Resumo: O presente artigo visa discutir as medidas cautelares no processo penal, notadamente discutir a questão dos limites temporais destas medidas, e, especialmente da prisão preventiva. O tema passou a ser muito discutido após as recentes modificações do Código de Processo Penal brasileiro que incluíram novas medidas cautelares no texto legal. O objetivo principal é verificar quais os argumentos têm sido utilizados pelos tribunais para a manutenção de cautelares de longa duração, e discutir até que ponto uma intervenção legislativa seria interessante para a área. Por fim, discutir até que ponto a duração exacerbada de medidas cautelares não desvirtua as características essenciais do instituto e as transformam em verdadeira antecipação de pena, com uma indevida sobreposição do sistema processual penal sobre o penal.
Sumário: 1. Noções introdutórias; 1.1. Análise Principiológica 1.2 O que são medidas cautelares; 2. Alterações da lei 12.403/11: as novas cautelares; 3. A prisão preventiva; 4. Aspectos temporais da preventiva; 4.1. Análise jurisprudencial; 4.1.1 HC 220218-RJ, da 5ª Turma do STJ; 4.1.2. HC 142177/RS da 2ª Turma do STF; 4.1.3.. HC 141583/RN da 2ª Turma do STF; 5. Conclusão
1. Noções introdutórias
1.1 Análise Principiológica
Entende-se que a análise principiológica é essencial para uma análise de questões do Direito, em especial àquelas em que não há uma determinação legislativa expressa ou, sequer, um consenso doutrinário ou jurisprudencial, como a que ora se analisa.
É imprescindível, pois, para compreender os argumentos que serão expostos, uma breve exposição de que haja respeito aos princípios basilares consagrados no nosso ordenamento jurídico como um todo, tais como a razoabilidade, a proporcionalidade e a legalidade, os quais devem ser utilizados para nortear o aplicador da lei diante do obstáculo temporal que vemos nas medidas cautelares.
Deve haver razoabilidade, a ponto de não ser desconsiderado o fato de que a medida é cautelar, não havendo condenação transitada em julgado em desfavor do indivíduo, de forma que não se pode olvidar o que preceitua da Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
A propósito:
“A razoabilidade determina que as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão, pois enquanto a proporcionalidade consiste numa estrutura formal de relação meiofim, a razoabilidade traduz uma condição material para aplicação individual da justiça. Daí porque a doutrina alemã, em especial, atribui significado normativo autônomo ao dever de razoabilidade”. (ALBRECHT apud BARROS, 1996, p. 69)
Assim, a medida deve ser proporcional à gravidade da conduta perpetrada, bem assim, à eventual a ser aplicada após o julgamento do processo, devendo haver razoabilidade no que tange a aplicação de uma medida que seja, de fato, necessária ao caso concreto.
Sobre o princípio da proporcionalidade, no mesmo sentido, ensina SILVA FRANCO (2000, p. 67):
“O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição das penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido será considerado em seu significado global. Têm, em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade)”
Relevante também ao assunto é o chamado princípio da legalidade, o qual está intimamente ligado ao Estado de Direito, que exige a subordinação de todos perante a lei, conforme leciona GRECO (2015). O artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal preleciona que “não há crime sem lei anterior que o define, nem pena sem prévia combinação legal”, do mesmo sentido vem carregado o artigo 1º do Código Penal.
Rogério Greco (2015) 1 determina ao princípio da legalidade quatro funções fundamentais, sendo elas: proibir a retroatividade da lei penal, proibir a criação de crimes e penas pelos costumes, proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas e proibir incriminações vagas e indeterminadas.
1.1 O que são medidas cautelares
A Tutela Jurídica, em um sentido amplo, é aquela que serve para resolver uma situação de conflito e garantir determinado bem, diante da qual, ao final, o indivíduo garante seu direito. A tutela cautelar, por sua vez, não visa garantir ou satisfazer um direito, ela visa garantir ou satisfazer a possibilidade da tutela. Nunca é satisfazer uma das partes, mas garantir que ao final da tutela jurídica principal, ela posse ser efetiva.
A cautela, portanto, é “mediata”, porque ela não resolve o problema, mas garante que ele possa ser resolvido em determinado momento. Alguns doutrinadores falam de cautela e como “garantia” para o futuro.
