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Redução do número de vereadores:

Resolução do TSE vs. Constituições estaduais

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28/12/2005 às 00:00
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Resumo

O cenário político nacional passou por tumultuosa celeuma acerca da redução do número de vereadores. A discussão, que ainda ecoa com força, principia desde a possibilidade de a autonomia dos entes federados serem atingidas por Resolução do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, respaldada em controle difuso de constitucionalidade, até o respeito às Constituições Estaduais. A análise do federalismo demonstra que o pacto federativo fora afetado pela contenda acima, razão pela qual buscará o sintético estudo aferir a inconstitucionalidade da Resolução n.º 21.704/2004 do TSE e a desnecessidade desta ante o disposto na Lei Maior dos Estados Federados.

Palavras-chaves: Federação; Constituição Estadual; Resolução do TSE; Inconstitucionalidade.


Abstract

The national political setting passed boisterous pandemonium about the reduction of the number of councilmen. The argument, that still echo hard, begin since the possibility from the autonomy of the entities federal will be reached by Resolution of the Electoral Upper Court-EUC, respaldada in diffuse control of constitutional, to the respect to the State Constitutions. The analysis of the federation shows that the pact federal outside affected by the contend above, reason by the which will seek the synthetic study check to inconstitutional from the Resolution n.º 21.704/2004 of the EUC and to dispensable of this ante the arranged one in the Biggest Law of the States Federal.

Keywords: Federation; States Constitutions; Resolution of EUC; Inconstitutional.


1 Intróito.

O ano corrente (Nota do Editor: o texto foi redigido em 2004) caracteriza-se no cenário político interno por ser ano eleitoral, no qual os cidadãos pátrios irão eleger prefeitos e vereadores. Ou seja, estamos ingressando em período de eleições municipais. Entretanto, antes mesmo de ser liberada a propaganda eleitoral uma discussão jurídica, oriunda do controle difuso de constitucionalidade em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público gerou grande celeuma. Trata-se do Recurso Extraordinário-RE 197.917 perante o Supremo Tribunal Federal-STF onde o artigo 6º da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela fora declarado inconstitucional por fixar número de vereadores (11) acima da relação proporcional com o número de habitantes o que afrontaria o artigo 29, IV da Constituição Federal.

Preceitua o artigo 29, IV da Constituição o seguinte comando:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

...

IV - número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:

a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes.

Preliminarmente pode-se constatar que o Congresso Constituinte de 1988 deixou patente que o Município rege-se por sua Lei Orgânica, respeitadas as Constituições Federal e Estaduais. Entretanto, críticas se fazem quanto a ausência de precisão contida nas três alíneas do inciso IV do artigo 29 supra, o que ensejaria a necessidade de o Congresso Nacional melhor deslindar o conteúdo do referido inciso estabelecendo com maior riqueza a proporcionalidade ali estampada. Segundo o entendimento do STF, ante a ausência de critérios mais precisos propostos pelo Poder Legiferante, o que representa um laconismo no ordenamento acerca da questão, resolveu-se declarar a inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei Orgânica de Mira Estrela, apresentando em conseqüência a interpretação do STF acerca da proporcionalidade presente no artigo 29, IV da Constituição Cidadã.

O Tribunal Superior Eleitoral-TSE, tomando o julgamento do RE 197.917 como referencial e motivado pela Petição n.º 1.442 da Procuradoria Geral Eleitoral, cumprindo sua missão de uniformizador do ordenamento eleitoral, através do voto favorável de seu Presidente e Relator da matéria, Ministro Sepúlveda Pertence, em abril do corrente, baixou a Resolução n.º 21.702/04 com "instruções sobre o número de vereadores a eleger segundo a população de cada município"1, conforme os dados que o IBGE apresentou a cada um em 2003, gerando redução do número de vereadores para as próximas eleições. A contenda poderia, segundo se apura do artigo 3º da mencionada Resolução, sofrer modificações através de Emenda Constitucional que alterasse o artigo 29 em tela. Entretanto o Congresso não logrou êxito na aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional neste sentido, razão pela qual a Resolução do TSE mantém-se incólume e deverá pautar as eleições municipais vindouras.

