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Tutela processual dos direitos humanos nas relações de trabalho

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O artigo examina a tutela dos direitos humanos fundamentais no processo do trabalho, lançando luzes sobre aspectos ainda obscuros da EC nº 45/2004, chamando a atenção para o paulatino entorpecimento das sensibilidades.

"Uma posição tradicional e ainda prevalecente em muitos países é a de simplesmente recusar qualquer ação privada e continuar, em vez disso, a confiar na máquina governamental para proteger os interesses públicos e dos grupos. [...] É profundamente necessário, mas reconhecidamente difícil, mobilizar energia privada para superar a fraqueza da máquina governamental"
(MAURO CAPPELLETTI, BRYANT GARTH).


RESUMO: O artigo examina os diversos contextos de tutela dos direitos humanos fundamentais no processo do trabalho, minudenciando os múltiplos usos da ação civil pública em seara laboral, lançando luzes sobre aspectos ainda obscuros da EC n. 45/2004 (tais como o cabimento do "habeas data" na Justiça do Trabalho), sistematizando objetivamente as hipóteses de inversão do ônus da prova nas ações trabalhistas e discutindo o problema das tutelas processuais "ex officio", entre outras abordagens. Colima-se, com o ensaio, chamar a atenção de juristas, operadores e jurisdicionados para o paulatino entorpecimento das sensibilidades, a despeito das lesões ou ameaças que achacam diuturnamente direitos fundamentais de trabalhadores. À míngua de tutelas preventivas ou inibitórias, as violações resolvem-se em indenizações, consolidando uma cavilosa perspectiva monetizadora.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Tutela processual dos direitos humanos. 2. Direitos fundamentais. 2. Devido processo legal. 3. Processo do trabalho (teoria geral). 4. Ações constitucionais (processo do trabalho). 5. Tutela específica. 6. Judicialização da política.


I. INTRODUÇÃO.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) coroou um processo secular e ainda inacabado de descobrimento e positivação dos direitos de liberdade, de igualdade e de solidariedade inerentes à condição humana. Já por isso ? pela incompletude do processo ?, tal Declaração consagrou direitos inegavelmente históricos, tal como configurados na percepção das nações ao cabo dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Não os exauriu, nem poderia tê-lo feito. Prova disso são os recentes textos internacionais em prol de direitos humanos que passaram ao largo daquele documento, como os direitos biogenéticos mais complexos e os direitos-deveres de informação e sigilo [1].

Conseqüentemente, o processo de descobrir e positivar direitos do homem corresponde a um ciclo virtualmente interminável. São os velozes passos do ser humano em direção ao progresso tecnológico e ao desenvolvimento material e econômico que os determinam, não o contrário. Há, sempre, uma margem de incerteza no conteúdo, compensada por um índice de certeza formal: são ? e serão ? direitos.

Mas o que isso significa, em termos práticos?

Para evocar uma conhecida fórmula do Código Civil de 1916, significa que a cada um desses direitos corresponde uma ação judicial (artigo 75 [2]). Ou seja: por hipótese, todos esses direitos hão de engendrar, em relação ao Estado, um direito de agir (instrumental) que lhes assegure a efetividade. O que nos remete ao tormentoso problema do acesso à Justiça.

RICHARD CLAUDE dizia que "a efetividade ou proteção processual é apenas outro aspecto do conteúdo do Direito" [3]. Noutras palavras, o acesso à Justiça ? ora compreendido como “proteção processual" (= acesso adequado à tutela jurisdicional mediante ações e remédios legalmente predispostos) ? é o fator que assegura, para além das meras proclamações, a satisfação dos conteúdos valiosos imanentes aos demais direitos fundamentais [4]. A garantia dos direitos fundamentais seria meramente retórica se não houvesse, ao alcance dos cidadãos interessados, meios jurídicos hábeis a obter do Estado-juiz um provimento de afirmação compatível com as pretensões injustamente frustrada e exeqüível "sub imperii".

Pois bem. O escopo do presente trabalho é, a partir dessas premissas, demonstrar e operacionalizar aquela hipótese em seara trabalhista. Num ramo da Ciência Jurídica em que o objeto útil dos contratos é a própria força de trabalho da pessoa humana (i.e., uma projeção de sua personalidade), a vulnerabilidade dos direitos fundamentais de tantos quantos laborem sob subordinação é especialmente aguçada; e, no entanto, a imensa maioria das ações propostas na Justiça do Trabalho não persegue a satisfação dos conteúdos de direitos fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, a privacidade ou a informação, mas a quitação de direitos de crédito de estrita aferição patrimonial (que seriam, se muito, emanações de um único direito previsto na Convenção de 1948, a saber, o direito de propriedade... [5]).