Normas cautelares são normas tipicamente instrumentais, isto é, buscam viabilizar a atuação de agentes públicos em atividades de garantia, proteção do que precisa ser garantido. Por um tempo, na doutrina, tentou-se buscar uma só resposta as tutelas cautelares processuais penais, um só objetivo para todas. Mas essa pretensão foi deixada de lado, em razão da impossibilidade de encontrar um só objeto para medidas tão plurais.
Segundo Calamandrei 2 , é necessário ter em mente que as cautelares servem, principalmente, para assegurar o bom funcionamento do poder judiciário. São pensadas, portanto, mais em função do poder judiciário que de qualquer outra parte do processo.
Nesse sentido, o autor define que o processo cautelar consiste em um processo de instrumentalidade qualificado, como uma medida de polícia judiciária, visando proteger o próprio processo e garantindo sua columidade
No que tange aos seus pressupostos, as medidas cautelares devem estar alicerçadas em dois requisitos. O primeiro é a urgência de afastar o perigo resultante do decurso do tempo, conhecido como periculum in mora. O segundo é o fumus boni iuris, que consiste na possibilidade de solução favorável no processo principal. Os doutrinadores modernos do processo penal alteram essas questões e trabalham com o periculum libertatis (risco de estar em liberdade) e o fumus commissi delicti (probabilidade de ser a pessoa autora do delito).
2. Alterações da lei 12.403/11: as novas cautelares
A Lei 12.403, de 2011 fez uma alteração considerável no Código de Processo Penal, ocasião em que instituiu novas medidas cautelares, bem como deu a elas um contorno diferente do adotado anteriormente.
A alteração se deu em razão de uma demanda antiga, vez que apenas a existência da “prisão cautelar” gerava um binômio extremamente complexo, que deixava aos aplicadores da lei apenas duas opções: prender ou não prender. Ocorre que, a depender da situação em concreto, a prisão poderia não ser necessária, entretanto, ao mesmo tempo, não impor nenhuma medida deixaria uma sensação de impunidade.
A lei 12.403/11 alterou radicalmente o artigo 319 do Código de Processo Penal. Para que se institua uma medida cautelar, em primeiro lugar, é necessário que haja prova de existência do crime, isto é, materialidade do delito, bem como indícios suficiente de autoria (fumus comissi delict).
Além disso, é necessário que reste preenchida uma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal e, de acordo com o artigo 282, I do mesmo ordenamento o juiz deve fundamentar adequadamente porque a cautelar que ele escolheu é adequada ao caso. Neste sentido, inclusive, não há problema em cumular as cautelares diversas da prisão, desde que se fundamente devidamente a aplicação e necessidade de cada uma.
Alguns aspectos devem ser considerados pelo magistrado no momento em que aprecia a aplicação de medidas cautelares. Primeiro, as eventuais consequências da condenação devem ser devidamente analisadas, devendo existir proporcionalidade entre a cautelar aplicada e eventual pena em caso de condenação ao fim do processo.
É preciso se atentar para não se aplique uma cautelar mais severa do que a pena em si, por exemplo, aplicar cautelares que restringem a liberdade em delitos em que há apenas uma pena de multa ou advertência, como é o caso do artigo 28 da Lei 11.343, de 2006.
Outro fator importante a ser observado, diz respeito às circunstâncias e consequências do fato criminoso, isto é, seu resultado naturalístico, a partir destes aspectos, é possível demonstrar-se com mais facilmente a necessidade de aplicação de determinada medida cautelar.
As condições pessoais do agente também precisam ser devidamente averiguadas, considerando, por exemplo, a atividade laborativa exercida pelo indivíduo para que não seja afetada ou inviabilizada pela cautelar aplicada, desde que o trabalho não tenha relação com o delito cometido.
As novas medidas estabelecidas pela Lei 12.403/11 estão, como já mencionado, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III- proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica
Conforme o exposto, estas medidas foram implementadas, principalmente, para solucionar o problema que trazia o binômio “prisão X liberdade”, de forma que são dadas aos aplicadores da lei outras alternativas além da restrição da liberdade do indivíduo.
A prisão preventiva passa a ser muito mais restrita e aplicável apenas aos casos em que configuram-se todos os requisitos necessários. A liberdade é a regra, enquanto o encarceramento, a exceção.
