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O Acordo e a Convenção de Schengen

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08/01/2006 às 00:00
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1.8 -Protecção de dados pessoais

O Título VI, já introduzido num estádio tardio das negociações, vem enriquecer a Convenção. Os artigos 126º a 130º, além do seu carácter específico, vão permitir também um alargamento do âmbito da cooperação policial.

Este Título renova a obrigação para as partes contratantes de adoptarem, o mais tardar no momento da entrada em vigor da presente Convenção, as disposições nacionais necessárias para assegurar um nível de protecção dos dados pessoais pelo menos igual ao decorrente dos princípios da Convenção do Conselho da Europa de 28 de Janeiro de 1981, relativa à protecção de pessoas face ao tratamento automatizado de dados pessoais [164].

Em diversas disposições da Convenção de Schengen se fala de dados pessoais informatizados ou não. Este Título da Convenção vem estabelecer as regras a que deve obedecer a transmissão desses dados. A primeira ideia que resulta da leitura destes artigos é que o sistema aí criado é complicado e por vezes de difícil entendimento.

O primeiro problema é o que resulta do facto de aí estarem previstos três tipos de transmissão de informações: transmissão de dados provenientes de ficheiro automatizado, transmissão de dados provenientes de ficheiro não automatizado e outros casos.

Estes dados só podem ser transmitidos se as disposições nacionais assegurarem um nível de protecção dos dados pessoais pelo menos igual à decorrente dos princípios previstos na Convenção do Conselho da Europa de 28 de Janeiro de 1981, relativa à protecção de pessoas face ao tratamento automatizado de dados pessoais [165].

Os dados relativos ao Título III só podem ser utilizados se assegurarem um nível de protecção de dados pessoais que respeite os princípios da Recomendação R (87) 15 de 17 de Setembro de 1987, do Comité de Ministros do Conselho da Europa [166].

Reafirma também o princípio da finalidade dos ficheiros, ao prever que os dados só podem ser utilizados exclusivamente para os fins previstos na Convenção e pelas entidades competentes [167].A utilização de dados para outros fins que não os previstos na Convenção, só será permitida após autorização prévia da parte contratante e as próprias autoridades não os podem utilizar para fins diferentes dos previstos no artigo 126º.

O princípio da necessidade da qualidade da informação transmitida ao obrigar as partes contratantes a velarem pela exactidão dos dados, pela sua correcção e pela responsabilidade pela existência de dados incorrectos está também previsto [168].

Assim consagra-se a ideia de que a parte que transmite os dados deve velar pela sua exactidão, e se esta verificar por sua iniciativa que existem incorrecções, deve por sua iniciativa, ou a pedido da outra parte, corrigir os dados, destruí-los ou informar a outra parte que esses dados são incorrectos. Em resultado de uma transmissão de informação incorrecta, a parte que usou essa informação não pode desvincular-se da sua responsabilidade face à atitude que tomou, ainda que baseada nessa informação incorrecta, e se em consequência disso for obrigada a reparar os danos causados, posteriormente a parte que transmitiu a informação incorrecta reembolsará integralmente as somas que esta tenha pago a título de reparação [169]. Será este um dos principais elementos para se obter uma boa qualidade dos dados pessoais armazenados nas bases de dados.

A alínea e) do parágrafo 3º do artigo 126º, prevê a obrigatoriedade de a transmissão e a recepção de dados pessoais serem registados no ficheiro donde provêm e no ficheiro no qual são inseridos.

Quando aos ficheiros não automatizados, é previsto que a transmissão de dados em resultado da aplicação da Convenção de Schengen, devem beneficiar de uma protecção pelo menos idêntica à do estado que os transmite, independentemente do estado para onde sejam enviados [170].

O direito de acesso aos ficheiros não automatizados é regulamentado pelo direito nacional da parte contratante à qual o interessado apresenta o seu pedido [171].

Outro princípio fundamental nesta matéria é o que obriga a que não se possa efectuar a transmissão de dados, enquanto as partes contratantes envolvidas na transmissão não tiverem encarregado uma autoridade de controlo nacional de exercer um controlo independente, relativamente ao cumprimento das disposições dos artigos 126º e 127º e das disposições tomadas em sua aplicação, respeitantes ao tratamento de dados pessoais em ficheiro [172].

