Os efeitos da manutenção do vínculo biológico posterior ao processo de adoção no Brasil

Exibindo página 1 de 3
17/11/2019 às 19:14
Leia nesta página:

A manutenção do vínculo afetivo após o processo de adoção vem chamando, cada vez mais, a atenção do direito e recebido novos olhares e perspectivas jurídicas. Entenda como.

INTRODUÇÃO

Para compreender os efeitos da manutenção do vínculo biológico posterior à adoção no Brasil, é preciso retornar a base dos direitos fundamentais, dando especial atenção aos direitos da personalidade sob o viés do princípio da dignidade da pessoa humana.

Após a concessão do conhecimento genético do adotado para com seus pais biológicos, promove-se a manutenção de tal vínculo que, posteriormente, pode vir a ser reconstruído. Neste caso, é necessário esclarecer quais as possibilidades jurídicas para tutelar tal relação.

Desta maneira, o conhecimento histórico acerca do instituto da adoção possibilita entender a colisão entre os efeitos da adoção e o conhecimento genético.

Neste contexto, aborda-se a origem dos direitos da personalidade, realizando a classificação dos direitos personalíssimos, aprofundando no direito à identidade genética sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim como o conhecimento da origem biológica, abordando o direito à ancestralidade, a legitimidade do pedido de conhecimento genético, a possibilidade do reestabelecimento da relação biológica frente ao direito de filiação.

Objetivando por fim demostrar como a manutenção do vínculo biológico se apresenta na realidade social, bem como a colisão entre a afetividade biológica e os efeitos da adoção, a colisão de princípios na relação socio afetivo diante da manutenção do vínculo biológico, a ponderação de interesses e o estado de filiação e a origem genética.

Os métodos de pesquisa empregados são o histórico-dialético e o dedutivo, porque o foco da investigação é demonstrar que a lei ao condicionar à investigação genética, nos casos de menoridade do adotando, a permissão dos pais adotivos, fere diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo como base o conjunto de elementos legais que existem hoje, com suas origens históricas. Deduzindo assim a atual realidade da omissão legal.

O tipo de pesquisa empregada é a bibliográfica e qualitativa, uma vez que foram realizadas análises de leis e jurisprudências nos Tribunais Superiores sobre o tema proposta, como objeto de estudo da pesquisa. A leitura de doutrinas, revistas e artigos representam parte expressiva dos materiais selecionados.


1 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao desenvolver um breve histórico do rol dos direitos da personalidade, seu surgimento e evolução, é preciso ressaltar que em seu nascimento houveram inúmeras divergências doutrinárias, uma vez que se trata de questões incomuns aos pensadores da época, sendo que cada qual, estabeleceu seus próprios entendimentos. (SILVA, 2016).

1.1       A origem dos Direitos da Personalidade

Elimar Szaniawski estabelece que as primeiras noções do direito da personalidade começaram a ganhar visibilidade e real definição nos séculos IV e II a.C, ainda na Grécia antiga. Existem relatos de questões invocadas tendo como base a tutela dos direitos da personalidade, como o reconhecimento da influência dos filósofos gregos em cada ser humano. Segundo Szaniawski, era atribuída ao ser humano a origem do Direito e das leis,assim como a sua finalidade. (SZANIAWSKI, 2005).

Contudo, mesmo sendo a Grécia a primeira a relacionar a aplicação dos Direitos da Personalidade, a doutrina majoritária atribui aos romanos a confecção ampla e singular da teoria jurídica que se refere a conceituação, definição, proteção e aplicação dos direitos personalíssimos, neste sentido, Pontes de Miranda,  afirma que por meio do actio injuriarum, a lei romana protegia os ofendidos no que tange a sua personalidade. (MIRANDA, 2012).

Nesse sentido, John Gilissen deixa explicitado os motivos pelo qual não é atribuída aos gregos a aplicação dos direitos da personalidade:

Os gregos não souberam construir uma ciência do direito, nem sequer descrever de uma maneira sistemática as suas instituições de direito privado; neste domínio, continuaram sobretudo as tradições dos direitos cuneiformes e transmitiram-nas aos Romanos. (GILISSEN,1995, p. 73)

Entretanto, os direitos da Personalidade na Roma não eram destinados a todos os cidadãos, ao contrário, tais direitos ficavam restritos aos que possuíssem o status libertatis, status civitatis e o status familiae. Importante ressaltar que mesmo nestes casos onde havia o reconhecimento dos direitos, ainda não se obtinha um completo reconhecimento aos direitos personalíssimos. (SILVA, 2016)

Porém, foi somente por meio das doutrinas germânicas e francesas que pudemos ver o avanço a e a abrangência dos direitos da pessoa, em especial ao longo dos séculos XVI a XX. (SILVA, Luzia, 2013).

