Contrato de seguro e o suicídio: divergência entre o art. 798 do Código Civil de 2002 e o entendimento sumulado das cortes superiores

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Busca-se o entendimento sobre o tratamento dispensado às hipóteses de suicídio do indivíduo segurado, antes da vigência do CC de 2002 e após, tendo em vista a contradição entre o dispositivo e as jurisprudências sumuladas do STF e no STJ.

RESUMO: O contrato de seguro é disciplinado no Código Civil de 2002 nos artigos 1.432 a 1.476 possui relevante papel socioeconômico e é um dos institutos mais importantes na atualidade. Justifica-se pelo anseio de proteção contra os infortúnios da vida, que a cada dia aumentam. Esta revisão sistemática propõe pesquisar o instituto do contrato de seguro, destacando suas principais características e espécies, tal como o seguro de vida, que tutela o maior bem do jurídico do ser humano, a vida. Trata-se de um tipo de investigação que visa identificar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis. A amostra compreende artigos, súmulas dos tribunais superiores, legislação vigente, além da doutrina brasileira. Busca-se o entendimento sobre o tratamento dispensado às hipóteses de suicídio do indivíduo segurado, antes da vigência do CC de 2002 e após, tendo em vista a contradição entre o dispositivo e as jurisprudências sumuladas do STF e no STJ que não foram revogadas expressamente, vislumbrando o recente posicionamento do STJ em sede de julgamento de agravo regimental, presumindo-se que foi celebrado um contrato com a intenção de se matar não é plausível, tendo em vista o estado que se encontra aquele que deseja ceifar a própria vida. Na maioria dos casos, o suicídio decorre de problemas psicológicos, de modo que, não o indivíduo não goza de plenas faculdades mentais. A questão da presunção de premeditação aparenta ser inconcebível, pois não leva em conta a boa-fé do segurado, tão pouco, preocupa-se em saber quais motivos o levaram a realizar o ato.

PALAVRAS – CHAVE: Lei. Segurado. Contradição. Jurisprudência. Suicídio.

INTRODUÇÃO

O Instituto do contrato de seguro tem aumentado sua importância, no plano econômico social a cada dia, pois que permite as pessoas se protegerem contra a ocorrência, cada vez mais diversificada, de riscos pré-determinados. (RIZZARDO, 2005)

O ato de matar a si mesmo, suicídio, é fenômeno intrínseco a cada sociedade e tem sido objeto de estudo de diversos ramos do conhecimento, em busca de respostas às diversas indagações sobre suas causas, prevenção e consequências sociais e jurídicas. (COSTA, 2014).

Verificou-se que algumas pessoas contraíam apólices de seguro de vida e pouco tempo depois suicidavam, deixando para a seguradora o dever de indenizar, ainda que a reserva de capital fosse muito baixa. Restando claro o intuito de fraudar o sistema securitário, o legislador pátrio de 1916, estabeleceu diretrizes de plano subjetivo, ao passo de que as cortes superiores sumularam posicionamento no mesmo sentido. (GONÇALVES, 2012)

Em 2002, o Código Civil brasileiro, adotou um critério objetivo temporal para determinar se cabe indenização ou não, por parte da seguradora. Trata-se de analisar se o suicídio ocorreu antes ou depois de decorrido o prazo de dois anos. (GOMES, 2009)

O presente artigo objetiva pesquisar e analisar o contrato de seguro, e o tratamento dispensado às hipóteses de suicídio do segurado, como também apontar breves dados históricos desse instituto, selecionar suas principais características, classificações e algumas espécies, tais como o seguro de vida. Ainda, sintetizar e avaliar o entendimento que se formou acerca da divergência do artigo 798 do Código Civil de 2002 e a jurisprudência consolidada através das súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e 61 do Superior Tribunal de Justiça que não foram revogadas expressamente.

A amostra compreende artigos, súmula do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, legislação e doutrina brasileira. Justifica-se esse estudo pela necessidade de entendimento acerca do tema, que possivelmente oscilou ao longo do tempo, gerando dúvidas tanto para os aplicadores do Direito, quanto para a sociedade civil. Além de colaborar para a preservação da segurança jurídica dos contratos, em favor do segurado, como também da seguradora, evitando constrangimentos inesperados.

CONTRATO DE SEGURO

BREVES APONTAMENTOS HISTÓRICOS

A preocupação quanto aos infortúnios a que estão sujeitos os indivíduos durante a vida, não é algo recente. A origem do contrato de seguro remete há tempos distantes, quando a atividade mercantil ganhava impulso. Esses comerciantes não queriam suportar sozinhos os prejuízos da materialização dos riscos, então faziam pactos de cooperação mútua. O contrato de seguro por risco marítimo, surgido no século XII propiciava ao navegante um empréstimo para realizar sua viagem, transferindo o risco para um terceiro. Se não obtivesse sucesso na empreitada, o valor não era restituído, caso contrário, o capitalista o reavia acrescido de juros, é o que preceitua Laís Manica (2010).