A questão que se coloca é se este sistema será suficiente para garantir que não há violação dos direitos dos cidadãos.

Em França o Conselho Constitucional, numa sua decisão de 25 de Julho de 1991, considerou que a criação do S.I.S. não colocava em perigo as liberdades fundamentais, justamente devido aos direitos e garantias que o Título VI da Convenção de Schengen criou [173].

Toda a evolução desde 14 de Junho de 1985 com o Acordo de Schengen, até à sua entrada em funcionamento, com os sucessivos adiamentos que esta foi sofrendo [174], podem também ser explicados em parte pelo facto de os diferentes estados não estarem de acordo quanto às condições de segurança dos dados pessoais inseridos no S.I.S.


1.9 - Consequências para os nacionais de estados membros da U.E. que não são partes da Convenção de Schengen

Os nacionais de estados membros da União Europeia que não são partes da Convenção de Schengen encontram-se, para efeitos desta, numa situação intermédia, uma vez que não são classificados como estrangeiros [175], mas terão de ser submetidos pelo menos a um controlo que permita determinar a sua identidade a partir dos documentos de viagem [176].

No entanto, resulta da lógica do sistema que as disposições de direito comunitário em matéria de livre circulação de pessoas continuarão a aplicar-se e é a própria Convenção de Schengen que dispõe que "As disposições da presente Convenção só serão aplicáveis na medida em que sejam compatíveis com o direito comunitário" [177].

A liberdade de circulação no interior do espaço Schengen simplifica, por isso, também a circulação dos "estrangeiros comunitários".

Para os estados da U.E. que não são membros de Schengen, este sistema não cria novos obstáculos à circulação e esses estados podem sempre aderir à Convenção de Schengen [178].

Face às disposições de Schengen e do T.U.E. [179], passará a haver dois sistemas de liberdade de circulação para os cidadãos da U.E. Para resolver esta situação, a Comissão reunida em 12 de Julho de 1995 tomou a decisão de preparar a eliminação dos controlos dos cidadãos comunitários nas fronteiras internas até ao fim de 1996.


1.10 - Consequências para os nacionais de estados não membros da U.E.

Os nacionais de estados não membros da U.E., (estrangeiros para Schengen [180]) que residam no espaço Schengen ou que nela tenham entrado regularmente podem circular livremente nos territórios das partes contratantes por um período máximo de três meses a contar da data da primeira entrada [181], desde que preencham determinadas condições [182], como referido no capítulo referente aos vistos.

A Convenção de Schengen dispõe que um estado terceiro pode concluir acordos que simplifiquem ou suprimam controlos nas fronteiras, com o consentimento prévio das outras partes contratantes [183], o que lhes pode permitir conseguir condições preferenciais.

Nos termos do artigo 22º da Convenção de Schengen, um estrangeiro que tenha entrado regulamente no território de um estado membro, se pretender ir para o território de outro estado membro tem de comunicar a sua presença ou à entrada ou num prazo de três dias úteis. Em resultado desta norma, colocam-se dois problemas. Em primeiro lugar o T.J.C.E já afirmou que este prazo era insuficiente para efectuar essa participação [184]. Em segundo lugar, como é que as forças policiais podem provar que um estrangeiro que não foi controlado na fronteira já está no território desse estado há mais de 3 dias úteis?

Os estrangeiros detentores de título de residência emitido por uma parte contratante ou titulares de uma autorização provisória de residência, não necessitam de visto para se poderem deslocar no espaço Schengen durante um período máximo de três meses, nem estão sujeitos a controlos nas fronteiras, desde que preencham as condições de entrada previstas no artigo 5º, nº 1, alíneas a), c) e e), e não constem da lista nacional de pessoas indicadas da parte contratante em causa [185].

Se um nacional de um estado não membro da U.E. não preencher, ou deixar de preencher as condições para uma estada de curta duração, deve abandonar imediatamente o território desse estado, e no caso limite será expulso [186].


1.11 - Aspectos negativos de Schengen

As primeiras críticas são de que ainda não se conseguiu uma cooperação substancial no que diz respeito à aplicação da lei, que ainda não inclui os 15 estados membros da U.E. e tem vindo a ser progressivamente criticado pelo secretismo e ausência de controlo externo e de legitimidade democrática [187].

