O patrimônio de afetação como ferramenta para a efetivação das políticas públicas de habitação o patrimônio de afetação como ferramenta para a efetivação das políticas públicas de habitação – análise da incidência do instituto nos registros de imóveis de

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O patrimônio de afetação funcionaria como verdadeira ferramenta de intervenção econômica (segregação patrimonial), feita de forma pontual e em hipóteses específicas, com escopo de salvaguardar o interesse público para políticas públicas de habitação.

1.INTRODUÇÃO

A moradia é uma necessidade natural do homem, sendo imprescindível para o desenvolvimento de sua vida. A habitação proporciona ao indivíduo a segurança necessária para fins de estabilização econômica, social e familiar. Portanto, constata-se que na habitação o indivíduo encontra a “real possibilidade de realização da família, de autoestima e de cidadania. Além disso, é fator de inter-relacionamento, estimulando a cordialidade e a fixação do cidadão” (DI SARNO, 2004, p. 17).

Com intento de garantir estas prerrogativas aos indivíduos, o problema habitacional foi tratado por diversas vezes em reuniões lideradas pelas Nações Unidas (ONU, 2014). Em 1948, pela primeira vez ficou consignado, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o reconhecimento, pela ordem internacional, dos assim denominados direitos sociais, dentre estes à moradia” (SARLET, 2003).

O assunto moradia também foi aventado com especial relevância na Conferência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, realizada no ano de 1976, no Canadá. O evento implicou na “Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos”. Por ocasião desta Declaração, restou assumido “que a moradia adequada constitui um direito básico da pessoa humana” (SARLET, 2003, p. 90).

 Em detrimento da importância da questão da habitação e, em consequência dos efeitos motivados pelos tratados e conferências internacionais, dos quais o Brasil fora signatário; o direito à moradia fora incluso como um direito de maneira clara e específica na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por meio da Emenda Constitucional 26/2000.

 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE, 2010) denotam que a população que vive nos grandes centros urbanos brasileiros vem crescendo. No ano de 1960, a população brasileira que morava em área urbana representava 40% de setenta milhões de habitantes. Em 1980, cerca de 54% do total de aproximadamente cento e vinte e quatro milhões de habitantes, estavam morando nos grandes centros urbanos. No ano de 2000, este percentual elevou-se para 82% de um total de cento e setenta milhões de indivíduos. O Censo de 2010, por sua vez, revelou que 85% da população brasileira estava vivendo nos grandes centros urbanos, de um total de cento e oitenta e cinco milhões de brasileiros.                                 

  Assim, diante do significado social e econômico da moradia, principalmente nos grandes centros urbanos, que se utilizam de condomínios verticais, com escopo de reduzir os custos de construção e do solo urbano; faz-se necessário utilizar-se de instrumentos que assegurem, de forma efetiva, a implementação das políticas públicas habitacionais desenvolvidas dentro do cenário brasileiro.

 No contexto atual, o arcabouço político-jurídico, as questões socioeconômicas e ambientais não salvaguardam, com efetividade, o indivíduo que adquire seu imóvel durante a construção, fato que prejudica a implementação das políticas públicas habitacionais. Uma vez que o incorporador tenha sua falência decretada, o dinheiro do comprador, destinado à consecução da sua moradia, será utilizado para adimplir créditos preferenciais, muitas vezes não relacionados ao seu empreendimento, tais como: tributários, trabalhistas, garantia real.

  Com objetivo de amenizar estes riscos, foi instituído no ordenamento jurídico, no ano de 2004, através da Lei nº 10.931, o instituto do patrimônio de afetação. Um dos principais motivos que impulsionou sua criação, foi a falência de uma grande incorporadora, que, na década de 90, provocou a paralização de mais de 700 obras, com mais de 40.000 apartamentos (TUTIKIAN, 2007).

 O instituto do patrimônio de afetação foi implementado com a finalidade precípua de “proteger a incorporação afetada contra os riscos patrimoniais de outros negócios da empresa incorporadora, visando a que seus eventuais insucessos em outros negócios não interfiram na estabilidade econômico financeira da incorporação afetada” (CHALHUB, 2010, p. 66).

 Desta forma, todo o conjunto patrimonial que compõe uma incorporação imobiliária (terrenos, receitas provenientes de vendas, obrigações vinculadas ao negócio, bem como os respectivos encargos tributários, trabalhistas, etc.) é suscetível de afetação, pela qual esse conjunto de direito e obrigações fique separado, tendo a exclusiva finalidade de conclusão da obra e entrega das unidades aos adquirentes. Sendo assim, as diferentes obras do mesmo incorporador não se comunicam entre si (CHALHUB, 2010).

   Tanto o projeto elaborado pelo Instituto dos Advogados do Brasil, quanto os Projetos de Lei da Câmara dos Deputados, concebiam a afetação como regra geral, aplicado compulsoriamente a todas as incorporações. Todavia, o Poder Executivo, utilizando-se de medida provisória, a de nº 2.221/2001, acabou por deixar o instituto do patrimônio de afetação a livre escolha do incorporador quanto à sua instituição (CHALHUB, 2010).

A questão norteadora deste artigo é: serviria o patrimônio de afetação como instrumento para a efetivação das políticas públicas de habitação? Assim, é o objetivo geral deste trabalho, analisar se o patrimônio de afetação serviria como instrumento para auxiliar na efetivação das políticas públicas de habitação. Tem-se como objetivo específico averiguar se as incorporadoras imobiliárias de Balneário Camboriú/SC, estão aderindo ao regime de afetação, embora o mesmo, como dito acima, seja facultativo.

Para responder ao objetivo geral, foi feito pesquisa bibliográfica em livros, artigos, periódicos, e eletrônica, via websites, através do método de abordagem dedutivo e de conceitos operacionais. Quanto à previsão legislativa sobre o tema, partiu-se da Constituição Federal e da legislação federal infraconstitucional, para a construção da fundamentação teórica relacionada à habitação, incorporação imobiliária e ao patrimônio de afetação.

Para levantar os números do objetivo específico, foi realizada pesquisa de campo, de abordagem quantitativa, com objetivo exploratório, junto aos dois Registros de Imóveis de Balneário Camboriú/SC, com escopo de ter acesso aos números relacionados à incidência de utilização do regime de afetação, desde o ano da vigência da Lei nº 10.931, ou seja, desde agosto de 2004. Neste sentido, a interpretação dos dados levou em consideração as informações prestadas pelos Registros de Imóveis pesquisados e o marco teórico construído por meio da pesquisa bibliográfica. Do cruzamento destes números (tabulação de dados), foi extraído a porcentagem daquelas que optaram pelo regime de afetação e, mensurado o alcance do instituto no mercado imobiliário de Balneário Camboriú/SC.

Alerta-se que a cidade de Balneário Camboriú, situada no Estado de Santa Catarina, foi escolhida como local de análise para a presente pesquisa pois exibe um dos maiores crescimentos imobiliários do Brasil, caracterizado por grande processo de verticalização. Representa no cenário imobiliário nacional um dos metros quadrados mais caros, sendo conhecida nos meios televisivos como a “Dubai” brasileira.

