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Direito Internacional Privado.

Parte Geral

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Doutrina da Recepção Plena

Artigo 138º da CRP.: ratificação pelo Presidente da República.

Artigo 8º da CRP: publicação oficial.

Contudo, estas normas, enquanto não forem convertidas ou transformadas em direito interno, só obrigam os próprios Estados para os quais o texto da convenção se tornou lei internacional.. Daqui resulta que tais preceitos não têm propriamente por fonte a convenção ou tratado de que procedem. As convenções internacionais só como fonte mediata de DIP é que podem ser consideradas. Assim sendo, devemos considerar a lei interna como sendo a única fonte de DIP.

1.8. Fundamento geral do DIP., sua natureza e principais interesses que visa satisfazer:

1.8.1. Fundamento nacional ou internacional do DIP
1.8.1.1. Doutrinas internacionalistas:

Podemos enquadrar aqui todas aquelas doutrinas que definem o problema central do DIP. como um problema de fundamento superestadual.

Para as doutrinas internacionalistas o problema do DIP., tendo natureza e fundamento superestadual, põe-se no quadro das relações inter-estaduais que, normalmente, transcendem a autonomia de cada Estado em singular. Deste modo, o DIP integrar-se-ia, pelo menos a título primário e normalmente, na competência exclusiva do ordenamento próprio da Comunidade Internacional.

Ponto de vista comum a todas as doutrinas internacionalistas é que não são as exigências da vida interindividual, encaradas do ângulo de visualização do Estado singular, mas antes as exigências da vida interestadual que constituem o fundamento do DIP.

Mas isso não significa que, para as doutrinas internacionalistas, o DIP deva, necessariamente, de ser formado por normas de fonte internacional.

Uma parte das doutrinas internacionalistas (as universalistas) caracteriza-se pelo facto de atribuir ao DIP a função de delimitar a esfera de exercício das soberanias Estaduais relativamente à regulamentação das relações jurídico-privadas ― o DIP., assim, distribuiria as competências legislativas entre as diferentes soberanias Estaduais.

«Os conflitos de leis traduzir-se-iam em conflitos de soberanias».

Considerada a lei como a forma suprema do exercício do poder soberano do Estado, o facto de leis Estaduais diferentes concorrerem sobre os mesmos factos daria lugar a um conflito entre soberanias.

Ora, como não podemos conceber que um Estado singular dite normas delimitadoras da esfera de soberania de outros Estados situados, necessariamente, num plano de igualdade; e, como diz o antigo brocardo romano, «par in parem non habet autoritatem», tais normas seriam, necessariamente, normas de direito supraestadual.

Procuram os defensores desta doutrina estabelecer a existência de um complexo de princípios de Direito Internacional supraestadual mais ou menos vagos, mais ou menos concretamente determinados, os quais vinculariam o Estado a manter-se dentro dos limites demarcados no exercício da sua soberania.

Frisa-se, por outro lado, o significado do reconhecimento internacional de um Estado. Reconhecer um Estado significaria, em primeiro lugar, reconhecer o seu ordenamento jurídico; negar o reconhecimento a um ordenamento jurídico equivaleria a negar a existência do respectivo Estado.

1.8.1.1.1. Doutrinas Internacionalistas ― teoria da delegação:

Dada a inconsistência dos princípios do direito internacional supraestadual delimitadores do exercício da soberania legislativa dos Estados e dada a inexistência de um corpo internacional de regras de DIP., procura-se conciliar a natureza formalmente interna de todas ou quase todas as normas de conflitos com a natureza internacional do DIP.

Para tanto, recorre-se à teoria da delegação: o DIP., como direito regulador de relações internacionais de carácter privado, integrar-se-ia, por força desse seu objecto, no direito próprio da comunidade internacional, no Direito Internacional. O Direito Internacional, porém, delegaria nos diversos ordenamentos estaduais a competência para regular tal matéria.

Contudo, como não se pode falar aqui de uma delegação expressa, há quem diga que se estaria perante uma espécie de «negotiorum gestio» por parte do legislador estadual, substituindo-se este, «motu proprio», à comunidade internacional e assumindo as funções desta.

Partindo de considerações idênticas, a teoria dita do desdobramento funcional procura explicar a anomalia da existência de normas de conflitos estaduais pela sua fonte e internacionais pelo seu objecto e função, afirmando que ela se deve ao atraso evolutivo da comunidade internacional em matéria de institucionalização.

