Inexigibilidade de licitação e contratação direta para transporte escolar, por critérios de credenciamento e preço fixado por quilômetro.

08/11/2019 às 15:12
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As aquisições e contratações públicas devem ser precedidas do devido processo de licitação. Entretanto, como para toda regra existe a exceção, o próprio comando constitucional, disposto no inciso XXI, art. 37, preceitua que a lei poderá estabelecer exceções à regra geral, com a expressão “ressalvados os casos especificados na legislação”.

A licitação, procedimento administrativo formal e obrigatório, é regra para a aquisição de bens e contratação de serviços e obras, visando atender as necessidades do Poder público, mediante observação do princípio constitucional da igualdade entre os partícipes, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Tal importância tem nascedouro na Carta Magna Nacional, com supedâneo no inciso XXI do artigo 37, senão vejamos, in verbis:

“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. ”

Preceito constitucional regulamentado pela Lei das Licitações nº 8.666/1993, de 21 de junho, que instituiu normas gerais de licitação e contratos da administração pública, fixando critérios pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações, quais subordinam-se, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Dentre os conceitos que mais aplico, sem desmerecer os demais e bons autores, para a definição de licitação é o que prolata o renomado Hely Lopes Meireles, que diz “licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos”. Direito Administrativo Brasileiro, p. 274.

Com toda a propriedade, entende-se que as aquisições e contratações públicas devem ser precedidas do devido processo de licitação. Portanto, ela é obrigatória para todos que desejam contrata e fornecer para o Estado brasileiro. Entretanto, como para toda regra existe a exceção, o próprio comando constitucional, disposto no inciso XXI, art. 37, preceitua que a lei poderá estabelecer exceções à regra geral, com a expressão “ressalvados os casos especificados na legislação”. 

Por sua vez, exercendo seu papel regulamentador, a Lei de Licitações nº 8.666/93 determina hipóteses de dispensa e inexigibilidade, situações distintas e especiais, em que tais contratos administrativos podem ser celebrados diretamente com a administração, sem, contudo, liberar do formalismo necessário a justificar comparativamente o preço, selecionar a melhor proposta e resguardar a isonomia e a impessoalidade da contratação, com amparo nos artigos 24 e 25, instruídos com os elementos previstos no art. 26, deste diploma legal.

Nesta seara, dedico o presente artigo à inexigibilidade de licitação, tendo como principal característica a inviabilidade de competição, calçado em três pilares, quais sejam: fornecedor exclusivo; notória especialização; e profissional consagrado pelo público, como natureza singular do serviço.

Neste diapasão, tem-se o desafio de compreender a aplicabilidade desses conceitos na contratação de serviços de transportes de estudantes, através de veículos apropriados de particulares, pessoas físicas ou empresas, pelo mecanismo do credenciamento comum, de todos os interessados, a contratar um único prestador através de disputa licitatória, considerando a sua viabilidade e os requisitos para sua efetivação, com os fundamentos da inviabilidade de competição.

Objetivamente, o foco está no comando da Lei 8.666/93, disposto no art. 25, que versa nos seguintes termos:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (negrito nosso)

I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Destaca-se no pretérito comando legal, que “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição…”. Mas, o que é inviabilidade de competição? No universo das licitações, trata-se de uma expressão subjetiva, que emerge inúmeras interpretações, diverso do instituto da dispensa, o qual determina um rol taxativo e exaustivo de situações determinadas para sua aplicação, enquanto que para a forma de inexigibilidade, disposto nos incisos do art. 25 da lei, constituem rol meramente exemplificativo.

Seguindo este entendimento, Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2009. Pag. 367.), após citar exemplos sobre as hipóteses de inexigibilidade trazidas pela Lei 8666/93, ensina que “todas essas abordagens são meramente exemplificativas, eis que extraídas do exame das diversas hipóteses contidas nos incisos do art. 25, sendo imperioso reconhecer que nelas não se esgotam as possibilidades de configuração dos pressupostos da contratação direta por inexigibilidade. ”

Diante dessas considerações, assentou-se a possibilidade de contratação de diversos prestadores de serviços de transporte escolar, evoluído da concepção de fornecedor ou prestador exclusivo, tendo em vista que a administração ao realizar o planejamento da contratação e fixar em bases seguras os custos do serviço desejado, com ou sem emprego de mão de obra, encargos previdenciários e trabalhistas, insumos básicos de manutenção geral, depreciação dos bens envolvidos e sendo justo na fixação das taxas para gestão e lucro do negócio a ser contratado, observado o inegociável interesse público, nada obsta quanto a contratação de todos os interessados, dispostos a aderir aos requisitos para execução do objeto em estudo, desde que satisfaçam as condições habilitatórias estabelecidas no edital, à luz do ordenamento jurídico e da manifesta “inviabilidade de competição’.

Por isso mesmo, pode-se citar a seguinte decisão do Tribunal de Contas da União – TCU que admite o credenciamento, o Acórdão 2575/2019 – Plenário, nos seguintes termos:

45. Segundo a jurisprudência vigente deste Tribunal, quando entendido como hipótese de inexigibilidade de licitação, o credenciamento não está expressamente mencionado no art. 25 da Lei 8.666/1993, e deve ser adotado quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados, conforme teor do Acórdão 3.567/2014-TCU-Plenário, Revisor Ministro Benjamin Zymler.

46. Também conforme a jurisprudência do TCU (Acórdão 04/2017-TCU-Primeira Câmara, Relator Ministro – Substituto Augusto Sherman), o credenciamento só pode ser considerado como hipótese de inviabilidade de competição quando observados requisitos como: i) contratação de todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração, não havendo relação de exclusão; ii) garantia de igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido; iii) demonstração inequívoca de que as necessidades da Administração somente poderão ser atendidas dessa forma.

