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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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Resumo:


  • O Direito Internacional Privado (DIP) é o ramo da ciência jurídica que estabelece princípios e regras para determinar a lei aplicável às relações jurídico-privadas internacionais, assegurando o reconhecimento e a aplicação de situações jurídicas constituídas sob a égide de um sistema de direito estrangeiro.

  • A regra de conflitos é o instrumento utilizado pelo DIP para coordenar a aplicação de diferentes sistemas jurídicos, indicando a lei competente para reger determinada relação jurídica internacional, com base em elementos de conexão como a nacionalidade, o domicílio ou a residência das partes envolvidas.

  • A qualificação é um processo fundamental no DIP que visa determinar quais normas jurídicas materiais de um ordenamento jurídico competente se subsumem ao conceito-quadro da regra de conflitos, levando em conta o conteúdo e função que essas normas assumem no sistema jurídico em questão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Exemplos de referência pressuponente:

- no direito internacional público, quando se recorre aos ordenamentos estaduais para se determinar quem é Chefe de Estado, agente diplomático, etc.;

- no DIP, encontram-se sob a forma de uma questão prévia e em alguns elementos de conexão das regras de conflitos que são designados através de conceitos técnico-jurídicos (v.g.: nacionalidade).

A referência pressuponente não juridifica as normas dos complexos normativos estranhos a que, indirectamente, vai dirigida. Ela apenas confere relevância, na medida em que confere relevância a situações, qualidades ou qualificações jurídicas por elas criadas, ao tomar estas situações ou qualidades como pressupostos ou dados de facto.

A referência pressuponente tanto pode achar-se numa norma de direito material como numa norma de direito de conflitos (mas, neste último, só acontece para efeitos de determinação de um pressuposto de aplicabilidade de certa lei).

A referência pressuponente difere da referência recognitiva ou atributiva de competência, pois esta última é uma referência contida no chamamento de certa lei por parte da norma do direito de conflitos.

3.1.2) Relevância do factor «tempo» na actuação das regras de conflitos:

3.1.2.1) Sucessão de regras de conflitos do foro:

É a posição, relativamente a determinado ordenamento jurídico, do facto ou estado de facto ou de direito que constitui a conexão relevante, que permite considerar este ordenamento como aplicável dentro da esfera circunscrita pelo conceito-quadro da regra de conflitos ― conclusão que esgota a questão do direito conflitual.

Contudo, nem sempre é assim, dado à existência de:


Elementos de conexão

Fixos no tempo ou invariáveis

Lugar da situação do imóvel;

lugar da prática de um facto ilícito;

lugar da realização de um acto jurídico

Mutáveis ou móveis

Nacionalidade, domicílio, residência;

lugar da situação de um móvel;

vontade das partes;

sede da pessoa colectiva.

De todos os elementos de conexão referidos, só um é insusceptível de ser situado ou deslocado por vontade dos interessados: situação dos bens imóveis. Todos os outros são «disponíveis», ou seja, susceptíveis de serem «situados» ou transferidos pelas partes ― são as chamadas «conexões deslocáveis» ou «transferíveis» por acto das partes, mas só no sentido de que os factos juridicamente relevantes podem praticar-se em qualquer lugar (v.g.: pretenso facto ilícito extracontratual ocorreu num país que acaba, justamente, de reformar a sua legislação em matéria de responsabilidade aquiliana ― trata-se aqui, evidentemente, de um problema de direito transitório ou de conflito de leis (materiais) no tempo).

Há, efectivamente, conexões que se localizam, simultaneamente, no espaço e no tempo. A referência do lugar da prática de um facto ou celebração de um negócio jurídico não implica uma simples nota de localização espacial, mas coenvolve uma nota de situação temporal. «o que ocorreu em determinado lugar, ocorreu, obviamente, em determinado momento».

Apesar de, na sua maioria, os elementos de conexão não serem susceptíveis de deslocamento ou transferência (intencional ou acidental) após o nascimento da relação, já porque não precisados, simultaneamente, no tempo e no espaço, já porque apresentam um carácter de instantaneidade.

A mobilidade dos elementos de conexão está na origem de certos problemas: as pessoas podem mudar de nacionalidade ou domicílio; se o fazem e a conexão relevante é precisamente o domicílio ou a nacionalidade, precisamos saber a que momento entende reportar-se a norma de conflitos que atribui relevância a tal elemento. Uma tal questão, note-se, só se põe quando a mudança tenha ocorrido depois do nascimento da situação jurídica «sub judice» ― problema de sucessão de estatutos ou do conflito móvel.

Os elementos de conexão utilizados por normas de conflitos são abstractamente constantes (os que se referem ao conteúdo das situações jurídicas pessoais e reais). Mas eles podem ser concretamente modificados por um facto posterior ao nascimento da situação jurídica em causa ― e esta modificação dos elementos de conexão conduz à competência sucessiva de diferentes leis estaduais para regular o conteúdo da mesma situação jurídica (é esta combinação dos factores «tempo» e «espaço» que provoca os conflitos a que se chama «conflito móvel»).

