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É possível a contratação, pelos municípios, de serviços de engenharia através de pregão?

06/01/2006 às 00:00
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RESUMO: A Constituição de 1988 elevou o Município à condição de ente federado, atribuindo-lhe, além das competências previstas no artigo 30, competências comuns com a União, Estados e Distrito Federal (artigo 23). A União detém competência para editar normas gerais sobre licitações e contratos, cabendo ao Município legislar sobre a matéria dentro da esfera própria dos seus interesses locais. A proibição estabelecida no Decreto Federal nº 3.555/2000 não se aplica ao Município, podendo este disciplinar de forma diferente a questão, permitindo ou não a realização de pregão para serviços de engenharia.


            As contratações para serviços de engenharia considerados comuns têm sido, no Município de São Paulo, precedidas normalmente por licitação na modalidade denominada Pregão. Mas poderia o Município utilizar-se do Pregão para contratar esse tipo de serviço ?

            Tal questão tem gerado polêmica diante da existência de disposição contrária no Decreto Federal nº 3.555/2000, que exclui os serviços e obras de engenharia dentre os objetos passíveis de serem licitados por esta modalidade pela União.

            Cabe, portanto, analisar, se tal impedimento se estende ao âmbito Municipal.

            A Lei Federal nº 10.520/02, que institui a modalidade de licitação denominada pregão, não veda a sua utilização para contratação de serviços de engenharia, dispondo, tão somente, que tal modalidade poderá ser utilizada para aquisição de bens e serviços comuns, assim definidos aqueles "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado".

            A utilização dessa modalidade para contratação de serviços de engenharia veio a ser disciplinada apenas no "Regulamento da Licitação na Modalidade de Pregão", aprovado pelo Decreto Federal nº 3.555/2000, que dispõe:

            "Art. 1º - Fica aprovado, na forma dos Anexos I e II a este Decreto, o regulamento para a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União" (grifamos).

            O regulamento aprovado estabelece, de forma clara e precisa, quais os entes públicos a que se aplica:

            "Art. 1º Este Regulamento estabelece normas e procedimentos relativos à licitação na modalidade de pregão, destinada à aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União, qualquer que seja o valor estimado.

            Parágrafo único. Subordinam-se ao regime deste Regulamento, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as entidades controladas direta e indiretamente pela União."(grifamos)

            Cabe ressaltar que o § 2º do art. 2º da Lei Federal nº 10.520/02 refere-se expressamente às unidades da federação, dispondo que estas terão regulamentos próprios:

            "§ 2º. Será facultado, nos termos de regulamentos próprios da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a participação de bolsas de mercadorias no apoio técnico e operacional aos órgãos e entidades promotores da modalidade de pregão, utilizando-se de recursos de tecnologia da informação."

            E não poderia ser diferente. A Constituição Federal de 1988 trouxe uma remodelação estrutural da Federação Brasileira, elevando o Município à condição de ente federado, com ampla autonomia e limite de atuação, modificando o esquema tradicional de partilha de competência adotado nas Constituições anteriores e determinando competências exclusivas, remanescentes, comuns, concorrentes e supletivas, bem como cooperação entre os entes federados, rendendo-se ao municipalismo e ao fenômeno de perda de densidade do "Federalismo Dual".

            A competência do Município deriva, pois, da Constituição Federal. Os poderes da União e dos Municípios estão explicitamente enumerados na Carta da República, reservando-se aos Estados as competências que lhes não sejam vedadas.

            Além das competências exclusiva e suplementar, discriminadas no artigo 30, a Constituição confere ao Município competências comuns com a União, Estados e Distrito Federal, conforme no artigo 23.

            No que concerne especificamente à licitação, a Constituição Federal estabelece a competência da União para editar "normas gerais", possuindo, os demais entes federativos, competência para legislar sobre licitação e contratos, dentro da esfera própria dos seus interesses locais, por ser matéria afeta ao Direito Administrativo, enquanto instrumento de autonomia.

            Segundo Marçal Justen Filho, "a competência para editar normas gerais importa o poder de a União veicular regras mínimas, vinculantes para todas as órbitas federativas, inclusive as integrantes da Administração indireta e outras entidades sob controle do Poder Público". [01]

            Vera Scarpinella, tratando especificamente do tema ora em análise, afirma, com propriedade, que norma local ou o próprio edital podem determinar a aplicação integral dos decretos federais relativos ao pregão, mas alerta que "esta incidência se dará porque o legislador, ou o Executivo, local decidiu livremente adotar tal normativa, não porque Estados e Municípios devam acatamento às normas alheias, mas apenas e tão-somente à norma geral" (grifamos). [02]

            No mesmo sentido, Carlos Ari Sundfeld preleciona que os decretos editados pelo Presidente da República a título de regulamentar a lei de licitações não incidem sobre as atividades de Estados e Municípios, pois é óbvio que "quem legisla no Brasil é o Poder Legislativo (CF, art. 48), não o Executivo" e, "portanto, Estados, Distrito Federal e Municípios são obrigados tão-só a acatar normas nacionais, quando editadas no âmbito da competência legislativa federal e desde que oriundas do Poder Legislativo"(grifamos) [03].

