Limites da aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais

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19/11/2019 às 11:25
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3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Os princípios constituem toda a base para a formação do direito, são eles que impulsionam e norteiam os direitos essenciais de uma sociedade, sendo assim, consistem nas estruturas fundadoras do direito, onde estes estão apoiados, onde muitos autores correlacionam estes como sendo de onde emana o direito. Demonstram os reais anseios da população, e de certa forma são os direitos gerais e fundamentais que também implica ao legislador na criação das normas.

Por estar em diante de um Estado Democrático, surge a necessidade de defesa dos direitos fundamentais do cidadão, a partir disso, princípios como o que será visto a seguir, correlaciona o poder soberano do Estado, os direitos e as garantias fundamentais, limitando de certa forma essa soberania existente, fazendo com que o Estado surja para a população e não o contrário a partir dos princípios básicos, entre os quais serão destacados os princípios penais.

O doutrinador Ivan Luiz da Silva demonstra seu saber da seguinte forma:

Os princípios penais constitucionais formam a base do ordenamento jurídico-penal e configuram-se em supedâneo do Direito Penal moderno, que visam garantir os direitos e liberdades fundamentais do cidadão em face do poder punitivo estatal. Estão presentes no Texto Magno de forma expressa ou implicitamente.

Por força do modelo de Estado de Direito Democrático proposto pela Lex Magna pátria, esses princípios penais básicos propõem a adoção de um Direito Penal de intervenção mínima, ou seja, só fatos que demonstrem materialmente a necessidade de uma repressão penal devem receber a incidência da lei criminal.

Contudo, a imprecisão legislativa e a descrição abstrata do tipo penal permitem que algumas condutas penalmente irrelevantes sejam atingidas pela persecução penal. Com o objetivo de evitar essas situações de injustiça, a doutrina e jurisprudência passaram a atribuir e a exigir um conteúdo material do tipo penal. Assim, haverá tipicidade penal apenas quando a conduta formalmente típica lesionar materialmente o bem jurídico penalmente tutelado.8

Partindo dessa premissa emergem os princípios como: da fragmentariedade, intervenção mínima do estado, ofensividade, insignificância ou bagatela, entre outros. Sendo o último citado, o princípio em foco deste trabalho.

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, tem como objetivo em específico, reconhecer a baixa ofensividade tanto da conduta delituosa de alguém, como também o baixo dano realizado pelo mesmo sobre determinado bem tutelado. Este princípio é utilizado para descaracterizar a ação praticada, deixando esta de ser crime. Pode usar como exemplo os casos em que por necessidade, uma mãe desempregada que não consegue arranjar emprego, realiza um único e pequeno furto de alguma fruta em supermercado para a alimentação se seus filhos que passam por necessidade. Analisando este exemplo, está claro que não há necessidade de intervenção do estado para “regular” a atitude da mesma, visto o quão insignificante foi à atitude da agente em questão. Com a aplicação deste princípio, vislumbra-se a análise do caso concreto, verificando os elementos que tornam a infração bagatelar em detrimento da baixa ofensividade da conduta, e a baixa lesividade aferida ao supermercado pelo produto furtado.

Sendo assim, para a demonstração da atitude ser realmente insignificante, deve ser analisado a mínima lesividade da ação, e também o resultado ao bem jurídico tutelado, além de que deve ter baixa reprovabilidade social, surtindo assim a ideia do que seria realmente irrelevante, para que este delito, não tenha a necessidade de ser repreendido pelo poder punitivo do Estado.

O princípio da insignificância está reconhecido e relacionado mundialmente pela terminologia em latim “nullun crimen sine injuria”, ou seja, em uma tradução literal, consiste em “não há crime sem injúria, ou sem ofensa”, o qual remete a ideia de resultado do crime, pois caso este seja por mais que seja praticado, não gere um dano considerável, não há por que o Estado interferir nessa ação, relacionando assim no entendimento de mínima intervenção do Estado na aplicação do Direito Penal. Ademais, não deve ser deixada de lado a forma em que quem pratica o ato delituoso o faz.

