Caso NEUMEIER vs. KUEHNER (1972)
Coloca-se questão da responsabilidade do transportador pelos danos causados ao passageiro transportado gratuitamente, na hipótese de acidente de viação. O transportado era nacional de Ontário, foi convidado por um amigo nova-iorquino a dar um passeio no seu automóvel através desse país, veio a falecer em consequência dos ferimentos aquando da colisão do carro com um comboio; o carro, de matrícula nova-iorquina, era conduzido pelo proprietário na ocasião do acidente. O Ordenamento jurídico de New York concedia o direito à indemnização ao transportado gratuitamente em caso de acidente, enquanto que o ordenamento jurídico de Ontário não concedia tal direito ao transportado gratuitamente. Na acção de indemnização, o tribunal de New York considerou aplicável o direito de Ontário e, consequentemente, absolveu o réu.
VON MEHREN observa que para chegar a esta conclusão o tribunal qualificou o conflito de leis como falso, considerando que a «guest-passenger law» do Ontário, dada a sua «ratio», teria sido julgada aplicável, no caso em exame, pelos tribunais desse Estado. A conclusão é contestada pelo autor: ele pensa que um tribunal do Ontário teria justamente aplicado, no caso vertente, o direito em vigor em New York. É perante um autêntico conflito de leis que nos encontramos ― um dos sistemas é favorável e o outro contrário à indemnização pedida ― conflito negativo: cada uma das jurisdições interessadas aplicaria a regra da outra.
Neste tipo de casos, VON MEHREN entende que é possível uma solução de compromisso, uma solução que conceda um certo reconhecimento às «políticas» em que se inspiram as duas leis concorrentes e que, por essa razão, seria aceitável para ambas; o que nos poria no caminho da harmonia de decisões. Neste caso, a solução de compromisso poderia consistir em reconhecer-se ao sucessor «mortis causa» do passageiro canadiano o direito a metade da indemnização correspondente aos prejuízos sofridos, pois a dita solução conciliaria ambas as perspectivas.
A ideia fundamental do autor: «dever-se-iam reconhecer os pontos de vista de todas as ordens jurídicas que tenham uma pretensão fundada a controlar uma certa situação multinacional, de harmonia com a medida do interesse de cada uma delas em tal situação».
A colocação do problema nestes termos implica uma concepção do DIP que nós não podemos aceitar. Há casos em que se faz mister olhar ao conteúdo de duas leis, operando numa delas, ou eventualmente em ambas, as adaptações ou ajustamentos tornados necessários pelo facto de a situação em causa se encontrar sujeita aos dois sistemas em virtude das regras de conflitos da «lex fori». O problema que aí se levanta é justamente o da adaptação.
É necessário, para que se torne legítimo recorrer ao expediente ou técnica da adaptação, que ambas as leis em presença sejam chamadas pelas normas de DIP do forum a resolver a questão de direito suscitada. Quanto a nós, o problema de saber se esta condição se encontra preenchida não pode solucionar-se tentando determinar quais as leis que, pelos resultados que visam, têm um interesse legítimo na situação multinacional considerada e podem, por isso, reivindicar o respectivo controle: o problema não pode resolver-se senão tomando em consideração:
- as finalidades gerais do DIP.; e
- os objectivos específicos visados nos seus diferentes sectores.
Não cremos que no caso Neumeier a situação «sub judice» apresentasse com o direito do Estado de New York um vínculo suficiente para justificar a aplicação deste sistema jurídico. Logo, o tribunal de New York decidiu correctamente o problema, ao declarar aplicável (unicamente) a lei do Ontário.
Não nos parece que a solução preconizada por VON MEHREN constitua um compromisso aceitável para ambas as ordens jurídicas interessadas. Não é para nós claro que se possa dizer que a lei do Ontário se julgava «desinteressada» nesse caso e não queria ser-lhe aplicada. Se admitirmos que a «guest-passenger law» aponta para dois alvos, sendo um deles desencorajar e frenar a ganância dos passageiros ingratos, não podemos deixar de entender que, então, a norma alcança logo à cabeça os residentes do Ontário «transportados em veículos que circulem no interior do país». São eles, naturalmente, os primeiros destinatários da norma, na medida em que esta se apoie no fundamento indicado.