Eis pois os fatos. No entanto, questão subjacente à redução do número de vereadores pertinente, e que recentemente até ocupou alguns comentários da comunidade jurídica, situa-se na competência do TSE em regulamentar as regras básicas eleitorais do país, ou seja, poderia o TSE ter delimitado critérios de proporcionalidade entre número de vereadores e número de habitantes com base em uma decisão oriunda de um controle difuso de constitucionalidade, portanto, "intra partem", assim como nos dados estatísticos do IBGE? Mais, queremos crer que o debate não se encerra na competência ou não do TSE para tanto, mas vai adiante. Num Estado Federal como a República Federativa do Brasil, onde os entes federados possuem autonomia, não estaria havendo uma afronta ao pacto federativo por uma Resolução desrespeitar os ditames das Constituições Estaduais que desde 1989 já dispunham de critérios mais delimitados acerca da proporcionalidade principiada no artigo 29, IV da Constituição Federal?

Sobre estas questões, propomo-nos a labutar neste sintético estudo, sem qualquer outra pretensão que não a de contribuir com o debate com a apresentação de nova perspectiva no tocante à celeuma em torno da temática.


2 Estado Federal e seus entes federados.

De todo salutar para bem compreendermos a questão da competência envolta à temática, uma análise com maior represar sobre o pacto federativo brasileiro. Ao abrirmos nossa Lex Fundamentalis, de pronto vislumbramos que já em seu preâmbulo encontramos consignado na expressão "República Federativa do Brasil", a forma de Estado, ou seja, a Federação. O Congresso Constituinte ainda fez assinalar como cláusula pétrea o princípio federativo ao vedar a quebra da forma federativa de Estado por Emendas Constitucionais, conforme se afigura no artigo 60, §4º, I, da Constituição de 1988. O Brasil, portanto, é constitucionalmente um Estado Federal.

Contudo, oportuno salientar que outras formas de Estado são possíveis, como a forma unitária e a regional. A primeira, na lição de Streck e Morais (2001, p. 158), caracteriza-se por um "poder central que conjuga o poder político", enquanto a segunda, Regional, consistiria num meio termo entre a descentralização do federalismo e a centralização do unitário. Os doutrinadores acima, citando Dallari, prosseguem lecionando que o "Estado Regional é apenas uma forma unitária um pouco descentralizada, pois não elimina a completa superioridade política e jurídica do poder central".

A terminologia federação encontra gênese no latim foedus, foederis, significando pacto, associação. Geraldo Ataliba (1987, p. 172) ensina que, embora na Federação haja uma associação de Estados com o objetivo de criarem um novo Estado, não importa afirmar que os Estados deixaram de assim o ser, ou seja, "passam a formar um novo Estado sem deixar de ser Estados". Convém ressaltar que a forma federativa não fora empregada imediatamente. Inicialmente adotaram os Estados, mormente as colônias inglesas na América, a forma confederativa. Contudo, em face da tentativa malsucedida da Confederação em virtude de os Estados não admitirem cessão de parcela de suas soberanias ao Estado União que os congregava, logo perceberam a necessidade de se adotar a forma federativa e o princípio da igualdade entre os Estados e a União, positivado na Constituição ianque de 1787.

A Federação nasce, como se pode perceber, não de uma ficção jurídica, mas sim de experiências galgadas em lutas na defesa de interesses particulares das colônias inglesas americanas e a defesa de todas elas contra os ingleses, daí surgindo os Estados Unidos da América. O Brasil importou a forma federativa norte-americana sem o histórico característico presente naquele território. A Federação brasileira é composta pela "união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal" nos termos do caput do artigo 1º do Texto Supremo, todos reunidos em uma União que congrega os demais entes federados, possuindo esta, inclusive, os Poderes montesquenianos nos termos do artigo 2º da Constituição vigente.

