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A taxação dos inativos e as inovações da Emenda Constitucional nº 41/2003

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04/01/2006 às 00:00
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CONCLUSÃO

As questões suscitadas no transcorrer deste trabalho, todas, tiveram em mira investigar acerca da constitucionalidade da exação instituída pela Emenda 41/2003.

Nesse sentido, não só questionamos a juridicidade da cobrança instituída, mas até mesmo o suporte lógico da nova espécie tributária.

Dessa forma, procurou-se, antes mesmo de indagar em torno da inconstitucionalidade da exação, demonstrar sua incoerência no plano lógico.

É que, a contribuição previdenciária instituída pela Emenda Constitucional 41/2003 desafia, a um só tempo as normas de Direito, e até mesmo as regras da inteligência, já que o dispositivo nada mais previu que a cobrança de imposto destinado a um fim a que jamais vai atingir o inativo, pois, sua finalidade é exatamente custear os benefícios que estes já auferem por terem contribuído em épocas pretéritas.

Assim, desnecessária mesmo seria a lógica do ius para evidenciar o abuso, o disparate da cobrança.

Todavia, conforme se denota no texto que ora expomos, a maior parte dos argumentos para refutar de vez por todas a nova exação encontra-se no confronto entre as diretrizes trazidas pela Emenda Constitucional 41/2003 e as normas-princípio existentes na própria Carta de Direitos.

Nessa ordem de idéias, inegável que a atual Constituição Federal, e isso ficou bem assentado, possui núcleo imodificável que ao poder constituinte reformador é vedado inovar, tendo o constituinte originário mesmo impossibilitado qualquer tentativa de reforma tendente à abolição de alguns princípios da própria Carta, o que a doutrina vem, ao nosso vezo de aquilatar equivocadamente, denominando cláusula pétrea.

A Emenda Constitucional 41/2003, no aspecto ligado ao tema em estudo, restou demonstrado, padece de vários vícios, os mais graves ligados exatamente ao desrespeito à limitação imposta pelo legislador constitucional originário, uma vez que este estabeleceu taxativamente não ser possível a edição de Emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais, a exemplo dos consignados no art. 5º, inciso XXXVI da CF.

Para entendimento e análise do tema foi necessária ainda breve exposição sobre a evolução legislativa da exação, notadamente a partir da promulgação da atual Constituição, passando pela frustrada tentativa de implantação do tributo em 1.998, por ocasião da primeira Emenda Constitucional da Previdência, até a data atual.

Não é despiciendo relembrar que o Estado-Fisco, voraz por arrecadar, um verdadeiro lobo do cidadão-contribuinte, não raras vezes institui em desfavor deste, como no caso em apreço, exações desautorizadas e excessivas, e, a par disso, sempre foi recomendável a imposição de limites em sua atividade arrecadatória e legislativa.

E, confrontando o mandamento fundamental contido no art. 5º, XXXVI da CF – que estabelece ser dever o legislador ordinário não atingir a direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos – com o teor da Emenda Constitucional 41/2003, mormente o art. 4º desta, não há dúvidas de que a exação, desprestigiando tais valores impostos em prol da segurança jurídica, deve ser reputada por inconstitucional.

É que – resumindo nosso pensar sobre o tema – não é possível a lei (em sentido amplo) instituir uma contribuição social a ser cobrada de quem já está aposentado, antes da criação desse tributo, ofendendo abertamente ato jurídico perfeito.

Vale ainda noticiar que, em tendo sido a questão debatida no Supremo Tribunal Federal, nos autos da Adin 3.105/04, a Corte Suprema, ao nosso ver, adotando posicionamento mais político que jurídico, rechaçou a tese da inconstitucionalidade declarando a cobrança constitucional, e, no mesmo julgamento, por unanimidade, declarou inconstitucionais os índices de "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do" previstos no parágrafo único do mesmo art. 4º.

Esse julgado representa verdadeiro retrocesso para o Estado de Direito, vez que preteriu em prol do fortalecimento do Caixa da Previdência refuga a princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Voltando à análise da coerência da exação, forçoso reconhecermos que do ponto de vista lógico, se o Poder público deseja impor uma nova contribuição previdenciária aos inativos deveria criar um novo benefício que a justifique, dado o caráter retributivo do sistema contributivo, segundo o qual sem causa suficiente não se justifica a majoração ou a instituição da contribuição de seguridade social.