Na actual fase de transição, muitas dessas funções próprias da comunidade internacional são desempenhadas transitoriamente e a título precário pelos Estados.

O DIP., portanto, seria, formalmente, direito interno, e, materialmente, direito internacional.

1.8.1.1.2. Doutrinas internacionalistas ― associação à doutrina unilateralista

Entendendo que as normas estaduais do DIP também cumprem uma função internacional, afirma-se que existem normas internacionais supraestaduais que distribuem a competência legislativa entre os vários Estados ou que, pelo menos, impõem aos Estados certos limites que eles não poderiam ultrapassar sem violação do direito internacional. As chamadas normas internas de DIP nada mais seriam do que a forma por que o Estado cumpre as suas obrigações internacionais. A estas normas não caberia outra função senão a de delimitar a esfera de aplicação do direito nacional e, assim, as normas internas de DIP seriam sempre exclusivamente unilaterais.

A aplicação do direito nacional constituiria exercício da soberania nacional; a aplicação de um direito estrangeiro constituiria exercício de uma soberania estrangeira ― já que, nos limites assinalados pelo direito internacional supraestadual, qualquer Estado seria detentor de uma competência absoluta, universalmente válida, extraterritorial. Por isso, o direito estrangeiro seria aplicado «proprio vigore».

1.8.1.2. Posição adoptada

As normas de DIP são normas estaduais. Apenas poderemos considerar como normas de Direito Internacional aquelas que vigoram em vários Estados (regras de conflitos que têm por fonte um tratado internacional).

No que concerne à escolha do elemento de conexão relevante por parte do legislador nacional, aquando da construção das regras de conflitos, não há qualquer restrição importante por força de qualquer princípio de Direito Internacional Público.

Se perguntarmos se um sistema de DIP é capaz de alcançar o ideal da justiça a que se propõe, teremos que dizer que não, pois as regras de conflitos divergem de Estado para Estado, designando como competentes para solucionar uma mesma questão diferentes ordenamentos jurídicos, o que levará, certamente, a soluções materiais diferentes.


Qual o fundamento último do DIP?

O seu fundamento está, em último termo, no princípio universal de direito segundo o qual as normas jurídicas, enquanto visam regular os comportamentos humanos que se desenvolvem no seio de uma sociedade... enquanto regras de conduta social... não podem ser aplicadas a condutas que se situem fora da sua esfera de aplicabilidade quer em razão do tempo (princípio da irretroactividade das leis), quer em razão do lugar onde se verificam... em razão do espaço (princípio da não transactividade das leis), pois, ao contrário, se frustariam as legítimas e naturais expectativas dos indivíduos e se ofenderiam direitos adquiridos.

O ideal normativo que deve orientar o DIP é o da uniformidade de regulamentação ou da estabilidade das relações jurídico-privadas da vida internacional (harmonia jurídica internacional).

Assim, no domínio do DIP, é a valores de certeza e estabilidade jurídica que cabe a primazia, sendo a justiça do direito de conflitos de cunho predominantemente formal.

Já sabemos que ao DIP compete organizar a tutela das relações plurilocalizadas, relações estas que, em virtude de pertencerem a diversos espaços legislativos se encontram numa situação de particular instabilidade, sendo exactamente a função do DIP reduzir esta instabilidade a um mínimo tolerável, assegurando o respeito das referidas relações jurídicas onde quer que um interesse legítimo faça surgir a necessidade de obter para elas a protecção da lei.

Para tanto, convirá admitir, à partida, a aplicabilidade, às diversas situações factuais, de todas as leis que com elas tenham estado conectadas no momento da sua constituição, modificação ou extinção (conforme o efeito ou o aspecto da relação jurídica que estiver em causa), e isso, como já vimos, por respeito ao princípio da não transactividade das leis. A missão das normas de conflitos consiste em indicar a tarefa que é adjudicada a cada um desses sistemas que com a relação apresentam pontos de contacto ou conexão, em definir o plano, perfil ou efeito da situação concreta que a cada um deles compete disciplinar; missão que desempenham designando os factores de conexão relevantes nas várias matérias ou sectores de regulamentação jurídica.