Esta teoria cria uma situação de insegurança, pois é o próprio juiz que constrói a solução material.
2.5.2.2) Normas de DIP material de fonte internacional:
As normas de DIP material de fonte internacional podem surgir por ocasião de:
a)convenções de unificação; e
b)leis uniformes.
2.5.2.2.1) Convenções de unificação:
Estabelecem regras materiais específicas para as relações internacionais, continuando as relações internas a ser regidas por normas internas, ou seja, estabelecem regras exclusivamente destinadas a certa classe de relações internacionais, deixando subsistir em cada Estado contraente o direito interno nacional, mas restringindo a aplicação desse direito às relações não internacionais. A maior parte dessas convenções limitam a aplicação do respectivo direito uniforme ou às relações que se desenvolvam entre dois Estados contraentes, ou àquelas que tenham certa conexão com o território de um desses Estados (v.g.: Convenção de Varsóvia sobre transporte aéreo internacional).
Outras convenções há, porém, que prescindem desse elemento de localização, devendo as regras uniformes por ela criadas aplicar-se a quaisquer relações internacionais da categoria em vista.
2.5.2.2.2) Leis uniformes:
Ao lado das convenções de unificação, encontramos as convenções que estabelecem leis uniformes cujo destino é serem incorporadas na ordem jurídica interna dos Estados contraentes para aí passarem a constituir direito comum da matéria jurídica a que respeitam, ou seja, as leis uniformes estabelecem regimes jurídico materiais aplicáveis tanto às situações internacionais como às internas.
2.5.3) Argumentos a favor desta teoria:
1.O processo clássico teria o inconveniente de gerar soluções não adequadas à especificidade dos casos autenticamente internacionais. As leis internas são elaboradas tendo em vista as situações da vida jurídica nacional e a elas apenas seriam dirigidas. As relações verdadeiramente internacionais dizem respeito a interesses e levantam problemas que lhes são peculiares. Resolver estes problemas através da aplicação de normas de direito interno é ignorar o risco inevitável de se chegar a soluções inapropriadas.
2.Por outro lado, as dúvidas e as incertezas que são inerentes ao método conflitual dificultam, ao mais alto nível, o desenvolvimento do comércio internacional. O método conflitual não é de molde a propiciar a realização da confiança, facilidade e segurança que é necessária no DIP.
3.Criar por via legislativa as regras de conflitos mais ajustadas à natureza das várias matérias do direito privado é uma tarefa deveras complexa. E, se isso é grave, não menos grave é o problema da sua interpretação e aplicação (controvérsias como a qualificação, o reenvio, a ordem pública, a adaptação).
4.Há um desajustamento profundo entre o DIP como direito de conflitos e os objectivos para que aponta. Em muitos casos, as partes têm uma grande dificuldade para determinar a lei a que a sua relação jurídica ficará sujeita ou não terão, sequer, a possibilidade de indicar, de modo seguro, essa lei, daqui resultando o conhecido fenómeno do «forum shopping».
5.Este estado das coisas afecta profundamente a previsibilidade das decisões judiciais e a segurança jurídica, o que, por sua vez, impede a realização dos fins a que o DIP se propõe.
2.5.4) Críticas a estes argumentos:
Contudo, estas razões não constituem base suficiente para justificar uma adesão à via ou perspectiva «substancialista». É errado supor que a opção por normas de DIP material eliminaria o problema da conexão e da escolha da lei. Se assim fosse, violaríamos um princípio fundamental de DIP.: o princípio da não transactividade, segundo o qual, não é lícito aplicar a uma situação da vida uma lei que lhe seja completamente estranha, uma lei que não tenha com ela qualquer contacto efectivo. A fundamentação deste princípio (limitação espacial do campo de aplicação da lei) consiste no facto de a regra de direito pretender influenciar o comportamento dos indivíduos, fornecendo-lhes motivos que os levem a agir de certa maneira ou a abster-se de determinadas condutas. Esta conexão é um pressuposto de aplicabilidade da lei, pressuposto esse ao qual não é possível renunciar senão em casos verdadeiramente excepcionais. Assim será principalmente quando se trata de evitar uma denegação de justiça. Segundo o direito português (cfr. os artigos 23º e 348º do Cód. Civ.), quando se torna impossível determinar o conteúdo do direito estrangeiro aplicável, recorre-se à lei que for subsidiariamente competente; não é senão no caso de não se conseguir estabelecer o conteúdo desta última lei que o juiz deverá recorrer ao próprio direito material português, mesmo que nenhuma conexão exista entre este direito e a situação em causa.
