AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO SERVIÇO PÚBLICO

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Resumo:


  • A Lei 12.990/2014 reserva 20% das vagas em concursos públicos para negros.

  • A constitucionalidade da lei foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2017.

  • Propõe-se a inclusão de critérios sociais junto com os raciais para maior eficácia das ações afirmativas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A possibilidade de conferir a determinados grupos sociais a possibilidade de concorrerem em iguais condições com os grupos privilegiados justificam as ações afirmativas, sendo um respeitável meio de igual distribuição de oportunidades em virtude do mérito individual.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda os aspectos da Lei 12.990/2014, que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Cumpre ressaltar que a abordagem se dá quanto ao conteúdo da lei, uma vez que, em inúmeros entes da federação, aludida norma foi ou vem sendo reproduzida em semelhante teor, o que ocasiona que quase a totalidade dos concursos realizados no território brasileiro, seja nacional, estadual ou municipal, seja abarcada pelas cotas raciais.

A principal temática não observa a constitucionalidade da lei, apesar de brevemente se mencionar, pois já foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a Ação Declaratória de Constitucionalidade 41, a qual foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal, em 08 de junho de 2017, declarando a integral constitucionalidade da norma.

O ponto mais discutido é a adequação do critério para preenchimento da vaga reservada, qual seja, aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, o que, em tese, não atinge a finalidade da lei de dar “um avanço significativo na efetivação da igualdade de oportunidades entre as raças, garantindo que os quadros do Poder Executivo federal reflitam de forma mais realista a diversidade existente na população brasileira”.

Ao final, após toda a pesquisa, é sugerida a viabilidade de troca do critério objetivo de escolha do cotista, buscando algo que abarque todos os grupos discriminados no país, mantendo os negros com um especial destaque, em virtude de toda a discriminação histórica sofrida por este grupo social.

A abordagem proposta se justifica pelo impacto que a lei em comento gera nos certames públicos. Basta ter em mente um concurso público com 100 (cem) vagas, das quais, por força normativa, de 5 (cinco) a 20 (vinte) serão reservadas aos deficientes físicos e mais  20 (vinte) serão reservadas aos negros e pardos. Observando apenas a reserva mínima para deficientes, 25 (vinte e cinco) vagas não poderão ser disputadas por pessoas não abrangidas pelas cotas, podendo ainda alcançar 40 (quarenta) vagas.

Com a mudança do critério de seleção do candidato cotista aqui proposta, a lei poderá atingir sua finalidade de forma mais isonômica e eficiente, atingido a desigualdade social não só em caráter racial, mas também socioeconômico.


2 AS AÇÕES AFIRMATIVAS E SUA JUSTIFICATIVA

Desde quando os portugueses chegaram ao Brasil, a história tem mostrado que a desigualdade social e a discriminação racial fizeram parte do cotidiano dos que aqui viviam. A cada geração, uma nova camada da sociedade era marginalizada, sejam os índios, os negros, as mulheres, os pobres. Entretanto, referida desigualdade nunca foi exclusiva da nossa nação.

Escravidão, nazismo e apharteid, ainda são assuntos muito debatidos, isso apenas para exemplificar grandes movimentos discriminatórios de repercussão mundial, que confirmam a afirmativa acima. A oferta de oportunidades sempre foi restrita, sendo este fato de conhecimento público e notório. Assim, com o Estado Democrático de Direito, surge a obrigação estatal de mitigar as desigualdades, o que inicialmente se deu com a vedação à discriminação, pretendendo restaurar a igualdade que foi perdida, ou mesmo que jamais existiu.

Contudo, apenas políticas de repressão não foram suficientes, se fazendo necessária a atuação do Estado de forma positiva para efetivar direitos antes não resguardados, uma vez que a proibição da exclusão não resulta automaticamente na inclusão. Como aponta Gomes, “o Estado abandona a sua tradicional posição de neutralidade e de mero espectador dos embates que se travam no campo da convivência entre os homens e passa a atuar ativamente na busca da concretização da igualdade positivada nos textos constitucionais” (2000, p. 3).

E é neste contexto que nascem as políticas das ações afirmativas, fazendo com que “a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a promoção de direitos” (PIOVESAN, 2008, p. 888).

A “ideia da necessidade de promover a representação de grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar seu acesso a determinados bens” (MOEHLECKE, 2002, p.200) sujeita os países a arranjarem uma forma justa de concorrência entre as pessoas, pautada no mérito individual e na igualdade de oportunidades.