3.1. Requisitos para Aplicação do Princípio dDa Insignificância

No que tange a aplicação deste princípio há alguns requisitos, a saber: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzíssemos grau de reprovabilidade do comportamento, a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Esses requisitos são reconhecidos até mesmo perante ao Supremo Tribunal Federal como colaciona Julio Dalton Ribeiro:

Ao Supremo Tribunal Federal (STF), os vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado têm caráter exclusivamente objetivo, conforme ementa destes julgados:

O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.9

O primeiro requisito reflete tão-somente aos atos que o autor do crime tenha praticado o delito frente à vítima, caso este pratique de forma violenta, ou de forma ofensiva como o próprio requisito determina, não será possível utilizar-se deste meio jurídico. O segundo requisito interage muito mais do que os entendimentos e atitudes do autor, reflete aos valores morais e sociais da população na análise do casos referentes à periculosidade, estes valores são exercidos por meio do magistrado competente, participante da sociedade. O terceiro requisito também remete aos ideias sociais, muito mais do que o quesito anterior, pois é nesse quesito em especial que o crime é analisado, a atitude do autor, junto ao reconhecimento da sociedade a partir da valoração ou desvalorização do delito. O quarto e último quesito remete tão somente ao bem tutelado, sendo este o essencial para aplicação da sanção penal, pois o Código Penal, tem como objetivo especial em resguardar bens jurídicos consideráveis, entre eles o patrimônio e a vida.

Caso haja o reconhecimento dos requisitos antes mesmo do oferecimento da denúncia, poderá o próprio Ministério Público realizar o arquivamento sobre o crivo do princípio da insignificância conforme Ivan Luiz da Silva esclarece:

Se o Ministério Público, ao apreciar os autos do inquérito, entender que a conduta formalmente típica é penalmente insignificante, deverá requerer o seu arquivamento sob o fundamento do Princípio da Insignificância; realizando, assim, o que denominamos de concretização administrativa desse princípio penal. [...]

Essa aplicação do Princípio da Insignificância realiza sua concretização administrativa, uma vez que o arquivamento do inquérito policial a requerimento do Ministério Público, nos termos do art. 28 do CPP (LGL/1941/8), ocorre em sede de procedimento administrativo anterior à fase judicial, que só se iniciará com o oferecimento da ação penal.10

Como o doutrinador explica, não é facultativo apenas ao juiz verificar a possibilidade da aplicação deste princípio pelas vias jurídica, o Ministério Público analisando os requisitos, poderá também realizá-lo pelas vias administrativas no momento em que se instaura o inquérito policial, sendo este meio considerado administrativo, visto que a partir do recebimento da denúncia é que se instaura a via processual, utilizando do Judiciário. Entretanto o mesmo doutrinador ainda em sua obra deixa clara a impossibilidade do reconhecimento do princípio por parte do delegado de polícia:

No que tange, ainda, à concretização administrativa do Princípio da Insignificância, impende destacarmos o arquivamento de inquéritos policiais por delegados de polícia sob o argumento de aplicar-se esse princípio.

Não pode, assim, a autoridade policial usurpar, de uma só vez, as atribuições constitucionais do Ministério Público - persecução penal - e do Judiciário - jurisdição - sob o argumento de que tem melhores condições de verificar a realidade social e o efeito maléfico do processo penal e da pena. 11

Esta observação está fundamentada no artigo 17 do Código de Processo Penal, que estabelece a falta de competência da autoridade policial sobre o arquivamento do inquérito, e que por mais que a mesma estaria mais presente para a análise do caso concreto e de eventual aplicação do princípio, não possui competência para realizá-lo, até porque o delegado agindo como representante da instituição não tem competência suficiente, e sim como investigante do fato delituoso.

Sendo assim, está claro que somente o juiz em âmbito jurisdicional poderá observar a existência dos requisitos do princípio da insignificância, e o Ministério Público por meio das vias administrativas.


4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL.

É consolidada a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância perante o ordenamento jurídico brasileiro, inúmeros casos em que são demonstrados os requisitos essenciais para aplicação deste princípio, afastando assim a tipicidade do ato delituoso do indivíduo, em função da mínima reprovabilidade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, conforme demonstrado no julgado a seguir:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESFERA PENAL. REITERAÇÃO DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A reiteração delitiva tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da insignificância, por evidenciar maior grau de reprovabilidade da conduta do acusado, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal. 3. Decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos, já que foi proferida nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte. 4. Agravo regimental improvido.

(STJ - AgRg no HC: 366079 RS 2016/0208325-1, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 14/03/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2017)12

Verifica-se, pois, que para que possa ser realizada a aplicação deste princípio, é necessária uma ótica mais qualitativa do que quantitativa, pois visualiza-se a prática do infrator primeiramente perante a sociedade, se sua ação tem reprovação social, e se não gera nenhum dano ao comum, para em segundo plano, analisar a grau de lesão realizado ao bem jurídico atacado.