3. Prisão Preventiva
O artigo 5º, LXVI, da Constituição da República, dispõe que ninguém será levado à prisão, ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
Assim, quando estiverem presentes os requisitos para a concessão da liberdade provisória, não há razão para manter preso quem ainda não foi condenado, em respeito ao princípio da presunção de inocência, inerente ao Regime Democrático de Direito e insculpido na Constituição da República de forma expressa no artigo 5º, LVII.
Demais disso, é indispensável para a manutenção da segregação cautelar, qualquer que seja a sua modalidade, a existência dos fundamentos para a custódia preventiva, sem os quais a liberdade provisória é medida que se impõe.
Com o advento da lei 12.403/22, a prisão preventiva passou a ser a ultima ratio das medidas cautelares, ante as mudanças e a constituição das novas medidas alternativas. Assim, somente é utilizada quando as demais cautelares não forem suficientes para solucionar o caso concreto, bem como devem ser devidamente preenchidos os requisitos (que serão expostos a seguir, em momento oportuno).
Em atenção ao que dispõe o artigo 282, § 6º, do Código de Processo Penal com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.403, de 2011, somente se autoriza a decretação da prisão preventiva caso as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal não sejam cabíveis na espécie, isto é, surtiriam efeito no caso concreto. Em outras palavras, a preventiva só é aplicável caso nenhuma outra cautelar seja suficiente, como último recurso.
Não há um consenso doutrinário acerca de quais seriam as finalidades da prisão preventiva. O exposto por Flaviane de Magalhães Barros (2011), entretanto, parece atender ao questionamento de forma bastante pertinente. Considera que são duas as finalidades da preventiva, sendo a primeira, o direito ao processo (justo), quando se usa a segregação cautelar para evitar que a pessoa atrapalhe o andamento do processo. E a segunda, uma tutela ao direito à acusação, à medida em que a prisão busca preservar provas do processo.
É perfeitamente possível a decretação da prisão preventiva na fase pré-processual ou inquisitorial. Entretanto, só pode ser realizada mediante requerimento do Delegado de Polícia ou do representante do Ministério Público, não podendo ser realizada de ofício pelo Juiz.
Na fase processual, o Juiz pode decretar a preventiva de ofício, e, da mesma forma, através de requerimento do Promotor de Justiça ou da Autoridade Policial. Esta é a interpretação do artigo 311 do Código de Processo Penal. Vejamos:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
É requisito indispensável para decretação da prisão preventiva a existência de provas da materialidade e indícios da autoria de um delito doloso punível com pena superior a quatro anos. É imprescindível, ainda, a existência de periculum libertatis, isto é, o Juiz precisa demonstrar que há perigo no fato de o indivíduo permanecer em liberdade.
Neste sentido Barros (2011), ensina:
Como medida cautelar que é, a prisão preventiva se presta a proteger o direito ao processo, bem como o direito da acusação que é ou será deduzido em juízo. Ou seja, diante da necessidade e adequabilidade da medida em face do concreto periculum libertatis do indiciado ou acusado presta-se a proteger o direito da acusação, evitando que provas sejam destruídas ou ocultadas e que o indiciado ou acusado fuja, a fim de escusar-se da aplicação da lei.
O artigo 312 do Código de Processo Penal prevê fundamentos que devem estar (ao menos um deles) presentes para que seja decretada a prisão preventiva. O primeiro deles é a “garantia da ordem pública”. Ocorre que, como em várias outras ocasiões no nosso ordenamento jurídico, o legislador não definiu em que consistiria a garantia da ordem pública. Ao passo que o Supremo Tribunal Federal passou a analisar a questão determinadas hipóteses foram mais utilizadas para explicar o que é a garantia da ordem pública3. Em determinados julgados, o STF entende como sendo a garantia da confiabilidade da justiça, isto é, se o indivíduo está, de alguma forma, prejudicando o processo e o Judiciário não reage a isso, sua credibilidade pode ser afetada.
Há também o argumento de que consistiria em uma análise da periculosidade do sujeito, com sua possibilidade de reiteração, de forma que, se o indivíduo tem grandes chances de cometer novamente um delito, sua segregação cautelar é uma garantia para a ordem pública.
