Os efeitos da jornada 12x36 e os múltiplos vínculos dos profissionais da saúde

03/12/2019 às 15:59

Resumo:


  • A reforma trabalhista proposta pelo PLC 38/2017 trouxe mudanças significativas nos direitos trabalhistas e sindicais no Brasil.

  • O regime de trabalho 12x36, com jornada de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso, tem sido tema de debate na legislação e impacta principalmente os profissionais da área da saúde.

  • A adoção do regime 12x36 sem a devida negociação coletiva pode trazer prejuízos à saúde e segurança dos trabalhadores, bem como violar direitos constitucionais e trabalhistas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O objetivo deste paper propõe relevância e ênfase na área jurídica de pesquisa do Direito do Trabalho, com foco nova Consolidação das Leis do Trabalho. Atentar-se-á à regulamentação do regime 12x36 e seu impacto na vida dos profissionais da área da saúde.

1 INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho sempre foi marcado por lutas almejando a concretização dos Direitos inerentes a todos os trabalhadores. No que diz respeito à limitação da jornada de trabalho. Após a Revolução Industrial surge a preocupação quanto à regulamentação dos limites da jornada; preocupação que se evidencia até os dias atuais, sempre buscando-se uma melhoria e que vem sendo tema de divergências nos âmbitos da doutrina e jurisprudência brasileiras. (ALVES, 2013).

Nesse sentido, em dezembro de 2016 o governo do Presidente Michel Temer, enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº6.787, contendo em seu bojo mudanças relacionadas aos direitos trabalhistas e sindicais. Desde a apresentação do referido projeto, o texto original já sofreu diversas alterações; o Projeto de Lei Substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial que analisou o tema foi aprovado pelo plenário com algumas modificações e assim, propõe alterações significativas na legislação trabalhista pátria. O texto foi enviado ao Senado Federal e aprovado na Câmara dos Deputados, denominando-se PLC 38/2017. (DIEESE, 2017).

Tal projeto de lei tem gerado diversas críticas justamente no que tange à afetação de direitos e garantias constitucionais dos trabalhadores brasileiros. De acordo com os críticos da reforma, essas modificações reduzem os direitos dos trabalhadores; ao passo que os defensores da reforma trabalhista, afirmam que a mesma irá atualizar uma legislação ultrapassada e protecionista, gerando desse modo, mais empregos. (MACHADO, 2017).

Esse tema fora escolhido para esse artigo por ser de suma importância para a sociedade, para que se façam esclarecidos assuntos referentes a reforma trabalhista e a jornada 12x36 que já é muito comum na área da saúde. O que se deve saber é que está será implantada em diversas áreas do trabalho, e a pessoa contratada deve estar ciente de que está sendo contratada para trabalhar segundo essa norma. Há de se ponderar que é um bom jeito de trabalhar, pois os custos para o empregador são bem menores e o tempo livre que sobra para o empregado também é maior. Porém, aqui há a perda de alguns direitos, tal como a perda da remuneração do feriado trabalhado e da prorrogação do trabalho noturno, por isso esse tipo de jornada deve ser bem esclarecido para a sociedade na hora de ser implantada em determinada função. 

No que tange à esfera acadêmica, vale explicitar a relevância de pesquisas no campo do Direito do Trabalho, diante de uma nova CLT que assim como o processo civil que recentemente fora reformado está também foi. Seu estudo e profundo entendimento são de grande importância não só para que se tenha conhecimentos dentro da vida acadêmica, mas também para a vida profissional, pois estas são regras que devem ser de conhecimento comum e principalmente de conhecimento do profissional do Direito.

Desse modo, o motivo pessoal da escolha do exposto conteúdo, deu-se pela razão de explorar a fundo, os efeitos gerados por essa reforma a fim de que se entenda como ficarão as questões referentes a jornada de trabalho, a salário e aplicação do negócio no dia a dia do trabalhador, com ênfase no prestador de serviço do ramo da saúde.

Dado o exposto, este trabalho visa analisar as modificações no regime de trabalho 12/36 contidas no Projeto de Reforma Trabalhista e seus impactos na jornada dos profissionais da saúde tendo como objetivos específicos explanar o histórico do regime compensatório 12/36 na legislação brasileira; examinar a jornada de trabalho dos empregados da área da saúde e o regime 12/36 e veriguar o regime 12x36 nesse projeto de reforma -PLC 38/2017 e seus reflexos na a área da saúde.