Ressalte-se, porém, que o federalismo brasileiro, conquanto situado num território continental – inicialmente sem o nacionalismo ou sentimentos patrióticos similares ou as características das colônias inglesas norte-americanas–, perdura inquebrantável desde sua nascente em discussões de 1888 e positivação em 1891. A Constituição rígida possui fator preponderante na permanência de um Estado Federal, atribuindo as competências a cada Estado Federado e à União, e no Brasil, ao Distrito Federal e aos Municípios, a partir de 1988. O texto constitucional possui relevância, ainda, por instituir um órgão imparcial e independente para dirimir os possíveis conflitos existentes entre os entes federados, representado na Suprema Corte nos EUA e no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, no Brasil.

Constata-se que o Brasil de fato é uma Federação, e assim o sendo a União, os Estados Federados, os Municípios e o Distrito Federal possuem autonomia, conforme bem dispõe o artigo 18 da Lei Maior. Por serem autônomos os Estados Federados possuem suas Constituições Estaduais, que devem respeitar os princípios e diretrizes insculpidas na Constituição da Federação, e de igual modo os Municípios e o Distrito Federal devem possuir suas Leis Orgânicas, em obediência aos ditames das Constituições Federal e Estadual. Note-se, destarte que, embora a União tenha competência para legislar sobre o direito eleitoral (art. 22, I CF), a organização do Estado e do Município – aí inclusa a composição de seus Poderes, dos quais o Poder Legislativo Municipal –, regem-se por suas Leis Maiores, desde que, quanto a composição da vereança, sejam atendidos os preceitos disciplinados no inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal. Outra interpretação nos parece que feriria o pacto federativo (art. 60, §4º, I CF).


3 Competência do TSE na regulamentação do artigo 29, IV da CF.

Visto que cada ente federado possui autonomia, e que todos devem respeito à Constituição Federal sem, contudo, relegarem suas próprias Constituições Estaduais e Leis Orgânicas conforme sejam Estados Federados ou Municípios e Distrito Federal, necessário verificar agora se o TSE possui ou não competência para regulamentar o artigo 29, IV da Lex Legum para as eleições municipais, mormente quanto a composição do número de vereadores, atingindo a composição de um Poder, o Legislativo, de um ente federado autônomo, o Município. Neste diapasão imprescindível compulsar a Constituição Federal e o Código Eleitoral para apurar a referida competência.

O artigo 121 da Lei Suprema preconiza que uma "Lei Complementar disporá sobre a organização e competência dos Tribunais, dos juízes de direito e das Juntas Eleitorais", até então não disciplinada. Neste sentido, resta recepcionado o Código Eleitoral, Lei n.º 4.737 de 15 de julho de 1975, que em seus artigos 12 a 41 estabelecem a organização, composição e competência da Justiça Eleitoral, sendo que em seus artigos 22 e 23 preconizam a competência do TSE. E é com apoio nos comandos dos incisos IX e XVIII, do artigo 23 do Código Eleitoral que o TSE baixou as Resoluções n.º 21.702/04 e n.º 21.803/04. Esta última disciplina o número de cadeiras a serem preenchidas nas Câmaras de Vereadores de cada Município, apresentando extenso anexo informando a unidade da federação em que se situa o Município, seu eleitorado, sua população conforme fonte do IBGE (2003), a porcentagem entre eleitorado e população e o número de cadeiras para disputa ao cargo de vereador consoante cálculos do STF.

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Estabelece o referido artigo 23 e seus mencionados incisos no seguinte sentido:

Art. 23. Compete, ainda, privativamente ao Tribunal Superior:

...

IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;

...

XVIII - tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral.