Já vimos que às situações da vida podem considerar-se aplicáveis normas de diversos ordenamentos jurídicos; ao contrário, deve excluir-se a aplicabilidade de várias normas a uma mesma questão de direito para, assim, evitar controvérsias ou antinomias jurídicas.

Daqui resulta que os propósitos a que o DIP responde são dois:

a)determinar a lei sob o império da qual uma certa relação deve constituir-se para que seja juridicamente válida e possa, assim, tornar-se eficaz;

b)executar essa tarefa de modo tal que a lei designada seja também tida por aplicável em todos os demais países.

Conclui-se, assim, que não é bastante dizer que o DIP tem por missão indicar a lei aplicável às relações multinacionais; é indispensável acrescentar que, para cumprir de modo adequado essa missão, há-de ele proceder em termos de a competência da lei assim designada ser susceptível de reconhecimento universal.

Significa isso que um dos principais objectivos visados pelo DIP é a harmonia jurídica internacional, uma ideia de que já falava SAVIGNY, inspirado por KAHN que teve o mérito de ter formulado esse princípio.

O princípio da harmonia jurídica internacional responde à intenção primeira do direito de conflitos que é assegurar a continuidade e uniformidade de valoração das situações plurilocalizadas. Nenhum sistema positivo o pode ignorar, pois ele está na própria natureza das coisas e ignorá-lo seria o mesmo que negar, pura e simplesmente, o DIP.

Facilmente se concebem os inconvenientes que hão-de resultar do facto de uma situação jurídica não ser submetida em todos os países à mesma lei, pois, enquanto se não chegar à designação de uma única lei para cada questão jurídica concreta, não se poderá pôr termo a bem conhecida tendência das pessoas para se dirigirem àquela jurisdição nacional, de entre as que se julguem competentes para conhecer do caso, cuja decisão de lhes antolhe mais favorável. A esta situação chamamos de «forum shopping».

Contudo, é impossível construir um sistema de DIP partindo unicamente do princípio da harmonia jurídica internacional ou do mínimo de conflitos.

Outro princípio geral a ter em conta é o da harmonia material.

Ao contrário do princípio da harmonia jurídica internacional, não está o princípio da harmonia material ligado à natureza específica do DIP Este princípio da harmonia material exprime a ideia da unicidade do sistema jurídico, à ideia de que no seio do ordenamento jurídico as contradições ou antinomias normativas são intoleráveis.

Na verdade, o jogo das regras de conflitos, na medida em que, por vezes, conduz à convocação de duas leis para a resolução do mesmo ponto de direito, presta-se a gerar situações deste género. Mas estas situações também podem derivar de uma divergência de qualificação entre duas leis chamadas a pronunciarem-se sobre aspectos distintos do mesmo acto jurídico, ou sobre questões jurídicas diferentes, mas de tal modo interligadas, que a decisão quanto a uma delas afectará, inevitavelmente, a outra.

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Que orientação adoptar para impedir estas situações?

Suponhamos o seguinte exemplo: um grego, residente em Atenas, pretende que lhe seja permitido visitar o seu filho natural que reside em Hamburgo com a mãe. A mãe opõem-se.

Se, de acordo com o direito de conflitos do foro, a relação entre a mãe e o filho estiver sujeita à lei nacional da mãe e a relação entre o filho e o pai à lei pessoal deste, eis que se nos depara um conflito do tipo aludido, uma vez que, apesar de se tratar de duas relações jurídicas distintas, a decisão quanto a uma delas afectará inevitavelmente a outra. E, como ambos os preceitos se tornam aplicáveis no âmbito da «lex fori» e em virtude de normas de conflitos desta lei, tudo se passa como se a antinomia surgisse entre normas materiais do próprio sistema jurídico local.

O princípio da harmonia material, visando impedir situações do tipo descrito, levaria a que se procedesse, no momento da formulação da norma de conflitos, de modo a evitar ao máximo o risco de duas leis virem interferir na resolução da mesma questão.

Assim, poderia recomendar-se a adopção de um único factor de conexão para cada acto ou relação jurídica, sem distinguir, quanto àquele, a forma da substância, nem, quanto a esta, o momento constitutivo da questão do conteúdo ou das consequências jurídicas imediatas. Além disso, todas as questões emergentes do casamento e da filiação deveriam ser reguladas por uma única lei, de modo a realizar a unidade da família.