E assim foi feito, cada país a sua maneira e atendendo às suas necessidades peculiares, aos poucos foram implantando referida política, disseminando as ações afirmativas mundo afora. Logo, o conceito de ação afirmativa é muito amplo “englobando uma variedade de políticas de desenhos e parâmetros diversos, muito dependentes de contextos institucionais e culturais de cada país onde essa política foi implantada” (CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2016, p.257).

Um desses conceitos sobre ações afirmativas pode ser visto em Gomes:

um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (2000, p. 4).

A ação afirmativa destina-se àqueles que estão em condição de inferioridade na sociedade, abrangendo grupos como minorias étnicas, raciais, e mulheres. “As principais áreas contempladas são o mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema educacional, especialmente o ensino superior; e a representação política” (MOEHLECKE, 2002, p.199).

O objetivo central é conferir vantagens aos grupos discriminados, a fim de que possam concorrer em igualdade de condições com as pessoas que possuem melhores condições de vida, promovendo a inclusão social, bem como a diversidade e reparação das situações desiguais vividas anteriormente.

Esta política pode tomar diversas formas, a depender da sociedade em que se está inserida, podendo ser “ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação” (idem, ibidem).

Pode, ainda, envolver diversas práticas, como o já bastante conhecido sistema de cotas, no qual é reservado um número ou percentual a certo grupo social determinado, há também as taxas e metas, que servem para a mensuração de progressos obtidos, e os cronogramas, como etapas a serem observadas em um planejamento a médio prazo (idem, ibidem). 

Cumpre destacar que esta política “não é um fim em si mesma, mas um meio, uma medida específica transitória que, no Brasil, é progressista, pois, entre outros motivos, tem o poder de proporcionar visibilidade” (DOMINGUES, 2005, p.168). Ou seja, as ações afirmativas devem ter um cunho temporário. O intuito é colocar as pessoas em condições de igualdade material, e após alcançado esse objetivo, ocorra a extinção da vantagem, pois não haverá mais camadas da sociedade marginalizadas.

Destaca-se que existem discussões acerca da defesa das ações afirmativas, se seriam elas estabelecedoras do multiculturalismo (Ana Maria D´Ávila Lopes), se seria uma política redistributiva (Flávia Piovesan), ou mesmo se seria uma justiça social (João Feres Júnior e Luiz Augusto Campos). Contudo, considerando suas diversas formas de implantação, as diferentes práticas desenvolvidas, bem como a cultura de cada povo, não é possível classificá-la de forma genérica, sendo necessária a análise de cada política ao seu contexto.


3 HISTÓRICO MUNDIAL

Sabrina Moehlecke (2012, p. 198) afirma que a expressão ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1960, onde, até os dias atuais, é uma importante referência no assunto. “Começam a ser eliminadas as leis segregacionistas vigentes no país, e o movimento negro surge como uma das principais forças atuantes, com lideranças de projeção nacional, apoiado por liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla defesa de direitos” (idem, p.199). Assim, além de garantir a legislação antissegregacionista, o Estado inicia uma ação positiva a fim de melhorar as condições da população negra.

Importante destacar que logo em seguida “as Nações Unidas aprovam, em 1965, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, ratificada por 170 Estados, entre eles o Brasil, que a ratificou em 27 de março de 1968” (PIOVESAN, 2008, p. 889), documento este que incentiva:

as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que, tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos. (Art. 1, §4º, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial).

De tal modo, diversos países instituíram as ações afirmativas, conforme Dos Santos (2012, p. 403), sendo a seguinte lista de países, nos últimos anos: Bósnia (cargos políticos para mulheres); China – (cotas na Assembleia Nacional em Pequim e cotas nas universidades); Macedônia – (cotas para acesso a universidades do Estado e no serviço público para as minorias); Nova Zelândia – (acesso preferencial para cursos universitários e bolsas); Indonésia – (preferência a grupos nativos que migraram para o país); Eslováquia – (ação afirmativa para grupos raciais ou minorias); Irlanda do Norte – (recrutamento igual de católicos e não católicos no serviço policial); África do Sul – (cotas e metas para promover equidade no mercado de trabalho entre brancos e negros).

Destaca-se que a lista mencionada não tem o condão de esgotar todas as políticas de ações afirmativas aplicadas no mundo, pois são inúmeras, apenas demonstra que as ações afirmativas foram amplamente aprovadas por diversos países das mais variadas culturas, sendo largamente implantadas.


4 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

No Brasil, projetos de lei desde 1968 já pretendiam instituir as ações afirmativas, entretanto estes projetos não foram aprovados. Sendo assim, “com a redemocratização do país, alguns movimentos sociais começaram a exigir uma postura mais ativa do Poder Público diante das questões como raça, gênero, etnia, e a adoção de medidas específicas para sua solução” (MOEHLECKE, 2002, p.203).