Os próprios parlamentos nacionais não tiveram oportunidade de discutir as disposições de Schengen, que foram aprovadas pelo poder executivo e que os parlamentos só podem aprovar ou rejeitar.

Desta Convenção parece resultar uma ordem jurídica nova, "meio nacional - meio europeia" [188], que se baseia nas leis e processos nacionais, mas que tem uma aspiração comunitária. Este facto pode provocar diferentes interpretações por parte dos diferentes estados e o facto de as suas leis nacionais poderem ser diferentes pode contribuir para que se obtenham diferentes resultados para situações idênticas. E não parece que a coordenação entre os diferentes grupos de trabalho dos diversos estados esteja a ser suficiente, pois como diz o relatório da comissão francesa de controlo Schengen, a nível nacional "tem-se a sensação que os funcionários - na sua maioria do Ministério do Interior - negociam por conta do seu serviço, sem terem presente no seu espírito uma visão global do edifício, nem o ritmo da negociação, nem os problemas políticos que resultam desta negociação" [189].

No texto da Convenção existem conceitos com conteúdo indeterminado como "crime grave", "perigo para a ordem pública", "segurança interna", "manifestamente infundado", que permitem diferentes interpretações pelos diferentes estados. A interpretação do próprio Acordo e Convenção de Schengen é feita independentemente por cada estado membro o que permite, ou pode permitir alcançar resultados muitos diferentes [190]. Mesmo uma interpretação extensiva do artigo 182 do T.U.E. parece não permitir que o T.J.C.E. tenha competência para interpretar estas disposições. A solução poderia ser, ou comunitarizar as disposições de Schengen, ou criar uma nova jurisdição a nível europeu especializada em questões de asilo, imigração e protecção de dados [191].

Há casos em que vai existir incompatibilidade entre as disposições de Schengen e o direito comunitário. O artigo 8ºA do T.U.E institui a liberdade de circulação limitando-a apenas aos casos previstos no direito comunitário e a Comissão, numa comunicação de Maio de 1992, refere que na Comunidade Europeia devem ser eliminados todos os controlos nas fronteiras, independentemente da sua forma ou da justificação desse controlo [192]. No entanto o artigo 2º nº 2º da Convenção de Schengen, vem contrariar estas disposições.

O artigo 2º nº 2º da Convenção de Schengen permite que os estados, por razões de ordem pública ou segurança nacional, após consulta às outras partes contratantes (se os factos exigirem acção imediata o estado pode actuar logo e informar depois o mais rapidamente possível as restantes partes contratantes), possam por um período limitado efectuar controlos fronteiriços nas fronteiras internas. Esta excepção pode limitar o interesse de Schengen e já começou a ser utilizada.

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A França ao abrigo desta disposição voltou a efectuar controlos nas fronteiras internas a partir de 1 de Julho de 1995 [193], o que vem pôr em causa todo o sistema Schengen.

Mais grave ainda é que em consequência do artigo 6º da Convenção de Schengen, cidadãos de estados membros da U.E. que não fazem parte de Schengen estão sujeitos aos controlos previstos nesse artigo, contrariando o artigo 8º-A do T.U.E.

O sistema SIRENE não está regulamentado no Acordo ou na Convenção de Schengen ou noutro documento, o que pode provocar incertezas e dúvidas quanto à legalidade da sua actuação.

Este sistema SIRENE vai utilizar linguagem verbal, sendo impraticável adoptar uma só língua ou todas as línguas, pelo que a sua utilidade estará ainda por provar [194].

O Comité Executivo é criticado por ter poderes excessivos, não respeitar o princípio da separação de poderes e não estar sujeito a qualquer tipo de controlo [195].

A Convenção não assume a obrigação de respeitar os direitos do homem, o que é entendido por alguns autores como possibilidade de não os respeitar [196] não fazendo mesmo referência à Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e Direitos Fundamentais [197].

A Convenção de Schengen não respeita a Convenção de Genebra sobre o estatuto dos refugiados, nomeadamente no que toca às disposições sobre vistos, as sanções previstas para as companhias aéreas que transportem passageiros sem toda a documentação exigida, a passagem ilegal de fronteiras e a recusa de asilo por motivos de segurança, tiram o conteúdo ao direito de asilo regulado na Convenção de Schengen [198].