Sempre que a coligação da norma de conflitos se faz através de uma conexão mutável, importa concretizar o momento temporal em que essa conexão deve ocorrer a fim de que o respectivo preceito adquira suficiente precisão.

É principalmente o pensamento jurídico de ZITELLMANN que vamos encontrar na doutrina ainda hoje dominante.

ZITELMANN resolve a questão de saber qual o problema que, perante uma situação concreta, deve ser solucionado em primeiro lugar ― se o de DIP., se o de direito transitório ― pela precedência do primeiro. Resolvida a questão da aplicabilidade, no espaço, das regras de conflitos, importa, então, resolver o da aplicabilidade no tempo das mesmas regras quando estas tenham sofrido alterações. A aplicação retroactiva da norma de DIP implicaria a violação dos direitos adquiridos, tal como implicaria uma aplicação retroactiva do direito material.

Outra opinião, contudo, sustentou KAHN. Entende este autor que ZITELMANN ignorou que há uma diferença fundamental entre a questão transitória e a questão de DIP transitório.

Essa diferença reside em que, na primeira, apenas se considera o factor tempo, ao passo que, na segunda, se tem que considerar também o factor espaço. Não faria sentido aplicar as antigas regras de conflitos se estas, hoje revogadas, nunca tiveram qualquer conexão com a relação jurídica a julgar.

«Com a alteração da regra de conflitos, não temos uma alteração no círculo de leis «eficazes, mas apenas uma alteração do critério de escolha de uma dessas leis». A regra de conflitos do DIP apenas se limita a intervir dentro do âmbito demarcado pelo princípio fundamental do DIP., segundo o qual a quaisquer factos só podem ser aplicadas as leis que com ele estejam em contacto (princípio da não transactividade). Aquela regra opera como norma ou critério de resolução de conflitos de normas e a sua esfera de aplicabilidade no espaço e no tempo é limitada.

Assim, os contactos entre as leis materiais e as situações a regular são sempre respeitados, tanto pela regra de conflitos antiga, como pela nova.

Contudo, a regra de conflitos pode também operar como «regula agendi» dentro da esfera de eficácia do ordenamento jurídico a que pertence principalmente quando se trate de garantir a validade da constituição de uma situação jurídica.

Sendo este o caso, «é de aplicar a nova regra de conflitos mesmo à relações anteriormente constituídas num país estrangeiro e que nunca tiveram qualquer espécie de conexão apreciável com o direito do Estado local» («lex fori»). Se, pelo contrário, está em causa uma situação jurídica anteriormente constituída, tendo esta constituição tido lugar no Estado do foro ou tendo ocorrido num momento em que existia entre este Estado e aquela situação uma conexão relevante, não pode deixar de se aplicar a regra de conflitos antiga sob pena de retroactividade.

3.1.2.2) Sucessão de leis no ordenamento jurídico aplicável:

Falaremos agora do conflito transitório do direito estrangeiro aplicável. Para a resolução de tal questão, seria abstractamente possível admitir a opção pelo direito intertemporal do foro. Mas esta solução não estaria em consonância com o sentido da atribuição de competência a um direito estrangeiro para a regulamentação de uma situação plurilocalizada. Perante uma hipótese de sucessão de normas (materiais) aplicáveis, deve caber à «lex causae» a tarefa de indicar os princípios com base nos quais se optará por um ou por outro dos regimes sucessivamente vigentes. Só assim se conseguirá a aplicação do direito estrangeiro nas mesmas condições em que ele seria aplicado pelo julgador da «lex causae», o que contribuirá para a harmonia jurídica internacional.

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A esta doutrina há, contudo, que fazer duas ressalvas:

1.a primeira ressalva diz respeito aos casos em que o direito transitório da «lex causae» acolhe uma solução contraditória com o sentido da atribuição de competência ao direito estrangeiro, apurado através de judiciosa interpretação da regra de conflitos pertinente e do contexto do sistema geral de conflitos do foro;

2.em segundo lugar, não se aplicará o direito intertemporal estrangeiro quando conduza a resultados incompatíveis com a ordem pública internacional do Estado do foro.

Considerações análogas devem tecer-se a propósito do conflito transitório de regras de conflitos estrangeiras que devem ser tidas em consideração por força do DIP do foro.

3.1.2.3) O conflito móvel:

É o problema suscitado pela mudança na concretização do factor de conexão e consiste em determinar qual a influência que poderão exercer em situações jurídicas já existentes as mutações verificadas nas circunstâncias de facto ou de direito em que se funda a determinação da lei aplicável. Ou seja: perante concretizações sucessivas do factor de conexão, a qual delas deveremos atender para regular uma situação jurídica constituída em momento anterior à última dessas concretizações.

Segundo a doutrina que se nos afigura a mais correcta, quando o legislador não o soluciona directamente (cfr. o artigo 29º do Cód. Civ.), este problema deve resolver-se em face de cada norma de conflitos singular, tendo em conta as razões que estão na base da escolha do elemento de conexão que ela indica. Não é possível obter uma solução satisfatória através do recurso a uma fórmula geral.