Neste período, a ideia do direito de personalidade foi firmada como um direito subjetivo, porém, a mesma não foi aceita. Seguindo os pensadores da época, não se podia admitir “o direito do homem sobre a própria pessoa”. Fato este facilmente compreendido ao relembramos a forte presença do Estado, como fonte geradora de Direitos e tutor dos mesmos. (TAIAR, 2009).

Obviamente, tal pensamento não demorou a ser superado, à medida que houve o reconhecimento da personalidade como característica inerente ao homem, com isso e por consequência, houve enfim a valorização do direito de personalidade a todo e qualquer homem. Como resultado nasce a tutela jurisdicional do Estado sobre o direito do homem.

Avançando no tempo, já na Idade Média houve a reformulação do conceito de pessoa, dignidade e valorização do indivíduo. No século XVIII, teve seu marco como a primeira inserção de princípios de liberdade e de proteção da pessoa humana na Declaração de Independência das treze colônias inglesas 04 de Julho de 1776 e a Constituição de 1787. Porém, foi somente em 1787 que tais princípios foram incorporados na constituição americana.

1.2       Classificação do direito personalíssimo

Para classificação dos direitos personalíssimos, assim como as suas características é preciso retornar ao Código Civil de 2002. O mesmo foi o incumbido por trazer as características do direito personalíssimo, em especial dando enfoque aos aspectos de intransmissibilidade e irredutibilidade de tal direito.

Todos os direitos personalíssimos são e serão eternamente inatos, intrínsecos e naturais, uma vez que são concebidos juntamente com o nascimento e só se findam com a morte. Importante ressaltar ainda que tais direitos não devem ser acompanhados de quaisquer outros requisitos para a sua existência. (BORGES, 2007).

1.3       Direito à identidade genética

Uma vez que o Código não trouxe em sentido literal as questões relevantes ao Biodireito é preciso se valer do Enunciado nº 2 do (Conselho da Justiça Federal) e demais institutos para legalizar as atividades de tal instrumento. Para isso, Flávio Tartuce, dispõe que:

Conforme ensina Moreira Alves em suas costumeiras exposições pelo Brasil, bem como o Professor Miguel Reale, não é a codificação privada a sede adequada para regulamentar tais questões, o que cabe à legislação ordinária. Parcialmente, isso foi confirmado por outro enunciado, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Art. 2º: sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio”. (TARTUCE, 2019).

Entendendo-se assim que a aplicação de tais dispositivos, deverá ser feita mediante lei especial e não regulada pelo Código Civil, em 2005 nasce então a lei de biossegurança, conhecida como a Lei nº 11.105/2005, que ficou responsável por cuidar deste tipo de assunto. Cabendo a ela o resguardo e classificação no que concerne ao tema, mesmo que ainda esteja de forma parcial.

Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. (BRASIL,2005).

Muitas questões vêm surgindo dia após dia devido a necessidade da regulamentação da situação dos embriões, entre elas, o direito à privacidade, que assim como o direito a identidade está no rol dos direitos personalíssimos. Portanto temos um conflito de interesses legítimo, como ocorre em diversos outros temas do direito.

Caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa humana cercear o Direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica.


2.         A RELAÇÃO BIOLÓGICA FRENTE AO PROCESSO ADOTIVO NO BRASIL

É necessário observar o instituto da ancestralidade. Para tanto, voltaremos ao instituo da família, que é o nosso ponto de partida. Adverte Pereira (2015) que a configuração de família é a base para constituir uma nova realidade, onde cada um é titular de direitos e usufruir do convívio socioafetivo e que, portanto, o estado de família não deve ser vinculado de valor econômico.

Neste sentido, o autor ainda ressalta que o instituto da filiação muito se assemelha ao direito à identidade genética e a ancestralidade, tendo em vista os laços afetivos que os unem.