As primeiras apólices foram emitidas em cidades italianas em 1385 e a partir de então, o contrato de seguro irradiou pela Europa. A Revolução Industrial no século XIX foi o estopim para o amplo desenvolvimento da espécie contratual, com o surgimento de inúmeras companhias de seguro contra incêndios, tais como a Hand in Hand na década de 60. O Brasil, por sua vez, adotava a regulamentação de Portugal. Hoje, a Constituição Federal privatiza a competência da União para legislar sobre o instituto e apresenta uma esparsa legislação infraconstitucional a respeito. (MANICA, 2010)

CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O código Civil de 2002 cuidou de conceituar o contrato de seguro. Trata-se daquele pacto em que um das partes, o segurador, se obriga, mediante recebimento de um prêmio, a garantir interesse legítimo, da outra, o segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos pré-determinados. (CC, art. 757)

Esse tipo contratual é peculiar, vez que não é somente a junção de interesses individuais para amenizar os riscos, mas sim, uma conjunção jurídica e econômica, baseada na ideia de comunidade e interesse coletivo, ou seja, na mutualidade, diferente da bilateralidade comum aos demais contratos típicos, como enfatiza Judith Martins-Costa (2014). Ressalte-se, ainda, o princípio da boa-fé, potencializada nos contratos de seguro e consagrada no artigo 765 do Código civilista, determinando uma conduta ética e veraz dos contraentes. (VENOSA, 2013)

O contrato de seguro é bilateral. Para o segurado cabe o pagamento do prêmio e para o segurador cabe a garantia do pagamento de indenização, caso ocorra o risco. Trata-se de contrato oneroso, já que gera vantagens para ambas as partes. A maior parte dos doutrinadores tende a classificar o seguro como contrato oneroso aleatório, afirmando a condição de subordinação do segurado ao pagamento da prestação a um evento futuro e incerto, podendo ter ocorrência ou não do risco. Tem natureza consensual, referindo-se ao consenso entre segurado e segurador. Não dependendo de formalidade específica (GONCALVES, 2012).

Conquanto a obrigação do segurador seja condicional, há interdependência das obrigações que gera tanto para uma como para a outra parte. Obriga-se o segurado a pagar o prêmio. Do cumprimento dessa obrigação depende o seu direito a exigir do segurador o pagamento da quantia estipulada, caso se verifique o acontecimento a que se subordina a obrigação deste. Assim, o segurado é devedor de dívida certa e credor de dívida condicional. (GOMES, 2009, p.505)

ESPÉCIES

Como já exposto, sobre os seguros recaem um risco, diante disso faz-se necessário identificar qual a natureza deste para que se delimite a obrigação do segurador. De acordo Gonçalves (2004) hoje, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura, exceto os excluídos pela lei, como os dolosos ou ilícitos e os de valor superior ao da coisa.

Predomina em nosso direito o conceito unitário de seguro. Há um contrato somente, mas que se desdobra em várias espécies ou subespécies. Em todas, impera sempre a ideia de garantia de interesse legítimo e de ressarcimento ou de compensação do dano, seja este patrimonial ou pessoal. Dessa forma, entende-se que os seguros se agrupam em duas classes: dos danos materiais e das pessoas.  (RIZZARDO, 2015) Nesta última, incluem-se os que resguardam a pessoa do segurado contra os riscos a que está sujeita a sua existência, integridade física e saúde. (GOMES, 2009). Aqui, terá mais ênfase o seguro de vida, vez que a questão ora estudada pressupõe esse tipo de seguro.

SEGURO DE VIDA

Gomes (2009) esclarece que por meio desse pacto, o segurador, se obriga a pagar ao segurado, ou terceiro beneficiário, determinada quantia, sob forma de capital ou de renda, quando o evento futuro e incerto se concretiza. É possível segurar a vida de outros, desde que seja comprovado o interesse pela preservação da vida destes.

Importa salientar as sutis diferenças desse tipo de seguro. Enquanto que no seguro de dano, o valor da indenização é do efetivo dano sofrido, nos seguros de vida, por não haver um dano, propriamente dito, mas a perda da vida, violação da integridade física ou o alcance a determinada idade, o valor devido pode ser livremente estipulado, podendo ser pago pela seguradora em um só momento ou em prestações periódicas, como pensão vitalícia ou temporária, de acordo com o autor acima mencionado.