Ademais, Balneário Camboriú também experimenta alta concentração populacional em detrimento do fato de estar na faixa litorânea. A alta concentração populacional se deve ao clima tropical, a alta qualidade de vida, acesso a aeroportos e grandes centros, vida noturna, esportes radicais, qualidade de ensino, qualidade de vida, entre outros fatores. Destaca-se que a Balneário Camboriú, em 2010,  foi considerada a cidade com o 4º melhor índice de desenvolvimento humano do país.

 Este artigo busca analisar, com base na fundamentação teórica, os aspectos das políticas públicas relacionadas à habitação de Balneário Camboriú, com ênfase sobre a legislação que trata do patrimônio de afetação, verificando-se os aspectos jurídico-políticos e sociais  para a política pública habitacional municipal, com lastro no levantamento de dados realizado junto aos cartórios de Registro de Imóveis, no período entre maio a agosto de 2018.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. POLÍTICAS PÚBLICAS E HABITACÃO NO BRASIL

Secchi (2017, p. 02), conceitua política pública como “uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público.” Nesta senda, elucida o professor, “uma política é uma orientação à atividade ou à passividade de alguém; as atividades ou passividades decorrentes dessa orientação também fazem parte da política pública.”

A intencionalidade pública e a resposta a um problema público são os elementos fundamentais da política pública, desta forma, a razão para o estabelecimento de uma política pública é a resolução ou o tratamento de um problema entendido como coletivamente relevante (SECCHI, 2017).

Para Celina (2000, p. 26), a política pública é definida como:

o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

O processo de elaboração de políticas pública também é conhecido como ciclo de políticas públicas. Secchi (2017), restringe o processo de elaboração das políticas públicas em sete principais fases, a saber: 1) identificação do problema; 2) formação da agenda; 3) formulação de alternativas; 4) tomada de decisão; 5) implementação; 6) avaliação; 7) extinção.

Conforme dito alhures, a primeira fase do ciclo de políticas públicas é a identificação do problema, que é caracterizado pela “discrepância entre o status quo e uma situação ideal possível.  Um problema público é a diferença entre o que é e aquilo que se gostaria que fosse a realidade pública” (SECCHI, 2017, p. 45).

Neste contexto, temos o déficit habitacional como um problema público, pois, conforme destaca Pinheiro (2015),  em 2015, o déficit habitacional corresponde a 6,355 milhões de domicílios, dos quais 5,572 milhões, ou 87,7%, estão localizados nas áreas urbanas.

Segundo Holz & Monteiro (2008, p. 02), o déficit habitacional no Brasil originou-se com dois importantes momentos históricos, quais sejam: a criação da Lei 601/1850, que ficou conhecida como a “Lei de Terras” e a abolição da escravatura, conforme abaixo explica:

[...] após a aprovação da Lei 601/1850, que ficou conhecida como “Lei de Terras”. Ela passou a regular as terras devolutas e a aquisição de terras, determinando em seu artigo 1º que o único meio para aquisição da propriedade de terras era a compra, deslegitimando, portanto, o acesso à terra pela posse ou ocupação. Ajudando a agravar o problema, em 1888 acontece a abolição da escravatura. Os escravos libertos que não permaneceram nas áreas rurais foram em busca de sobrevivência nas cidades (HOLZ; MONTEIRO, 2008, p. 02).

Para Tude (2010), explosão demográfica nos grandes centros agravou-se devido a uma época de grandes transformações pelas quais o Brasil passou no início do século XX. Neste período, ocorrera uma alta taxa de crescimento econômico, devido ao desenvolvimento da industrialização, ao passo que “experimentou uma reconfiguração de sua estrutura demográfica como resultado do alto fluxo migratório da zona rural em direção aos grandes centros” (TUDE, 2010, p. 82). Agregado a estes fatos, adiciona-se a atração de imigrantes europeus que buscaram no Brasil um recomeço para suas vidas.

Como nesta época não havia qualquer planejamento urbano para ordenar o crescimento populacional das cidades, o resultado dessas migrações ocasionou o surgimento dos primeiros problemas habitacionais no país. Desta maneira, os grupos passaram a formar agrupamentos habitacionais coletivos que cresceram de forma exponencial ao longo dos anos, o que deu origem a inadequada ocupação do espaço urbano (TUDE, 2010).

Vianna (2014, p. 549) afirma que o elevado déficit habitacional nas áreas urbanas, tem como consequência a situação pelas quais passam os novos habitantes urbanos, que chegam aos grandes centros sem qualificação profissional, ou seja, sem condições de criarem renda, assim:

[...] não podem pleitear adequado padrão de habitabilidade e sofrem, em sua peregrinação, duplo impacto: sua convergência para os centros urbanos eleva a pressão demográfica, incentivando a busca por moradia de baixo custo que, por efeito dessa afluência, vê seu preço aumentado. Na impossibilidade de disputarem o mercado regular imobiliário, o recurso é afastarem-se para a periferia ocupando os terrenos irregulares e insalubres, edificando barracos e mocambos improvisados, enfim, formando os assentamentos a que se denominam favelas (VIANA, 2014, p. 549).[13]

Em decorrência desta situação social, o Estado, por sua vez, vem ao longo dos anos, tentando desempenhar seu papel no cenário habitacional por meio de diversas políticas habitacionais.

Em 1930 o Estado identificou que a população de baixa renda estava ocupando os morros, de forma crescente, desta forma, desempenhou suas primeiras intervenções pontuais no setor habitacional, com o objetivo de estimular a ocupação de áreas de expansão urbana e erradicar as formas coletivas de moradia. Todavia, nesta época, não existia uma política habitacional de abrangência nacional. O que existia neste momento: “[...] eram as chamadas Caixas de Pensão, as quais foram órgão criados através da implantação da Previdência Social no Brasil e que aplicavam parte de suas receitas na construção de moradias para seus associados, mesmo não sendo essa sua atividade-fim" (TUDE, 201, p. 83).

Em 1933, é colocado em prática o que pode ser considerada a primeira ação do governo direcionada à questão habitacional de âmbito nacional:

[...] a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPS), sucessores da Caixa de Pensão. Esses institutos operavam como entidades de proteção social e financiavam programas de moradia para a classe da população inserida no mercado de trabalho formal. Existiam diversos institutos que compunham os IAPS, por exemplo: o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM); o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC); o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB); o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriais (IAPI); e o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos (IAPFESP). (TUDE, 2014, p. 84).

Assim sendo, em detrimento da criação dos Institutos acima aludidos, percebe-se que o Estado, na década de 30, deu início as primeiras políticas habitacionais de abrangência nacional. Azevedo (1988, p. 108) destaca que “essas entidades operavam normalmente de maneira fragmentária, sendo sua atividade, neste campo, considerada secundária e atingindo um pequeno número de associados”.

