Resumo: O abuso sexual infantil é um crime devastador de grande preocupação na sociedade atual, ainda mais quando praticado no ambiente familiar. Diante disso, torna-se indispensável um cuidado maior com a vítima que sofre esse tipo de abuso. Com o objetivo de evitar a revitimização, causada pela repetitiva inquirição dos fatos, a Lei nº 13.431/2017 regulamentou o método da escuta especializada e do depoimento especial, para que a vítima ou testemunha de violência sexual sintam-se acolhidos e recebam tratamento humanizado. Sendo assim, o presente artigo pretende analisar se através da Lei nº 13.431/2017, a rede de proteção, tem conseguido garantir atendimento de maneira qualificada e humanizada para as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. A metodologia empregada foi a qualitativa bibliográfica através do uso de doutrinas, artigos científicos, analise da legislação e jurisprudência. Por fim, compreende-se que a nova legislação vem sendo aplicada no município e, é resultado do esforço e do trabalho coletivo da rede de proteção que buscam diariamente a defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Criança. Adolescente. Abuso sexual. Revitimização. Escuta especializada.
Sumário: Considerações Iniciais. 1. Apontamentos acerca da violência praticada contra crianças e adolescentes. 2. Considerações a respeito dos tipos de violência sexual perpetuadas contra crianças e adolescentes. 3. As alterações trazidas pela Lei nº 13.431/2017 como forma de evitar a retivitimização. Considerações finais. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma prática que ainda acontece em grande número em todo o Brasil, podendo ocorrer de duas formas: pelo abuso sexual ou pela exploração sexual. Ambos caracterizam-se pela violência sexual, de forma silenciosa e quando sofrida na infância, pode vir a causar uma série de traumas e grandes problemas no desenvolvimento da criança, a curto, médio e em longo prazo, afetando não só a vítima, mas também a família, e comunidade envolvente.
Esse tipo de violência atinge todas as classes sociais e pode ser considerado um problema global, pois tem características e especificidades inerentes às diferentes culturas e aspectos sociais, sendo assim, é importante obter melhorias na estruturação da rede de atenção e de proteção à infância e à adolescência como estratégia para diminuição desses índices.
Segundo divulgação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2014 houve 527 mil pessoas vítimas de violência sexual no Brasil, porém apenas 10% desses casos foram reportados à polícia. Do total, 70% são crianças e adolescentes; 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados, amigos ou conhecidos da vítima e 79% dos casos ocorrem na residência das crianças.
Nesse sentido, as inovações legislativas introduzidas pela Lei nº 13.431/2017, apresentam acréscimo às normas já existentes, instituindo novos instrumentos para atuação do Poder Público, nas várias esferas de governo e setores da administração na perspectiva de assegurar, sobretudo, uma melhoria no atendimento às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. Assim, tem-se como problemática da pesquisa a seguinte indagação: é possível afirmar que, com o advento da Lei nº 13.431/2017, a rede de proteção, tem conseguido realizar os atendimentos de maneira mais célere, qualificado e humanizado para as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ?
Assim, a referida lei instituiu a técnica da escuta especializada e do depoimento especial, visando garantir a chamada revitimização, causada pelo fato da vítima ter que repetir inúmeras vezes a violência sofrida durante o atendimento, seja para instituições, serviços de saúde e assistência social, entre outros órgãos. Em alguns casos, o relato é repetido entre oito a dez vezes, sendo recorrente reviver o abuso sofrido gerando sofrimento, culpa e medo na vítima. Nessa linha a hipótese que norteia essa pesquisa tem como pressuposto que os mecanismos criados pela Lei nº 13.431 de 04 de abril de 2017 proporcionam atendimento adequado às vítimas. Dessa forma, com a realização da escuta especializada e o depoimento especial, poderá ser evitada a repetição reiterada dos fatos, o que proporciona à vítima uma melhor acolhida, bem como, ter um atendimento mais humanizado e, assim, amenizar os efeitos danosos da violência sofrida.
O objetivo geral deste artigo é verificar se a partir da Lei nº 13. 341. de 2017, as medidas propostas nos artigos 7° ao 12, os quais abrangem a escuta especializada e o depoimento especial, estão realmente sendo realizadas durante o atendimento das vítimas de abuso sexual.
