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Possíveis reflexos da nova maioridade civil no Direito Processual Penal

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18/12/2005 às 00:00
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4. Conclusão

            Muito embora a entrada em vigor do novo Código Civil, com a efetiva vigência e aplicação da norma que reduz a maioridade civil, num primeiro momento, dê azo a uma considerável celeuma de posições doutrinárias, principalmente acerca da acomodação dessa regra às normas interdependentes hauridas de outros ramos do Direito, o operador do direito deve fazer um esforço de exegese e hermenêutica para evitar contradições dentro de uma ordem jurídica.

            No campo do direito processual penal, analisada a possibilidade de extensão dos efeitos da nova maioridade civil aos dispositivos do Código de Processo Penal sob a ótica da razão da norma e apoiada no princípio da aplicação imediata da lei processual penal, concluiu-se que foram profundamente afetados pela norma civil os artigos 15, 262, 449 e 564 do Código de Processo Penal (referentes à nomeação de curador ao acusado menor), bem como os arts. 34, 50, 52 e 54, do mesmo Diploma (que tratam da legitimação do representante legal do ofendido menor na ação penal privada).

            Assim, considerando que a nomeação de curador nos atos processuais penais, incluindo o próprio inquérito policial, era feita apenas aos relativamente incapazes tidos como imputáveis criminalmente (com idade entre 18 e 21 anos), é possível concluir que a regra anteriormente aplicada tornou-se incompatível com a nova ordem legal.

            Note-se que, portanto, não encontramos mais qualquer sentido quando a lei processual penal declina as expressões indiciado ou acusado menor, já que, hoje, a maioridade absoluta equipara-se à imputabilidade penal, ocorrendo, salvo melhor juízo, uma revogação tácita dos artigos atinentes à nomeação de curador ao indiciado durante o inquérito policial e também no interrogatório do réu.

            Já em relação ao exercício do direito de queixa, renúncia, concessão e perdão na ação penal privada, adotamos raciocínio análogo ao esmiuçado quanto à figura do curador, pois, não mais existindo representação legal do maior de 18 anos, inexiste, do mesmo modo, legitimação concorrente que confira ao representante legal do ofendido que tenha entre 18 e 21 anos iniciativa de ação penal privada, bem como poder de disposição quanto a esta.

            Em breve tópico, adotamos também o mesmo entendimento quanto ao exercício do direito de representação, este, na vigência do novo Código Civil, cabível apenas ao ofendido, quando maior de 18 anos e plenamente capaz.

            Embora a interpretação do artigo 2.043 do Código Civil vigente possa parecer a mais razoável (a mais cômoda, por certo é), não deve prevalecer, por todos os motivos expostos no decorrer deste trabalho.

            Assim, em conclusão, embora não haja como negar a urgente necessidade de uma reforma da legislação penal, não pode o operador do direito manter-se inerte diante da nova ordem jurídica, devendo, desde já, adequar as normas vigentes a realidade, buscando sempre atender aos princípios orientadores da administração da Justiça, especialmente para evitar que a controvérsia seja resolvida segundo a velocidade e temperança da jurisprudência, sempre mais cadenciada e oscilante, quando a lei poderia, mais clara e rapidamente, promover o uniforme tratamento das questões civis e seus reflexos no sistema penal brasileiro.


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Notas

            01

"Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial".

            02

STF, RTJ 103/993.

            03

"Art. 194. Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador".

            04

RT 720/492.

            05

"Art. 262. Ao acusado menor dar-se-á curador".

            06

"Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor".

            07

"Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

            08

A norma contida no artigo 563 do CPP é complementada pelo artigo 566, do mesmo diploma, em cuja redação se lê: "não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou decisão da causa".

            09

"Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representa-lo caberá intentar a ação privada".

            10

Súmula 594, STF: "Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal".

            11

"Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.

            Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro".

            12

"Art. 52. Se o querelante for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito".

            13

"Art. 54. Se o querelado for menor de 21 (vinte e um) anos, observar-se-á, quanto à aceitação do perdão, o disposto no art. 52".

            14

"Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente".
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Sobre a autora
Daphne Perez Soares

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Daphne Perez. Possíveis reflexos da nova maioridade civil no Direito Processual Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 898, 18 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7728. Acesso em: 10 mai. 2024.

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