Porém, esta tendência é contrariada por razões ponderosas que estão na base do método da especialização ou fraccionamento de que o DIP se serve para resolver os seus problemas; procedimento que consiste em destacar da relação ou figura jurídica que se considera certos elementos e em eleger para cada um deles uma conexão independente.

Outras ideias:

1. o Estado com melhor competência será o que em melhores condições se encontrar para impor o acatamento dos seus preceitos. Esta consideração é uma das vias possíveis para fundamentar a competência da «lex rei sitae» em matéria de direitos reais;

2. outra consideração que pode influenciar o sistema de normas de conflitos de leis é a do interesse na boa administração da justiça. Sob esse ponto de vista, seria desejável que os tribunais decidissem a maior parte dos feitos submetidos a julgamento segundo os princípios do seu próprio direito nacional, único, naturalmente, em que são versados. Assim se lhes facilitará consideravelmente a tarefa e se garantirá o acerto das suas decisões. Daqui resultará, inevitavelmente, o alargamento do âmbito de aplicação do direito local, pois o que por este modo se preconiza é o medir com medidas diferentes a esfera de competência do direito nacional e a do direito estrangeiro.

Embora as razões que estão por detrás desta tendência tenham certo valor, poder-se-á perguntar se não seria preferível, tendo em conta a ideia de que as normas de conflitos estabelecidas por todo legislador devem ser de molde a poderem universalizar-se, tomar como norte uma ideia de paridade de tratamento, a exprimir deste modo: «o DIP deve colocar os diferentes sistemas jurídicos em pé de igualdade, de modo tal que uma legislação estrangeira seja considerada competente sempre que, se ela fosse a «lex fori» se apresentasse como aplicável». É esta a feição assumida pelo DIP português em vigor.

Assim:

Os princípios gerais que todo legislador deveria ter em conta no momento de gizar um sistema de normas de conflitos de leis são:

a) princípio da harmonia jurídica internacional;

b) princípio da harmonia material;

c) princípio da eficácia das decisões judiciais (segundo o qual o Estado com melhor competência será aquele que em melhores condições se encontrar para impor o acatamento dos seus preceitos); e

d) princípio da paridade de tratamento.

Mas, se é certo que todo o sistema positivo de DIP deve ser influenciado em maior ou em menor medida por tais princípios, não é menos verdade que, com a única excepção do princípio da eficácia das decisões judiciais, eles não nos conduzem às soluções concretas dos conflitos de leis. Esses princípios, contudo, visam mais o sistema de DIP considerado como um todo, do que as regras particulares que o deverão constituir.

Cada norma de conflitos elege o elemento de conexão que deverá prevalecer em certo domínio ou sector jurídico. Esta escolha deve conformar-se com uma directiva geral que é a seguinte: «é preciso que a lei considerada competente seja apta a reger as situações multinacionais que se têm em vista, ou determinados aspectos de tais situações». Esta adequação nada tem a ver, em princípio, com o conteúdo da lei, mas decorre tão só da sua posição espacial relativamente aos factos, ou da relação em que se encontra com as pessoas a quem estes factos respeitam.

Por outras palavras, a lei aplicável será a que tiver a conexão mais forte ou mais estreita com a relação ou situação jurídica em causa, tendo em conta uma ponderada avaliação dos interesses que se apresentem como prevalecentes no sector considerado.

Por outras palavras, a lei aplicável será a que tiver a conexão mais forte ou mais estreita com a relação ou situação jurídica em causa, tendo em conta uma ponderada avaliação dos interesses que se apresentem como prevalecentes no sector considerado.

Na determinação do elemento de conexão, o principal papel compete ora a interesses individuais, ora a interesses colectivos e não, como pretenderam as doutrinas internacionalistas, a interesses estaduais.

Os indivíduos, os sujeitos das relações de direito privado, tiram vantagem de serem submetidos, em tudo o que respeita ao seu estatuto pessoal, a uma lei a que possam chamar «a sua lei»... uma lei a que se sintam ligados de maneira estreita e permanente. Obviamente que essa lei só poderá ser a do Estado nacional ou a do Estado do domicílio. Por outro lado, o interesse dos sujeitos das relações jurídico-privadas reclama também um sistema que facilite tanto quanto possível o desenvolvimento da sua vida jurídica e lhes conceda, inclusive, o direito de escolher, em certos domínios (naqueles onde vigoram leis supletivas), a lei aplicável às relações que constituem.