Uma terceira hipótese de definição do que consistiria a ordem púbica, encontrada em decisões do Supremo, é o chamado clamor público, nos casos em que o evento criminoso repercutiu muito na sociedade e é imprescindível que o Judiciário tome uma atitude a respeito. Ainda segundo o STF, são características da ordem pública: a necessidade de resguardar a integridade física do paciente ou de terceiros; o objetivo de impedir a reiteração de condutas criminosas desde que fundamentado em dados concretos; e a necessidade de assegurar a credibilidade das instituições públicas.
Neste sentido:
“Diante do ordenamento jurídico brasileiro, justifica-se a restrição cautelar de liberdade individual nos casos em que as provas mostram que a liberdade do suspeito (ou condenado) pela prática do fato delituoso põe em risco a ordem pública; ou que suas condições pessoais permitem deduzir que sua liberdade coloca em risco a aplicação da sanção. Mas tal não afasta a observância do princípio do duplo grau de jurisdição, que é uma das principais garantias de revisão das decisões judiciais “. (STF – HC 76.221-8 – Rel. Ilmar Galvão – DJU 5.6.98, p. 3)”
Outro fundamento previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal é a garantia da ordem econômica. Aqui, não há tanta divergência quanto ao conceito, isto porque há uma definição constitucional do que é ordem econômica, de forma que existe um capítulo na Constituição da República Federativa do Brasil com este título4, consistindo, portanto, na manutenção da harmonia das questões financeiras, no sentido de evitar grandes danos às relações econômicas. Entretanto, este requisito, embora devidamente definido é extremamente criticado, no sentido de que naqueles crimes que efetivamente afetam a ordem econômica, seria mais racional e, principalmente, mais efetivo, impor cautelares patrimoniais, como aresto ou sequestro.
Há também o fundamento da preventiva na “conveniência da instrução criminal”, segundo o qual a prisão seria necessária para evitar que o investigado/acusado perturbe a produção de provas no processo ou na investigação, seja por meio da destruição de provas e documentos, intimidação de vítimas ou testemunhas, etc.
Por fim, também é possível, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, fundamentar a prisão preventiva na “aplicação da lei penal”, que seria quando se percebe que o réu oferece risco de fuga real. O risco deve ser explícito para que este fundamento seja utilizado, não bastando, por exemplo, que o indivíduo possua um passaporte. Até porque, neste caso, seria suficiente e, até mais eficaz, que o passaporte fosse confiscado, não sendo necessário o encarceramento do indivíduo.
Entretanto, não basta preencher um dos fundamentos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, para a decretação da prisão preventiva deve haver uma interpretação conjunta deste dispositivo e do artigo 313 do mesmo ordenamento:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Assim, tem-se que, para ser cabível a preventiva, uma das hipóteses do art. 312 deve restar configurada, bem assim, diante de uma interpretação a contrario sensu do artigo 313 acima transcrito, encontramos limitações à prisão preventiva.
As limitações são os casos em que não pode ser aplicada a preventiva, são elas, quando o crime é doloso com penas máximas cominadas aos delitos menores de quatro anos, quando o crime é culposo com qualquer pena prevista e quando os crimes são de menor potencial ofensivo, previstos na Lei 9.099/95. No caso destes últimos, que são delitos cuja pena máxima é menor que 2 anos, vale ressaltar que não cabe nenhuma cautelar pessoal, sob o argumento da proporcionalidade, mencionado no início deste artigo.
As limitações, por sua vez, não são absolutas e possuem exceções. Caso o indivíduo seja reincidente em crime doloso, o limite de delito com pena superior a quatro anos deixa de ser considerado e a preventiva passa a ser uma possibilidade (inciso II do art. 313). Além disso, podem ser desconsiderados os limites para garantia de cumprimento de medidas protetivas em favor de mulheres, idosos, crianças e adolescentes ou pessoas com deficiência, em caso de violência contra estes indivíduos vulneráveis.
4. Aspectos temporais da preventiva
A Convenção Interamericana de Direitos Humanos veda expressamente medidas cautelares de duração indefinida no tempo. Neste sentido, SANGUINÉ (2014):
A Recomendação Rec (2006) n. 13, adotada em 27.09.2006, pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa, estabelece que ‘é necessário sempre dar prioridade aos casos envolvendo uma pessoa que tenha sido colocada em prisão provisória (item 24.2). Ademais, ‘em nenhum caso, a prisão provisória deve violar o direito de uma pessoa detida de ser julgada em um prazo razoável ’ (item n. 22.3).