            A Procuradoria Geral do Município de São Paulo posicionou-se sobre a questão em parecer cuja ementa segue abaixo transcrita:

            "EMENTA Nº 10.166 - Licitação. Pregão. Serviços de engenharia. Não há óbice legal para licitar-se serviços de engenharia por pregão, observados determinados parâmetros de ordem técnica e jurídica. Em matéria de licitação, decreto federal que regulamenta a lei veiculadora de normas gerais não se aplica aos demais entes políticos."

            Diante da impossibilidade de aplicação do Decreto Federal nº 3.555/2000 às licitações realizadas no âmbito municipal, resta saber se a legislação local estabelece alguma forma de restrição à utilização da modalidade Pregão para contratação de serviços de engenharia.

            No caso do Município de São Paulo, a Lei Municipal nº 13.278/02, que dispõe sobre normas específicas em matéria de licitação e contratos no âmbito do Município de São Paulo, em seu art. 20, estabelece:

            "Art. 20 - O Município poderá adotar a modalidade pregão, instituída pela União, para a aquisição de bens ou serviços comuns, que será regulamentada por decreto, observada a legislação federal pertinente". (grifamos)

            A mencionada Lei Municipal encontra-se regulamentada pelo Decreto Municipal nº 44.279/03, que disciplina o procedimento licitatório no âmbito da Municipalidade.

            O Decreto Municipal nº 44.279/03, ao dispor sobre a modalidade de licitação chamada Pregão (arts. 20 a 25) não repetiu a proibição constante do art. 5º do Regulamento aprovado pelo Decreto Federal nº 3.555/2000. Além disso, o Decreto Municipal nº 45.689/05 tornou obrigatória a realização de pregão para aquisição de bens e contratação de serviços comuns, com a finalidade de "garantir, por meio de disputa justa entre os interessados, a compra mais econômica, segura e eficiente" (art. 1º).

            Portanto, a utilização do Pregão tornou-se regra no Município de São Paulo, e a contratação por outras modalidades constitui-se exceção, ou seja, serão utilizadas quando não for possível caracterizar o bem ou o serviço como "comum".

            Resta saber quais os serviços de engenharia que podem ser caracterizados como comuns.

            A Lei Federal nº 10.520/2002, define em seu art. 1º, bens e serviços comuns como "aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado."

            No âmbito do Município de São Paulo, a definição encontra-se no art. 22 do Decreto Municipal nº 44.279/03:

            "Art. 22 - Consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser, concisa e objetivamente, definidos em edital, com base em especificações usuais de mercado".

            A definição legal sobre o que são bens e serviços comuns não é precisa. Por este motivo, a análise deve se dar em cada caso concreto, tendo por base a natureza do objeto, as exigências do interesse público e as particularidades da modalidade licitatória – pregão.

            Em primeiro lugar, não se pode confundir "comum" com "simples", como bem ensina Jessé Torres Pereira Junior:

            "Em aproximação inicial do tema, pareceu que ‘comum’ também sugeria simplicidade. Percebe-se, a seguir, que não. O objeto pode portar complexidade técnica e ainda assim ser ‘comum’, no sentido de que essa técnica é perfeitamente conhecida, dominada e oferecida pelo mercado. Sendo tal técnica bastante para atender às necessidades da Administração, a modalidade pregão é cabível a despeito da maior sofisticação do objeto" (grifamos) [04].

            No mesmo sentido, Vera Scarpinella salienta que:

            "(...) o objeto comum para fins de cabimento da licitação por pregão não é mero sinônimo de simples, padronizado e de aquisição rotineira. Bens e serviços com tais características estão incluídos na categoria de comuns da Lei 10.520/2002, mas não só. Bens e serviços com complexidade técnica, seja na sua definição ou na sua execução, também são passíveis de ser contratados por meio de pregão. O que se exige é que a técnica neles envolvida seja conhecida no mercado do objeto ofertado, possibilitando, por isso, sua descrição de forma objetiva no edital." (grifamos) [05].