Neste sentido, o Dr. Paulo Luiz Netto Lôbo, durante o IV Congresso Pernambucano de direito Civil de 2011, reforça a tese de que a ancestralidade é direito da personalidade. Para confirmar tal entendimento, o Código Civil em seu artigo 1.591 dispõe que: I. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras em relação de ascendentes e descendentes

2.1       Direito à ancestralidade

Entende-se que, quando declarada a existência de relação de parentesco, estando está em linha reta e iniciando-se a partir do segundo grau, haverá uma relação de parentesco, e, como consequência, tal relação vai culminar em todos os efeitos que o instituto da filiação tiver.

No momento da adoção, novos laços afetivos estão sendo criados, porém os biológicos não estão sendo extintos, ao contrário, devido à sua característica intrínseca eles se mantem até o fim da vida do indivíduo. (MENDES, 2007)

Cátia Cristina Souza Araújo e Francisco Roniele Nascimento Costa em A adoção e o direito ao reconhecimento da ancestralidade genética, expõe que:

Quando atingir a maioridade, ou mesmo menor, porém assistido, poderá vir a investigar quem são seus pais biológicos, ou seja, a sua ancestralidade genômica. Muitas das vezes a adoção à brasileira é usada para burlar a previdência social, e a Justiça neste caso pode aplicar outra tipificação penal. (ARAÚJO; COSTA, 2014)

Neste sentido, não se questiona, portanto, a irrevogabilidade da adoção, uma vez que conforme artigo 39, parágrafo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente ela é irreversível.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Assim, os pais não poderão mover ação de cunho jurídico impetrando pedido de anulação do registro de nascimento, conforme disposto no artigo 1604 do Código Civil, onde é ressaltado que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento.” (BRASIL, 2002)

Contudo, a investigação da origem biológica garante que a ancestralidade seja preservada e por ser um direito fundamental deve ser resguardada em sua totalidade.

Este é o atual entendimento do STJ em relação a busca da verdade biológica quando já há um pai registral.

2.2       Legitimidade do pedido de investigação genética em crianças

O Estatuto da criança e do Adolescente (ECA), estabelece, em seu artigo 2ª, a definição de criança, como sendo: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”.

Neste sentido, entende que até que completa a maior idade, o menor será tutelado pelos pais ou responsáveis, sob a égide do ECA.

Seguindo o referido estatuto, tem-se no artigo 3º o resguardo dos direitos inerentes a criança, sendo todos aqueles pertencentes a pessoa humana, assim como assegura todas as oportunidades e facilidades de desenvolvimento físico e psicológico.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único.  Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Ressalta-se com a citação do artigo citado acima, a intenção do legislador em não diferençar famílias biológicas das adotivas. Desta forma, o ECA vai ser soberano em todos os tipos de famílias, em todas as suas modalidades e aspectos.

Neste contexto, trazemos uma interpretação analógica, própria do direito para entender que, por pais o legislador não diferenciou os biológicos dos adotivos.

A partir de 2009, com a promulgação da lei 12.010 de 03-08-2009, nestes casos, a anuência do Estado e a supervisão de um profissional devidamente capacitado já são suficientes para dar ao adotado acesso ao processo de adoção, conforme explicitado no artigo 48, parágrafo único: “O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menos de 18(dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.”.

Neste sentido, a autora Sandra Kiefer (2012), através de reportagem feita pelo site, reconhece a importância desta alteração na lei, neste sentido, ela reflete que: “A descoberta tardia da adoção é o principal motivo que pode prejudicar o sucesso de um processo de adoção, levando muitas vezes a revolta contra os pais adotivos.” 

O Juiz Marcos Padula titular do Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, relata que a requisição do processo de adoção é relativamente simples e de fácil acesso ao menor. Bastando que o mesmo se dirija ao juizado competente, acompanhado de uma assistente social enquanto menor, e solicite a sua pasta de adoção. (KIEFER, 2012)

A Lei Nacional da Adoção, nº 12.010/2009, incluiu como explicitado acima o direito à revelação da origem biológica no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 48, paragrafo único. Contudo, a mesma não regula como será, e se ocorrerá, a convivência entre os pais biológicos e o menor com ou sem a anuência dos pais adotivos. Por este motivo, nasce o conflito que legitima a necessidade de discutir acerca da subsistência do vínculo da criança com os pais biológicos.

Lembrando que, com a sentença da adoção, ocorre o rompimento com a família biológica em todos os sentidos.