Da leitura dos referidos incisos do artigo 23 do Código Eleitoral não verificamos a possibilidade de o TSE modificar a composição das cadeiras das Câmaras de Vereadores, pois a matéria é afeta à autonomia dos entes federados e não essencialmente eleitoral. A competência para a execução da legislação eleitoral não pode relegar os ditames das Leis Orgânicas e das Constituições Estaduais, pois estruturantes do próprio ente federado. Consistiria em cabal afronta ao pacto federativo figurado como cláusula pétrea. Saliente-se, também, que o TSE possui ainda competência para baixar instruções sobre matérias eleitorais nos termos do artigo 105, "caput" da Lei. º 9.504/97, que assim preconiza:

Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral expedirá todas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos previamente, em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito.

Como já apontado não verificamos a possibilidade de o TSE em determinar aos Municípios a alteração de suas Leis Orgânicas e aos Estados Federados suas Constituições Estaduais em razão de uma decisão em sede de controle difuso de constitucionalidade. Não possui, ainda, competência para romper a autonomia dos entes federados. Ademais, atente-se que mesmo que possível fosse esta hipótese ainda assim haveria afronta à lei, vez que a primeira Resolução fora expedida em abril e a última, com o anexo do número de cadeiras de vereadores para cada Município baixou-se em junho, posteriores pois a 5 de março, conforme exigência legal expressa acima.

Este entendimento de que o TSE não possui competência para baixar as Resoluções em tela também é exposto pelo Procurador do Estado de São Paulo, Renato Bernardi (2004), que é categórico em afirmar que:

A possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral editar Resoluções a respeito de assuntos eleitorais não contraria a Constituição Federal, mas o conteúdo da Resolução n.º 21.702 é materialmente inconstitucional, por ferir de morte a autonomia Municipal que, não se pode negar, não é matéria eleitoral.

A questão redunda ao princípio de segurança jurídica, ou seja, admitir que uma Resolução, infraconstitucional, portanto, altere a estrutura federativa da República rompendo com a autonomia dos entes federados é imputar à própria Constituição Federal uma natureza flexível, mais, é verdadeiramente transformá-la em "folha de papel" conforme diria Ferdinand Lassalle (2000, p. 23). Salutar salientar algumas considerações expostas pela doutrina quanto a temática. Salutar salientar alguns apontes realizados pelos doutrinadores acerca da temática. Nesta senda destacamos a lição do Promotor eleitoral mineiro, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira (2004) que ao analisar a contenda e confrontá-la com o princípio dos freios e contrapesos leciona no seguinte sentido:

A Resolução 21.702/04 do TSE, ao meu sentir, por ter status de lei ordinária federal (artigo 105 da Lei 9.504/97) e não status constitucional, não pode regulamentar o artigo 29, IV da CF/88, uma, porque estaria, por via oblíqua, sendo sucedâneo de ADIN, o que caracterizaria um novo controle concentrado de constitucionalidade não previsto no ordenamento jurídico constitucional; duas, porque a decisão do STF, no Recurso Extraordinário 197.917 foi exercida em controle difuso de constitucionalidade, ou seja, incidenter tantum e apenas intra partem, não tendo caráter nacional.

Relevante também o ensinamento de Alcimar Lobato da Silva (2004) acerca da Resolução n.º 21.702/04 ao afirmar que:

A decisão em epígrafe vem contrariar o entendimento de vários doutrinadores, bem como, decisões em diversos Estados, inclusive orientações dadas através de Resolução do TSE, onde em maioria esmagadora reconhecia que somente Lei Orgânica do município, poderia fixar ou alterar o número de Vereadores, entendimento este, sustentado nos votos dos três Ministros divergentes.

Neste escólio é de se ressaltar que o próprio TSE através das Resoluções: 21.699/04; 2.136/95; 1.563/93; 18.045/92; 18.206/92; conclui pelo entendimento de que cabe exclusivamente à Lei Orgânica delimitar o número de composição de cadeiras das Câmaras de Vereadores, respeitada a proporcionalidade contida no artigo 29, IV da CF/88. A Resolução n.º 17.870/92, que teve por Relator o Min. Sepúlveda Pertence, é ainda mais enfática em afirmar que "não compete à Justiça Eleitoral nem declarar nem fixar o número de Vereadores a serem eleitos", consoante já dispunha a Resolução 17.770. Razão pela qual, configurada em todos os sentidos a inconstitucionalidade das Resoluções n.º 21.702/04 e n.º 21.803/04 que estabeleceram em afronta à autonomia dos Municípios e dos Estados Federados o número de composição do Poder Legislativo Municipal, com significativa redução2.


