Não obstante fruto de um pensamento completamente ultrapassado, constantemente nos vemos diante da questionamentos relativos ao direito à herança para filhos intitulados “fora do casamento” ou quanto aos filhos adotivos.
Antes da Constituição da República de 1988 era comum a distinção entre filho legítimo, adulterino, bastardo, extraconjugal e incestuoso. Porém, após este período, todos os filhos possuem o mesmo direito sucessório, indistintamente.
A forte influência da moral religiosa nas décadas anteriores aos anos 90 fez com que se distinguisse em direitos e tratamento os filhos, conforme o status social da relação de seus pais no momento da concepção. A criança concebida fora do sagrado ambiente do matrimônio era fruto do pecado, devendo ser tratada de maneira inferior juridicamente.
Aos filhos “legítimos”, aqueles havidos dentro do casamento, a tudo se concedia, havendo pleno direito à herança quando do falecimento do pai. Entretanto, aos “ilegítimos”, nascidos fora do casamento, em uma relação de adultério por exemplo, se impedia o acesso aos direitos decorrentes da relação de paternidade, como registro do nome paterno, alimentos e herança.
Aos filhos adotivos também não era diferente, já que se entendia que a relação de adoção se encerrava com o falecimento, não conferindo a estes o direito à sucessão dos bens deixados por seus pais adotivos.
Os ilustres Professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald assim destacam a situação:
“Em tempos pretéritos, pouco saudosos, o legislador civil não deixou passar a oportunidade de expressar sua absoluta antipatia em relação aos filhos nascidos fora do casamento, tentando estabelecer uma casta merecedora de proteção especial, que seriam os filhos nascidos de pessoas casadas entre si, chamados de legítimos. Os filhos ilegítimos (adulterinos e incestuosos) não tinham os mesmos direitos hereditários dos filhos legítimos (de pessoas que eram casadas entre si). Para além disso, os filhos adotivos não titularizavam direito sucessório em relação de adoção, restabelecendo o poder familiar dos pais biológicos. Toda essa complexa operação com o intuito, nem um pouco justificável, de impedir o acesso do filho adotivo à herança dos adotantes.” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: sucessões / Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald – 4. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. pág. 300).
Não raro a cultura popular ainda nos traz esta lembrança cotidianamente, em situações, por exemplo, na qual filhos de pessoa recentemente falecida buscam consultoria profissional com a finalidade de impedir o acesso à herança de irmão fruto de relacionamento diverso.
Felizmente, com a Constituição da República de 1988, a situação se consolidou no art. 227, §6º, o qual determina que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”.
Não há mais que falarmos em diferenciações entre filhos. Expressões como filho adulterino ou filho bastardo devem ser tomadas como inadequadas e preconceituosas.
Desta maneira, filhos nascidos fora do casamento terão os mesmos direitos sucessórios do que filhos dentro do casamento, antes do casamento ou depois dele. Não há que se classificar. Juridicamente filhos são tratados de maneira igualitária, para todos os fins de direito, incluindo pleno acesso à herança paterna.