Para tanto, inicialmente, será realizado apontamentos sobre os diferentes tipos de violência praticada contra a população infanto-juvenil vítimas, amparadas pela Lei nº 13. 431/2017, bem como, considerações a respeito dos tipos de violência sexual perpetuadas contra a população infantojuvenil, além da abordagem das alterações trazidas pela Lei 13.431/2017 como forma de evitar a revitimização. Por fim, far-se-á uma breve averiguação de como está sendo o processo de implementação a partir do que dispõe a Lei 13.431/2017, em meio aos atendimentos prestados às vítimas de violência sexual.
Deste modo, trata-se de pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, partindo de estudos em doutrinas, artigos científicos, meio eletrônico (internet) e análise de dados dos institutos de pesquisas relacionados a temática. O procedimento adotado foi o histórico e comparativo, visto que será feito um resgate acerca da violência, bem como comparação entre os índices de violência praticados antes e depois da entrada em vigor da Lei nº 13.431/2017. Por fim, a pesquisa tem como linha de pesquisa Constituição, Processo e Democracia, do Grupo de Pesquisa Jurídica (GPJur), tendo em vista o estudo da violação dos direitos garantidos a crianças e adolescente, assim como busca apontar as fragilidades e as lacunas presentes na legislação e nos órgãos de proteção, cujos dados apontam para baixos índices de denuncia desses crimes.
1. APONTAMENTOS ACERCA DA VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Para toda criança ou adolescente está assegurado constitucionalmente o direito de proteção integral tanto pela família, quanto pelo Estado e pela sociedade, consoante dispõe o artigo 2273, caput, da Constituição Federal de 1988. Tão importante o referido diploma que o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) reproduziu esse dever da mesma forma que o texto constitucional no seu art. 4º4, caput.
Para Giddens (2012, p. 242) “uma família é um grupo de pessoas ligadas diretamente por conexões de parentescos, cujos membros adultos assumem responsabilidade por cuidar das crianças”, e contam também com especial proteção do Estado, conforme estabelece o artigo 2265 da Constituição Federal.
No entanto, nem sempre foi assim, visto que a população infantojuvenil somente teve reconhecimento de sujeitos de direitos devendo ser tratados com prioridade a partir do advento da Constituição Federal de 1988. Neste sentido Ishida (2015, p.5) salienta que “na vigência do Código de Menores, não havia distinção entre criança e adolescente (havia apenas a denominação “menor”) e não havia obediência aos direitos fundamentais”. Ainda de acordo com Ishida (2015, p.5), “esse panorama inicialmente se modificou com a CF e posteriormente com o ECA”.
Nesta mesma linha, Ferreira e Azambuja (2011, p. 82) destacam:
O Estatuto assegura à criança e ao adolescente a condição de pessoa e de sujeito de direitos, retirando-os da condição de objeto que por muito tempo lhes foi imposta. Por outro lado, em nenhum momento o Estatuto desconsidera a diferença entre crianças e adultos. Ao contrário, em seu artigo 2o, o Estatuto distingue, inclusive, a criança do adolescente, considerando criança a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos.
Portanto, foi somente com o advento da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual define em seus artigos 2º6 e 3°7 que, criança é a pessoa que possui até 12 anos de idade incompletos e o adolescente, entre doze e dezoito anos de idade, que foi garantido a proteção integral à criança e adolescente, ligando-os ao principio da prioridade absoluta. Neste contexto, Ishida (2015, p. 2):
O Estatuto da Criança e do Adolescente perfilha a “doutrina da proteção integral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes (v. art. 3º). Foi anteriormente prevista no texto constitucional, no art. 227, instituindo a chamada prioridade absoluta. (grifo do autor).
Todavia, nem sempre a criança e adolescente desfrutam de afeto e proteção por parte de sua família e do Estado. Em ambientes familiares desestruturados, a violência pode vir a fazer parte da rotina, tornando a infância e adolescência uma fase de difícil enfrentamento.
Nesse sentido, é pertinente a colocação de Giddens (2012, p. 252) sobre a violência vivida diariamente no ambiente familiar, “esse lado da vida familiar desmente as alegres imagens de harmonia que costumam ser enfatizadas em comerciais de televisão e no restante da mídia popular. A violência doméstica e o abuso de crianças são dois dos aspectos mais perturbadores”.
Cabe ainda, segundo Giddens (2012, p. 276):
A vida familiar nem sempre é feliz e harmoniosa, ás vezes, existe abuso sexual e violência doméstica. A maior parte do abuso sexual de crianças e da violência doméstica é perpetrada por homens, e parece estar conectada com outros tipos de comportamento violento em que certos homens se envolvem.