Temos ainda aqueles interesses que, embora sendo ainda individuais, se reportam, contudo, a pessoas indeterminadas ou ao público em geral, e a que podemos chamar interesses do comércio. Estes aconselham o recurso a elementos de conexão de natureza puramente objectiva, tais como o «lugar da situação» para os direitos sobre as coisas, o «país da sua criação» para a propriedade industrial, o «locus delicti» para a responsabilidade extracontratual.

Dissemos acima que a justiça do DIP é, predominantemente, de cunho formal, isso significa que o DIP tem os seus visos próprios, a sua própria justiça inconfundível com a do direito material, já que a escolha da lei competente para reger uma determinada relação não é, em princípio, feita em função do conteúdo da lei, mas por ser ela a que se encontra em melhor posição ou a que exibe os melhores títulos para interferir; posição e títulos esses que só a análise dos interesses apontados revelará.

Contudo, por vezes, é a própria justiça material que invade o domínio do DIP., fazendo prevalecer aí os seus juízos de valor, impregnando com seus critérios as normas de conflitos e vindo ela mesma, por fim, influir na escolha da lei aplicável.

Mas a intervenção da justiça material no campo do direito de conflitos não reveste sempre esta forma. Por vezes, ocorre de o juiz recusar o seu visto a um preceito jurídico estrangeiro, todavia, em princípio, plenamente aplicável à situação controvertida, unicamente por entender que a aplicação deste preceito ao caso concreto produziria um resultado absolutamente intolerável para o sentimento ético-jurídico dominante, ou lesaria gravemente interesses de primeira grandeza da comunidade local. Também aqui se constata uma certa intromissão da justiça material, no entanto, ela não aparece, desta vez, a inspirar as normas de conflitos, antes permanece exterior à justiça conflitual, de que se limita a travar a marcha. Estamos aqui no domínio da chamada «excepção da ordem pública internacional».

A excepção de ordem pública internacional consiste num limite à aplicação do direito estrangeiro competente.

1.8.2) Natureza do DIP.:

Sabe-se já que o DIP é direito estadual ― «internacional pelo objecto, o DIP é direito estadual pela fonte». Cabe agora saber a qual dos dois grandes ramos em que, segundo a concepção clássica, o ordenamento jurídico aparece dividido (direito público ou direito privado) ele pertence.

Já vimos que o DIP é o ramo da ciência jurídica onde se procuram formular os princípios e regras jurídicas conducentes à determinação da lei ou das leis (ou seja, à determinação da disciplina jurídico-material) aplicáveis às questões emergentes das relações jurídico-privadas de carácter internacional (relações plurilocalizadas).

Esta definição logo nos faz propender para inserir o DIP no sistema do direito privado. O DIP é direito privado apesar do facto de da aplicação da norma de DIP não derivar ainda a decisão da questão jurídico-privada, mas o certo é que tal decisão é o que, em último termo, buscamos quando recorremos a esta norma; por outras palavras, a norma de conflitos não resolve por si mesma a questão de fundo, mas concorre para a resolução desta questão.

Além disso, é fundamentalmente ao serviço de interesses relativos aos indivíduos que o DIP se encontra.

A mais, sendo essencialmente da aplicação de preceitos jurídico-privados que as regras de conflitos decidem, se são elas que demarcam a esfera de competência dos vários preceitos ou complexo de preceitos de que se compõem os sistemas de direito privado existentes, parece bem que ao DIP., por ter a função de decidir da aplicação de outras normas, deva ser atribuída, para fins de ordenação sistemática, a mesma natureza que é própria destas últimas.

Por último, diga-se que a problemática do DIP apresenta muito maiores afinidades e pontos de contacto com a problemática do Direito Civil e Comercial do que com a de qualquer ramo do direito público. O facto de algumas normas de DIP tutelarem também interesses públicos não invalida a afirmação feita.

Assim, a qualificação do DIP como ramo do direito privado resulta:

a)do próprio conceito de DIP., já que, segundo ele, o problema do DIP consiste na averiguação da lei aplicável às relações privadas de carácter internacional;

b)da natural conclusão de que, às normas cuja função é decidir da aplicação de outras normas deva ser atribuída a natureza destas últimas; e

c)a problemática do DIP apresenta muito maiores afinidades com as dos direitos civil e comercial do que com a de qualquer ramo do direito público.

