional, devendo, portanto, se harmonizar com a Constituição Federal. Assim, segundo ele, não é possível caracterizar uma conduta praticada no Brasil como crime contra a humanidade sem que exista na legislação brasileira a tipificação de tal crime.
O ministro observou ainda que o Brasil não ratificou a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade (1968), não internalizando o tratado internacional. Mesmo que fosse admitida jus cogens, a norma internacional deveria estar em harmonia com os princípios e as garantias constitucionais – o que, segundo Reynaldo, não aconteceu.
"A admissão da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade como jus cogens, com incidência sobre fatos anteriores à própria promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo sem adesão do Brasil, poderia revelar verdadeira afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República. Assim, a meu ver, apenas o Supremo Tribunal Federal poderia reconhecer referida incidência", ressaltou.
"Não é possível, a meu ver, utilizar a tipificação de crime contra a humanidade trazida no Estatuto de Roma, na presente hipótese, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade", afirmou Reynaldo Soares da Fonseca.
Para o ministro, também não seria possível utilizar, no caso do atentado do Riocentro, a tipificação de crime contra a humanidade prevista no Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, este sim internalizado pelo ordenamento brasileiro.
Em caso semelhante, lembrou o ministro, o Supremo Tribunal Federal, diante da ausência de uma legislação interna que tipificasse os crimes contra a humanidade, concluiu não ser possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas em âmbito interno, "sob pena de se violar o princípio da legalidade, segundo o qual 'não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (artigo 5º, XXXIX, da CF)".
Em síntese: o ministro Reynaldo Soares da Fonseca firmou o entendimento de que para se respeitar o princípio da legalidade no direito penal, há de se aplicar o que se chama de “reserva de parlamento”.
3. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO PENAL
O princípio da legalidade eleva a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado.
A lei é uma garantia, o que não exclui, como bem se avisa, a necessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveis máculas que a desencaminhem de sua verdadeira trilha.
Necessário expor, ainda que em poucas palavras, o princípio da legalidade no direito penal, no direito administrativo e no direito tributário.
Diante do princípio da legalidade do crime e da pena, pelo qual não se pode impor sanção penal a fato não previsto em lei, é inadmissível o emprego da analogia (forma de autointegração da lei) para criar ilícitos penais ou estabelecer sanções criminais.
A única fonte direta do direito penal é a lei, diante do princípio da reserva legal.
O princípio da legalidade está inscrito no artigo 1º do Código Penal, reserva legal, no sentido de que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Assim também é na Constituição Federal, no artigo 5º, XXXIX, quando se dispôs que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Na linha já traçada na Declaração de Direitos Humanos e do Cidadão, de 1789, e que foi insculpido na Constituição de 1824, e dela não saiu mais, só a lei pode ser fonte geradora do ilícito penal. Excluem-se, destarte, quaisquer outros casos de idêntica hierarquia ou, a fortiori, de hierarquia inferior.
Além da anterioridade da lei, como princípio trazido no artigo 5º, XXXIX, referenciado, da Constituição, da reserva legal, há que se mencionar, ainda, a tipicidade. Com efeito, não basta que a lei acene com descrições abstratas ou esfumadas do fato delituoso. É preciso que o comportamento seja descrito em todas as suas minúcias, dando lugar a uma suficiente especificação do tipo do crime. Daí porque, repita-se, não se aceita analogia em sede de direito penal.
As penas e as medidas de segurança devem ser previstas em lei.
Pelo princípio da legalidade, alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Mesmo que o fato agrida a moral, danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigor uma lei que, posteriormente, o preveja como crime.
O princípio da legalidade é a base de sustentação do direito penal.
Expressou Paulo Queiroz (Tratado como norma penal incriminadora?).
Portanto, mesmo a posição de vanguarda do STF, expressa no voto-vista do Min. Gilmar Mendes acima referido, ainda é, a nosso ver, insuficiente. No nosso entender, os tratados internacionais comuns ratificados pelo Estado brasileiro é que se situam num nível hierárquico intermediário, estando abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior (posto que não se encontrem em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais). Quanto aos tratados de direitos humanos, como se observará no momento oportuno, entendemos que os mesmos ostentam status de norma constitucional, independentemente do seu eventual quorum qualificado de aprovação. A um resultado similar pode-se chegar aplicando o princípio – hoje cada vez mais difundido na jurisprudência interna de outros países, e consagrado em plenitude pelas instâncias internacionais – da supremacia do Direito Internacional e da prevalência de suas normas em relação à normatividade interna, seja anterior ou posterior.
Mas, o Supremo Tribunal Federal, em matéria penal, já manifestou posição expressa sobre o tema:
No julgamento do HC n° 121.835/PE, relator Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal, ratificando sua jurisprudência, assentou que tratado internacional não pode estabelecer norma penal incriminadora, sob pena de violação ao princípio da reserva legal (CF, art. 5°, XXXIX), de modo que internamente só por meio de lei ordinária ou outro ato normativo de nível superior seria possível instituir-se normas penais. Discutiu-se ali se seria possível considerar configurado o crime de lavagem de dinheiro, que, como delito derivado, pressupõe a existência de um crime principal, no caso, organização criminosa, valendo-se, para tanto, da definição dada pela Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004). Essa discussão específica foi superada com o advento da Lei n° 12.850/2013, cujo art. 1° definiu o crime de organização criminosa.