O conflito móvel é, conceitualmente, um conflito de leis no espaço e não um conflito de leis no tempo. Não se trata de um fenómeno de sucessões de leis no interior de certo ordenamento jurídico estadual, mas da «movimentação» de uma relação jurídica através de espaços em que imperam diferentes soberanias e diferentes sistemas de DIP A opção a tomar é entre duas leis, ambas vigentes em Estados diferentes.

Enquanto o problema do DIP é um problema de dinâmica das relações jurídicas, o problema do direito transitório ou intertemporal é um problema de dinâmica de leis.

Eis porque nos aparece justificada a ideia segundo a qual à escolha de uma das concretizações do factor de conexão só se pode chegar por via de interpretação da norma de DIP em causa. A lei aplicável tem de ser determinada tanto no espaço como no tempo. Se o legislador não curou disso, será ao intérprete que caberá executar a tarefa «norma por norma».

O conflito móvel supõe uma conexão móvel. Segundo a classificação de H. LEWAL, as conexões relevantes são:

- constantes (v.g.: imóveis);

- variáveis (v.g.: nacionalidade; domicílio ou residência; localização de uma coisa móvel...).

3.1.2.3.1) Solução do conflito móvel no âmbito do estatuto pessoal:

Excepção feita às relações entre os cônjuges respeitantes a convenções antenupciais e regime de bens, deve entender-se que a actual lei pessoal é aplicável à constituição de relações novas e, bem assim, à determinação dos efeitos correspondentes a uma situação já existente na conformidade da lei antiga, mas ainda não produzidos ao tempo da mudança do estatuto. No entanto, a validade de um acto celebrado no domínio do antigo estatuto julgar-se-á por aplicação dos respectivos preceitos jurídico-materiais e não de outros.

Solução diferente estaria em contradição com o fim primordial do DIP (promover e assegurar o respeito e a continuidade das situações criadas ao abrigo de uma lei com a aplicação da qual os interessados podiam contar).

3.1.2.3.2) Solução do conflito móvel no âmbito do estatuto real:

Há que sublinhar que são principalmente os interesses gerais do comércio jurídico que levam a preferir o «sitos rei» como conexão preponderante em matéria de direitos sobre coisas móveis corpóreas (cfr. o artigo 40º do Cód. Civ.).

Há que preferir a lei da situação actual da coisa. Mas, sem, por isso, negligenciar os direitos que sobre ela se constituíram durante a sua permanência em outro lugar e ao abrigo da legislação desse Estado.

Uma situação diferente lesaria de forma intolerável o que é um princípio universal do direito (o respeito das situações jurídicas validamente constituídas ao abrigo da lei que então as regia).

3.1.3) Função das regras de conflitos:

3.1.3.1) As regras de conflitos bilaterais e unilaterais — regras de conflitos imperfeitamente bilaterais:

A norma paradigmática do modelo tradicional da regra de conflitos é a norma bilateral: esta indica-nos a lei competente para dirimir qualquer questão jurídica concreta que seja subsumível à respectiva categoria conflitual, pouco importando que essa lei seja a do país onde o problema se levanta («lex fori») ou uma lei estrangeira. Por outras palavras, às regras de conflitos bilaterais cabe determinar tanto a aplicação do ordenamento material do foro, como a de direitos estrangeiros, e em que termos.

As normas de DIP designam, em termos gerais, a legislação aplicável às relações e factos do comércio jurídico internacional em ordem a habilitar os tribunais a resolver todo e qualquer caso sujeito à sua apreciação, quer seja através de princípios de direito local, quer através de algum outro sistema legislativo. Assim, o artigo 7º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC.) dispõe: «a lei do país onde for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e fim da personalidade, nome, capacidade e direitos de família». Seja qual for a estrutura do caso concreto (pessoa com domicílio no Brasil ou noutro país) o juiz brasileiro terá sempre um critério para o resolver ― aplica a lei do domicílio, não sendo esta uma norma que trata de balizar a esfera de competência do direito interno local.

Ao sistema bilateral opõe-se o sistema unilateral: este último propõe-se apenas a delimitar o domínio de aplicação das leis materiais do ordenamento jurídico onde vigora ou apenas determinam a aplicação de um ordenamento jurídico estrangeiro, mas não o do foro (v.g.: as questões jurídicas da categoria X serão resolvidas pelo direito local, desde que entre a situação a regular e este ordenamento jurídico haja uma conexão do tipo Y).

Caso intermédio é o das normas imperfeitamente bilaterais. Estas determinam tanto a aplicação do direito local como a de leis estrangeiras, mas que, no entanto, não se ocupam senão de certos casos caracterizados pela existência de determinados elementos que os relacionam com a vida jurídica do Estado do foro (cfr. o artigo 51º, n.º 1 do Cód. Civ.).

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 23 dez. 2024.

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