1.9.) Princípios estruturantes do DIP.:

Apesar de já termos feito referência a eles nos capítulos precedentes, achamos necessária uma referência de cada um separadamente. É o que faremos neste número.

1.9.1) Princípio da harmonia jurídica internacional:

Segundo o sentido tradicional de SAVIGNY, harmonia jurídica era a uniformidade de lei aplicável, isto é, a lei aplicável em todos os Estados deve ser a mesma de forma a garantir a segurança jurídica. Dado que cada Estado entende gozar de uma liberdade praticamente ilimitada ao formular as suas regras de conflitos, urge evitar que os ordenamentos estaduais em vigor estabeleçam conexões conflituantes.

Assim, o primeiro objectivo do princípio da harmonia jurídica internacional é a uniformidade de escolha das leis aplicáveis a cada situação internacional, ou seja, a lei escolhida como aplicável em todos os Estados deve ser a mesma para, assim, evitar-se a conhecida tendência das pessoas de procurarem, dentre as ordens jurídicas que se considerem competentes para julgar uma determinada questão, àquela que estabeleça a conexão que declare como competente o ordenamento jurídico cujas normas protejam em maior medida os seus interesses ― é a esta situação que se costuma designar por «forum shopping».

No entanto, o princípio da harmonia jurídica internacional visa, para além de evitar o «forum shopping», o reconhecimento das sentenças estrangeiras e assegurar a continuidade e uniformidade de valoração das situações plurilocalizadas, já que o entendimento savigniano da harmonia jurídica internacional (uniformidade da lei aplicável) não é suficiente para garantir este mesma harmonia.

Este é um princípio muito importante para garantir a segurança das soluções jurídicas, mas esta harmonia não é garantida logo à partida pelas regras de conflitos, já que, como já foi dito, cada Estado formula as suas próprias regras de conflitos na convicção de gozar de uma liberdade praticamente ilimitada.

Como o sistema conflitual (sistema das regras de conflitos bilaterais) dos vários países, «de per si», não garante a harmonia jurídica internacional, já que cada Estado pode adoptar elementos de conexão diferentes, sendo, por isso, muitas vezes, a adopção de certos correctivos:

-reenvio;

-atitude internacionalista por parte do legislador, ou seja, o legislador deve, no momento da construção das suas regras de conflitos, recorrer aos critérios de escolha que são utilizados na generalidade dos casos ou àqueles critérios que, pela sua razoabilidade, sejam verdadeiramente susceptíveis de se tornarem universais.

Resta salientar, porém, que tal harmonia jurídica internacional não deve ser perseguida a todo custo, pois ao DIP cabe prosseguir também outros interesses e, se este fosse o único princípio tomado em conta, o conteúdo das regras de conflitos seria indiferente.

1.9.2) Princípio da paridade de tratamento dos ordenamentos jurídicos:

O DIP deve colocar os diferentes ordenamentos jurídicos em pé de igualdade, por outra palavras, não se deve privilegiar a aplicação da lei do foro, pois, se todos os Estados privilegiarem a aplicação da «lex fori», estar-se-ia a comprometer a harmonia jurídica internacional, de modo que podemos concluir de que este princípio de que agora se trata aparece como apoio ao princípio da harmonia jurídica internacional.

As condições que levam à aplicação da lei estrangeira são as mesmas que se exigem para a aplicação do ordenamento do foro.

Nota: este problema da paridade de tratamento vai se pôr a propósito da unilateralidade e bilateralidade das regras de conflito.

1.9.3) Princípio da harmonia jurídica material ou interna:

Este princípio exprime a ideia de unidade do sistema jurídico ou, por outras palavras, significa que no seio de um mesmo ordenamento jurídico não devem existir antinomias ou contradições normativas.