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos considera que ‘o art. 7.5 da Convenção garante o direito de toda pessoa em prisão preventiva a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser colocada em liberdade, sem prejuízo de que continue o processo. Esta norma impõe limites temporais à duração da prisão preventiva e, em consequência, às faculdades do Estado para assegurar os fins do processo mediante esta medida cautelar’. Para a Corte Interamericana, ‘quando o prazo de prisão preventiva ultrapassa o razoável, o Estado poderá limitar a liberdade do imputado com outras medidas menos lesivas que assegurem seu comparecimento ao julgamento, distintas da privação da liberdade. Este direito do indivíduo traz consigo, por sua vez, uma obrigação judicial de tramitar com maior diligência e presteza os processos penais nos quais o imputado se encontre privado da liberdade. Do princípio de presunção de inocência reconhecido no artigo 8.2 da Convenção, deriva a obrigação estatal de não restringir a liberdade do detido mais além dos limites estritamente necessários para assegurar que não impedirá o desenvolvimento eficiente das investigações e que não elidirá a ação da justiça. A prisão preventiva é uma medida cautelar, não punitiva. Constitui, ademais, a medida mais severa que se pode impor ao imputado. Por isso, se deve aplicar excepcionalmente. A regra deve ser a liberdade do processado enquanto se resolve acerca de sua responsabilidade penal. A jurisprudência do Tribunal Constitucional Espanhol considera que a verdadeira razão para a exigência de um prazo máximo para a prisão cautelar é a de oferecer uma garantia de segurança jurídica ao atingido pela medida cautelar e contribuir a evitar dilações indevidas (…) A razoável duração do processo penal constitui um princípio que por natureza tende a infringir a tradicional dialética dicotômica entre garantia e eficiência. Embora intrinsecamente ligado à finalidade de economia processual, representa uma das garantias qualificadas do ‘devido processo legal’, traduzindo-se, no âmbito penal, na exigência de evitar que uma pessoa submetida a uma acusação permaneça um tempo demasiado na incerteza da sua sorte e, contemporaneamente, na consagração de um princípio geral de boa administração da justiça, com o qual se visa garantir o correto exercício dos direitos fundamentais do acusado. (…) A exigência de controle do juiz sobre o tempo de prisão constitui providência que dá efetiva vigência ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII) (…)”
Em razão desta vedação, considerando que a legislação brasileira não limita temporariamente as medidas cautelares, já existiram alguns projetos de lei que tentaram impor limite temporal a estas medidas, especialmente a prisão preventiva diante de sua severidade, entretanto, sem êxito.
Houve um projeto que buscava limitar a cautelar de prisão em 150 dias5, entretanto, não foi aprovado com o argumento de que como os fundamentos da preventiva são sempre circunstâncias, enquanto o motivo da preventiva subsistir, ela é legítima, não fazendo sentido se limitar temporalmente de forma tão certa.
A premissa faz todo sentido, considerando que pode ocorrer de, transcorridos 150 dias, os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva ainda estarem presentes, principalmente nos casos graves que há risco às vítimas, testemunhas e provas processuais, e o procedimento ainda não se encerrou (essencial considerara a morosidade do judiciário brasileiro).
Outro mecanismo que já foi alvo de proposta legislativa consiste na reanálise da preventiva após 90 dias de sua decretação de forma obrigatória6 , se os motivos da preventiva ainda persistem depois desse tempo. Mas não foi para frente este processo – por um motivo muito pragmático, se você gera um dever de reexame, você gera mais trabalho para o juiz, o que é muito complicado na nossa realidade – muito trabalho para poucos juízes.