Assim, a violência é algo complexo, para entendê-la é possível ligar uma série de definições antropológicas, sociológicas, entre outros. Nesse sentido, aponta Ferreira e Azambuja (2011, p.17):
[...] a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a violência como um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, definindo-a como o uso intencional da força física ou do poder, real ou por ameaça, contra a própria pessoa, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que possa resultar ou tenha alta probabilidade de resultar em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação de direitos.
Além disso, a violência, ainda mais quando praticada contra crianças e adolescentes, não se trata apenas de uma violação física, mas de uma violação de confiança e autoridade, onde a vítima poderá ter seu desenvolvimento tanto pessoal quanto social, comprometido, conforme demonstra Ferreira e Azambuja (2011, p. 26):
Além disso, o conceito de “violência” caracteriza ações e/ou omissões que podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento pleno dos seres humanos, sobretudo quando tais ações e/ou omissões forem praticadas contra crianças e adolescentes, que, por estarem em uma condição peculiar de desenvolvimento, precisam de cuidado e de proteção.
Assim, percebe-se que nem sempre a população infantojuvenil goza desta proteção integral, visto que quem deveria fazê-lo por vezes é negligente ou omisso, razão pela qual faz-se importante a colocação de Britto e Lamarão (1995, p. 26) sobre a violência, “[...] a violência tem raiz no “atraso” tecnológico, cultural, político, e até mesmo, numa suposta insuficiência genética, ou, ainda, na ausência de princípios morais”.
Corroborando com essa questão, importante destacar a pesquisa disponibilizada pela Childhood8 , com base em dados obtidos pelo Disque 100, no ano de 2016, onde foram registradas 76.171 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, aproximadamente 5% a menos do que no ano anterior (80.437). Apesar de menor o índice, o número de denúncias não corresponde ao número de casos de fato constatados, porém demonstra quão extenso é o problema, conforme demonstra a figura abaixo:
Figura 1: Tipos de Violência
Tipo de Violência |
2014 |
2015 |
2016 |
|
1 |
Negligência |
74% |
72,81% |
71,29% |
2 |
Violência psicológica |
49% |
45,7% |
44,45% |
3 |
Violência física |
43% |
42,4% |
42,06% |
4 |
Violência sexual |
25% |
21,3% |
20,62% |
Fonte: Disque 100- publicação da Childhood Brasil (2017)
Portanto, conforme publicado no Portal Educação “Violência é um comportamento que causa dano a outra pessoa, ser vivo ou objeto. Invade a autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro”.
Assim, Britto e Lamarão (1994, p.104) mencionam que há pelo menos duas categorias jurídicas que visam enquadrar as agressões físicas: a violência designada de “maus tratos” e aquela nomeada de “lesão corporal9”. A propósito os autores referidos mencionam que:
A primeira se caracteriza como tal quando a vítima se encontra “sob a autoridade, guarda ou vigilância do agressor”. A segunda, pelo fato de atingir a integridade corporal ou afetar a saúde da vítima.
Assim, atos de igual natureza podem ser enquadrados numa ou noutra infração, dependendo do vínculo existente entre agressor e vítima e da consequência da agressão sofrida. Contudo, o grande número de ocorrências de agressões contra crianças e adolescentes sem informação sobre a relação existente entre os envolvidos resulta na impossibilidade de caracterizar a natureza jurídica da violência praticada, provocando possivelmente o sub-registro de “maus tratos”.
Observa-se então que, qualquer que seja o tipo de violência praticada contra criança e adolescente, deixa sequelas a curto, médio e longo prazo, podendo comprometer o desenvolvimento saudável até mesmo na vida adulta.
Relativo a violência praticada contra a população infantojuvenil, há diferentes posicionamentos, um deles é que “a pratica desse tipo de violência, quando ocorrem no ambiente familiar esteja devidamente ligada à situações de miserabiliade, na qual essas famílias acabam tornando-se alvo de desigualdade em meio a sociedade” (FERREIRA; AZAMBUJA, 2011).