Podemos nos encontrar perante esse problema em várias situações:

a)Situações jurídicas diferentes, mas interligadas: é o caso de duas regras de conflitos que chamam duas leis diferentes ― temos aqui o chamamento de duas ordens jurídicas que não se podem aplicar simultaneamente, pois são contraditórias e, como ambos os ordenamentos se tornam aplicáveis por força da regra de conflitos do foro, tudo se passa como se a antinomia surgisse entre normas materiais do próprio ordenamento jurídico do foro (é muito frequente recorrer-se ao expediente da adaptação para resolver tais questões);

b)conflitos de qualificação ― para impedir situações deste género deveria recomendar-se a adopção de um único factor de conexão para cada acto ou relação jurídica, sem distinguir, quanto aquele, a forma da substância nem, quanto a esta, o momento constitutivo do momento da produção de seus efeitos jurídicos (é claro que esta hipótese é fortemente contrariada pelas razões que estão na base do método do «dépeçage» método analítico que, para cada aspecto particular da situação, procura a lei mais adequada);

c)o fenómeno da especialização (procedimento que consiste em destacar da relação ou figura jurídica que se considera, certos elementos, em distinguir nela vários planos e eleger, para cada um deles, uma conexão independente) também contribui em larga escala para o surgimento de tais antinomias; e

d)problema das questões prévias: há, destarte, casos que, para serem decididos, pressupõem a resolução necessária de uma outra questão fortemente ligada ao caso de que se trata. Deste problema das questões prévias iremos tratar mais tarde (cfr. o n.º 1.10)

1.9.4. Princípio da boa administração da justiça

O juiz, para dar a solução mais adequada ao caso, deve aplicar a lei que melhor conhece (a «lex fori»), pois assim ficaria facilitada consideravelmente a tarefa do juiz e garantir-se-ia o acerto das decisões (e é óbvio que a probabilidade de erro judiciário é maior quando o juiz deixa de pisar o chão firme do ordenamento jurídico local). Contudo, isso entraria em colisão frontal com o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas estaduais e com o princípio da harmonia jurídica internacional, uma vez que alarga o campo de aplicação da «lex fori». O nosso sistema não simpatiza muito com este princípio (não havendo grandes expressões dele no nosso ordenamento jurídico) e, assim sendo, este só deve ser aplicado quando não comprometa a harmonia jurídica internacional, não sendo, portanto, este princípio, susceptível de generalização, caso contrário, iríamos voltar a cair no princípio da territorialidade.

1.9.5) Princípio da eficácia ou efectividade das decisões

«A lei competente nem sempre será a melhor lei».

Este princípio pode levar-nos a afastar a aplicação de uma lei tida, em princípio, por competente, quando for de recear que esta aplicação conduzirá a decisões desprovidas de valor prático, e isso porque não serão reconhecidas naquele Estado em que, todavia, se destinam, normalmente, a produzir efeitos que lhes são próprios.

Esta é uma das justificações possíveis para fundamentar a competência da «lex rei sitae» no domínio dos direitos reais (cfr. o artigo 46º do Cód. Civ.). Tal ordem de ideias poderá levar a preferir a lei da situação dos imóveis à lei pessoal dos sujeitos da relação jurídica (este afastamento da lei pessoal dos sujeitos da relação pressupõe que a «lex rei sitae» se julgue exclusivamente competente ou quando reenvie para outro ordenamento que a «lex causae» reconheça como aplicável). É este o meio necessário e suficiente para reconhecer aquela decisão no Estado da situação dos bens.

1.9.6) Princípio da maior proximidade

Apesar de haver uma lei em princípio competente para reger um regime de bens, o certo é que, em princípio, aos bens móveis deve ser aplicada a lei competente para os bens imóveis (por razões de efectividade), pois no lugar da situação dos bens, aquela situação poderá não ter qualquer relevo ou eficácia.

1.10. Conflito entre princípios ― o problema das questões prévias

Há determinadas questões que, para serem decididas, pressupõem a resolução de uma questão prévia. Temos, assim, duas questões para resolver: uma questão principal e uma questão prévia.

Relativamente à questão principal, a lei aplicável será a lei (do foro ou estrangeira) designada competente por força da regra de conflitos do foro.

Já relativamente à questão prévia, o problema de escolha da lei competente para a regular só se põe quando a lei que regula a questão principal se insira num ordenamento jurídico estrangeiro, ou seja, se a lei competente para resolver a questão principal for a lei do foro, a lei com base na qual resolver-se-á a questão prévia será, automaticamente, a lei do foro.

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Sobre o autor
José Eduardo Dias Ribeiro da Rocha Frota

licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, José Eduardo Dias Ribeiro Rocha. Direito Internacional Privado.: Parte Geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 921, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7714. Acesso em: 16 abr. 2024.

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