No caso em foco, é demonstrada a inexpressividade do bem tutelado, entretanto o acusado já é reincidente quanto à prática de crimes, demonstrando assim um alto grau de reprovabilidade de suas ações perante a sociedade, sendo assim, impossível a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto.

Demonstrar o baixo grau de reprovabilidade social da pratica delituosa é um dos fatores preponderantes para a aplicação do princípio da insignificância, entretanto não se pode deixar de lado a análise minuciosa também do valor em capital do bem jurídico tutelado que foi atingido com a infração penal. Pode-se verificar tal afirmativa, conforme demonstra nas decisões:

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PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR EXPRESSIVO NO BEM SUBTRAÍDO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância reafirma a necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do direito penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, não houve dano juridicamente relevante. No entanto, o bem furtado foi avaliado em R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), montante expressivo, porquanto equivalente a mais de 35% do salário- mínimo à época dos fatos. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.

(STJ – AgRg no AREsp: 1379417 ES 2018/0272051-0, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 13/11/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2018)13

No mesmo sentido:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR EXPRESSIVO DO BEM SUBTRAÍDO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância reafirma a necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do direito penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, não houve dano juridicamente relevante. No entanto, o bem furtado foi avaliado em R$ 600,00 (seiscentos reais), montante expressivo, porquanto equivalente a mais de 75% do salário-mínimo à época dos fatos. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg no AREsp: 1312047 PI 2018/0147839-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 11/09/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2018)14

Ambos os julgamentos de AgRG no AResp elucidam a necessidade do bem jurídico ser de valor baixo, correlacionando os com o valor do salário mínimo vigente da época, os quais ultrapassaram o considerado insignificante, resultando assim no julgamento desfavoráveis quanto a aplicação do princípio da insignificância.

Um fator bastante considerado para caracterização de valor ínfimo quanto a consideração para o princípio da insignificância é o teto de 10% sobre o salário mínimo. Esse entendimento vem sendo aplicado conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça como pode-se observar AgRg no Resp 1762813 TO 2018/0221590-4:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO BEM SUBTRAÍDO SUPERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À EPOCA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância reafirma a necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do direito penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, não houver dano juridicamente relevante. Na hipótese, contudo, os bens furtados foram avaliados em R$ 240,00, montate expressivo, porquanto equivalente a percentual superior a 10% do salário mínimo à época dos fatos. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.

(STJ- AgRg no REsp 1762813 TO 2018/0221590-4, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data Julgamento: 27/11/2018, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2018)15

No voto do relator, analisam-se todos os fatores essenciais para consideração do princípio da insignificância e na falta do pressuposto “inexpressividade da lesão jurídica provocada” é que não é provido o preceito.

Outro fator a ser observado para compreensão do entendimento dos Tribunais a respeito da matéria em foco é a destinação do material furtado, visto que se o mesmo é devolvido ao dono originário bem como enquadre os demais pressupostos de admissão isso influiria no julgamento processual, conforme Habeas Corpus 122936 RJ:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR ÍNFIMO DO BEM. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CONTUMÁCIA DELITIVA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Tipicidade penal: interpretação e adequação do fato concreto à norma abstrata e elementos concretos do caso. Além da correspondência formal, a tipicidade demandar análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para se verificar a ocorrência de lesão penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Furto de onze barras de chocolate. Bem de valor ínfimo e restituído. Inexistência de dano ao estabelecimento comercial. 3. Ordem concedida para o trancamento da ação penal.

(STF – HC: 122936 RJ, Relator: Min CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento; 05/08/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-184 DIVULG 22-09/2014 PUBLIC 23-09-2014)16

Sendo assim, está clara a necessidade de análise do caso concreto para verificar a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, determinando se realmente a ação praticada, não teve grandes proporções, bem como não há reprovação social, nem pelo valor do bem tutelado, e nem pela costumeira atitude do acusado.

No entanto, a aplicação deste princípio nos crimes ambientais não é sublime, é tortuosa, visto que será possível considerar parte do meio ambiente como sendo ínfimo?

Surge então o debate sobre a possibilidade de considerar como bem ínfimo o bem ambiental, visto que este é coletivo, essencial para a sobrevivência e subsistência do ser humano, defeso na Constituição Federal, estabelecido como direito fundamental.