4.1. Análise jurisprudencial
4.1.1. HC 220218-RJ, da 5ª Turma do STJ
No julgamento do HC 220218-RJ, da 5ª Turma do STJ, julgado em 16/2/2012.de relatoria da Ministra Laurita Vaz, foi analisado o caso de um indivíduo que encontrava-se preso provisoriamente há mais de um ano, sem que a denúncia tivesse sido recebida. Vejamos:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. […] ORDEM DENEGADA.1. Os prazos indicados para a conclusão da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, pois variam conforme as peculiaridades de cada processo, razão pela qual a jurisprudência os tem mitigado, à luz do Princípio da Razoabilidade. 2. Somente se cogita da existência de constrangimento ilegal, por eventual excesso de prazo para a formação da culpa, quando o atraso na instrução criminal for motivado por injustificada demora ou desídia do aparelho estatal.3. No caso, a prisão do Paciente ocorreu em 22/12/2010. Contudo, não se pode perder de vista que o processo é complexo, envolve uma organização criminosa com vários integrantes (ao todo 34 Corréus). Ademais, o Custodiado foi transferido para um estabelecimento penal em Unidade da Federação distinta da do distrito da culpa, o que demanda a expedição de cartas precatórias. 4. O processo-crime também foi desmembrado com relação aos Denunciados que permaneceram presos, dentre os quais, o ora Paciente, numa demonstração inequívoca de que o feito terá seguimento mais célere para estes réus. 5. Ordem denegada, com recomendação de urgência no prosseguimento do feito. (HC 220.218/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 10/09/2012 )
Trata-se de processo complexo, com total de 34 (trinta e quatro) acusados de formação de quadrilha armada, sendo que o impetrante seria, supostamente, um dos chefes da organização criminosa, vulgarmente conhecida como “milícia”, que atuava no município de Duque de Caxias.
O argumento levantado pelo impetrante é de que haveria excesso de prazo e, por isso, a prisão preventiva deveria ser relaxada. O Tribunal entendeu que apenas o tempo da preventiva não é suficiente para ensejar sua revogação ou relaxamento, sendo que devem ser analisadas as peculiaridades do caso concreto.
De acordo com a Ministra Laurita Vaz7, os prazos indicados para a conclusão da instrução
criminal servem, tão somente, para que haja um parâmetro geral, que entretanto, não precisa ser seguido à risca, já que dependem das peculiaridades de cada caso, utilizando como fundamento o princípio da proporcionalidade.
No caso dos autos em análise, foi concluído pelo STJ que, considerando a complexidade do processo, e o fato de que o atraso não ocorreu por falhas no aparato estatal, não há que se falar em excesso de prazo, sendo a prisão preventiva legítima.
4.1.2. HC 142177/RS da 2ª Turma do STF
O HC 142177/RS, julgado pela 2º Turma do Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello, trata-se de caso em que acusados foram presos pela suposta prática dos crimes do artigo 121, § 2º, I, III, e IV, artigo. 121, § 2º, IV e V, c/c. artigo 14, II, do CP, artigo 211, todos do Código Penal e artigo 12 da Lei 10.826/06. Vejamos:
[…] “HABEAS CORPUS” DEFERIDO – Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.– O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu –, traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.– A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor- fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 9º, n. 3) Doutrina. Jurisprudência. (HC 142177, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe- 212 DIVULG 18-09-2017 PUBLIC 19-09-2017)
O Juízo singular pronunciou os réus, exceto um deles por um dos fatos narrados, seguindo- se, assim, a interposição de inúmeros recursos cabíveis, sendo que, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus analisado, estava pendente Recurso Especial interposto pelo Ministério Público.
O paciente encontrava-se preso desde 02/03/2010, há mais de 7 anos na época do julgamento do HC, e o processo encontrava-se no Superior Tribunal de Justiça desde 17 de setembro de 2012, aguardando o julgamento do Recurso Especial citado.
Ante os fatos expostos, o Supremo Tribunal Federal concedeu ordem em “habeas corpus” para revogar prisão preventiva do paciente por excesso de prazo e ainda determinou que o Superior Tribunal de Justiça julgasse o Recurso Especial pendente no prazo máximo de dez sessões, contando da comunicação da decisão.
A ordem foi concedida com o argumento de que no nosso sistema jurídico processual penal a prisão possui um caráter excepcional, mesmo com relação a crimes hediondos. Considerou que, no caso, houve excesso de prazo na prisão preventiva, já que o atraso processual era exclusivamente imputável ao aparelho judiciário, restando comprometida a própria efetividade do processo.