O défice democrático resulta essencialmente da aprovação da Convenção pelo poder executivo, o que não deixa aos parlamentos nacionais outra possibilidade que a de aceitar ou recusar. Mas se fosse um acordo comunitário, o P.E., ou se fosse um acordo intergovernamental clássico, os parlamentos nacionais, teriam poderes para discutir o texto da Convenção artigo por artigo e os poderes excessivos do Comité Executivo, que vão contra o princípio da separação de poderes e que não permitem um controlo das suas decisões.

O P.E. já votou cinco resoluções em que condenava o défice democrático existente nas disposições de Schengen [199].

Com este sistema, há autores, que defendem que se está a criar uma Europa-fortaleza, que não garante a protecção dos direitos fundamentais [200]. As associações mundiais de direitos do homem não foram ouvidas durante a elaboração da Convenção de Schengen, tendo apenas na parte final da redacção do texto, em 1989, tido a possibilidade de sugerir algumas protecções, mas não de alterar o sentido do texto.

Crítica importante resulta do facto de não estar previsto um controlo jurisdicional ou parlamentar do Acordo e Convenção de Schengen [201]. O próprio S.I.S. não prevê um mecanismo de controlo exterior e independente, mas apenas uma autoridade comum composta por representantes nacionais, e que tem essencialmente poderes consultivos [202]. Será necessário perguntar como o fez o Senado Belga entre outras questões, "quelle instance jugera si les données transmises sont incorrectes ou n´´auraient pas pu être transmises"? [203]. Também os sistemas das listas relativas para efeitos de não admissão não têm controlo na sua criação o que pode provocar situações injustas [204].

Na prática os efeitos da Convenção de Schengen podem produzir efeitos não esperados, e que podem complicar o funcionamento normal de um estado, como o que aconteceu no início do mês de Junho de 1995, quando centenas de cidadãos do Bangladesh e Paquistão, que tinham entrado no espaço Schengen por Paris e Madrid, ouviram um rumor que em Portugal estaria a decorrer um processo de legalização extraordinário de estrangeiros e vieram para Portugal em meios de transporte rodoviários que alugaram para o efeito, com vista à sua legalização num estado europeu. Dos 84 que foram detectados, 46 foram presentes ao tribunal de pequena instância criminal e ficando 33 sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva, tendo sido posteriormente reenviados para Espanha e França [205].

Também na segunda semana de Outubro de 1995, 40 nacionais do Senegal que chegaram por via aérea a Lisboa, com destino a Fátima, possuindo o visto turístico, foram acompanhados durante a sua permanência em Portugal por 40 elementos das forças policiais (Serviço de Estrangeiro e Fronteiras e Polícia Judiciária) 24 horas por dia até à sua entrada no avião que os levou de regresso ao Senegal. Os serviços portugueses foram informados que este grupo pretendia ficar em Portugal e depois atingir outros países europeus (e não vir em peregrinação a Fátima) e, tiveram de actuar assim para proteger uma fronteira não só portuguesa mas do espaço Schengen.

Como os sistemas de protecção da vida privada são diferentes de estado para estado, podem provocar situações de discriminação para situações originalmente iguais.

É também criticável o facto de a Convenção não prever disposições que concedam ao eventual arguido o direito de estar representado por advogado durante as investigações e outros actos essenciais à descoberta da verdade e que podem comprometer o resultado final do julgamento [206].

Uma crítica relacionada com o direito comunitário, resulta de face à sua proximidade com este direito existir o risco de usurpação dos poderes comunitários.

Por último é também de referir que é irrealista a disposição do artigo 6º da Convenção de Schengen que prevê um controlo sistemático e efectivo nas fronteiras externas quando se sabe que 85% do tráfico fronteiriço é feito nas fronteiras terrestres e que por exemplo entre a Suíça e a França circulam 40 milhões de pessoas ano e que apenas 4% dos viajantes estão sujeitos a visto e que Schengen não é um sistema completo não prevendo por exemplo um acordo de readmissão das pessoas conduzidas à fronteira [207].

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Sobre o autor
Eugénio Pereira Lucas

professor adjunto da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria - Instituto Politécnico de Leiria em Fátima (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUCAS, Eugénio Pereira. O Acordo e a Convenção de Schengen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 919, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7809. Acesso em: 23 dez. 2024.

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