São específicos os casos de aplicação deste princípio pelos Tribunais nos crimes ambientais, visto a diferença entre o bem jurídico tutelado no direito penal, que muitas vezes pode não ter um valor considerável perante a sociedade, entretanto alguns doutrinadores não visualizam essa divergência, para tanto esclarece Thayse Purnhagen e Zenildo Bodnar sobre a possibilidade de aplicação nas vertentes ambientais:

Os doutrinadores e julgadores que atestam ser possível o reconhecimento do princípio da insignificância sobre delitos contra o meio ambiente argumentam que esta medida deve ser utilizada quando existir a comprovação da atipicidade material da conduta, já que a imposição de punição se mostraria desproporcional nesses casos. Desse modo, restariam sujeitas à sanção penal tão-somente as condutas concretamente lesivas ao bem jurídico meio ambiente. Nessa senda, gize-se que para aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais é insuficiente que a irrelevância da conduta esteja no juízo subjetivo do magistrado, sendo necessário que reste demonstrada a pouca valia no caso concreto. Para tanto, deve o juiz explicitar a razão pela qual a infração não detém significado no caso concreto.17

Posto isso, verifica-se a extrema divergência entre o direito penal, e os crimes ambientais, o qual se visualiza a necessidade do magistrado frente ao caso concreto, identificar a pouca valia do bem jurídico, no que tange ao ato infracional, sendo este de extrema dificuldade, em função de que o bem prejudicado é o meio ambiente.

O real problema se encontra nas consequências geradas com a adoção desse princípio na pratica dos crimes ambientais, em função de que pequenas atitudes consideradas ínfimas, em grande quantidade, gerariam problemas futuros.

Entretanto há casos que seria desnecessário a privação da liberdade do homem visto que demonstra-se possível a aplicação do princípio da insignificância, por não atingir diretamente ao meio ambiente.

Nesse sentido, pode-se citar a decisão do Habeas Corpus HC 178208 SP 2010/0122806-4:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE NA VIA ELEITA. CRIME AMBIENTAL. PESCA MEDIANTE PETRECHOS NÃO PERMITIDOS. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. WRIT NÃO CONHECIDO. CONCEDIDA A ORDEM EX OFFICIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição de garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem contra acórdão de apelação, como se fosse sucedâneo recursal. 2. Aplica-se o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade material da conduta, consubstanciada em pescar mediante a utilização de petrechos não permitidos, se foi apreendida a ínfima quantidade de um quilo de peixe, o que denota ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado. 3. Flagrante ilegalidade reconhecida. 4. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, ex officio, para trancar a Ação Penal n° 996/2005, da Terceira Vara Criminal da comarca de Bauru/SP, cassando, por conseguinte, a sentença condenatória, decisão estendida (art. 580 do Código de Processo Penal) ao corréu.

(STJ – HC: 178208 SP 2010/0122806-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 20/06/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2013)18

Ainda sobre o assunto:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE ( ART. 40 DA LEI N° 9.605/95). CORTE DE UMA ÁRORE. COMPENSAÇÃO DO EVENTUAL DANO AMBIENTAL. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de suprimirum exemplar arbóreo, tendo em vista a completa ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. 2. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para reconhecer a atipicidade material da conduta e trancar a Ação Penal n° 002.05.038755-5, Controle n° 203/07, da Vigésima Quarta Vara Criminal da comarca de São Paulo.

(STJ – HC: 128566 SP 2009/0026638-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 31/05/2011, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2011)19

Está demonstra a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância desde de que realmente esteja comprovado a baixa lesividade, bem como a prática da ação penal de forma que não gere danos consideráveis, se não como demonstrado acima, o simples corte de uma árvore, bem como a prática de pesca com petrechos não permitidos, causaria efeitos exacerbados a uma pessoa, sendo que a mesma poderia responder sobre esta atitude, pelas vias administrativa ou cível.

Ambos os Habeas Corpus, estão demonstrados o ínfimo prejuízo praticado, visto que um fora apreendido da quantidade pequena que corresponde a um quilo de peixe, e o outro corresponde ao corte de um exemplar arbóreo, não gerando assim, prejuízos relevantes.