Seguindo ainda essa linha de raciocínio, a ideia de que a organização familiar é também um dos principais fatores que contribuem para que haja a pratica de violência contra as crianças e os adolescentes é notável, como acrescentam Williams e Habigzang (2014, p. 128):
[...] Temos que acrescentar a importância de estudarmos esse adolescente em uma organização familiar que possui de 3 a 4 salários mínimos mensais, para sua sobrevivência, e que vive em contextos de vulnerabilidade social e econômica e sem apoio do Estado no sentido de garantir a eficácia das políticas públicas básicas de saúde, educação, segurança e assistência social. Estamos ainda muito distantes de compreendermos como esse fenômeno se configura em nosso país, especialmente com relação às famílias de baixa renda, nossos sujeitos de intervenção.
Confirmando essa realidade a Childhood Brasil (2016), destacou que “o Brasil carece de dados sobre a violência sexual de crianças e adolescentes”, nesse sentido apontou também que:
Mas sabemos que existem fatores de vulnerabilidade que incidem diretamente sobre o problema, aumentando os casos de violação de direitos. Dentre os principais fatores estão pobreza, exclusão, desigualdade social, questões ligadas à raça, gênero e etnia. A falta de conhecimento sobre os direitos da infância e adolescência também contribui para o aumento das violações.
Destacou ainda que no ano de 2016 existiam 63 milhões de crianças e adolescentes no Brasil e, destes 46% das crianças e adolescentes eram menores de 14 anos que viviam em domicílios com renda per capta até meio salário mínimo, sendo que 132 mil famílias tinham crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos responsáveis por renda (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍTICA (IBGE), 2010).
Percebe-se que esses elementos refletem diretamente na pratica da violência perpetrada contra crianças e adolescentes, visto que a falta de condições financeiras deixam essa população cada vez mais vulneráveis, contribuindo dessa forma para a prática da violência.
Sendo assim, afirma Williams (2014, p. 93):
O olhar para esse processo, para os familiares em relação a suas necessidades decorrentes da situação do abuso sexual infantil, reforça uma perspectiva de não culpabilização de tais indivíduos, de busca por um atendimento psicológico mais completo e efetivo. Tal atendimento deve envolver não apenas a criança, mas todo o ambiente familiar em que essa vive, de modo que tal ambiente seja preparado para a sua recuperação.
Portanto, a violência praticada contra crianças e adolescentes estão diretamente ligadas a vida familiar propriamente dita, pois é em meio a família que a vida dessas vítimas tem início, motivo pelo qual é imprescindível que desde a infância desfrutem de proteção integral através de sua família. Sendo assim, não se pode permitir que o ambiente familiar seja tão afetado pelas mudanças que ocorrem diariamente na sociedade a ponto de se tornar vulnerável a ocorrer a violência. Assim, na próxima seção serão abordadas as diferentes formas de violência praticadas contra a população infantojuvenil.
2. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL PERPETUADAS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Inicialmente, como mencionado anteriormente, para se conceituar a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes faz-se necessário destacar que a mesma pode ocorrer de duas formas, qual seja: pelo abuso sexual ou através da exploração sexual.
A Childhood Brasil refere-se à violência sexual contra crianças e adolescentes como:
[...] uso de uma criança ou de um adolescente para a satisfação sexual de um adulto, ou alguém mais velho, em uma relação assimétrica de poder e dominação. Trata-se de um fenômeno complexo e multicausal, que pode acontecer com ou sem contato físico e que se divide em abuso sexual (não envolve intermediação financeira ou comercial) e exploração sexual (há troca de sexo por dinheiro ou favores). É especialmente danosa por interferir negativamente, introduzindo na vida da criança e do adolescente a vivência de uma sexualidade para a qual não estão prontos do ponto de vista físico e emocional. Traz consequências negativas no âmbito dos afetos e sensações, na autoimagem, nos relacionamentos, nas possibilidades de viver o prazer, no desenvolvimento da sexualidade, que é aspecto fundamental da saúde física e mental e da singularidade de cada indivíduo. Implica uma ultrapassagem de limites do que a criança e o adolescente podem viver, compreender e consentir, deturpando papéis familiares e sociais.
Dessa forma, conforme notícia disponibilizada no portal O Globo, durante o ano de 2018, o Disque 100, conhecido como Disque Direitos Humanos, recebeu um total de 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no país. Desse total, 13.418 denúncias se referiam a abuso, enquanto 3.675 telefonemas foram classificados como casos de exploração sexual.
Sendo assim, a exploração sexual, segundo Fonseca (2001, p. 146) “[...] É todo tipo de atividade onde alguém usa o corpo de uma criança ou de um adolescente para tirar vantagens de caráter sexual”.