Pela importância do tema e sua aplicabilidade ao serviço de transporte de estudantes, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia – TCM/BA, respondendo consulta formulada por ente administrativo, sob PARECER Nº 00162-18, emitiu o seguinte juízo de valor:

“ver viabilidade na contratação de serviços de transporte escolar pela administração, por intermédio do credenciamento, cabendo ao Gestor avaliar, no caso concreto, o preenchimento dos requisitos estabelecidos legalmente para tanto, à luz do interesse público e com observância aos princípios da isonomia, impessoalidade, publicidade, economicidade, eficiência e competitividade. Também é possível a fixação do valor a ser adimplido por quilômetro rodado, desde que conste tal previsão expressa do respectivo regulamento, juntamente com regras que garantam à uniformização dos custos, como por exemplo, tipo de veículo a ser utilizado, (marca, modelo, ano, etc.), combustível e despesas realizadas com manutenção. ”

De igual modo, O Pleno do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco – TCE/PE, também respondeu consulta formulada por gestor público municipal sobre a contratação de serviços de transporte escolar, sobre a legalidade da contratação de serviços de transporte de estudantes mediante a fixação de preço por quilômetro rodado, e se a convocação dos prestadores de serviço através de processo de credenciamento substitui a adjudicação a um único fornecedor?, respondidas pelo conselheiro Dirceu Rodolfo, emitindo a seguinte deliberação:

“Segundo ele, é possível a contratação de serviços de transporte de estudantes mediante a fixação de preço por quilômetro rodado, desde que essa fixação esteja prevista pela Administração Pública no sistema de credenciamento e a composição dos custos seja evidenciada de forma clara, uniformizando-se o tipo de veículo, o combustível, a despesa decorrente do serviço prestado e a margem de remuneração.

REGRAS OBRIGATÓRIAS – Acrescentou que também é possível a adoção do sistema de credenciamento para a contratação de serviços de transporte escolar, desde que observadas as seguintes regras: a) permitir a contratação de todos que satisfaçam às condições exigidas, exigência indispensável ao credenciamento e que justifica a sua existência, pois a inexigibilidade de licitação se dá exatamente pela inviabilidade de competição; b) ser impessoal da definição da demanda, o que implica excluir a vontade da Administração na escolha de quem prestará o serviço e que a demanda seja estabelecida por escolha do usuário ou por sorteio, devendo este último realizar-se em sessão pública; c) que o objeto satisfaça à Administração e seja executado na forma estabelecida pelo edital, pois se trata de um tipo de serviço em que as diferenças pessoais do selecionado têm pouca relevância para o interesse público; d) que o preço de mercado seja razoavelmente uniforme e que a Administração comprove nos autos a vantagem ou igualdade dos valores definidos em relação à licitação convencional ou preços de mercado; e) estabelecer um regulamento em que sejam observados uma série de requisitos.”

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CONCLUSÃO

Por todo o exposto, é possível sustentar que (i) as aquisições e contratações públicas devem ser precedidas do devido processo de licitação; (ii)  que a lei estabelece exceções à regra geral; (iii) que “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição.”; (iv) há limites objetivos a serem observados pelo Administrador na contratação, como a necessidade de instruir o processo com as justificativas pertinentes; (v) que a moralidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência, princípios de índole constitucional, e devem ser tidas como balizas da atuação do Administrador Público; (vi)  realizar o planejamento da contratação e fixar em bases seguras os custos do produto ou serviço desejado, seja com pessoal, encargos, insumos, e sendo justo na fixação da taxa de gestão e lucro dos futuros contratados, observado o interesse público; (vii) que o próprio TCU, quanto ao credenciamento, reconhece que deve ser adotado quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviço.

Por fim, não resta qualquer sombra de dúvida sobre a aplicabilidade interpretativa dos incisos I, II e III do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que a inviabilidade de competição não está presente porque existe apenas um fornecedor, mas sim, porque existem vários prestadores do serviço e todos poderão ser contratados, dentro dos limites pré-definidos no próprio ato do chamamento público. Portanto, é inteiramente legal a contratação do serviço de transporte escolar pela sistemática do credenciamento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem licitação. 9ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.

JUSTEN FILHO, Marçal. Cometários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2009. pg 367 – Revista dos Tribunais.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37469/o-instituto-do-credenciamento-como-forma-de-contratacao-pela-administracao-publica

BRASIL. Tribunal de Contas da União – Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A24D6E86A4014D72AC81CA540A&inline=1

https://www.tcm.ba.gov.br/sistemas/textos/juris/00685-18.odt.pdf

https://tce-pe.jusbrasil.com.br/noticias/2784657/tce-responde-consulta-sobre-contratacao-de-transporte-escolar

https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/inexigibilidade%2520por%2520credenciamento/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=56ca6500-0169-11ea-b144-b71ad5249101

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Sobre o autor
Prof. Lourival Silva

Pós-graduado em Administração Pública e Gerência de Cidades, pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER (2019); Pós-graduado em Docência no Ensino Superior, pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (2019); Graduado em Ciências Contábeis, pela Universidade Salvador – UNIFACS (2010); Auditor Interno, pelo Instituto de Auditores Internos do Brasil - AUDIBRA (2010); Pregoeiro, pela Universidade Corporativa do Servidor Público do Estado da Bahia – UCS (2013); Instrutor, pela Universidade Corporativa do Servidor Público do Estado da Bahia (2018); Perito Contábil e Financeiro; Especialista em Licitação e Contratos Administrativos, com atuação pelo GRUPO Publoffice; Técnico em Contabilidade, pelo Colégio Estadual de Brumado – CEB (1979).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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