            Em suma, bens e serviços comuns são aqueles que podem ser encontrados no mercado sem maiores dificuldades, e que são fornecidos por várias empresas, não se referindo a expressão "comum" a objeto sem sofisticação ou sem desenvolvimento tecnológico.

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            No âmbito da União, até mesmo o próprio rol trazido pelo Decreto Federal nº 3.555/2000 vem sendo considerado exemplificativo pela doutrina, tendo inclusive o Tribunal de Contas da União proferido entendimento neste sentido:

            "(...) Por outro lado, o mencionado Decreto (3.555/2000) não caracteriza o serviço de locação de mão-de-obra como serviço comum, o que impossibilitaria a utilização da modalidade pregão. No entanto, a nosso ver, a lista de serviços constante do Anexo II do Decreto 3.555/2000 não é exaustiva, haja vista a impossibilidade de relacionar todos os bens e serviços comuns utilizados pela Administração." (Acórdão 615/2003 – Primeira Câmara, Min. Relator Humberto Guimarães Souto, DOU 09/04/2003).

            Para que seja o serviço de engenharia caracterizado como comum temos que observar se estes foram objetivamente determinados no edital de Licitação e se as especificações estão descritas de forma clara, a fim de não gerar dúvidas aos licitantes.

            A existência de várias empresas aptas a fornecer objeto e o fato deste ser rotineiramente licitado pelo Poder Público também servem de parâmetro para a caracterização de "serviços comum".

            Um dos argumentos daqueles que combatem a utilização desta modalidade para serviços de engenharia é de que o pregão permitiria a participação de empresas sem a devida qualificação técnica, em outras palavras, permitiria a participação de "aventureiros".

            No entanto, o pregão não impede, de forma alguma, a exigência de qualificação técnica pelo Poder Público, pois, o que ocorre, na verdade, é a inversão de fases, com a abertura do Envelope "Habilitação" apenas da licitante que oferecer melhor preço. E é exatamente esta inversão de fases que confere à modalidade maior celeridade se comparada às demais modalidades, tendo em vista a eliminação dos inúmeros recursos interpostos com a finalidade exclusiva de inabilitar os demais concorrentes em virtude de falhas formais.

            Assim, o Edital de Pregão pode – e deve - prever a necessária habilitação técnica por parte da licitante vencedora, dentro dos limites do art. 30 da Lei Federal nº 8.666/93, não se diferenciando, neste aspecto, das demais modalidades licitatórias.

            Além disso, o orçamento prévio efetivado pela área técnica, nos termos do art. 3º, III, da Lei Federal nº 10.520/02, assim como as planilhas de composição de custos e demonstrativo do B.D.I. que devem compor a carta-proposta, servem como base para o aferimento, pelo pregoeiro, da exeqüibilidade do preço ofertado. E, ainda, a própria Lei Federal nº 8.666/93, no art. 48, traz parâmetros objetivos para estabelecer-se a inexequibilidade dos preços ofertados no procedimento licitatório.

            A penalidade prevista no art. 7º da Lei Federal nº 10.520/02 (impedimento, pelo prazo de até 5 anos, de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito federal ou Municípios e descredenciamento do SICAF), aliada às multas que podem ser previstas no Edital, visam desencorajar a participação dos "licitantes aventureiros", de forma a tornar o Pregão um meio seguro e eficiente para contratação de serviços pelo Poder Público.

            Em vista das considerações trazidas à colação, concluímos que a resposta à questão é afirmativa, ou seja, é possível ao Município utilizar-se da modalidade de Pregão para a contratação de serviços de engenharia comuns, desde que não haja impedimento em lei local, como ocorre no Município de São Paulo, que utiliza regularmente esta modalidade até mesmo como regra (Decreto Municipal nº 45.689/05), com objetivo de não só agilizar o procedimento licitatório, como também conferir maior visibilidade e ampla possibilidade de participação dos eventuais interessados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo : Dialética, 2002.

            PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

            SCARPINELLA, Vera. Licitação na Modalidade de Pregão. São Paulo: Malheiros, 2003.

            SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995.


NOTAS

            01

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo : Dialética, 2002 – pág. 13

            02

SCARPINELLA, Vera. Licitação na Modalidade de Pregão. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 177.

            03

SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 33).

            04

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003 – p. 1006.

            05

SCARPINELLA, Vera. Op. cit., p. 81.
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Sobre a autora
Adriana Maurano

procuradora do Município de São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAURANO, Adriana. É possível a contratação, pelos municípios, de serviços de engenharia através de pregão?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 917, 6 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7798. Acesso em: 23 nov. 2024.

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