De acordo com o relator, não se pode dizer que “a ausência de lei formal definidora do delito de organização criminosa seria suprível pela invocação da Convenção de Palermo, o que bastaria para configurar, no plano da tipicidade penal – segundo sustentado pelo Ministério Público Federal –, a existência do delito de organização criminosa como infração penal antecedente, considerado o texto normativo da Lei nº 9.613/98 em sua primitiva redação”.( STF, RHC 121.835/PE, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 13.10.2015). Disse, ainda, que “em matéria penal, prevalece o postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal, pois – não é demasiado enfatizar – a Constituição da República somente admite a lei interna como única fonte formal e direta de regras de direito penal”.
Paulo Queiroz (obra citada), em importante síntese, nos coloca a solução:
“Uma vez reconhecido, na pior das hipóteses, que o tratado tem status de lei, resta superada a alegação de ofensa ao princípio nullum crimen, nulla poena sine lege.
A norma penal incriminadora pode, portanto, resultar diretamente de tratado internacional. A lei só será necessária se, e quando houver, necessidade de precisar-lhe os termos da criminalização e da penalização.
É comum, aliás, que os tratados estabeleçam cláusulas genéricas e demandem regulamentação pelos países que os subscrevem, motivo pelo qual dificilmente serão autoaplicáveis, ao menos em relação à criminalização de condutas.
Assim, por exemplo, a convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio de 1948 (art. V) dispõe expressamente que “as Partes Contratantes assumem o compromisso de tomar, de acordo com as respectivas Constituições, as medidas legislativas necessárias a assegurar a aplicação das disposições da presente Convenção e, sobretudo, a estabelecer sanções penais eficazes aplicáveis às pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos outros atos enumerados no art. III”. A regulamentação da convenção foi realizada pela Lei n° 2.889/56."
4. A APLICAÇÃO DA LEI DE ANISTIA: ADPF 153
Também entendeu-se que o delito praticado no caso do Riocentro foi apanhado pela anistia.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que o Brasil, voluntariamente, submeteu-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo ratificado em 1998 a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória prevista no artigo 62 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Porém, observou que, no tocante aos tratados internacionais, as decisões envolvendo a Corte Interamericana de Direitos Humanos não prescindem da devida harmonização com o ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de comprometer a soberania nacional.
"Com efeito, a soberania é fundamento da República Federativa do Brasil e justifica a supremacia da Constituição Federal na ordem interna. Dessa forma, o cumprimento das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos não pode afrontar a Constituição, motivo pelo qual se faz mister sua harmonização, sob pena de se subverter nosso próprio ordenamento, negando validade às decisões do Supremo Tribunal Federal, em observância a decisões internacionais", destacou.
Na matéria necessário citar o pensamento do ministro aposentado Eros Grau.
Disse ele em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo:
“Tenho agora em minhas mãos o voto que proferi na inesquecível sessão do STF, em abril de 2010, de onde recolho trechos que me permito a esta altura relembrar.
O artigo 1.º da Lei 6.683/79 concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, seu parágrafo 1.º definindo como conexos “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.
No Estado Democrático de Direito o Poder Judiciário não está autorizado a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a qualquer texto normativo. Cabe bem lembrarmos, neste passo, trecho do voto do ministro Orozimbo Nonato no Recurso Extraordinário Criminal 10.177, julgado em 11 de maio de 1948: “Ao Poder Judiciário cabe apenas o encargo de interpretar a lei que traduz a anistia, sua extensão e alcance quanto aos fatos e às pessoas. No que tange ao mais, nada lhe cumpre fazer”.
A anistia da Lei de 1979 foi reafirmada no texto da Emenda Constitucional (EC) 26/85 e pelo poder constituinte da Constituição de 1988. Todos, estão todos como que (re)anistiados pela emenda, que abrange inclusive os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Por isso não tem sentido questionar se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988. Pois a nova Constituição a (re)instaurou em seu ato originário. A norma prevalece, mas o texto - o mesmo texto - foi sobreposto por outro. O texto da lei ordinária de 1979 resultou substituído pelo texto da emenda constitucional, que a constitucionalizou.
A EC 26/85 consubstancia a ruptura da ordem constitucional que decaiu no advento da Constituição de 5 de outubro de 1988. Daí que a reafirmação da anistia da lei de 1979 já não pertence à ordem decaída. Está integrada na nova ordem.
De todo modo, se não tivermos o preceito da lei de 1979 como ab-rogado pela nova ordem constitucional, estará a coexistir com o § 1.º do artigo 4.º da EC 26/85, existirá a par dele (dicção do § 2.º do artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil).
Afirmada a integração da anistia de 1979 na nova ordem constitucional, sua adequação à Constituição de 1988 resulta inquestionável. A nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade - totalidade que do novo sistema normativo - tem-se que “(é) concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos” praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Ao fim destas linhas, lembrando o que afirmei ao final do voto que proferi no julgamento da ADPF 153, é necessário dizermos, vigorosa e reiteradamente, que a decisão pela sua improcedência não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou de delinquentes. Há episódios na nossa vida que não podem ser esquecidos, mas os juízes - repito - não fazem justiça, são servos da lei.”
Diante de tudo isso, firma-se no Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 153, que não aplica para o caso a citada Convenção Internacional, sendo que os crimes praticados naquele período, estão alcançados pela anistia, esquecimento.
Na hipótese de eventuais ações promovidas envolvendo aquele período da história brasileira, onde o Brasil esteve sob o império de um regime militar, poderão ser suspensas e extintas mediante reclamações constitucionais, writ constitucional, objetivando firmar a obediência das decisões acima citadas.