4 Desnecessidade das Resoluções do TSE ante a regulamentação das Constituições Estaduais.

Não podemos olvidar que o contido no artigo 29, IV da Constituição Federal é por demais generalizado, carecendo de critérios com melhor precisão para estabelecer a relação de proporcionalidade entre o número de habitantes e o número de cadeiras para compor o Legislativo Municipal. De outro lado, resta evidenciado que o TSE não possui competência para disciplinar sobre a composição do número de vereadores nas Câmaras Municipais, pois, embora se trate de assunto eleitoral a matéria derradeiramente é afeta à autonomia dos entes federados. A solução, aparentemente ululante reside justamente nas Constituições Estaduais. Ao relermos o artigo 29, "caput" da Constituição Federal verificamos que os Municípios reger-se-ão por Lei Orgânica, no entanto, deverão atender aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e "na Constituição do respectivo Estado".

Ora, por mais simplista que possa redundar a questão nos parece óbvia a solução no sentido de que a todo Município que tenha até um milhão de habitantes deverá ter o "mínimo de nove e máximo de vinte e um" vereadores, conforme a alínea "a" do inciso IV do artigo 29 da Lex Fundamentalis. Assim como os Municípios com mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes, deverão ter o "mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um" vereadores (alínea "b") e os Municípios com mais de cinco milhões de habitantes deverão possuir o "mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco" cadeiras na Câmara Municipal. Este é uma diretriz intocável aos entes federados. Dentro da abertura acima, uma segunda delimitação possível é aquela realizada pela Constituição Estadual, posto que entremeada hierarquicamente entre a Constituição Federal e a Lei Orgânica.

Destarte, cabe verificar as Constituições Estaduais em busca de constatar um critério de proporcionalidade melhor definido, possibilitando a efetiva proporcionalidade entre habitantes e número de vereadores em cada Município. Lembremos que, embora relegadas no ordenamento pátrio, as Constituições Estaduais possuem sua relevância, não apenas como instrumentos de organização política dos Estados Federados e dos próprios Municípios, mas por representarem, em respeito à Constituição Federal, o ápice do ordenamento jurídico estadual, inclusive apresentando direitos quiçá nem previstos no texto federal. As Constituições Estaduais, portanto, merecem o acolhimento como a Lei Maior no âmbito do particular do Estado. No entanto sua eficácia é dependente da vontade humana. Já lecionava Konrad Hesse que (1991, p. 19) que:

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.

Assim, o respeito ao Texto Constitucional Estadual, ao que nos parece, poderia ter evitado a celeuma em questão, pois uma vez exarado vários entendimentos do TSE de que incumbe à Lei Orgânica determinar o número de composição dos vereadores, e certos de que a Lei Orgânica deve obediência aos ditames das Constituições Estadual e Federal, inegável que mesmo sendo abrangente a Constituição Federal, uma vez delimitado o Texto Estadual este deve prevalecer. Analisaremos para tanto algumas Constituições Estaduais para averiguar se o entendimento acima representa excessiva divagação ou mereceria atenção ante sua plausibilidade.