Em 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), cria o primeiro órgão federal brasileiro na área de moradia, denominado Fundação da Casa Popular, que se caracterizou como mais uma intervenção estatal na área de habitação no Brasil. Neste compasso, as políticas habitacionais, nas décadas de 1940 e 1950:

[...] foram conduzidas no sentido de remover a população residente em áreas irregulares e reassentá-las em grandes conjuntos habitacionais periféricos, muitas vezes desconectados da malha urbana existente. Essas políticas apresentavam problemas de ordem social e econômica, pois desconsideravam as relações dos reassentados com seu local de origem e a intervenção envolvia custos tão elevados que comprometiam sua capacidade de atender à demanda. (YAMAWAKI, 201, p. 314).

Por sua vez, durante o governo Dutra, “as políticas de crescimento econômico e de provimento de grandes infraestruturas viárias e energéticas se sobrepuseram às sociais” (YAMAWAKI, 201, p. 314). Portanto, a concentração populacional nas grandes cidades brasileiras, a partir da década de 50, ocorreu sem o acompanhamento do Estado que não garantia à população condições mínimas de qualidade de vida.

A edição da lei nº 4.380, que ocorreu em 1964, foi a primeira iniciativa brasileira que concebeu a criação de uma política habitacional de abrangência nacional com objetivos e metas definidos, fontes de recursos permanentes e mecanismos próprios de financiamento” (CAIXA, 2011.

A lei nº 4.380/64 instituiu o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o Banco Nacional da Habitação (BNH), e a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, dentre outras medidas. A partir deste momento, o Governo Federal passou a ter a competência de formular a política nacional de habitação e coordenar as ações públicas e privadas para estimular a construção e o financiamento para aquisição de habitações de interesse social (CAIXA, 2011).

Com foco nas famílias de baixa renda, a política habitacional executada pelo Banco Nacional de Habitação, teve por meta viabilizar o acesso à moradia. Teve como financiamento os recursos provenientes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos, e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviços. Desse modo, na década de 1960:

[...] foi feito um esforço, que se deve inicialmente ao Ministro Franco Montoro, para transformar todo proletário num proprietário. Foram propostos decretos que permitiram a correção monetária dos financiamentos imobiliários, como também foi proposta a reformulação das Caixas Econômicas, com objetivo de disporem de maior autonomia, isentando-as das influências política. (WALD, 1968, p. 34)

Ressalta-se que apesar dos esforços realizados:

o BNH não conseguiu atingir satisfatoriamente os setores de renda mais baixa através dos programas tradicionais. Ressalte-se que o Banco tinha como clientela prioritária as farrullas de renda mensal entre um e três salários mínimos. (AZEVEDO, 1988, p. 112).

Deste modo:

não se consegue dar uma resposta satisfatória ao desafio de prover o acesso à moradia para as populações de baixa renda. Em grande parte, o fracasso deriva do fato de ter-se mantido intacta a visão da casa como uma mercadoria a ser vendida para uma clientela que se mostra extremamente frágil enquanto mercado (LORENZETTI, 2001, p. 18, apud TUDE, 2010, p. 87).

Não obstante a ausência de uma ação satisfatória ao desafio de prover o acesso à moradia para as populações de baixa renda, na década de 70, o Brasil fora assolado pela crise econômica. A qual teve como consequência:

Inflação, desemprego, queda dos níveis salariais, o que gerou um forte desequilíbrio no SFH em decorrência das seguidas alterações nas regras de correção monetária, dentre outros fatores. Tal cenário resultou na extinção do BNH, pelo Decreto-Lei 2.291/86, de novembro de 1986 cujas funções foram redistribuídas por vários órgãos de governo. Coube a CAIXA a administração do passivo, do ativo, do pessoal e dos bens do BNH, bem como a operação do FGTS, assumindo, desde então a condição de maior executor das políticas habitacionais do Governo Federal (CAIXA, 2011, p. 09).

Portanto, a inflação, que gerou a perda do poder aquisitivo, o alto custo do solo urbano associado à ausência de políticas públicas destinadas ao setor da habitação, induziu as famílias com baixa renda a procurar alternativas. Esta procura por habitação acelerou o processo a favelização, a ocupação irregular da periferia, inclusive das áreas de risco, contribuindo com os atuais problemas urbanos encontrados no Brasil.

Em face da extinção do regime militar, em 1985:

esperava-se que todo o SFH, incluindo o BNH e seus agentes promotores públicos, passassem por uma profunda reestruturação na perspectiva da formulação de uma nova política habitacional para o país. No entanto, por conveniência política do governo de José Sarney (1985-1990), o BNH foi extinto em 1986, o que acarretou na perda de uma estrutura de caráter nacional que tinha acumulado enorme experiência na área de habitação. Devido ao ocorrido, as atribuições do BNH foram transferidas para o Conselho Monetário Nacional (CMN), Banco Central (BACEN) e, mais especificamente, para a Caixa Econômica Federal (CEF), permanecendo a área de habitação, no entanto, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (TUDE, 2010, p. 88).

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Durante o governo do presidente Fernando Collor (1990-1992) “houve uma desestruturação do setor habitacional e ocorreu uma alteração na distribuição de competências com a substituição da Caixa Econômica Federal pelo Ministério da Ação Social (MAS) como agente gestor da política de habitação” (TUDE, 2010, p. 89).

Após o afastamento do presidente Fernando Collor, a presidência do Brasil fica sob o comando de Itamar Franco (1992-1994), que “após assumir o governo, se depara com uma situação habitacional completamente desestruturada, o que lhe impossibilita de implantar avanços significativos nesse setor. No entanto, são lançados os programas Habitar - Brasil e Morar-Município que somente se consolidaram no governo seguinte” (TUDE, 2010, p. 89).

Em 1995, Fernando Henrique Cardoso toma posse da presidência do Brasil e seu governo traz um novo norte para as políticas habitacionais. O modelo proposto pelo novo governo se fundamenta em algumas premissas básicas:

(i) considerava-se, baseado no diagnóstico produzido pela Fundação João Pinheiro, para o qual a moradia não compreende somente as edificações que lhes são inerentes, portanto todo o conjunto de condições de habitabilidade relacionados a ela deveria ser considerado; (ii) a provisão adequada de moradias deve estar amparada por um sistema financeiro, que lhe sirva de suporte, objetivando o atendimento do maior número possível de famílias assim como a criação de mecanismos para a formação de poupanças, que devem ser canalizadas para a produção de unidades habitacionais; (iii) a focalização das Políticas Públicas habitacionais voltadas para o atendimento das camadas populacionais de baixa renda; (iv) a necessidade de descentralizar e aumentar o controle social sobre a questão dos programas federais de habitação e, com isso, estimular a participação e a cidadania; (v) o reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país e a necessidade de tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil através de uma política de Estado que envolva todas as esferas de poder e que não seja interrompida a cada mudança de governo; e (vi) o reconhecimento de que as Políticas Públicas não devem negligenciar a grande parcela da população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da economia e/ou habita moradias informais (TUDE, 2010, p. 91).