Desta forma, após pressão social e de instituições internacionais, já foram instituídas no Brasil ações afirmativas obrigatórias para deficientes físicos, na representação política quanto ao gênero, na educação de diversas formas, e por último, no ingresso ao serviço público para negros, além de todos os incentivos na iniciativa privada.

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Frisa-se que a Constituição Federal de 1988 foi receptiva às políticas de ações afirmativas, “destaca-se o artigo 7º, inciso XX, que trata da proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos, bem como o artigo 37, inciso VII, que determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência” (PIOVESAN, 2008, p. 888).

Na representação política foi criada a Lei 9.100/1995, que obrigou a participação das mulheres em 20% dos pleitos municipais, sendo posteriormente alterada pela Lei 9.504/97, a qual força cada partido ou coligação partidária a reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Quanto às cotas raciais no ensino superior tem-se que surgiram “por meio de leis estaduais ou de decisões dos conselhos das universidades a partir de 2003, as ações afirmativas (na educação) finalmente viraram Lei Federal em 2012, mesmo ano em que sua constitucionalidade foi ratificada pelo STF por unanimidade” (CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2016, p. 269). Destaca-se que, antes da Lei Federal, cada instituição de ensino tinha sua forma diferenciada de tratar da matéria, sendo as ações afirmativas das mais variadas formas.

Por fim, as ações afirmativas objeto do presente estudo, que são as destinadas aos negros, com a reserva de 20% das vagas em concursos públicos, instituídas pela Lei 12.990/2014, destacando que outros entes da federação também têm adotado mesmo posicionamento, antes mesmo desta Lei Federal.

Dessa forma, foi visto que nas últimas décadas o Brasil vem implantando progressivamente as políticas de ações afirmativas, beneficiando vários grupos sociais em diversas vertentes.


5 A LEI 12.990/2014 E SEUS OBJETIVOS

Como visto, a Lei 12.990/2014 inaugurou, em âmbito federal, as cotas raciais na investidura do serviço público, reservando aos que se declaram pretos ou pardos 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Como já mencionado, outros entes da federação também já vêm aplicando a política de cotas em concursos públicos, repetindo o mesmo teor da norma federal, pelo que a análise desta já é suficiente para dissecar as cotas raciais no serviço público em esfera nacional.

Dito isto, destaca-se que haverá a reserva sempre que o concurso público oferecer um número de vagas igual ou superior a três e, se o cálculo dos vinte por cento não for um número inteiro, este será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que cinco décimos, ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que cinco décimos, fazendo constar expressamente nos editais as vagas reservadas.

Para esta lei, a condição de ser abarcado pela cota racial é a autodeclaração de ser preto ou pardo no ato da inscrição do concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Contudo, a autodeclaração não é absoluta, podendo o candidato ser eliminado do concurso ou, caso já nomeado, ter a anulação desse ato se for constatada a declaração falsa, a ser apurada em processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Assim, feita a autodeclaração, o candidato passa a concorrer às vagas destinadas exclusivamente aos negros (pretos e pardos), como também as outras vagas denominadas de ampla concorrência, nas quais todos podem concorrer. Cumpre destacar que os candidatos negros aprovados dentro das vagas destinadas a ampla concorrência não entram no cálculo das vagas reservadas às cotas raciais.

Outro ponto a salientar é que, caso ocorra a desistência de algum candidato aprovado dentro das cotas raciais, essa vaga continua sendo destinada unicamente a candidatos negros, sendo convocado o próximo candidato da lista. Contudo, encerrado os candidatos negros aprovados no certame e havendo ainda vagas disponíveis destinadas às cotas, estas passarão a ser preenchidas pelos candidatos da ampla concorrência.

A Lei 12.990/2014 disciplina ainda as nomeações dos candidatos, a qual deve respeitar os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência (disciplinado por outra lei) e a candidatos negros. Referida norma entrou em vigor desde sua publicação (09/06/2014), exceto aos concursos que já estavam com o edital aberto, tendo vigência pelo prazo de dez anos.

A motivação, conforme o Projeto de Lei 6738/2013, que foi transformada na norma em comento, é atender o Estatuto da Igualdade Racial, que determina a realização de ações capazes de proporcionar um tratamento mais isonômico entre a população negra e branca, também levando em consideração dados estatísticos que dizem que o percentual de servidores públicos negros é inferior ao seu percentual na população brasileira.

Acentua-se que o objetivo primordial da norma é de fomentar o resgate de dívida histórica que o Brasil mantém com a população negra, inserindo a diversidade no serviço público.

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