O Código Civil de 2002 dispõe que é nula qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado.

Gonçalves (2012) alude que o interesse, nesses tipos de seguro, não é só individual, mas também altruístico, pois que visa proteger financeiramente aqueles que são importantes ao segurado. Quando se tratar de seguros de vida em favor de terceiro, quer o segurado viver durante a existência daquele. Resta nítida, nesses contratos, a estipulação em favor de terceiro.

 Sendo assim, Venosa esclarece que:

Para a determinação do risco a ser coberto pelo segurador na garantia de vida, é necessário que este conheça o estado de saúde do segurado ou do terceiro. Para tal avulta de importância a boa-fé do declarante ao contrair o seguro. (VENOSA, 2006, p.367)

O montante pago quando da materialização do risco é impenhorável, visto que tem profundo reflexo social e caráter alimentício. Responderá somente por dívidas referentes ao prêmio. (VENOSA, 2013) A impenhorabilidade é afirmada no art. 649, VI, do CPC.

SUICÍDIO

            Ao longo dos séculos, o suicídio foi tema de ocupação das mais diversas áreas do conhecimento. A corrente filosófica do existencialismo, no século XVII, destaca a ideia de liberdade individual e responsabilidade do indivíduo como senhor do seu destino e permeia a questão do suicídio através de expoentes à altura de Hume. Também, a medicina, a psicologia, a religião, literatura, por exemplo, buscaram dar respostas para tantas indagações acerca de tal fenômeno. (COSTA, 2014)

Provindo do latim, sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), forma etimologicamente o suicídio. A conduta de eliminar a si próprio é antiga e esse termo foi introduzido por Desfontaines, em 1737, designando a necessidade de escapar do sofrimento em vida, resolver os problemas que parecem sem solução, através da morte provocada pelo próprio indivíduo, conforme assevera Guilherme Ferreira de Miranda (2010).

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O suicídio é ato voluntário e intencional de matar a si mesmo [...].  É o último e irreversível estagio da autodestruição. É a violência fatal contra si para por fim a uma dor maior do que a vontade de viver. Outras vezes, é um golpe final em si mesmo para punir a outrem. O suicídio é o naufrágio da esperança, a falência dos sonhos, o fim da linha [...]. (LOPES, 2007, p.31)

Émile Durkheim, considerado pai da Sociologia, escreveu, em 1897, “O suicídio”, obra importantíssima que teve como base empírica as sociedades europeias, especialmente a francesa.  Sustenta que o suicídio tem sua causa eminentemente social, afastando qualquer possibilidade de motivos individuais como hereditariedade ou etnia, serem determinantes para o suicídio, ainda que certas características do indivíduo o influenciem ao ato. (MIRANDA, 2010)

SUICÍDIO VOLUNTÁRIO E INVOLUNTÁRIO

Compreender a bipartição do conceito de suicídio é imprescindível, vez que é adotada pela doutrina e jurisprudência, na solução de variadas lides sobre o tema. No suicídio voluntário, o indivíduo premedita a sua ação, dispondo de perfeita saúde mental. Conscientemente, põe fim à sua vida. Essa vontade preordenada pode ser evidenciada por atos positivos da pessoa segurada, como escritos deixados, por exemplo. Nessa espécie de suicídio, retira-se um elemento fundamental do contrato de seguro, qual seja, a aleatoriedade. Os cálculos atuariais realizados pela seguradora com base em variáveis que permitiam a exata aferição de probabilidade de ocorrência do risco são tornados sem efeito. (MARTINS, 2003)

Em contrapartida, é involuntário esse fenômeno quando a alienação mental, dano psíquico ou ainda, qualquer outra causa interna, como uma violenta emoção, subtrai o autocontrole e faz o agente perder o entendimento do seu ato.  (1988 Rizzardo apud Venosa, 2013)

TRATAMENTO DO SUICÍDIO NO CONTRATO DE SEGURO

CÓDIGO CIVIL DE 1916, SÚMULA 105 DO STF E 61 DO STJ

O código Civil de 1916 trazia em seu artigo 1.440 a possibilidade de cobertura securitária à morte por suicídio involuntário, afastando a regra para os casos que fossem premeditados. Estabelecia-se, então, uma analise de plano subjetivo, qual seja, a consciência e intenção do segurado em fraudar o contrato. (GONÇALVES, 2012)

À época da vigência do referido Código, editaram-se duas súmulas. A de nº 105 teve origem no STF em 13 de dezembro de 1963. Dispunha que “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro”. Na mesma linha, editou-se, em 14 de outubro de 1992, a súmula 61, no Superior Tribunal de Justiça, se afirmando que “O seguro de vida cobre morte por suicídio não premeditado”. Levando em conta a boa-fé do segurado em todas as fases contratuais, não se afastando o dever da seguradora de pagar o capital, conforme ensinamento de Gonçalves (2012). 

CODIGO CIVIL DE 2002

Inovou o Código Civil ao trazer entendimento diverso acerca das hipóteses de cabimento de indenização ao segurado suicida. A modificação legislativa passou do critério de aferição subjetivista, qual seja, da premeditação ou não, para um critério temporal. Pretendeu o legislador, não incentivar o suicídio, mas também, quis dificultar a concessão de indenizações (NADER, 2008). Assim preceitua o código civilista:

Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

Imposto pelo legislador, esse critério objetivo limitador, permite algumas interpretações. “De acordo com a primeira, trata-se de espécie de prazo de carência para a cobertura nos casos de suicídio [...]. Consoante outra interpretação o dispositivo instituiria presunção relativa [...]” (GOMES, 2009, p. 513). Assim, é possível que o beneficiário demonstre que não foi premeditado.

Tepedino (2006) se manifestou no mesmo sentido afirmando que o dispositivo em questão possibilita somente uma inversão do ônus da prova, dessa forma, cabe ao beneficiário comprovar sua boa-fé, consequentemente, a não premeditação do suicídio. Restando comprovada a não premeditação, não poderia a seguradora se abster de cobrir o segurando com a garantia pactuada, ainda que o suicídio venha a ocorrer nos primeiros dois anos após o contrato ser firmado.

 O Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito Civil corrobora o entendimento, no sentido de que atribui ao beneficiário o ônus da prova da não premeditação. Porém, é claro equívoco hermenêutico por infringir disposições constitucionais e infraconstitucionais, tais como as do Código de Defesa do Consumidor. (COSTA, 2014)

Carlos Roberto Gonçalves (2004), muito apropriadamente, por sua vez, afirma que a norma deve ser interpretada no sentido de que decorrido o prazo bienal, presume-se que o suicídio não foi intencional. Entretanto, uma vez ocorrendo antes do término do período, caberá à seguradora provar que houve a premeditação com intuito fraudulento. Em harmonia, a 2º e a 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.077.342-MG reafirmaram a importância de interpretar o contrato presumindo a boa-fé e lealdade.

 Em consonância com o entendimento do supracitado autor e da Corte, respectivamente, decidiu o Tribunal de Justiça mineiro em 2013:

Apelação cível. Ação de cobrança. Seguro de vida. Morte do segurado no prazo de 2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro. Suicídio. Art. 798 do cc interpretação literal incabível. Alegação de premeditação deve ser provada. Art. 333, ii do CPC. Ausência de comprovação. Correção monetária a partir da data do evento danoso. Recurso não provido. Conforme consolidada jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o art. 798 do Código Civil de 2002 não alterou o entendimento de que a morte do segurado no prazo de 2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro, somente exime o segurador do pagamento do seguro se ficar comprovada a premeditação do suicídio. É ônus do réu comprovar a ‘existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor’ conforme disposto no art. 333, II do Código de Processo Civil. [...] Recurso não provido (Apelação Cível 1.0024.07.570863- 6/001, Relator Des. Veiga de Oliveira, 10ª Câmara Cível, j. em 09.07.2013, p. em 19.07.2013).

A exegese literal da norma vigente no Código Civilista não é o mais adequado, ainda que, a priori, a apreensão linguística seja imprescindível para que a atividade hermenêutica seja desenvolvida. Não se pode olvidar que o legislador quis desentranhar o aspecto subjetivo nos casos suicídio do indivíduo segurado. (COSTA, 2014)

Apesar de doutrinariamente predominar a tese da interpretação extensiva do dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça modificou o entendimento pacificado em 2011. É o que se verá a seguir.

ATUAL INTERPRETAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No dia 8 de abril de 2015, por decisão da maioria, em sua Segunda Seção, o STJ mudou seu entendimento através do julgamento do agravo regimental do recurso especial nº 1.334.005, que teve como relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para uma interpretação literal do art. 798 do Código Civil. De acordo a íntegra da ementa do agravo interposto, não há a necessidade de a seguradora comprovar a premeditação do suicídio, tão pouco a indenizar quando ocorrido no prazo de dois anos contados a partir da data do pacto.

Depreende-se do julgado, o entendimento da ministra Isabel Gallotti quanto a impossibilidade de interpretações subjetivas relativas à premeditação ou à boa-fé do segurado. Para ela, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, não é possível cobrir o seguro, mas somente em mortes decorrentes de outras causas, justamente para que se evite a dificuldade de prova da premeditação. Sua decisão foi acompanhada pelos ministros João Otávio Noronha, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, é notável o caráter remoto dos contratos de seguro. Adotados desde o século XII para trazer segurança aos navegantes, perdura até os dias atuais para propiciar aos segurados uma amenização das consequências advindas de um sinistro. O artigo então se propôs, para que ampliasse a compreensão sobre o assunto, identificar as principais características do seguro, distinguir suas espécies, e de forma específica, trazer um estudo comparativo entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, elucidando as controvérsias jurisprudenciais decorrentes da alteração do dispositivo que trata a respeito do prazo de carência estabelecido em casos de suicídio, para que seja possível a seguradora garantir a cobertura. O tratamento do referido tema está presente no art. 1440 do antigo Código e no art. 798 do atual.

Dentre as espécies de seguro, o de vida ganha maior ênfase por ser responsável pela proteção da vida e da integridade física, seja do próprio segurado ou de terceiros. Verifica-se então, presente nesta modalidade, o tratamento securitário àquele que tem morte decorrente do suicídio, temática central levada em questão. Diante as alterações sofridas pelo Código Civil, constatou-se, durante a exposição, que o entendimento fixado pelas Súmulas 105-STF e 61-STJ durante a vigência do Código Civil de 1916, que levava em conta a boa-fé do segurado até que se provasse o contrário, não se aplicou ao caso, prevalecendo a interpretação literal sobre o assunto. Dessa forma, para que não houvesse margem para interpretações subjetivas, em julgamento recente da Corte, houve a revisão da jurisprudência quanto ao tema, decidindo que, em situações que o suicídio ocorra antes de completados os dois anos de carência contados do início da vigência do contrato, a seguradora estará isenta de prestar a garantia, ainda que haja a prova da não premeditação.

Percebe-se que, presumir que foi celebrado um contrato com a intenção de se matar não é plausível, tendo em vista as condições e o estado que se encontra aquele que deseja ceifar a própria vida. Em grande maioria dos casos, o suicídio decorre de problemas psicológicos, de modo que, para uma pessoa chegar a esse ponto, não está plena de suas faculdades mentais. A questão da presunção de premeditação, no entanto, torna-se inviável, pois não leva em conta a boa-fé do segurado, tão pouco, preocupa-se em saber quais motivos o levaram a realizar o ato.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1244022/RS, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 13/04/2011, DJe 25/10/2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.334.005/GO. Relatora: Ministro Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, julgado em 08/04/2015.

BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação cível 1.0024.07.570863- 6/001. Relator Des. Veiga de Oliveira, 10ª Câmara Cível, j. em 09.07.2013, p. em 19.07.2013. Lex: Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 65, n° 208, p. 47-271, jan./mar. 2014.

BRASIL.  Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm . Acesso em: 04/11/2016.

COSTA, Judith Martins. CONTRATO DE DE SEGURO. SUICÍDIO DO SEGURADO. ART. 798, CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO. DIRETRIZES E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO CIVIL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. Revista Brasileira de Direito Civil, Volume 1 – Jul / Set 2014.

GONCALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva: 2004.

LOPES, Hernandes Dias. Suicídio – causas, mito, prevenção. São Paulo: Hagnos, 2007, p. 31.

MANICA, Laís. O contrato de Seguro de Vida. Trabalho de Conclusão de curso Faculdade de Direito da Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010. Disponível em acesso em 02/10/2016.

MARTINS, João Marcos Britto. O contrato de Seguro: comentado conforme as disposições do novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003.

MIRANDA, Guilherme Ferreira de. O suicídio no seguro de vida. Trabalho acadêmico orientado. Universidade Estadual da Paraíba, centro de ciências jurídicas, 2010.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, vol. 3, 3ª ed., 2008, p. 385.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 825TEPEDINO, Gustavo. Código Civil Interpretado. Rio de Janeiro: Renovar, v.2, 2006, p. 608.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 2. p. 367.

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Sobre as autoras
Mirelle Reis Martins Vieira

Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi (UniFG).

Talita Moraes Domingues Nascimento

Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi (UniFG).

Samara Stefani Souza Santos

Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi (UniFG).

Thamilia Fernandes Pereira Alves

Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi (UniFG).

Ana Luisa Meireles Barbosa

Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi (UniFG).

Débora Marques Pereira Clemente

Doutoranda em Direito Civil pela Universidad Buenos Aires (UBA), Mestre em Desenvolvimento Social (UNIMONTES), Graduada em Direito (FASA). Docente do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanamabi (UniFG).

Informações sobre o texto

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