Com fundamento nestas premissas, com objetivo de atender às áreas habitacionais degradadas, os primeiros programas de moradia desenvolvidos pelo governo Fernando Henrique foram:

o Pró-Moradia (financiado por fundos do FGTS) e o Habitar - Brasil (financiado com recursos do Orçamento Geral da União-OGU). Esses programas buscavam beneficiar o mesmo público, o qual compreendia a população que habitava as áreas extremamente pobres e que, portanto, demandavam ações estatais de emergência. Esses programas não tinham como objetivo principal a construção de novas casas, mas sim a melhoria das condições das moradias existentes. Assim, tais programas tinham limitações, dado que contribuíam somente para redução do déficit habitacional qualitativo, enquanto atuavam de forma inexpressiva no que tange ao caráter quantitativo do mesmo déficit. (TUDE, 2010, p. 92).

Em 1999 foi instituído o Programa de Arrendamento Residencial financiado pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A administração do programa era de responsabilidade da Caixa Econômica Federal:

que recebia as solicitações e liberava os recursos a serem aplicados em cada município. O FAR foi criado para ajudar estados e municípios a atenderem à necessidade de moradia da população de baixa renda, especificamente aquelas famílias que recebiam até seis salários mínimos e viviam em centros urbanos. Funcionava mediante construção e arrendamento de unidades residenciais, com opção de compra do imóvel ao final do período contratado. (TUDE, 2010, p. 94).

Em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houvera a criação do Ministério das Cidades e a aprovação da Política Nacional de Habitação em 2004, a qual é executada pelo Sistema Nacional de Habitação. Tais criações objetivaram o desenvolvimento de ações integradas nos três níveis do governo com objetivo de amenizar o déficit habitacional no país, para as famílias de baixa renda (CAIXA, 2011).

A criação do Ministério das Cidades constituiu um fato inovador nas políticas urbanas, na medida em que superou o recorte setorial da habitação, do saneamento e dos transportes (mobilidade) e trânsito para integrá-los levando em consideração o uso e a ocupação do solo (TUDE, 2010).

Dando continuidade as suas ações políticas habitacionais, o governo Lula posiciona-se na definição de sua Política Nacional de Habitação. O objetivo principal dessa política consistia em: “combater as desigualdades sociais, transformando as cidades em espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população à moradia, ao saneamento e ao transporte e, através disso, universalizar o acesso à moradia digna” (TUDE, 2010, p. 96). 

Entre os programas criados para atender a finalidade  da Política Nacional de Habitação, destacam-se: o Programa Crédito Solidário, formulado para cooperativas e associações habitacionais, com financiamentos a juros zero para a população de baixa renda; o Programa de Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos Precários; o Programa do Sistema de Habitação de Interesse Social, que tem por norte ações de urbanização das favelas, realocação de famílias em área de risco, cortiços, alagados (TUDE, 2010).

Para alavancar o desenvolvimento destes programas sociais relacionados com a habitação, foi lançado em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no qual coube à Caixa a execução das ações pertinentes, “o objetivo era fomentar o desenvolvimento do país através de investimento em infraestrutura aliado a medidas econômicas para estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país” (TUDE, 2010, p. 94).

Sobre a representatividade do PAC, no cenário habitacional brasileiro, destaca-se:

O PAC representou um grande impacto para questão habitacional brasileira, sendo o seu investimento estimado para o setor de habitação de R$106,3 bilhões, até 2010, onde R$55,9 bilhões serão direcionados para famílias com rendimento mensal de até cinco salários mínimos. (TUDE, 2010, p. 95).

O resultado daquele programa, foi a criação do programa de moradia "Minha Casa, Minha Vida (PMCMV)" que tinha como objetivos: a construção de um milhão de novas moradias; o aumento do acesso das famílias de baixa renda à casa própria e a geração do emprego e renda através do aumento do investimento na construção civil” (TUDE, 2010, p. 95).

Assim, o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida" foi proposto com escopo de: “distribuir os recursos de acordo com o déficit habitacional, a regionalizar os custos dos imóveis e compatibilizar a prestação da casa própria com a capacidade de pagamento da família” (TUDE, 2010, p. 95).

Neste norte, o PMCMV dá impulso a construção de novas unidades habitacionais voltadas às camadas da população com menor renda, outorgando expressivos subsídios, principalmente para a faixa de 0 a 3 salários mínimos. Imóveis que antes eram inacessíveis a esta faixa de renda familiar, puderam ser adquiridos com subsídios que representam até 88% do valor do imóvel (CAIXA, 2011).

Convém destacar que o PMCMV prioriza para atendimento os municípios que estejam implementando instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade para controle da retenção de áreas urbanas em ociosidade e que disponibilizem terrenos localizados em área urbana consolidada para a construção de moradias com recursos do Programa (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009).

O PMCMV representa um grande aporte de recursos financeiros para o setor habitacional, composto por 75% de recursos não onerosos advindos do Orçamento Geral da União, 22% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e 3% do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (KLINTOWITZ , 2009).

Para a menor faixa de renda, as fontes de recursos para financiamento são compostas pelo Fundo de Arrendamento Residencial e pelo Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). Na operacionalização dos financiamentos, o FAR destina-se ao financiamento de unidades habitacionais produzidas por empresas privadas (construtoras e incorporadoras) e o FDS destina-se ao financiamento de unidades habitacionais contratadas por meio de entidades organizadoras sem fins lucrativos.

Também fora criado um fundo Garantidor da Habitação, de natureza privada, com patrimônio próprio constituído por cotas da União, dos agentes financeiros que se dispuserem a aderir às coberturas previstas, dos rendimentos sobre aplicação em títulos públicos federais dos valores disponíveis no fundo, e de recursos provenientes da recuperação de prestações honradas pelo Fundo Garantidor de Habitação (SOARES, 2012).

Segundo os dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal, até o final de 2013, o PMCMV realizados por agentes já havia atingido o marco de 134,9 bilhões em financiamentos relacionados com crédito imobiliário e entregado mais 1,5 milhão de moradias. Deste total, 812 mil unidades (53%) foram para pessoas com renda familiar de até R$ 1.600,00.

Em 2018, o PMCMV investirá um total de R$ 72,7 bilhões de reais, na construção de 650 mil unidades habitacionais, em todo o país. Para a faixa 1 (famílias com renda de até R$ 1,8 mil mensais), serão 130 mil habitações (BRASIL, 2018).

Oportuno destacar está em trâmite o projeto de emenda constitucional de nº 285/2008, o qual tem por objetivo garantir a vinculação de recursos orçamentários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos Fundos de Habitação de Interesse Social, para os próximos 30 (trinta) anos, ou até a eliminação do déficit habitacional.

2.2. A POLÍTICA DE HABITAÇÃO CATARINENSE E REFLEXOS NA CIDADE DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC

Em Santa Catarina, o gerenciamento e atendimento da questão habitacional, fica a cargo da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina (COHAB/SC). Esta companhia destina-se ao atendimento dos estratos populacionais de baixa renda, com a produção e comercialização de casas populares (COHAB/SC, 2018).