Por fim, e para resumir todo o trabalho, podemos afirmar que a inconstitucionalidade da prestação restou patenteada, seja por desrespeitar os direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, ou ainda por ausência de motivação jurídica, eis que trata-se de tributo de natureza vinculada a uma atuação estatal.

A considerar-se, todavia, a contribuição previdenciária como espécie imposto, a cobrança padeceria do vício da bitributação (bis in idem), portanto, igualmente injurígena.

A falta de causa suficiente para a instituição da contribuição é evidente, uma vez que no regime de previdência de caráter contributivo deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição.

O paradoxo da instituição de tão malfazeja cobrança é que surgiu praticamente em conjunto com a Lei 10.741/03 (Estatuto do idoso) aprovada pela mesma legislatura que institui a exação em desfavor dos aposentados, em sua grande parte comporta por pessoas da terceira idade.

Resta-nos a expectativa de, no futuro, o Congresso exercendo seu verdadeiro papel legislativo – mormente o de impor limites ao Poder Executivo – possa reproduzir norma que restabeleça a situação, respeitando a vontade política e jurídica do constituinte originário.


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NOTAS

01 Maria Helena Diniz. In Conflito de normas, p. 13.

02 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p. 40.

03 Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.010-DF, Relator Ministro Celso de Mello, j. 30-9-99, Boletim Informativo STF nº 164).

04 Introdução ao Estudo do Direito, p. 199.

05 GRECO, Marco Aurélio. In Contribuições (uma figura sui generis), p. 138.

06 Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 482.

07 Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 363 ss

08 Da instituição de contribuição sobre os proventos dos servidores inativos, Enfoque jurídico, SET/96, p. 13.

09 Direito Tributário Contemporâneo, p. 101.

10 Contribuição social dos aposentados – Lei 9.783/99 – inconstitucionalidade. Revista dialética de Direito Tributário, nº 45, julho/99. p. 85-95.

11 Curso de Direito Tributário Brasileiro, pág.80.

12 CORDEIRO, André Felipe de Barros. Taxação dos inativos, consulta realizada em sítio da Internet: jus.com.br/revista/doutrina.

13 Teoria do estado, p. 272.

14 Dicionário de Direito Constitucional, p.43.

15 Direito Constitucional, p. 368.

16 Curso de Direito Constitucional Positivo, pág. 434.

17 Direito Administrativo, p. 482.

18 Op cit, pág. 483.

19 p. 221(w) – ver página 128 apud Paulo Nader

20 Oração aos moços, p. 55.

21 Curso de Direito Tributário, p.85.

22 Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade, pág. 38.

23 A tributação dos inativos, p. 168.

24 Curso de Direito Constitucional Positivo, pág. 49

25 Nesse sentido, conferir: STF – Pleno – Adin nº 829-3/DF – Rel. Min. Moreira Alves – decisão 14/04/93, referindo-se a citada Adin à Emenda Constitucional nº 02, de 25/08/1992; STF – Pleno – Adin 939-7/DF – Min. Sydney Sanches, Ementário STF nº 1.730-10 (medida cautelar in RTJ 150/68), referente à Emenda Constitucional nº 03, de 17/03/1993; STF – Pleno – Adin 1805/DF – medida cautelar – rel. Min. Néri da Silveira, 26/03/98 – Informativo STF nº 104, capa, referente à Emenda Constitucional nº 16, de 04/06/1997.

26 Direito Constitucional, p. 95.

27 Adin 3.105-8/DF, Relatora Ellen Gracie (v. vencido), relatório condutor da lavra do Ministro Cezar Peluso, j. 18/08/2004.

28 Voto proferido pela Ministra às fls. 135 e ss. da Adin 3.105-8/DF.

29 Curso de Direito Administrativo, p. 275.

30 Direito Administrativo, p. 513.

31 Adin 3.105-8/DF, fls. 262s.

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Sobre o autor
César Romero do Carmo

advogado em Caratinga (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, César Romero. A taxação dos inativos e as inovações da Emenda Constitucional nº 41/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 915, 4 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7750. Acesso em: 20 abr. 2024.

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