O relator Ministro Celso de Mello argumentou, ainda, em seu voto8, que o caso demonstrava o desprezo do Estado pela liberdade do indivíduo, de forma a lesionar o direito à resolução do litígio sem dilações indevidas previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF/88. E acrescentou, também:
Impende registrar, por relevante, que esta Suprema Corte – embora assinalando que a prisão cautelar fundada em decisão de pronúncia não tem prazo legalmente predeterminado – adverte, no entanto, que a duração dessa prisão meramente processual está sujeita a um necessário critério de razoabilidade, no que concerne ao tempo de sua subsistência, como o evidenciam decisões proferidas por este Tribunal
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos9 em seu art. 7º, n. 5, dispõe: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade (…)”
No referido julgado, o Ministro relator apresenta argumentos cujas passagens são válidas de se colacionar:
“Isso significa, portanto, que o excesso de prazo, analisado na perspectiva dos efeitos lesivos que dele emanam – notadamente daqueles que afetam, de maneira grave, a posição jurídica de quem se acha cautelarmente privado de sua liberdade –, traduz, na concreção de seu alcance, situação configuradora de injusta restrição à garantia constitucional do “due process of law”, pois evidencia, de um lado, a incapacidade de o Poder Público cumprir o seu dever de conferir celeridade aos procedimentos judiciais e representa, de outro, ofensa inequívoca ao “status libertatis” de quem sofre a persecução penal movida pelo Estado.”
(…)
“É preciso enfatizar, uma vez configurado excesso irrazoável na duração da prisão cautelar do réu, que este não pode permanecer exposto a uma situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se , mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal”
O Ministro relator alegou, também, que a duração irrazoável, prolongada e abusiva da prisão preventiva é uma afronta o preceito da dignidade da pessoa humana (exposto no tópico 1.1 deste artigo). Com relação à dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet (2007), doutrina:
"Poder entender, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui o reduto intangível de cada individuo e, neste sentido, um estreito entrelaçamento entre os direitos fundamentais. Salienta-se que para além da tríada vida, liberdade e igualdade, também há outros direitos fundamentais que podem ser reconduzidos e considerados como exigência ao princípio da dignidade humana" 10
4.1.3. HC 141583/RN da 2ª Turma do STF
O Habeas Corpus 141583/RN julgado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, trata de um caso em que o réu foi preso preventivamente pela prática, supostamente, de delitos previstos na Lei de Drogas (Lei nº 11.343, de 2006), sendo que haviam transcorrido quatro anos, por ocasião do julgamento, sem que tivesse sido realizada audiência para interrogatório.
Vejamos:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 691/STF. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A teor da Súmula 691/STF, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. 2. Não há ilegalidade evidente ou teratologia a justificar a excepcionalíssima concessão da ordem de ofício na decisão que impõe prisão preventiva com base em elementos concretos aptos a revelar a especial gravidade da conduta. 3. Paciente preso preventivamente há mais de quatro anos, sem que tenha sido realizada audiência de interrogatório e sem previsão para a efetivação do ato. 4. Embora a razoável duração do processo não possa ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concreto, diante da demora no encerramento da instrução criminal, sem que o paciente, preso preventivamente, tenha sido interrogado e sem que tenham dado causa à demora, não se sustenta a manutenção da constrição cautelar. 5. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, salvo se preso por outro processo, sem prejuízo da imposição de medidas cautelares diversas (art. 319, CPP). (HC 141583, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 19/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017)
A ordem do Habeas Corpus foi concedida, sendo que o STF considerou que havia flagrante excesso de prazo na prisão cautelar, determinando a imediata soltura do paciente. O principal argumento utilizado foi que, em que pese a duração razoável do processo não deva se considerada de forma isolada e divorciada do contexto e das peculiaridades do caso concreto, se não houver justificativa para a morosidade, não tendo sido o preso preventivo sequer interrogado, a prisão cautelar não se sustenta.
5. Conclusão
A norma fundamental da dignidade da pessoa humana, constante na Constituição da República de 1988, é imprescindível na interpretação do direito e não pode ser mitigada. A partir da ótica deste preceito, é de se concluir que as prisões não podem ter seu aspecto temporal ignorado, conforme foi observado nas decisões do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liberdade a indivíduos presos preventivamente há anos, sem que o processo fosse jugado em razão da morosidade do Judiciário.