Outro caso excepcional no direito português é o do artigo 68º, n.º 2 do Cód. Civ.: trata-se de uma norma relativa à comoriência e às presunções de sobrevivência, regra esta que o artigo 26º, n.º 2 declara aplicável a qualquer caso, desde que as presunções de sobrevivência das leis nacionais das pessoas falecidas se mostrem incompatíveis.
Daqui se conclui que o direito material especial das relações internacionais nunca poderá substituir-se ao direito de conflitos. A sua aplicabilidade a dado caso concreto sempre haverá de pressupor a existência de uma qualquer ligação entre esse caso e a legislação do país em que se contém o referido «ius» especial. Esta ligação poderá ou não coincidir com a que seria exigida pela regra de conflitos geral do respectivo sistema jurídico, mas não é isso que importa: o que importa é que se trate de uma conexão real e efectiva.
Porventura a conclusão se altera pelo facto de a regulamentação especial provir de fonte internacional?
Pense-se, por exemplo, na Convenção de Genebra sobre Letras e Livranças de 07 de Julho de 1930.
Aqui, a aplicação das disposições da convenção pressupõe a existência de uma certa conexão entre o caso a regular e o Estado onde a questão se põe. A regra da convenção que formula essa exigência é uma regra de conflitos especial que tem primazia sobre qualquer outra da «lex fori». Deste modo, não nos encontramos aqui perante a hipótese de um direito material situado acima do direito de conflitos.
Mas é justamente esta a hipótese que se verifica no caso daquelas convenções que instituem um regime uniforme para determinada categoria de relações internacionais e cujo alcance, dentro dessa fronteira, é universal.
Assim, devendo os tribunais de um Estado contratante julgar um litígio resultante de uma relação compreendida no âmbito das referidas convenções da Haia, o direito aplicável será necessariamente o contido na respectiva lei uniforme.
Não nos parece que esta orientação seja a melhor. Nenhuma lei, por mais perfeita que seja, pode ter a pretensão de reger situações que com ela não tenham uma conexão efectiva: princípio da não transactividade.
Sem dúvida que a criação, por tratado, de normas materiais presta reais serviços, visto contribuir para a unificação progressiva do direito privado, reduzindo o espaço em que os conflitos de leis podem surgir (reduzindo, mas, note-se, não eliminando). Assim, a criação, por via de convenções de unificação, de um direito próprio das relações privadas internacionais é desejável, embora, na medida em que reduz o espaço em que os conflitos de leis podem surgir, não constitui alternativa válida, no plano metodológico, para o processo conflitual.
A tendência para a resolução do problema do DIP através da elaboração de soluções de nível ou índole material deriva basicamente do pressuposto da inadequação dos resultados a que a via ou o processo conflitual nos conduziria com frequência. Mas a tensão entre esses dois pólos ― a harmonia jurídica internacional e a justiça dos resultados ― devia resolver-se pela prevalência do último.
A nossa opção é precisamente oposta. A adesão à tese por nós contestada levaria ao sacrifício de um princípio ou pressuposto essencial de todo o ordenamento jurídico: princípio da não transactividade.
Para além disso, a opção que rejeitamos, tomada em si mesma, realmente não se justifica. E, dentre os fins gerais que o DIP prossegue, é justamente à harmonia jurídica internacional que cabe a primazia.
Consideremos agora que a inadequação das soluções decorrentes do método da «localização» das situações plurilocalizadas resultará, quase sempre, das circunstâncias do caso concreto assim como do conteúdo dos preceitos materiais que nas leis em concurso se aplicam às relações homólogas de direito interno. Aos inconvenientes resultantes da criação, por via legislativa, de normas materiais de DIP., viriam a somar-se os que são específicos do método de elaboração casuística de soluções desse mesmo tipo.