A perda é a sanção mais grave aplicada aos pais que descumprem os deveres inerentes ao poder familiar. As crianças cujos pais foram destituídos do poder familiar serão encaminhadas para colocação em família substituta, por meio dos institutos da guarda, tutela ou adoção. (BRAUNER, Maria Claúdia; ALDROVANDI, Adrea, 2010)

Neste sentido, fica em aberto como ocorrerá a restruturação dos laços biológicos e suas consequências legais. Sendo uma das hipóteses apresentadas a relação comparada de socioatividade.

2.3       Possibilidade do restabelecimento de vínculo afetivo com pais biológicos

Conforme as autoras Maria Claudia Brauner e Andrea Androvandi, ressalvam que o direito a identificação de ascendência genética do adotado é um enorme avanço para o sistema judiciário brasileiro. Introduzido explicitamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, tal direito já vinha sendo reconhecido pelos tribunais como direito legítimo advindo do princípio da dignidade da pessoa humana assim como nos direitos da personalidade. (BRAUNER, Maria Claúdia; ALDROVANDI, Adrea, 2010)

O artigo 48 parágrafo único ao garantir a legitimidade do direito do menor ao conhecimento do processo de adoção garante que o mesmo tenha a possibilidade de restabelecer o vínculo afetivo com os pais biológicos.

Antes mesmo da existência desta lei, já existiam diversos entendimentos jurisdicionais e decisões favoráveis ao conhecimento genético do menor.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, ainda no ano de 2000, reconheceu o direito do filho adotivo, já maior, de ter acesso às informações e identidades dos genitores (pais de sangue) 26. Todavia foi feita a ressalva de que a adoção permanecendo irrevogável e impedindo toda demanda ao encontro dos genitores. Outra decisão de 2002, no mesmo sentido foi emitida pelo TJ/RS27. (BRAUNER; ALDROVANDI, 2010)

Para propiciar ao menor a chance de encontrar sua origem biológica, a lei vigente determina que: “o processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo” (Artigo 47,§ 8º ECA).

Vale ressaltar, ainda, que o direito ao conhecimento da origem genética não interfere diretamente no vínculo da adoção, uma vez que o ato é irrevogável e via de regra os nomes constantes na certidão de nascimento, assim como nos demais documentos conterão os nomes dos pais adotivos.

Pietro Perlingieri defende a importância do conhecimento a origem genética:

O menor tem o direito de conhecer as próprias origens não somente genéticas, mas culturais e sociais. O patrimônio genético – de acordo com a concepção pela qual a estrutura se adapta à função – não é totalmente insensível no seu futuro às condições de vida nas quais a pessoa opera. Conhecê-lo significa, não apenas evitar o incesto, possibilitar a aplicação da proibição de núpcias entre parentes, mas, responsavelmente, estabelecer uma relação entre o titular do patrimônio genético e quem nasce. (PERLINGIERI, 2002, p.176 - 177)

Necessário ressaltar que para fins legais, os pais de fato e de direito do menor serão os adotantes, tal qual como na sentença do juiz.

O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil, mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. (Art. 47, ECA).

2.4       Direito à filiação

A família ao longo de toda a história passou por uma série de modificações, assim, com este processo evolutivo houveram várias questões jurídicas que tiveram de ser esclarecidas. Em especial os institutos da adoção, filiação, direito à identidade genética e investigação genética foram os que mais sofreram alterações, uma vez que são frutos da realidade social. (MEDEITOS, 1997)

No que diz concerne intrinsicamente à transformação da entidade familiar o autor Noé de Medeiros dispõe sobre seu surgimento e proposito:

Basicamente a família segundo Homero, firmou sua organização no patriarcado, originado no sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder limitador do pai. Após    surgiu    a    teoria    de    que    os    primeiros    homens    teriam    vivido em hordas promíscuas, unindo-se ao outro sexo sem vínculo civis ou sociais. Posteriormente, organizou-se a sociedade em tribos, evidenciando a base da família em torno da mulher, dando origem ao matriarcado. O pai poderia até ser desconhecido. Os filhos e parentes tomavam as normas e nome da mãe. (MEDEIROS, 1997. p. 31).