Tem como área de atuação, todos os municípios do Estado de Santa Catarina. Trata-se de Sociedade de Economia Mista, criada pela Lei Estadual nº 3.698, de 12 de julho de 1965 e constituída na forma do Decreto Lei nº 4.032, de 15 de abril de 1966. É regida por Estatuto e pela Lei das Sociedades Anônimas. Na estrutura de governo, a COHAB/SC é um órgão vinculado à Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Habitação e no âmbito federal, é integrante do Sistema Financeiro da Habitação (COHAB/SC, 2018).

Ao longo de sua existência, a COHAB/SC, órgão executor do plano de Governo, tornou possível às famílias catarinenses a realização do sonho da casa própria, por meio de ações voltadas à: a) construção de conjuntos habitacionais; b) financiamento de unidades isoladas urbanas e rurais; c) lotes urbanizados; d) urbanização de favelas; e) mutirão habitacional; f) recuperação e reconstrução de habitações (programa especial de reconstrução - enchentes de 1984/1985/2008); g) melhoria de habitações; h) regularização fundiária de aglomerados de sub-habitações e unidades sanitárias (COHAB/SC, 2018).

O levantamento "Déficit Habitacional Municipal no Brasil 2013", do Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação e Fundação João Pinheiro, publicado em 2015, atualiza os números referentes ao setor habitacional no Estado de Santa Catarina. Atualmente, o déficit é de 167.793 (cento e sessenta e sete mil, setecentos e noventa e três) unidades. O déficit observado na área urbana é de 150.173 (cento e cinquenta mil cento e setenta e três) unidades; e na área rural de 16.835 (dezesseis mil oitocentas e trinta e cinco) unidades. O Estado possui ainda 36.359 (trinta e seis mil, trezentos e cinquenta e nove) moradias classificadas em situação precária (COHAB/SC, 2018).

Quanto à cidade de Balneário Camboriú, localizada no estado de Santa Catarina, segundo dados disponibilizados no site da COHAB/SC, referente ao ano de 2006, há um déficit habitacional de 6.837, unidades (COHAB/SC, 2018).

No que diz respeito ao número de assentamentos precários, tem-se o total de 247 domicílios (COHAB/SC, 2018), assim distribuídos:

Ord. 

 Denominação

Nº de Domicílios

População

 Rua João Maurício Pereira

25 

130 

 Rua Coleirinha

26 

 Rua Paraguai

47 

 Rua Projetada A (Bairro das Nações)

30 

143 

 Rua Mauritânia

17 

78 

 Rua Bento Cunha

59 

245 

 Rua Itália

39 

201 

 Loteamento Greeville

16 

 Rua A - Loteamento Jardim Denise

47 

226 

10 

 Rua Panamá

41 

 T o t a l

247 

1.153 

Quadro 01 – Assentamentos precários na cidade de Balneário Camboriú, referente ao ano de 2006. Fonte: COHAB/SC, nov. 2018.

Feita a análise da situação habitacional do estado de Santa Catarina, e, da cidade de Balneário Camboriú, passar-se-á a discorrer a respeito do instituto do patrimônio de afetação.

2.3. O INSTITUTO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO NA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

Conforme elucidado no tópico anteriormente exposto, a demanda da população por espaços urbanos tem se intensificado ao longo das décadas, de forma exponencial. Em detrimento desta procura pelo solo urbano, para fins de construção de moradia, dois são os fatores sociais decorrentes: escassez e aumento do valor. Deste modo, faz-se necessário um melhor aproveitamento do solo urbano.

Diante destas situações, a incorporação imobiliária surgiu como instrumento para fins de melhor aproveitamento do solo urbano, por meio da construção de condomínios edilícios (TUTIKIAN, 2007).

Conforme art. 28, parágrafo único, da Lei n º 4.591/64: “considera-se Incorporação imobiliária a atividade exercida com intuito de promover e realizar a construção, para alienação parcial ou total de edificações compostas de unidades autônomas”.

A incorporação imobiliária é utilizada, pela figura do incorporador, que tem por objetivo mobilizar fatores de produção para construir, vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edifícios coletivos, fazendo uso de mão de obra, materiais de construção e acabamento, ou seja, o incorporador fica responsável por uma série de medidas para levar a cabo a construção do empreendimento, com a individualização das áreas no Registro de Imóveis (CHALHUB, 2010).

Em detrimento das características da incorporação imobiliária, é comum que ocorra a venda antecipada dos apartamentos, durante a construção, pois esta é a forma pela qual o incorporador utiliza-se para prover recursos necessários à consecução da obra a ser edificada. Assim, a incorporação imobiliária “consiste em obter o capital necessário à construção do edifício, mediante venda por antecipação dos apartamentos de que se construirá” (DINIZ, 1996, p. 493).

Em decorrência da natureza da incorporação imobiliária, denota-se que esta prática sofre influência direta de intempéries econômicas, tais como: alta do dólar, especulação financeira, desemprego, inflação, recursos e subsídios do governo e dos bancos, agricultura, alta dos preços de commoditieis, tais como ferro, alumínio, cimento. Ou seja, é uma atividade que está diretamente ligada à situação econômica/financeira do país.

Essas variáveis, portanto, ao resultarem em falta de subsídio financeiro ao incorporador, que poderá se dar pela ausência de linhas de financiamento, ou até mesmo pela paralisação de vendas durante a incorporação; podem levar o incorporador a pedir sua recuperação judicial, ou até mesmo à bancarrota, motivo pelo qual a obra poderá restar paralisada durante sua construção.

Importante salientar, que nos últimos anos, grandes empresas do ramo da construção civil, sofreram enormes percalços financeiros. Dentre estas, destacamos a gigante PDG, empresa de capital aberto, que desde 2013, entregou mais de 67 mil unidades em 279 empreendimentos, com atuação em 15 estados e no Distrito Federal, sendo a segunda maior empresa do setor imobiliário no Brasil no segmento popular, cuja qual, no ano de 2017, ingressou com pedido de recuperação judicial, e a  GAFISA, que nos últimos anos teve prejuízos de centenas de milhões de reais. Ambas as empresas deixaram muitas obras paralisadas e, consequentemente, centenas de famílias sem o sonhado lar.

Frise-se que durante a incorporação imobiliária, o adquirente paga entrada significativa, e vai adimplindo o preço de aquisição de forma parcelada. Portanto, o adquirente está sujeito aos riscos da saúde patrimonial do incorporador.

Alerta-se que é prática comum dos incorporadores imobiliários lançarem novo empreendimento imobiliário, por valores mais módicos, para angariar montante financeiro com investidores, com escopo de terminar a obra anterior. Percebe-se, portanto, que a falta de “caixa” do incorporador é sanada com o lançamento de outra obra, cujo metro quadrado é vendido de forma mais barata. Assim, cria-se um ciclo econômico pernicioso, o qual resulta em um papel cada vez mais vulnerável, por parte das incorporadoras, às oscilações econômicas.

Apesar de existir previsão legal na lei de incorporação imobiliária, a qual tem por escopo salvaguardar o dinheiro dos adquirentes de imóveis na planta, esta previsão não é suficiente para proteger o adquirente das unidades autônomas, ou seja, tal previsão legal não basta para garantir que o dinheiro adimplido pelo adquirente, permanecerá ou retornará ao seu patrimônio.

Ocorre que, quando declarada a falência do incorporador, na maioria das vezes, seu patrimônio não é suficiente para saldar todo seu passivo. Sendo assim, se declarada sua falência, quando da ocorrência da habilitação dos credores, os adquirentes das unidades autônomas, ainda que sejam classificados como credores privilegiados, terminam por verem seu sonho da casa própria esmaecido, visto que no concurso de credores, regulado pela Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências), em seu art. 83, seus direitos de recebimento dos créditos financeiros da incorporação imobiliária, são posteriores ao direito de outros credores, tais como os credores trabalhistas, os créditos tributários, créditos com garantia real.

Com fito de amenizar o risco do adquirente do imóvel na planta, em 03 de agosto de 2004, fora editada a Lei nº 10.931, fruto da Medida Provisória nº 2.221/2001, a qual trata do regime do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, entre outros institutos, adicionando importantes dispositivos na lei da incorporação imobiliária.

O impulso na criação da referida Lei, se deu o Brasil vivenciou a falência de uma das maiores construtoras do país, na década de 90. Esta falência provocou a paralisação de mais de 700 obras, com mais de 40.000 apartamentos (TUTIKIAN, 2007).

Este acontecimento sucedeu grande impacto social. Ele atingiu milhares de famílias que, mês após mês, comprometeram parte do seu rendimento para com o pagamento da parcela da tão sonhada casa própria.

Tal acontecimento acabou por dificultar o andamento daqueles 40 mil apartamentos, distanciou os adquirentes do sonho da casa própria e, por consequência, deu origem a longos e onerosos processos judiciais, pondo fim à relação de confiança da sociedade, como um todo, face às empresas de incorporação imobiliária (TUTIKIAN, 2007).

Neste norte, a Lei nº 10.931/2004, instituiu o patrimônio de afetação, na incorporação imobiliária. Por meio deste instituto:

O acervo patrimonial que compõe uma incorporação imobiliária – terrenos acessões, receitas provenientes de vendas, obrigações vinculadas ao negócio, bem como os respectivos encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários, etc. – é suscetível de afetação, pela qual esse conjunto de direito e obrigações fique segregado, tendo a exclusiva finalidade de conclusão da obra e entrega das unidades aos adquirentes (CHALHUB, 2010, p. 64).

Portanto, o patrimônio afetado não se comunica com dívidas do incorporador que não estejam atreladas à obra, quando declarada sua falência. Nesse sentido é a redação do art. 31-F da Lei nº 10.931/2004:

Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.

Deste modo, o patrimônio de afetação tem por finalidade:

[...] proteger a incorporação afetada contra os riscos patrimoniais de outros negócios da empresa incorporadora, visando a que seus eventuais insucessos em outros negócios não interfiram na estabilidade econômico financeira da incorporação afetada (CHALHUB, 2010, p. 64).

Sobre a finalidade do patrimônio de afetação, acrescenta Vanzella (2009, p .68):

A finalidade do patrimônio de afetação é tão imperiosa que somente poderá ser excutido por credores ligados à incorporação, sendo que os demais credores gerais do incorporador ficam impedidos de praticar qualquer ato executivo em relação a esses bens “apartados”.

Assim, com o surgimento da Lei nº 10.931/2004, esta acabou por impor-se a favor dos adquirentes de imóveis na planta, de forma que trouxe segurança financeira às incorporações imobiliárias, visto que origina verdadeira garantia real, constituindo efeito em face de qualquer dívida do incorporador que não esteja atrelada ao referido empreendimento imobiliário.

Uma vez que o incorporador não o tenha instituído patrimônio de afetação na incorporação, não só o adquirente terá desvantagem em caso de eventual quebra do incorporador, porque terá sua preferência geral sucumbida pelas preferências especiais de outros credores, mas também as instituições bancárias que investem vultuoso recurso financeiro nos empreendimentos, ficariam prejudicadas em razão dos créditos preferenciais (VANZELLA, 2009).

Para Tristão (2009, p. 15), o objetivo da Lei nº 10.931/2004: “é baratear o crédito imobiliário e dar segurança tanto para os agentes financeiros quanto aos adquirentes de unidades de empreendimentos imobiliários, principalmente em caso de falência do empreendimento”.

Por meio da comentada Lei, o instituto da afetação apresenta-se como um instrumento a ser utilizado no direito de propriedade, para fins de garantia e acesso à habitação, sem, contudo, tolher qualquer direito do incorporador.

 Assim, a teoria da afetação é ferramenta que pode contribuir com  o crescimento dos números de moradias entregues aos adquirentes de imóveis na planta, auxiliando na diminuição do problema público habitacional pelo qual o Brasil atravessa, ao passo que: a)  garante a estes a certeza de que seu dinheiro aplicado no empreendimento não será utilizado para suportar dívidas de outros empreendimentos não finalizados do incorporador e; b) que o dinheiro adimplido para seu apartamento não servirá para pagar créditos de natureza trabalhista ou tributária de outras obras, quando declarada a falência do incorporador.

2.4. OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES ADVINDAS DA INSTITUIÇÃO DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

O patrimônio de afetação é instituído através de documento denominado termo de afetação, o qual deve ser entregue pelo incorporador imobiliário ao Registro de Imóveis e a Receita Federal do Brasil (CHALHUB, 2010). A partir deste momento a obra passar a ser afetada, imperando novas obrigações e direitos ao incorporador.

Uma vez que o incorporador tenha instituído o patrimônio de afetação, emergem diversas obrigações para sua pessoa, conforme aduz o art. 31-D, da Lei nº 10.931/2004, tais como:

Art. 31-D. [...]

I - promover todos os atos necessários à boa administração e à preservação do patrimônio de afetação, inclusive mediante adoção de medidas judiciais;

II - manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação;

III - diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá-los na forma prevista nesta Lei, cuidando de preservar os recursos necessários à conclusão da obra;

IV - entregar à comissão de representantes, no mínimo a cada três meses, demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros que integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, firmados por profissionais habilitados, ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo incorporador e aprovadas pela comissão de representantes;

V - manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em conta de depósito aberta especificamente para tal fim;

VI - entregar à comissão de representantes balancetes coincidentes com o trimestre civil, relativos a cada patrimônio de afetação;

VII - assegurar à pessoa nomeada nos termos do art. 31-C o livre acesso à obra, bem como aos livros, contratos, movimentação da conta de depósito exclusiva referida no inciso V deste artigo e quaisquer outros documentos relativos ao patrimônio de afetação; e

VIII - manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela legislação tributária

Sendo assim, uma vez constituído o patrimônio de afetação, este apresenta-se como ferramenta de controle da incorporação imobiliária, seja por parte dos adquirentes, seja por parte das instituições financeiras, pois, em decorrência do exercício da fiscalização e da obrigação de manter contabilidade e conta corrente apartada, as partes envolvidas na relação jurídica possuem acesso às informações comerciais, tributárias, contábeis e de qualquer outra natureza referentes ao patrimônio afetado (CHALHUB, 2010).