Não é crível que, em meio aos mais de trinta milhões de contratos formais de emprego que existem no Brasil [6], as lesões ou ameaças de lesão a direitos fundamentais sem expressão patrimonial (vida, integridade, liberdade, informação, etc.) reduzam-se a números tão marginais. Menos crível, ainda, se considerarmos as estimativas dos postos informais de trabalho subordinado no país do "jeitinho". É lícito conjeturar, portanto, que exista uma subutilização dos remédios judiciais preventivos e corretivos, provavelmente em função do medo de punições e dispensas, a que se soma uma cultura de monetização de direitos laborais inalienáveis que já vem de algumas décadas. Os trabalhadores preferem aguardar o término regular dos contratos de trabalho para reclamar, em juízo, todos os direitos violados (sempre pela ótica indenitária, eis que consumadas as lesões e impraticável a restituição ao "status quo ante").

Essa é, por evidente, uma disfunção do sistema brasileiro de tutela processual trabalhista. E o primeiro passo para corrigi-la é promover a conscientização difusa dos operadores jurídicos quanto às possibilidades e aos benefícios da tutela judicial preventiva e/ou restauradora nos quadros de violação (em ato ou potência) dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Eis, doravante, a nossa contribuição.


II. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em matéria de direitos humanos, o mais importante documento jurídico produzido pelo Homem provavelmente seja mesmo a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 e referida supra. Em seu preâmbulo, os Estados soberanos reconheceram que "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo" (g.n.). No considerando seguinte, registrou-se que "o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade", sendo fundamental que "os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão" (g.n.).

Não é fácil defini-los, como se verá. Em geral, toda definição torna-se tautológica: "Direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem". E, se não são tautológicas, raramente são satisfatórias. Outros exemplos: "Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado". Ou ainda: "são os direitos cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização" (BOBBIO). Já para ALEXANDRE DE MORAES, a expressão "direitos do homem" designa o

conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana [7].

MORAES prefere, aliás, a expressão "direitos humanos fundamentais", seguindo de perto a terminologia da UNESCO [8].

Outros autores há que distinguem entre "direitos humanos" e "direitos fundamentais". Nesse sentido, MARCUS VINÍCIUS AMORIM DE OLIVEIRA esclarece, com base em WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, que

do ponto de vista histórico – e portanto, empírico - os direitos fundamentais decorrem dos direitos humanos. No entanto, os direitos fundamentais correspondem a uma manifestação positiva do direito, ao passo que os direitos humanos se restringem a uma plataforma ético-jurídica. O que se observa é que há uma verdadeira confusão, na prática, entre os dois conceitos. Saliente-se, entretanto, que os direitos humanos se colocam num plano ideológico e político. Estes últimos se fixam, em última análise, numa escala anterior de juridicidade [9].

Com tudo isso, se compreende de imediato porque o Poder Judiciário tem uma função primordial a desempenhar na tutela dos direitos humanos: a ele a Constituição reservou a missão institucional de garantir, na última trincheira sociológica (a do conflito), a liberdade dos homens, a justiça nas relações e a paz na sociedade. Ora, a liberdade, a justiça e a paz são os maiores valores de um Estado Democrático de Direito. Daí se dizer, afinal, que o Poder Judiciário é o guardião da Democracia nos Estados Republicanos. Não se faz Democracia sem a salvaguarda intransigente dos direitos do homem [10].

Ainda sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem, releva evocar o escólio sempre atual e elucidativo de NORBERTO BOBBIO [11]. Para o autor, existem três premissas inasfastáveis em derredor do tema dos direitos do homem:

1. os "direitos naturais" ? a exemplo daqueles positivados na Declaração de 1948 ? são, na verdade, direitos históricos (cfr. supra);

2. nascem ? ou são reconhecidos ? no início da Era Moderna (Revolução Francesa de 1789, Declarações de Direitos e Constituição americana de 1787, obras de THOMAS PAINE, etc. [12]), juntamente com a concepção individualista da sociedade;

3. tornaram-se um dos principais indicadores do progresso histórico da civilização.

No plano histórico, a consolidação da teoria geral dos direitos humanos deve-se a uma mudança progressiva de perspectivas no plano jurídico-político. Ou, na dicção de BOBBIO,

deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano [absolutismo], em correspondência com a visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos [13].

Sendo históricos, não há como se encontrar um fundamento absoluto para os direitos humanos. Derivam da concepção ética de seu tempo. Nada obstante, pode-se apontar-lhes três características empíricas [14]:

? radicam-se nos valores últimos de uma dada sociedade ? salientando-se que, não raro, esses "valores últimos" são antinômicos, razão pela qual surgem as chamadas colisões de direitos fundamentais [15]. Já por isso, reúnem-se em uma classe mal-definível (i.e., só se logra defini-los mediante recurso a tautologias ou predicados, não à essência em si);

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? constituem ainda uma classe variável, dada que histórica. No futuro, poderão surgir novos "direitos do homem". BOBBIO sugere o "direito a não portar armas contra a própria vontade" (que poderia significar, e.g., o fim do serviço militar obrigatório). Outro exemplo está no direito fundamental dos cidadãos à acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas mediante concursos objetivos de seleção, tal como previsto, e.g., no artigo 37, II, da CRFB (garantia inimaginável ao tempo dos reis, nos séculos XV ou XVI);

? constituem, enfim, uma classe heterogênea: abrangem pretensões as mais díspares e, por vezes, incompatíveis entre si (o que decorre daquela mesma antinomia recorrente de valores).

Nessa esteira, os direitos humanos estratificaram-se em três ou quatro gerações de direitos (ou dimensões, como querem alguns, já que o conceito de "geração" poderia sugerir a obsolescência ou superação das gerações mais "antigas"). Seguem abaixo.

1. Os direitos humanos de primeira geração são basicamente aqueles consagrados na Declaração de 1948, i.e., os direitos civis e políticos (relacionados ao valor liberdade). Tais direitos reclamam, da parte de terceiros (notadamente os poderes e órgãos públicos), uma série de deveres puramente negativos que implicam a abstenção de determinados comportamentos cerceadores. São, pois, as liberdades públicas.

2. Os direitos humanos de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais. Entre nós, vejam-se todos os direitos sociais inscritos nos artigos 6º e 7º da CRFB (esses últimos atrelados umbilicalmente às origens históricas do Direito do Trabalho). Os direitos de segunda geração só podem ser satisfeitos se forem impostos aos terceiros (notadamente aos poderes e órgãos públicos), imputando-se-lhes um arcabouço de deveres positivos sindicáveis em juízo. Alguns os chamam poderes, porque ? embora ligados ao valor fundamental da igualdade ? enfeixam as possibilidades de exercício das chamadas liberdades positivas, reais ou concretas (ao contrário dos direitos de primeira geração, que dizem com as liberdades clássicas, negativas ou formais), as quais demandam prestações (e não abstenções) do Estado. Nesse cadinho forjou-se o conceito de interesses coletivos "stricto sensu" (vide o artigo 81, II, do CDC e o tópico 4.1, infra).

Os direitos de primeira e de segunda geração tendem a ser antinômicos entre si, pois a realização plena de todos eles não admite simultaneidade. Assim, p. ex., se há políticas públicas direcionadas à plenitude do direito à habitação, impondo pesadas multas aos proprietários de imóveis vagos que não os cedam em locação, mitiga-se o direito de propriedade (que assegura a liberdade de usar, gozar e dispor como bem aprouver do patrimônio amealhado). São essas inevitáveis colisões que estão, afinal, na raiz das doutrinas da função social da propriedade (artigo 5º, XXIII, da CRFB). Daí a grande máxima de ALEXIS DE TOCQUEVILLE (sobre o então resplandecente sistema democrático norte-americano): igualdade e liberdade são valores que historicamente convivem em irredutível tensão [16]. "Mutatis mutandi", o mesmo se poderia dizer, na esfera jurídica, dos direitos de liberdade e dos direitos de igualdade (ou poderes).

3. Os direitos humanos de terceira geração definem-se como "direitos de solidariedade: direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente" [17]. Tais direitos estão ligados ao valor da fraternidade (= solidariedade), completando o tríduo axiológico da Revolução Francesa de 1789.

Essa classe de direitos envolve um processo de coletivização dos interesses e destinatários (forjando-se o conceito de interesses difusos) e de especificação dos sujeitos titulares (consideração do indivíduo humano "uti singulus": a criança, a mulher, o adolescente, o consumidor, o contribuinte, o deficiente, o idoso, etc.). Eis aqui o ponto de inflexão dos direitos de terceira geração, uma vez que, nas liberdades singulares do século XVIII, pensava-se o homem "in abstracto", sob o pálio da igualdade formal. Na terceira geração, porém, os direitos e os homens diferenciam-se em função do gênero (homem vs. mulher), das várias fases da vida (direitos da infância e da juventude, direitos do idoso) e dos vários estados excepcionais (deficientes físicos e mentais ? ou portadores de necessidades especiais, na expressão mais atual), entre outros [18]. No âmbito internacional, vão às centenas os textos jurídicos tributários da perspectiva do homem "ut singulus", como a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971). No âmbito interno, são célebres exemplos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o recente Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) e, "de jure constituendo", o Código de Defesa do Contribuinte (PLC n. 646/99, em tramitação no Senado Federal [19]). Refiram-se ainda, como direitos de terceira geração, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da CRFB) e os chamados direitos de paz (em geral).

4. Os direitos humanos de quarta geração resultariam da globalização da Economia e dos direitos fundamentais, bem como da universalização desses últimos no plano institucional, com vistas à (re)fundação do Estado Social e à composição de uma trincheira de direitos antagônicos à globalização neoliberal [20]. Essa classe inclui, p. ex., o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Há, ainda, quem vislumbre aqui os novos direitos de biogenética (e.g., o direito à não-intervenção genética "in vivo" e a proibição da clonagem reprodutiva) e outros direitos cogitados no final do século XX, rebentos da era tecnológica.

Para nós, há uma nova geração de direitos humanos fundamentais que se prenuncia com as novas titularidades que se já se esboçam a jusante, especialmente em matéria de "direitos intergeracionais" (= direitos das futuras gerações). Poderiam ser esses os direitos de quarta geração (como, e.g., o direito das futuras gerações à preservação do genoma humano fundamental). Ou, a se preservar a ótica de BONAVIDES (quarta geração de direitos ligada à idéia de resistência contra a globalização neoliberal), conviria admitir o evolver de uma quinta geração (dimensão) de direitos fundamentais. Como observa BOBBIO,

Olhando para o futuro, já podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas, assim como a novos sujeitos, como os animais, que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos, ou, no máximo, como sujeitos passivos, sem direitos. Decerto, todas essas novas perspectivas fazem parte do que eu chamei, inicialmente, de história profética da humanidade, que a história dos historiadores [...] não aceita tomar em consideração [21].

Adiante:

[...] Nos movimentos ecológicos, está emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as palavras "respeito" e "exploração" são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem [22].

É como se esquadrinham, portanto, os direitos humanos fundamentais atualmente reconhecidos. Essa taxonomia aproveitará, adiante, à análise dos direitos fundamentais em contextos de trabalho subordinado.

Finalmente, é interessante atinar para as características dos direitos humanos reciprocamente considerados (que são, diríamos, suas características propriamente jurídicas). Seguindo MORAES [23], reconhecem-se as seguintes:

(i) imprescritibilidade ? os direitos humanos fundamentais não se perdem pelo decurso de prazo (ao que se associa a tese, paralela, de que os crimes contra a humanidade são igualmente imprescritíveis [24]);

(ii) inalienabilidade ? os direitos humanos fundamentais não podem ser transferidos ou cedidos, a título oneroso ou gratuito, a quaisquer terceiros;

(iii) irrenunciabilidade ? os direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de renúncia (o que justifica, em larga medida, a relativa irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas em geral [25]);

(iv) inviolabilidade ? os direitos humanos fundamentais não podem ser desrespeitados por comandos normativos infraconstitucionais ou por atos administrativos de autoridades públicas;

(v) universalidade ? os direitos humanos fundamentais alcançam e favorecem todos os indivíduos, independentemente de nacionalidade, credo, sexo, raça, convicção político-filosófica, etc.;

(vi) efetividade ? os direitos humanos fundamentais devem ser garantidos pelo Poder Público, não bastando a sua proclamação ou previsão "in abstracto";

(vii) complementaridade ? os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de modo conjunto e sistemático, para que se complementem em função do projeto teleológico da Constituição;

(viii) interdependência ? os direitos humanos fundamentais possuem interconexões e intersecções entre si, de modo que o malferimento de um deles normalmente afeta o exercício dos demais. Essa talvez seja a mais relevante entre todas as características "jurídicas" dos direitos fundamentais. Pode-se facilmente ilustrá-la: a violação do direito à vida compromete, necessária e obviamente, todos os demais direitos humanos; da mesma forma, negar ao indivíduo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é comprometer-lhe o próprio direito à vida, assim como o direito à saúde, à integridade física, à propriedade, etc. Essa mesma interconectividade se manifesta em todos os outros supostos de violação de direitos e garantias fundamentais.

À vista de tudo quanto se expôs, passemos a examinar os direitos humanos fundamentais no bojo das relações de trabalho subordinado.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tutela processual dos direitos humanos nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 910, 30 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7810. Acesso em: 21 nov. 2024.

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