Ainda na antiguidade, a função da família pouco se relacionava com o conceito afetivo que possuímos hoje. Na realidade, um dos seus principais pontos era a ausência de laços afetivos entre os familiares. Neste sentido o autor Philippe Airés, dispõe o seguinte:

Essa família antiga tinha por missão - sentida por todos - a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua quotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher isolados não podiam sobreviver, e ainda nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. Ela não tinha função afetiva. [...] o sentimento entre os cônjuges, entre os pais e filhos, não era necessário à existência nem ao equilíbrio da família:  se ele existisse, tanto melhor.  (ARIÉS, 1978. p. 10).

Dessa forma, far-se-á necessária a devida caracterização do instituto da filiação por meio de sua conceituação. Segundo Silvio Rodrigues: “Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa aquela que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado.” (RODRIGUES, 2017, p. 299.).

Com este conceito o autor exemplifica como se dá a relação de filiação, e mais adiante em sua obra, amplia todas as possibilidades da filiação abarcando também a definição relacionada a reprodução assistida, sendo que para Silvio Rodrigues o conceito prevalecente de filiação é aquele que engloba tanto questões biológicas quanto afetivas. Sendo que para ele filiação é:

A relação de parentesco em linha reta de primeiro grau, que se estabelece entre pais e filhos, seja essa relação decorrente de vínculo sanguíneo ou de outra origem legal, como no caso da adoção ou reprodução assistida como utilização de material genético de outra pessoa estranha ao casal. (RODRIGUES, Silvio, 2017, p. 299).

Desta forma, fica claro que o direito a filiação atualmente está ligado a um vínculo afetivo e tutelar de direitos. Porém, o mesmo não coíbe, em momento algum o direito personalíssimo do indivíduo em manter os laços com a sua família biológica.

2.5       Efeitos da manutenção da relação biológica      

Ante a possibilidade de os pais pós perda do poder familiar, restabelecerem tal vínculo, a lei ainda não se pronunciou. Sendo que, algumas ações movidas por pais biológicos versam sobre o restabelecimento do vínculo, contudo, as mesmas não versam especificamente sobre o instituto da adoção. Sendo, na grande maioria das vezes, ocasionados por omissões dos pais biológicos em determinado momento da vida que ensejaram a retirada das crianças da família.

Neste sentido, a Professora Fernanda Trentin e Vívian Carla Lamberti Pasini pontuam que:

A ação de destituição do poder familiar somente é aplicada em situações excepcionais, contudo, em alguns casos, a família consegue adquirir condições para recuperar a prole e pretende a revisão do julgado. Apesar da falta de previsão legal e dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes sobre o assunto[...] desde que os pais demonstrem que foram cessadas as causas que levaram à destituição, que a criança ou adolescente não tenha sido adotada e que a medida atenda o melhor interesse dos filhos, de modo a garantir-lhes o direito de serem criados e educados na sua família biológica. (TRENTIN, Fernanda; Pasini Vivian Carla, et al., 2015).

.Tanto no Código Civil Brasileiro quanto o ECA, caracterizaram a perda do poder familiar, contudo, nenhum destes prevê a possibilidade da sua restauração. Neste caso, após o adotado ter contato com os pais biológicos e criar entre eles um laço de afetividade, questiona-se os efeitos deste vínculo no campo jurídico.

Melina Endres (2016), dispõe que através de uma perspectiva do direito de família sob a ótica constitucional, a existência de fatores biológicos e registrais são insuficientes para caracterizar os laços de família. Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro tem cada dia mais aceitado fatores como afetividade para definir e redefinir os laços familiares.

Justamente graças a força da afetividade nas decisões judiciais no que diz respeito ao direito de família, que a parentalidade socioafetiva se torna cada vez mais cotidiana: “A parentalidade socioafetiva se efetiva quando o vínculo parental tem origem não nos laços biológicos, mas no afeto, no sentimento, no cuidado e na posse de estado de filho, ainda que sem o poder familiar judicialmente concretizado.” ((ENDRES, 2016).

Como a lei foi omissa quanto ao restabelecimento do vínculo biológico pós adoção, pode-se aplicar a analogia para pressupor que o restabelecimento biológico pode ser restaurado equiparando-se a parentalidade socioafetiva. Uma vez que o poder familiar fica a cargo dos pais adotivos. (PAULINO, 2016).

De tal forma que a omissão da lei, quanto a possibilidade do conhecimento do adotado com seus pais biológicos gerar vínculos afetivos torna um ponto de investigação importantíssimo, visto que tal vínculo não pode ser caracterizado por nenhum dos atuais aparatos jurídicos.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos