De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o câncer de mama é o mais incidente em mulheres, representando 24% do total de casos de câncer feminino no mundo, com mais de 2 milhões de novos eventos no ano 2018. No Brasil, estima-se que em 2018 foram registrados 59.700 novos casos da doença. Como o alto índice de incidência do câncer de mama, também não são poucos os problemas enfrentados por aquelas que devem se submeter ao seu tratamento. Em meio de tantos transtornos em razão da saúde debilitada e após a submissão a tratamentos desgastantes, como a mutilação da mama e demais fatores que afetam a mulher em sua integridade psicológica, ela ainda se vê obrigada a lidar com problemas perante os planos de saúde. Quando o consumidor contrata um plano de saúde e compromete sua renda mensal com o pagamento das mensalidades, tem a expectativa de que quando precisar de atendimento médico poderá se socorrer ao contrato com a operadora. No entanto, o que se observa cotidianamente é que os contratos de adesão formulados pelas operadoras de saúde limitam sua cobertura, de modo a apenas fornecer os tratamentos mais baratos para a operadora, gerando grande quebra de expectativa no consumidor. Em que pese a estes contratos terem caráter privado, se prestam a exercer função pública de acesso à saúde, direito de caráter fundamental que é previsto na Constituição Federal. Assim, os contratos de planos de saúde devem ser analisados sob a ótica de sua função social, considerando a atribuição suplementar no fornecimento ao acesso à saúde e, ainda, sob a luz do direito consumerista. Para disciplinar a saúde suplementar no Brasil surgiu a Lei n. 9.656/98[1], que impôs regras para a negociação de planos de saúde, impondo limitações para a atividade das operadoras de saúde e regras para a relação contratual. Posteriormente, com o objetivo de regular a liberalidade das operadoras de saúde em limitar os procedimentos cobertos - dentre outros pontos - e, principalmente, visando a segurança do consumidor, foi criada, em 2000, por meio da Lei n. 9.961[2], a Agência Nacional de Saúde Suplementar. A agência, utilizando-se da Resolução Normativa 428, fornece lista, com a periodicidade de dois m dois anos, estipulando os procedimentos de cobertura obrigatória mínima, que todos os planos devem observar, respeitados os seguimentos contratados. Dentro desta lista está, por exemplo, a obrigatoriedade de cobertura do PET-CT e dos testes genéticos. Pelo o contexto de vulnerabilidade do consumidor quando assina o contrato de adesão ao plano de saúde, somada às particularidades da função social do negócio, os Tribunais[3] já decidiam acerca da obrigatoriedade do plano de saúde em cobrir as cirurgias plásticas de reconstrução mamária nas hipóteses em que estas eram necessárias em razão do tratamento de doenças. Isto porque se entendeu que a cirurgia reparadora da mama é apenas uma parte do tratamento do câncer de mama, de modo que se a operadora de plano de saúde deve cobrir o tratamento de câncer, também terá como obrigação custear a cirurgia plástica, uma vez que não cabe a ela escolher o método de tratamento da paciente, mas sim o médico assistente. Em 1995, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, elaborou parecer (27/95) opinando pela obrigatoriedade dos planos de saúde em cobrir as mamoplastias decorrentes do tratamento do câncer, considerando que as operadoras devem garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Classificação Internacional de Doenças (CID-10), e o procedimento cirúrgico é parte do tratamento do câncer, que consta do rol de doenças da Organização Mundial da Saúde. Nessa linha, a ANS lançou mão de parecer técnico favorável à obrigatoriedade de cobertura de cirurgias plásticas reconstrutoras para pacientes com câncer de mama, acrescentando o direito à mamoplastia para as mulheres que passam pelo processo de transexualização, inclusive. Nesse sentido, por meio do Parecer Técnico 19/2019 a Agência Nacional de Saúde Suplementar, interpretando o artigo 10-A da Lei n. 9.956/98[4] em conjunto com a RN 428/2017, confirmou o que já era o posicionamento do judiciário e determinou que as modalidades de plásticas mamárias, associadas ou não ao uso de próteses e/ou expansores para a reconstrução mamária terão cobertura obrigatória pelos planos de saúde ao serem indicadas pelo médico quando: a) houver diagnóstico de câncer de mama; b) houver probabilidade de desenvolver o câncer de mama, detectado a partir do teste genético; c) houver lesões traumáticas por tumores em geral, inclusive a mama oposta à que possui o câncer. Ressalta-se que a cobertura do procedimento inclui não apenas os honorários da equipe médica e hospital, mas também todos os instrumentos utilizados, inclusive as próteses e extensores. Ainda, de acordo com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os procedimentos obrigatórios impostos pela ANS representam apenas um rol exemplificativo cobertura mínima, de modo que é possível