O acesso às referidas informações traz às partes envolvidas no negócio, o conhecimento suficiente para acompanhar o andamento da obra como se fossem os administradores da incorporadora, insurgindo assim toda a segurança necessária para o adquirente e para o financiador da obra, inclusive. 

Das obrigações acima mencionadas, a que acrescentaria maior força à consecução do empreendimento e consequentemente, maior êxito na implementação de políticas públicas habitacionais, seria a obrigação de número II, ao passo que exige das incorporadoras imobiliárias a obrigatoriedade de manter os recursos das obras apartados uma obra da outra.

Com objetivo de estimular a implementação do patrimônio de afetação na incorporação imobiliária, a Lei 10.931/2004, trouxe benesses tributárias ao incorporador.

Neste norte, uma vez que o incorporador tenha optado por aquele instituto, há expressa previsão de um recolhimento diferenciado dos tributos, conforme delineado no art. 1º, da Lei nº 10.931/2004.

Art. 1º. Fica instituído o regime especial de tributação aplicável às incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação

Sobre o regime especial de tributação (RET), advindo da Lei nº 10.931/2004, explana Botegga (2005, 67-68):

[...] as empresas incorporadoras têm opção de instituir regime especial de tributação sobre a receita mensal recebida com a venda das unidades imobiliárias que compõe a incorporação, bem como as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes dessa operação.

 Este regime especial de tributação tem suas alíquotas e base de cálculos alicerçados no art. 4º, da Lei nº 10.931/2004, que assim dispõe sobre a forma de arrecadação tributária de cada empreendimento:

Art. 4º. Para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação, a incorporadora ficará sujeita ao pagamento equivalente a 4% (quatro por cento) da receita mensal recebida, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado do seguinte imposto e contribuições: I - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ; II - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; e IV - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS.

  Alerta-se que este pagamento de 4% (quatro por cento) sobre o valor total do imóvel, pode representar economia de 2,93%, visto que a empresa optante pelo lucro presumido, deveria adimplir, quando da venda do imóvel, o montante de 5,93% em tributos (ACCORSI & ROSA, 2009). Ou seja, há uma isenção tributária de quase 2% sobre o valor total das vendas, isenção que representa vultuosa economia financeira, já que incide sobre o total do valor de venda sobre o empreendimento.       Economia maior, a qual gera mais estímulos ao incorporador, diz respeito aos imóveis com valor de venda até cem mil reais, definidos como de interesse social, que se enquadrem no projeto social do governo federal denominado “minha casa minha vida”,  pois para este caso, o recolhimento do tributo (RET), fica em 1% sobre o total das vendas do empreendimento (ACCORSI; ROSA, 2009).

Conforme ensina Accorsi & Rosa (2009, p. 95), esta nova opção fiscal: “assegura benefícios fiscais àqueles envolvidos com incorporações imobiliárias que concordem em constituir patrimônio de afetação e aceitem organizar seus negócios sob o regime de afetação previsto na Lei.

Para Accorsi & Rosa (2009, p. 95), o objetivo do Regime Especial Tributário:

[...] visa a simplificação dos cálculos relativos aos tributos devidos, bem como a beneficiar o incorporador, que, em tese, poderia ser menos onerado à medida que recolhe o tributo único. [...] Estes benefícios se equiparam aos concedidos pela legislação que introduziu o regime do Simples (Lei 9.317/96), por meio do qual os tributos são recolhidos de forma simplificada (também tributo único) e oneram menos (na maioria das vezes) os micro e pequenos empresários, à medida que incidem sobre a receita bruta auferida mensalmente, e não sobre o lucro real .

Deste modo, o RET incentiva o incorporador imobiliário que é organizado e concomitantemente não é aventureiro, pois este não optará pelo regime de afetação se não tiver certeza de que conseguirá entregar a incorporação imobiliária concluída.

Por outro lado, deve o adquirente do imóvel na planta, ficar atento àquelas incorporações imobiliárias que não optam pelo regime de afetação, ao passo que tal opção denota, entre outras situações, que o incorporador: a) talvez não tenha recursos suficientes para acabar o empreendimento, fato que por si, já deve gerar receio ao adquirente; b) não queira que o adquirente tenha acesso aos livros contábeis; c) não quer o adquirente fiscalizando o andamento e a qualidade da obra.

2.5. O REGIME DE AFETAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A CONSECUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA HABITACIONAL E SOCIALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO

Conforme discorrido acima, o Brasil enfrenta grave déficit habitacional, que, em 2015, correspondia a 6,355 milhões de domicílios, dos quais 5,572 milhões, ou 87,7%, estão localizados nas áreas urbanas.  

Os números do IBGE demonstram que a demanda habitacional tem se elevado, nas últimas décadas. E, por conta do aumento do custo do solo urbano e dos custos da construção civil, o incorporador optará, certamente, pela construção de grandes conjuntos habitacionais (condomínios edilícios).

Diante deste contexto, os fatores de sociabilidade e qualidade de vida, contribuem para a implementação de grandes conjuntos habitacionais, pois, através do rateio dos custos do solo e de materiais, nestes grandes condomínios, é possível construir salão de festas, piscina, quadras poliesportivas, áreas de lazer.

A construção de grandes edifícios, por sua vez, estimula a criação de comércio nas redondezas destes grandes conjuntos habitacionais, contribuindo para o a cadeia de geração de riquezas. Ainda, neste norte, tais situações desenvolvem a criação de linhas de ônibus, a implementação de postos de saúde, guaritas policiais, creches, escolas técnicas nas redondezas dos conjuntos habitacionais.

Este cenário de grandes conjuntos habitacionais, com ocorrência de grandes verticalizações, é experimentado, com maior incidência, na cidade de Balneário Camboriu/SC, pois: a) sua dimensão territorial é pequena, apresentando apenas 46,244 quilômetros quadrado, o que resultava, em 2010, em alta taxa de densidade demográfica, qual seja: 2.337,67 habitantes, por quilômetro quadrado; b) seu produto interno bruto, em 2015, equivalia a 37.451,22 reais, per capita,  segundo revela o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

Conforme discorrido no título “2.1”, denominado “Políticas Públicas e Habitação no Brasil”, o Governo Federal, por meio de seus ministérios, autarquias, por diversos mandatos, tem se empenhado para sanar o déficit habitacional, por meio de políticas públicas que tragam maior efetividade à implementação de habitação aos necessitados. As quais, infelizmente, até o presente momento, não foram suficientes.

Considerando os números, trazidos neste artigo, relacionados ao cenário habitacional brasileiro, percebe-se que o Governo Federal deve utilizar-se de ferramenta jurídica que possa contribuir com o a redução do déficit da habitação e, também, com os riscos daqueles que adquirem imóveis na planta. A importância desta afirmação é ressaltada, por exemplo, quando se analisa as peculiaridades da cidade de Balneário Camboriú/SC (pequena dimensão territorial, alta densidade demográfica, alta renda per capita).