No entanto, conforme demonstra Santos (2012, p. 30) “[...] existem diferentes maneiras pelas quais a sexualidade de uma criança pode ser invadida por um adulto,e isso contribui para que ela seja uma das formas mais subnotificadas de violência contra a criança”.
Assim, de acordo com a organização Childhood Brasil (2012) acerca do assunto “a violência mais praticada contra crianças até nove anos, depois da negligência e do abandono, abrangendo ainda, mais de uma forma a serem praticada, é entre elas o abuso sexual intrafamiliar e o abuso sexual extrafamiliar”.
Então, quando se trata de abuso sexual infantil, as duas maneiras em que elas se inserem, ocorre quando um adulto, não integrante do grupo familiar, desconhecido ou não da família, vêm a praticar atos sexuais contra a criança ou adolescente sem o consentimento do mesmo, caracterizando assim a chamada a violência sexual extrafamiliar. No que se refere ao abuso sexual intrafamiliar, o mesmo ocorre geralmente através de alguém que possui grau de parentesco, muito próximo à criança, tendo sobre ela autoridade e confiança.
Nesse contexto, Giddens (2012, p. 254) ressalta ainda que na visão da criança ou adolescente, sofrer abuso é motivo de envergonhar-se, razão pela qual a vítima cria uma imagem perturbadora de si mesmo, a qual pode causar consequências de longo prazo:
As crianças são seres sexuais, é claro, e muitas vezes fazem brincadeiras ou explorações sexuais leves entre si. Porém, a maioria das crianças submetidas as contato sexual com familiares adultos considera a experiência repugnante, vergonhosa ou perturbadora. Hoje em dia, existe uma quantidade considerável que indicam que o abuso sexual infantil pode ter consequências de longo prazo para aqueles que sofreram abuso.
Existem ainda, outras questões que afetam, conforme Williams (2014, p. 94) “vários aspectos que tornam difícil aos cuidadores lidarem adequadamente com a situação em que uma criança da família sofre abuso sexual, tornando-os mais propensos a desenvolverem problemas de saúde”.
Contribuindo nessa questão, o portal O Globo noticiou em maio do presente ano, que a Ouvidoria Nacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), apresentou dados na Câmara dos Deputados, revelando que quase 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar.
Nesse sentido, segundo Gabel (1997, p. 64) é possível afirmar que:
O elo que une a criança e aquele que abusou dela é também fator determinante. Na maior parte dos casos, o incesto tem consequências mais graves, pois provoca na criança uma confusão em relação às imagens parentais: o pai deixa de desempenhar um papel protetor e representante da lei; a debilidade da mãe, omissa, torna-se evidente.
Contudo, com base numa pesquisa disponibilizada pela Childhood Brasil, com dados obtidos através do Disque 100, de 2011 até o ano de 2016, o abuso sexual praticado em meio ao grupo familiar, comparado à violência praticada na casa da vítima ou do suspeito, é muito similar. Conforme se pode verifica nos dados abaixo:
Figura 1- Sobre suspeitos e locais onde ocorre a violência em relação ao total de denúncias | ||
Ano |
Grupo familiar |
Casa da vítima ou do suspeito |
2011 |
62% |
77% |
2012 |
68% |
69% |
2013 |
65% |
69% |
2014 |
68% |
72% |
2015 |
72,5% |
72% |
2016 |
77% |
79% |
Fonte: Disque 100 - publicação da Childhood Brasil (2017). |
Dessa maneira, nota-se que apesar de existir um considerável número de denúncias acerca desse tipo de abuso, esse número ainda é distante da realidade atual, visto que muitos dos casos não chegam à delegacia sequer ao poder judiciário, tornando difícil mensurar com mais precisão os números dessa violência. Nesse sentido, Williams e Habigzang, 2014, p. 126.
As estatísticas existentes não refletem a realidade, uma vez que as denúncias são subnotificadas, em razão do preconceito, das atitudes das famílias, do “pacto do silêncio” e da dificuldade dos diferentes profissionais da saúde, da educação, da assistência social, da segurança pública e até mesmo do judiciário em lidar com a questão.
É necessário então, que seja garantido proteção integral às crianças e adolescentes, visto que por se tratar de população vulnerável precisam crescer e se desenvolverem de forma saudável.
Dessa forma, na próxima seção será tratado acerca das alterações advindas da Lei 13.431/2017, além de apontar como todo esse processo para sua implementação ocorreu e vem sendo conduzido.