que a operadora de saúde seja obrigada a cobrir procedimento, ainda que não esteja listado pela agência reguladora. Dessa forma, tendo como baliza o Parecer Técnico 19/2019 emitido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e considerando a função social do contrato de plano de saúde, acrescida à autonomia profissional do médico[5] ao determinar o tratamento, entende-se que a cláusula contratual que exclui da cobertura da mamoplastia para os casos de câncer de mama é abusiva, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem exagerada[6], podendo ser declarada nula pelo judiciário. Do mesmo modo, em casos nos quais não se puder aplicar o Código de Defesa do Consumidor[7] - quando o plano de saúde for de autogestão - ainda assim entende-se pela obrigatoriedade da cobertura dos procedimentos aqui discutidos, uma vez que mesmo não configurados como consumeristas, os contratos possuem igual função, o que também torna a autonomia privada limitada pelo direito fundamental à saúde. Portanto, em atenção à natureza dos contratos celebrados entre as operadoras de saúde e beneficiários, por meio dos quais as empresas se obrigam à efetivação do direito fundamental à saúde, contata-se que possuem o encargo de custear as cirurgias plásticas para a reconstrução da mama – incluindo as próteses, extensores e demais instrumentos - em todos os casos nos quais o procedimento fizer parte de um tratamento de saúde e não se classificar como cirurgia estética eletiva. [1] Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde [2] Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. [3] TJDFT, Acórdão 1054362, 07027238320178070001, Relator: FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 4/10/2017, publicado no DJE: 20/10/2017; TJSP, Apelação Cível 0000289-80.2014.8.26.0635; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 17ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2016; Data de Registro: 30/06/2016. [4] Art. 10-A. Cabe às operadoras definidas nos incisos I e II do § 1o do art. 1o desta Lei, por meio de sua rede de unidades conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama, utilizando-se de todos os meios e técnicas necessárias, para o tratamento de mutilação decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer. [5] VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. Resolução CFM n. 2.217/2018 – Código de Ética Médica [6] Art. 51, IV, Código de Defesa do Consumidor [7] Súmula 469 do STJ - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. GOMES, Josiane Araújo. Contratos de Planos de Saúde. São Paulo: Jhmizuno, 2016. BOTTESINI, M.L; MACHADO, M.C. Lei dos Planos e Seguros de Saúde Comentada: 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. BRASIL, Lei n. 9.656 de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: ; acesso em 17 de outubro de 2019. BRASIL, Lei n. 9.961 de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Disponível em ; acesso em 17 de outubro de 2019. Agência Nacional de Saúde Suplementar, Resolução Normativa 428 de 08 de novembro de 2017. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e revoga as Resoluções Normativas – RN nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN nº 407, de 3 de junho de 2016. Disponível em ; acesso em 17 de outubro de 2019. Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, Parecer Técnico 27 de 03 de junho de 1995 – disponível em ; acesso em outrubro.2019 BRASIL, Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em ; acesso em 17 de outubro de 2019. Conselho Federal de Medicina, Resolução n. 2.217 de 27 de setembro de 2018. Disponível em ; acesso em 17 de outubro de 2019.
Obrigação de cobertura das cirurgias de mamoplastia.
Dever imposto aos planos de saúde no tratamento do câncer de mama
Resumo:
- O câncer de mama é o mais incidente em mulheres, representando 24% do total de casos de câncer feminino no mundo, com mais de 2 milhões de novos eventos em 2018.
- Os contratos de planos de saúde devem ser analisados sob a ótica de sua função social, considerando a atribuição suplementar no fornecimento ao acesso à saúde e sob a luz do direito consumerista.
- A Agência Nacional de Saúde Suplementar, por meio da Resolução Normativa 428, fornece a lista de procedimentos de cobertura obrigatória mínima, que todos os planos devem respeitar, incluindo a obrigatoriedade da cobertura de cirurgias plásticas reconstrutivas para pacientes com câncer de mama.
Trata-se de texto informativo que esclarece a temática da obrigação por parte dos planos de saúde de custearem as cirurgias plásticas da mama indicadas por médico quando é feito o tratamento do câncer de mama.
Advogada, graduada pela Pontifícia Universidade de Goiás, pós-graduanda em Direito Civil, Processual Civil e Direito Médico e Proteção Jurídica Aplicada à Saúde, atuante na área de Direito Ciivil, com foco no Direito da Saúde e Consumidor.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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