No entanto, essa orientação tem impressionado muitos autores e acaba de ser relançada por VON MEHREN: o autor tece considerações de grande interesse a propósito de certas categorias de casos. São casos em que uma situação determinada se encontra em contacto com duas leis que, ao regulamentar a matéria em questão, reflectem ópticas diferentes e visam objectivos diferentes.
VON MEHREN entende que é possível uma solução de compromisso, uma solução que conceda um certo reconhecimento às «políticas» em que se inspiram as duas leis concorrentes e que, por essa razão, seria aceitável para ambas (o que nos poria no caminho da harmonia das decisões). A ideia fundamental do autor é que deveriam reconhecer-se os pontos de vista de todas as ordens jurídicas que tenham uma pretensão fundada a controlar uma certa situação multinacional, de harmonia com a medida do interesse de cada uma delas em tal situação.
Porém, colocar o problema nestes termos implica uma concepção de DIP que nós não podemos aceitar. É claro que há casos em que importa olhar para o conteúdo de duas leis, operando, numa delas ou em ambas, as adaptações ou ajustamentos tornados necessários pelo próprio facto de a situação em causa se encontrar sujeita aos dois ordenamentos jurídicos em virtude da regra de conflitos da «lex fori». O problema que se põe é, justamente, o da adaptação.
É necessário, para que se torne legítimo recorrer à adaptação, que ambas as leis em presença sejam chamadas pelas normas de DIP do foro a resolver a questão «sub judice». Ora, este problema não se pode solucionar tentando determinar quais as leis que, pelos resultados que visam, têm um interesse legítimo na situação plurilocalizada considerada e podem, por isso, reivindicar o respectivo controle.
2.5.5) Principais conclusões:
- As objecções dirigidas contra a concepção clássica de DIP (ao método conflitual) são, na sua maioria, inconvincentes.
O DIP clássico (na sua ortodoxia, na sua justiça puramente formal, na rigidez das suas normas) era presa fácil da crítica, mas o amplo movimento contestatório de que se falou não leva na devida consideração o facto de que o DIP dos nossos dias perdeu muito dessa feição antiga, pois tem vindo a adaptar-se gradualmente às novas exigências, a abrir-se a mais rasgadas perspectivas.
- As outras soluções imaginadas para o problema do conflito de leis não são alternativas válidas ao método conflitual.
Desde logo, a orientação segundo a qual haveria que deduzir a solução do nosso problema de uma definição do domínio de aplicação das normas materiais em causa, graças ao método da «governamental interest analysis» ou equivalente. É que esta doutrina opõe-se frontalmente à teleologia própria do DIP Por outro lado, as dificuldades, ambiguidades e incertezas inerentes aquele método não podem facilmente clarificar-se.
Tão pouco é recomendável a tese que preconiza a substituição do sistema clássico da localização das situações plurilocalizadas pela da escolha da regra material susceptível de conduzir ao resultado mais adequado. Esse método não deixaria de causar grave dano à certeza jurídica das partes.
Outro tanto se diga da tendência para a elaboração sistemática de normas materiais de DIP Esse DIP material não poderá prescindir de uma ideia de conexão espacial, ou seja, não se pode substituir ao direito de conflitos.
Quanto às regras materiais de fonte jurisprudencial, se a razoabilidade de algumas soluções a que se chegou por esta via não sofre contestação, não é menos certo que a idêntico resultado se teria podido chegar por outro caminho.
Resta o caso do DIP material criado por tratados. Ao falar das convenções que estabelecem leis uniformes e das convenções de unificação, notamos que tão pouco aí se deveria prescindir da referida ideia de localização ou de conexão espacial das situações contempladas, mas nem sempre as coisas se passam assim.
- Não obstante as críticas que lhe têm sido dirigidas, é ao método conflitual que convém recorrer para solucionar os problemas derivados das situações plurilocalizadas. Contudo, há que reconhecer que o método conflitual não implica, necessariamente, a existência de normas de conflitos de leis. A regra de conflitos estabelecida na lei não é senão um dos caminhos que nos podem levar ao resultado desejado (à designação do ordenamento jurídico que tenha com o caso a conexão mais significativa). A outra solução que se nos oferece consiste em confiar ao juiz a tarefa de definir, ele próprio, tendo em conta certos factores dentre os quais se contam a natureza e circunstâncias do caso «sub judice» e as expectativas dos interessados) a lei mais estreitamente conectada com a situação a regular.