Entretanto há casos específicos que a lei, bem como a jurisprudência, verifica que mesmo que a ação delituosa seja realizada de forma sutil, não se pode aplicar o princípio da insignificância, como por exemplo, nos casos de pesca predatória em período defeso para a fauna aquática como HC 192696 SC 2010/0226460-0:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PESCA PREDATÓRIA. PEQUENA QUANTIDADE DE PESCADO DEVOLVIDO AO HABITAT NATURAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ESPECIAL RELEVO. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese em que o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 34, parágrafo único, II, da Lei 9.605/98, porque teria sido flagrado pela Polícia Militar de Proteção Ambiental, praticando pesca predatória de camarão, com a utilização de petrechos proibidos em período defeso para a fauna aquática e sem autorização dos órgãos competentes. II. A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida, exatamente a hipóteses dos autos, isto é, em época de reprodução da espécie, e com a utilização de petrechos não permitidos. III. Paciente que, embora não possua carteira profissional de pescador, faz da pesca a sua única fonte de renda. IV. Para incidência do princípio da insignificância devem ser considerados aspectos objetivos referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/11/2004), que não restou demonstrado in casu. V. A Constituição Federal de 1988, consolidando a uma tendência mundial de atribuir maior atenção aos interesses difusos, conferiu especial relevo à questão ambiental, ao elevar o meio ambiente à categoria de bem jurídico um capítulo inteiro à sua proteção. VI. Interesse estatal na repreensão da conduta, em se tratando de delito contra o meio-ambiente, dada a sua relevância penal. VII. Ordem Denegada.

(STJ – HC: 192696 SC 2010/0226460-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 17/03/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/04/2011)20

Posto isto, verifica-se ainda mais a necessidade da observância do caso concreto, pois em determinados casos, bem como demonstrado se fosse relacionado diretamente com o direito penal, seria possível a aplicação do princípio da insignificância, em detrimento de que o bem jurídico tutelado não foi devidamente atingido, visto que foram devolvidos os pescados conforme conferido no acórdão, bem como a quantidade apreendida não era substancialmente considerável, entretanto por se tratar de período defeso em lei, ou seja, período de reprodução dos peixes. Sendo assim, influiria diretamente ao desenvolvimento sadio da espécie tão quão a reprodução, influenciando diretamente nas gerações futuras do ser humano, infringindo diretamente o artigo 225 da Constituição Federal.

Outro fator a ser levado em consideração para a aplicação do princípio da insignificância face aos crimes ambientais são os fatores éticos e morais, bem como a necessidade real do infrator, sendo estes casos considerados excepcionais, como por exemplo, a Apelação Criminal n° 3614 SP 2001.61.25.003614-3:

PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA. LEI N° 9.605/1998, ARTIGO 34. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE, EM GRAU DE EXCEPCIONALIDADE. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. 1. Em tema de direito ambiental, a regra é a de que não se aplica o princípio da insignificância; mas, excepcionalmente, à vista da circunstância do caso concreto, é dado reconhecer a bagatela. 2. Cuidando-se de pesca de um quilograma de peixe, praticada por lavrador desempregado, com baixa escolaridade, pai de seis filhos e ínfima renda mensal. E constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, é dado proferir sentença absolutória com base no princípio da insignificância. 3. Apelação ministerial desprovida.

(TRF-3 – ACR: 3614 SP 2001.61.25.003614-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 23/02/2010, SEGUNDA TURMA).21

O presente julgado demonstra a necessidade do julgador competente realizar uma analise minuciosa do caso concreto, deverá se ater aos mínimos detalhes, relativizando a visão do que é mínimo para alguns, e que faria grande diferença na vida de outros, diferenciando assim, o que seria de uso próprio e necessário, daquilo que não seria de uso próprio, ou que ultrapassasse a necessidade individual do ora acusado.

Sendo assim, visualiza-se a divergência aos tribunais na aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais, sendo necessária a análise de caso a caso, não tendo um meio específico de identificar o que seria considerado ínfimo para um e não seria para o outro, partindo da premissa de que todas as atitudes cumprissem os requisitos de aplicação desse princípio estabelecido no tribunal.

Necessário pois, firmar uma compreensão primeiramente do que deve ser considerado irrelevante, para posteriormente, fazer uma análise dos fatores alheios que tornassem determinada atitude como tal.

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Sobre o autor
Hiago Borges

Discente do Curso de Bacharel em Direito da Universidade Luterana do Brasil. Pesquisador do Curso de Direito do ILES/ULBRA de Itumbiara-GO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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