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A fragilidade do processo civil brasileiro

01/09/2000 às 00:00
Leia nesta página:

No meu entender, os 3 pontos mais importantes que o Direito Processual Civil brasileiro deve consagrar são:

a) acesso à Justiça;

b) ética no processo;

c) efetividade do processo.

Sem isso, estaremos apenas a teorizar sobre regras e princípios inócuos e a desenvolver a atividade processual inutilmente, debaixo das críticas justas dos jurisdicionados, que cobram um serviço qualificado da Justiça.

Acredito que a teorização do Direito Processual Civil só tem valor real se faz "concretizar" o Direito material.

E, apesar de reconhecer a autonomia do Direito Processual Civil como ciência, coloco-o em nível inferior ao Direito material, este último que é o "fim", enquanto que o outro é apenas o "meio" que é necessário utilizar-se quando ocorre um litígio e as partes não chegam a um consenso para a solução amigável desse litígio.

Verifico também que, no nosso país, há uma "inversão de valores" por se supervalorizar o Processo Civil em detrimento do Direito material, tanto no ensino jurídico quanto na vida forense, com sérios prejuízos para os jurisdicionados (que acabam sendo vítimas de verdadeiras injustiças) e para os operadores do Direito (que se vêem assoberbados de processos, na sua maioria complexos por causa da própria complexidade das regras e princípios processuais).

Pretendo falar um pouco de cada um dos 3 ítens.


ACESSO À JUSTIÇA

O acesso à Justiça é direito garantido pela cidadania, independentemente de ser o cidadão rico ou pobre.

Desnecessário citar dispositivos constitucionais ou leis de menor graduação, doutrina ou jurisprudência, face à evidência e clareza do assunto.

No entanto, sabe-se que as Defensorias Públicas, Escritórios-escola de Faculdades de Direito e advogados que patrocinam gratuitamente as causas cíveis são em número insuficiente para atendimento aos jurisdicionados pobres.

Os Juizados Especiais Cíveis procuram corrigir essa deficiência, mas, por força de lei, só atendem, regra geral, casos em que o valor da causa não ultrapasse 40 salários mínimos, ficando à margem causas de valor maior, mesmo que as partes sejam pobres.

Isso é o que se observa quanto aos patronos das partes, excluídos os casos em que elas próprias não agem em nome próprio, como nos Juizados Especiais Cíveis quando o valor da causa não é superior a 20 salários mínimos.

Mas deve-se lembrar também os casos em que se tem de nomear curador aos citados por edital ou com hora certa, em que advogados oficiam sem nenhum pagamento de honorários, apenas em consideração ao Juízo. Esse um segundo ponto.

No entanto, deve-se falar num terceiro, ou seja, os processos em que seja necessária a realização de perícias. Nesses casos a dificuldade é muito grande, pois se tem de contar com a boa-vontade de peritos que contribuam sem nenhuma remuneração igualmente, quando as partes são pobres.


ÉTICA NO PROCESSO

Quem milita no foro vê muitas vezes processos em que uma das partes é verdadeiro litigante de má-fé e, em não pequeno número de feitos, ambos os litigantes mereceriam a penalização por litigância de má-fé.

Criou-se e admitiu-se como natural a idéia de que a "chicana" é arma de uso aceitável nos processos, inclusive nos casos em que a parte pretende apenas "ganhar tempo".

Dessa forma, eternizam-se os processos, com incidentes descabidos, recursos procrastinatórios e manobras que fazem com que o "justo" não prevaleça ou demore a prevalecer.


EFETIVIDADE DO PROCESSO

De nada vale ser vencedor numa demanda sem que o vencedor "concretize" seu direito face ao vencido.

A mera satisfação moral de uma sentença favorável não é o suficiente.

O vencedor quer que o vencido cumpra a obrigação ou lhe paque o equivalente, mas, se este último não faz isso espontaneamente, em muitos casos fica a obrigação incumprida ou o débito impago.

Pouco se usa de cautelares para garantia efetiva e muito menos as antecipações da tutela, esta última que ainda assusta muitos dos nossos operadores do Direito.

Se o processo de conhecimento é cheio de incidentes supérfluos, a execução não é menos referta de atos realmente desnecessários, que favorecem o devedor impontual.

No entanto, a gama de recursos é talvez um dos problemas mais sérios do Processo Civil, em que se instituiu o duplo grau de jurisdição obrigatório nas causas em que o Estado "lato sensu" é parte, regra absurda, pois o Estado deve ser tratado no mesmo nível de igualdade dos cidadãos, dos quais ele é mero mandatário, e, mesmo nos casos em que são partes os particulares, muitos processos chegar a percorrer até quatro instâncias...


PROPOSTAS DE SOLUÇÕES

Somente, ao meu entender, atacando-se frontalmente esses três pontos cruciais, poder-se-á acreditar a Justiça frente aos cidadãos comuns.

Dessa forma, entendo que, quanto:

a) ao acesso à Justiça deveria ser reforçado com:

1) a valorização das Defensorias Públicas, criando-se novos cargos de Defensores Públicos, pelo menos um em cada Comarca;

2) o pagamento pelo Estado de honorários advocatícios, mesmo que em valores inferiores aos da tabela da OAB aos advogados que funcionam como patronos de partes pobres ou como curadores aos revéis ou citados com hora certa, e pagamento de honorários periciais.

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b) à ética no processo:

1) seja exigido da parte que pede gratuidade que demonstre o "fumus boni iuris" para se evitarem demandas desarrazoadas, incentivadas pela gratuidade; 2) sempre que se configure alguma das hipóteses de litigância de má-fé seja a pena aplicada automaticamente, inclusive com a desconsideração da personalidade jurídica, se for o caso, pena de consagrar-se a impunidade aos que agem maliciosamente.

c) à efetividade do processo:

1) sejam abolidos recursos quando o valor da causa não ultrapassar, por exemplo, 20 salários mínimos;

2) termine o regime de opcionalidade dos Juizados Especiais Cíveis, passando à obrigatoriedade;

3) haja aprimoramento legal e maior investimento no que pertine Juizados Especiais Cíveis, que cognomino de "o futuro da Justiça";

4) seja autorizada a desconsideração da personalidade jurídica em todos os casos em que o patrimônio da pessoa jurídica não seja suficiente para cobrir o débito;

5) sejam passíveis de penhora, arresto etc. bens de devedor em caso da chamada "riqueza aparente";

6) seja abolido o duplo grau de jurisdição obrigatório nas demandas em que é parte o Estado "lato sensu";

7) nos casos de condenação do Estado "lato sensu", ao invés de precatório, obrigue-se o Estado a pagar o débito como qualquer outro devedor, sujeito às regras comuns.

Essas constatações e propostas de soluções são o resultado de pura observação do dia-a-dia do foro e pesquisa no Direito Comparado.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. A fragilidade do processo civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/774. Acesso em: 23 dez. 2024.

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