O patrimônio de afetação, conforme aventado acima: possui contabilidade própria; permite o acesso dos adquirentes e do agente financeiro ao andamento do empreendimento, dos documentos e movimentações financeiras da incorporação; constitui patrimônio segregado dos demais empreendimentos do incorporador; portanto, se apresenta como ferramenta pontual de intervenção econômica do governo federal, a qual auxiliará na implementação de políticas públicas habitacionais, resultando em maior efetividade, pois,  traz publicidade aos atos de incorporação imobiliária e segurança jurídica àqueles que ali depositaram seu dinheiro, diminuindo, por consequência, o déficit habitacional, ao passou que: a) os adquirentes de imóveis na planta, e/ou o governo federal, possuem transparência contábil/financeira, tendo mais subsídios para a realização da compra e/ou financiamento; b) possuem segurança da manutenção do capital investido na obra afetada, quando da declaração de falência do incorporador, conforme abaixo se demonstrará.

O patrimônio de afetação prevê tratamento específico para as obras afetadas, quando declarada a falência do incorporador imobiliário.

Uma vez decretada a falência ou insolvência civil do incorporador, os concursos de credores não atingirão os patrimônios de afetação constituídos, salvaguardando, por consequência, dinheiro dos compradores e, se for o caso, o dinheiro público destinado a consecução da obra.

Neste norte, a orientação de como proceder após a declaração de falência do incorporador está descrita no art. 31-F, § 1º, da Lei nº 10.931/2004, veja-se:

Art. 31-F. [...] § 1º. Nos sessenta dias que se seguirem à decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador, o condomínio dos adquirentes, por convocação da sua comissão de representantes ou, na sua falta, de um sexto dos titulares de frações ideais, ou, ainda, por determinação do juiz prolator da decisão, realizará assembleia geral, na qual, por maioria simples, ratificará o mandato da comissão de representantes ou elegerá novos membros, e, em primeira convocação, por dois terços dos votos dos adquirentes ou, em segunda convocação, pela maioria absoluta desses votos, instituirá o condomínio da construção, por instrumento público ou particular, e deliberará sobre os termos da continuação da obra ou da liquidação do patrimônio de afetação (art. 43, inciso III); havendo financiamento para construção, a convocação poderá ser feita pela instituição financiadora.

Assim, uma vez que declarada a falência do incorporador, a comissão de representantes poderá deliberar sobre a continuação ao a venda da obra. De qualquer forma, em qualquer uma das duas situações, estará o dinheiro dos adquirentes salvaguardado das outras dívidas do incorporador que não estejam ligadas à consecução do empreendimento (CHALHUB, 2010).

O projeto de lei inicial previa, inicialmente, o patrimônio de afetação deveria ser regime compulsório nas incorporações imobiliária. Ocorre que, após tramitar pelo Congresso Nacional, a afetação patrimonial acabou ficando como ferramenta de livre escolha do incorporador. Ou seja, ela somente será implantada se o incorporador optar pela afetação (CHALHUB, 2010).

Nas palavras do professor Chalhub (2010, p. 94), a falta de previsão legislativa no que concerne à obrigatoriedade do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, acabou por afrontar a economia popular:

[...] pois um dos seus propósitos basilares e disciplinar a captação de recursos que é realizada por meio da venda antecipada de unidades imobiliárias em construção. Esse fato, por si só, indica que toda e qualquer incorporação é merecedora de tutela especial sob forma de segregação patrimonial, que deve ser instituída independentemente de qualquer manifestação do incorporador, bastando para tal o registro do Memorial de Incorporação.

Assim, para Chalhub (2010, p. 94):

Nada justifica que esse instrumento seja manejado a critério do incorporador, pois a proteção da economia popular não pode ser objeto de conveniência particular, mas, ao contrário, e matéria de interesse público que, a exemplo do que sucede no âmbito das relações de consumo, decorre do “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo” (Lei n° 8.078/1990, art. 4 , I), daí a necessidade de intervenção legislativa “para compensar eventual desvantagem contratual e garantir a segurança jurídica em favor do contratante mais fraco, impondo, para tal, regime jurídico próprio para determinadas atividades.

Diante do exposto neste artigo, acredita-se o legislador ordinário deveria estipular que o instituto do patrimônio de afetação é obrigatório quando: a) receber numerário público (dinheiro do governo federal, estadual ou municipal); e, também, b) quando envolver incorporação imobiliária (venda na planta) para famílias com renda até 5 salário mínimos, pois, conforme apontado anteriormente, é a classe social onde se encontra a maior deficit habitacional no Brasil.

  Acredita-se que no caso de compulsoriedade do patrimônio de afetação (segregação patrimonial), para as hipóteses suso aludidas, considerando as obrigações que o acompanham, seria salvaguardado o dinheiro público e a economia popular, visto que haveria maior certeza de término do empreendimento tendo em vista o tratamento dado ao numerário financeiro quando da hipótese de falência do incorporador que opta pelo regime de afetação.

Também haveria a certeza de que todo o montante financeiro depositado naquele empreendimento, seja do governo ou dos adquirentes de baixa renda, na hipótese de declarada da falência do incorporador, não seria utilizado para quitar débitos trabalhista, tributários, de outro empreendimento de titularidade do mesmo incorporador.

O incorporador imobiliário, por sua vez, ao enfrentar tais restrições legais, faria uso de mais planejamento, estratégias comerciais e maior caixa, antes de iniciar um empreendimento. Afastar-se-á, assim, o incorporador aventureiro. Tal fato, certamente, diminuiria o número de falências decretadas e, também, o número de obras lançadas para fins de captação de recursos externos com objetivo de sanar eventual falta de fluxo financeiro de empreendimentos que estão na iminência de serem entregues.

Sempre que o incorporador lança uma nova obra para conseguir terminar outra em andamento, está ele criando um ciclo pernicioso dentro da economia, ao passo que estará cada vez mais suscetível às oscilações econômicas. Falindo o incorporador, vai à bancarrota a sociedade, o sonho de uma família, o emprego de centenas de pessoas, que, por um efeito cíclico da economia, passar o sofrer pela irresponsabilidade de apenas uma pessoa ou poucas pessoas.

Diante destas imposições legais, considerando o alcance das normas advindas do regime de afetação, funcionaria o patrimônio de afetação como verdadeira ferramenta de intervenção econômica (segregação patrimonial), feita de forma pontual, para salvaguardar o interesse público social, no caso, a implementação de políticas habitacionais. 

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Sobre os autores
Augusto Marchese

Graduado em Administração de Empresas pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Pós-graduado em Direito Público. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral. Mestrando em Gestão de Políticas Públicas na Universidade do Vale do Itajaí. Membro consultivo, da comissão de Direito Imobiliário, do Estado de Santa Catarina. Incorporador imobiliário. Advogado. Professor da UNIAVAN - Universidade Avantis.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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