O princípio da razoável duração do processo também é essencial nesta análise, sendo que ele está expressamente previsto no sistema jurídico brasileiro no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, o qual assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Além disso, é necessário questionar também até que ponto a duração exacerbada de medidas cautelares não desvirtua as características essenciais do instituto e as transformam em verdadeira antecipação de pena, com uma indevida sobreposição do sistema processual penal sobre o penal.
Os limites temporais da prisão preventiva permanecem uma incógnita no Direito Brasileiro, de forma que os tribunais superiores, como foi visto, têm discutido essas questões trazendo elementos como a proporcionalidade da medida cautelar para análise do caso concreto.
Ao passo que a prisão preventiva busca assegurar o bom funcionamento do poder judiciário, a devida aplicação da Lei Penal e/ou a garantia da “ordem pública”, quando ela vem carreada de um lastro temporal excessivo, sua própria essência se perde, de forma que, como mencionado, passa a ser um cumprimento antecipado de eventual pena a ser aplicada em caso de condenação.
É nesse sentido que se mostra necessário que haja uma regulação, seja por entendimento jurisprudencial sedimentado, por exemplo, com edição de Súmulas Vinculantes, seja através da normatização da questão por parte do Poder Legislativo. Para que assim, os magistrados de primeiro grau, aplicadores do Direito, possuam parâmetros quanto à análise do aspecto temporal das prisões preventivas e o tempo de incidência das cautelares não seja deixado meramente à mercê da discricionariedade judiciária.
1 p. 146.
2 p. 209 - 210
3 CHOUKR (2011), p. 79 – 84.
4 Título VII da Constituição da República Federativa do Brasil.
5 CHOUKR (2011), p. 88 – 93.
6. Idem
7. In verbis: “Como se sabe, os prazos indicados para a conclusão da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, pois variam conforme as peculiaridades de cada hipótese, razão pela qual a jurisprudência os tem mitigado, à luz do Princípio da Razoabilidade. Assim, somente se cogita da existência de constrangimento ilegal, por eventual excesso de prazo para a formação da culpa, quando o atraso na instrução criminal for motivado por injustificada demora ou desídia do aparelho estatal. No caso, a prisão do Paciente ocorreu em 22/12/2010. Contudo, não se pode perder de vista que o processo é complexo, envolve uma organização criminosa com vários integrantes (ao todo 34 Corréus). Ademais, o Custodiado foi transferido para um estabelecimento penal em Unidade da Federação distinta da do distrito da culpa (Penitenciária Federal de Campo Grande/MS), o que demanda a expedição de cartas precatórias. Logo, não há como ser reconhecido, na hipótese, qualquer constrangimento ilegal, por eventual excesso de prazo para a formação da culpa”
8. Em seu voto, o Ministro Celso de Mello cita ODONE SANGUINÉ: “A prisão cautelar é uma medida provisória, pois se destina a garantir a ordem jurídica até que outras medidas (desenvolvimento regular do processo e a execução da sentença) possam ser tomadas. A sua duração, em princípio, encontra-se em função da duração do processo penal principal, cujo objeto tende a assegurar. A limitação temporal máxima da prisão cautelar tem como fundamento sua natureza de medida cautelar instrumental e excepcional em virtude da presunção de inocência, do princípio de proporcionalidade e do Estado de Direito e atua como um reforço efetivo para todas aquelas garantias concernentes à liberdade física da pessoa humana, de modo que implicará a necessidade de que se extinga quando terminar o processo principal, com ou sem sentença condenatória transitada em julgado, sem a qual não cabe a execução da pena. Como a meta da agilização dos processos principais não se cumpre na praxe judicial, é necessário fixar um prazo máximo para evitar que o imputado seja privado de liberdade por um tempo excessivo por causa de dilações indevidas no curso do processo penal. A existência de um limite temporal à prisão cautelar age tanto como um impulso à acusação para agir rapidamente no julgamento quanto uma proteção ao acusado no sentido de que deve ser minimizada qualquer dilação desnecessária. O direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável ou de ser colocado em liberdade está previsto em diversos Convênios Internacionais: art. 5º, 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950; art. 9.1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, em vigor no plano interno desde 1992, e art. 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Prisão Cautelar, Medidas Alternativas e Direitos Fundamentais”, p. 463/465 e 467, item n. 3.1, 2014, Forense)
9. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm>
10. SARLET, Ingo Wolfgang, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 2ª, Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2004, p. 124
REFERÊNCIAS:
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