A Constituição do Estado do Maranhão disciplina em seu artigo 152 o seguinte:

Art. 152 - Respeitada a proporcionalidade com a população do Município, o número de Vereadores será no mínimo de nove e no máximo de trinta e cinco, obedecidos os seguintes limites:

I - para Municípios de até dez mil habitantes, nove Vereadores;

II - para Municípios de dez mil e um a vinte e cinco mil habitantes, o máximo de onze Vereadores;

III - para Municípios de vinte e cinco mil e um até cinqüenta mil habitantes, o máximo de treze Vereadores;

IV - para Municípios de cinqüenta mil e um até cem mil habitantes, o máximo de quinze Vereadores;

V - para Municípios de cem mil e um até duzentos mil habitantes, o máximo de dezessete Vereadores;

VI - para Municípios de duzentos mil e um até quatrocentos mil habitantes, o máximo de dezenove Vereadores;

VII - para Municípios de quatrocentos mil e um até um milhão de habitantes, o máximo de vinte e um Vereadores;

VIII - para Municípios de um milhão e um até dois milhões de habitantes, o máximo de trinta e cinco Vereadores.

A Constituição Estadual supra está em consonância com os limites da Constituição Federal, que estipula o mínimo de 9 e o máximo de 55 vereadores. Também apresenta oito classificações de composição de Câmara de Vereadores segundo a proporcionalidade de habitantes dos Municípios apresentando, desta forma, uma delimitação bem mais restritiva, mais próxima da realidade dos Municípios, bem afeta à relação da proporcionalidade do número existente em cada Município e o número de cadeiras proporcionalmente equivalente, respeitando não apenas a Lei Maior, como a própria representatividade democrática em cada Município. Pela Análise desta Constituição logo percebemos que se fosse observado o preceito do texto Constitucional Estadual não haveria a necessidade de o TSE ter baixado uma Resolução inconstitucional.

Outras Constituições também demonstram a desnecessidade das Resoluções em tela do TSE. O artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Rio Grande do Norte, assim estabelece:

Art. 19. Para as eleições de 3 de outubro de 1992, as Câmaras Municipais se compõem de:

I - nove (9) Vereadores, para Municípios de até nove mil (9.000) habitantes;

II - dez (10) Vereadores, para Municípios de nove mil e um (9.001) até quinze mil (15.000) habitantes;

III - onze (11) Vereadores, para Municípios de quinze mil e um (15.001) até vinte e cinco mil (25.000) habitantes;

IV - doze (12) Vereadores, para Municípios de vinte e cinco mil e um (25.001) até trinta e cinco mil (35.000) habitantes;

V - treze (13) Vereadores. para Municípios de trinta e cinco mil e um(35.001) até cinqüenta mil (50.000) habitantes;

VI - quatorze (14) Vereadores, para Municípios de cinqüenta mil e um (50.001) até setenta mil (70.000) habitantes;

VII - quinze (15) Vereadores, para Municípios de setenta mil e um (70.001) até noventa mil (30.000) habitantes;

VIII - dezesseis (16) Vereadores, para Municípios de noventa mil e um (90.001) até cento e vinte mil (120.000) habitantes;

IX - dezessete (17) Vereadores, para Municípios de cento e vinte mil e um (120.001) até cento e cinqüenta mil (150.000) habitantes;

X - dezoito (18) Vereadores, para Municípios de cento e cinqüenta mil e um (150.001) ate duzentos mil (200.000) habitantes;

XI - dezenove (19) Vereadores, para Municípios de duzentos mil e um (200.001) até duzentos e cinqüenta mil (250.000) habitantes;

XII - vinte (20) Vereadores, para Municípios de duzentos e cinqüenta mil e um (250.001) até quatrocentos mil (400.000) habitantes;

XIII - vinte e um (21) Vereadores, para Municípios com população acima de quatrocentos mil (400.000) habitantes.