O que agora se considera é um casuísmo de carácter ou nível conflitual e não material.
- A nossa preferência vai para a solução tradicional das regras de conflitos legislativas.
Porém, contra a codificação do DIP têm sido levantadas certas objecções:
a)aponta-se o facto de que, em matéria de conflito de leis, a ciência jurídica não logrou ainda atingir uma fase de plena maturidade;
b)produziu-se também o argumento de que a publicação de uma lei entrava sempre a evolução, coisa que seria particularmente nociva em matéria de conflitos de leis;
c)segundo NEUHAUS, a objecção de maior monta contra a codificação do DIP é a de que ela poderá entravar a uniformização das regras de conflitos a nível internacional.
- Preconizaremos a codificação do DIP e ninguém dirá que o imperativo de certeza do direito se faz sentir com menor intensidade no campo das relações multinacionais do que no das relações puramente internas. Todos os países têm a necessidade de normas que dêem aos tribunais a possibilidade de decidir com justiça qualquer caso que lhes seja submetido.
Uma vez assente a ideia da necessidade de directivas consagradas na própria lei quanto à maneira de resolver os conflitos entre sistemas jurídicos, põe-se a questão de saber que forma deverão revestir essas regras. Vejamos os principais modelos que se nos oferecem:
a)«Restatement Second» e as regras do Segundo «Restatement» são, na sua maioria, «open-ended rules»: concluiu-se que, no estado actual dos nossos conhecimentos, o máximo que se poderia fazer (e mesmo isso só em determinadas hipóteses) seria indicar um certo número de elementos de conexão, competindo ao tribunal determinar, em cada caso, conforme os princípios gerais (enunciados na 6ª Secção), o mais significativo dentre eles ― «the most significant relationship». V.g.: o art. 145º sobre a responsabilidade «ex delicto».
A ideia fundamental do «Restatement», sem embargo do considerável interesse que apresenta para o progresso do DIP., presta-se largamente à crítica. A principal objecção que contra ele é tecida é a que vem do seu próprio redactor, o Professor W. REESE, quando reconhece que, num futuro imediato, os tribunais não poderão fazer outra coisa que não seja decidir cada caso à luz dos princípios gerais que estão na base do DIP e que a referida Secção 6ª formula. As suas decisões terão de ser, fundamentalmente, meras decisões «ad hoc».
b)Por nós, continuamos a propender para o modelo da regra de conflitos.
Todavia, estas regras de conflitos não devem ser olhadas como algo de preciso, definido e concluso, mas apenas como balizas ou marcos indicativos: a sua função não é tanto impor dogmaticamente um percurso sem desvios, como, antes, definir apenas uma linha de rumo; o rumo a observar em tanto quanto corresponder às razões que ditaram a opção. Não vamos pôr aqui em questão a validade desta ideia pelo que toca às normas jurídicas em geral. Seja como for, ela é, para nós, válida justamente no que tange ao DIP.: um sector da ciência jurídica ainda em plena evolução... ainda longe da maturidade.
É fundamental aceitar a ideia de que as regras de conflitos são regras instrumentais relativamente aos valores axiais do DIP e aos objectivos específicos visados nos seus diversos sectores. Num estudo recente, MOURA RAMOS sublinha, com razão, a vantagem de concebermos as regras de conflitos «como um meio ao serviço dos fins do DIP., da justiça conflitual, numa concepção em que a regra de conflitos tem um papel instrumental, com uma actuação que está, portanto, subordinada aos fins do DIP.».
c)Não deixará de se opor à doutrina aqui preconizada a objecção de que ele também reduz a margem de certeza jurídica que se poderia esperar da codificação do DIP Ora, nós não contestaremos que assim seja, mas negaremos que isso ponha em causa o bem-fundado da doutrina; de resto, é indiscutível que a solução proposta afectará muito menos a certeza jurídica do que uma orientação do tipo da do «Restatement».