A citada Constituição define com exatidão o número de vereadores para cada Município conforme a proporção do número de seus habitantes. É ainda mais amplo, possuindo treze classificações, o que possibilita uma efetiva relação entre número de habitantes e número de vereadores. A Constituição do Estado do Paraná também apresenta extensa classificação, contudo, não é quão taxativa quanto a Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, entretanto apresenta critérios de proporcionalidade que ensejam a afirmação pela completa desnecessidade da Resolução do TSE. Assim preconiza o artigo 16 da Constituição paranaense:

Art. 16.O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal, nesta Constituição e os seguintes preceitos:

V - número de Vereadores proporcional à população do Município, obedecidos os seguintes limites:

a) - até quinze mil habitantes, nove Vereadores;

b) - de quinze mil e um a trinta mil habitantes, onze Vereadores;

c) - de trinta mil e um a cinqüenta mil habitantes, treze Vereadores;

d) - de cinqüenta mil e um a setenta mil habitantes, quinze Vereadores;

e) - de setenta mil e um a noventa mil habitantes, dezessete Vereadores;

f) - de noventa mil e um a cento e vinte mil habitantes, dezenove Vereadores;

g) - de cento e vinte mil e um a um milhão de habitantes, vinte e um Vereadores;

h) - de um milhão e um a um milhão e quinhentos mil habitantes, trinta e cinco Vereadores;

i) - de um milhão e quinhentos mil e um a dois milhões de habitantes, trinta e sete Vereadores;

j) - de dois milhões e um a dois milhões e quinhentos mil habitantes, trinta e nove Vereadores;

l) - de dois milhões e quinhentos mil e um a cinco milhões de habitantes, quarenta e um Vereadores;

m) - mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos municípios de mais de cinco milhões de habitantes.

A Constituição do Estado do Mato Grosso é ainda mais pormenorizada, representando perfeita harmonia com a Constituição Federal. Preceitua o artigo 182 da mencionada Constituição:

Art. 182 - O número de Vereadores será proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:

I - mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;

II - mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes.

Parágrafo único - Determina-se o número de Vereadores nos municípios, previstos no inciso I, obedecendo-se aos seguintes itens:

I - municípios de até 10.000 habitantes - nove Vereadores;

II - municípios de 10.001 a 14.700 habitantes - dez Vereadores;

III - municípios de 14.701 a 21.609 habitantes - onze Vereadores;

IV - municípios de 21.610 a 31.765 habitantes - doze Vereadores;

V - municípios de 31.766 a 46.694 habitantes - treze Vereadores;

VI - municípios de 46.695 a 68.641 habitantes - quatorze Vereadores;

VII - município de 68.642 a 100. 902 habitantes - quinze Vereadores;

VIII - municípios de 100. 903 a 148.327 habitantes - dezesseis Vereadores;

IX - municípios de 148.328 a 218.041 habitantes - dezessete Vereadores;

X - municípios de 218.042 a 320.520 habitantes - dezoito Vereadores;

XI - municípios de 320.521 a 471.165 habitantes - dezenove Vereadores;

XII - municípios de 471.166 a 692.613 habitantes - vinte Vereadores;

XIII - municípios de 692.614 a 1.000.000 habitantes vinte e um Vereadores.

Outras Constituições Estaduais seguem a mesma linha direcionada pelas Constituições acima citadas, desnecessária a suas descrições, o que consolida o nosso entendimento de que as Constituições dos Estados Federados foram desrespeitadas quando da averiguação do STF no cálculo por ele elaborado e baixado sob forma de Resolução pelo TSE. Não negamos a existência de Constituições Estaduais tais como a dos Estados de Roraima, Piauí e Sergipe que limitaram-se a descrever o contido no artigo 29 da Constituição Federal ou nem mesmo trataram da temática. Contudo, por certo que as Leis Orgânicas dos Municípios destes Estados devem disciplinar a composição de seus respectivos Poderes Legislativos, que uma vez em consonância com a Lei Fundamental não deve ser desrespeitada.

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Sobre o autor
Alexandre Sturion de Paula

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito do Estado, mestrando em Direito Negocial pela UEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Alexandre Sturion. Redução do número de vereadores:: Resolução do TSE vs. Constituições estaduais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7726. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Artigo publicado no <A href="http://www.uel.br/cesa/direito/doc/estado/artigos/constitucional/asp">Portal Eletrônico de Direito do Estado/UEL</a>.

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