A metodologia de pesquisa utilizada nesse trabalho se caracteriza como exploratória. Sendo essa uma pesquisa científica baseada em fatos já relatados  que procura encontrar soluções para a problemática e exploração do tema. De acordo com Cervo, Bervian e Silva (2007) a pesquisa, é um conjunto de procedimentos sistemáticos, baseados no raciocínio lógico, com o objetivo de encontrar soluções para os problemas propostos a partir de materiais já produzidos. Conforme o que fora utilizado nesse trabalho, cujo procedimento técnico tem como fonte artigos, revistas livros e jurisprudência, de forma que o torne o mais atual possível.

2 O HISTÓRICO DO REGIME COMPENSATÓRIO 12/36 NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Desde a revolução industrial, muito vem se tentado melhorar diante das condições de trabalho; as mudanças estruturais e tecnológicas produtivas são reflexos de todo um contexto histórico, onde com o passar do tempo o trabalhador vem ganhando espaço no ordenamento jurídico através de manifestações, reivindicando seus direitos.

Direitos esses que somente vieram a ganhar corpo com o advento da República, onde as condições de trabalho foram se enquadrando nos moldes de um estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade humana tem valor universal e funciona como um alicerce e justificativa a esse tipo de governo. A partir disso é possível entender que dignidade é então uma questão de respeito e honra que trazida para o ambiente de trabalho implica em condições mínimas de qualidade no ambiente de serviço, na jornada de trabalho e tempo para o lazer, além de uma remuneração adequada. O autor Ingo Sarlet faz um esclarecimento sobre essa qualidade de serviço. De acordo com ele esta é:

Qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecer do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2008, p.63).

Fazendo um breve contexto histórico mundial, a França, desde 1806, tinha uma legislação em que empregados e empregadores tinham como uma de suas funções, decidir questões referentes ao trabalho, como no caso de proibição ao trabalho infantil em minas de subsolo. Era comum também, em meados de 1813 que se trabalhasse aos domingos e feriados. Na Inglaterra, em 1833, também havia uma proibição quanto ao trabalho infantil, só que aqui havia uma idade mínima para isso que seria a de nove anos; a jornada máxima diária foi limitada em nove horas para os menores de 13 anos e em 12 horas para os menores de 18 anos. E, em 1844, limitou-se a prestação do trabalho feminino em 10 horas diárias. Já na Alemanha, em 1839, era proibido o trabalho para menores de nove anos e havia uma jornada fixa para o menor de 16 anos.  (SÜSSEKIND, 2002).

O que se mostra com isso é que a forma de legislações trabalhistas vem mudando de acordo com cada época e cada contexto histórico do mundo. Foi com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que pela primeira vez foi fixada uma jornada mínima de 08 horas diárias e 48 horas semanais, somente para a indústria. Posteriormente, em 1930, essa legislação foi se expandindo a ponto de abarcar o comercio e escritórios. E, logo depois, em 1935, com a "Conferência Internacional do Trabalho" adotar a semana de 40 horas, sob a forma da Convenção n° 47. Essa visava combater o desemprego que assolava o mundo pós crise de 1929, porém como foi recepcionada apenas por quatro países não seguiu a diante,  mas voltou a ser confirmada através da Recomendação de n° 116, de 1962, a qual propôs o limite de 40 horas semanais como "um padrão social a ser perseguido" (SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANNA E TEIXEIRA, 2003).

No Brasil, a jornada de trabalho passou a ser tratada desde a Constituição de 1988, que traz em seu art.7º, XIII, que a norma que fixa uma duração máxima a jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, onde qualquer compensação ou redução deve ser proveniente de um acordo ou convenção coletiva de trabalho. (BRASIL, 1988).

Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, em consonância com a Constituição, passa a ser permitida a realização de horas extraordinárias em cinco modalidades: Acordo de prorrogação de jornada; regime de compensação de jornada; prorrogação em virtude de força maior; prorrogação para reposição de paralisações empresariais; e prorrogação em virtude de serviços inadiáveis. (RODRIGUES, 2017).

Outro marco desse período de advento da CLT foi que eclodiu nessa época a primeira grande greve geral, em São Paulo, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de trabalho para 08 horas diárias, período esse referente ao ano de 1907, pois o que havia expressado na constituição não era respeitado de fato. Inicialmente o padrão de horas semanais da jornada Ed trabalho era de 48 horas e somente com a promulgação da Constituição de 1988 é que esse passa para 44 horas, e que só foi regulamentado com a entrada da CLT na legislação brasileira. (DIEESE, 1997).

A CLT manteve inúmeros dispositivos, Decretos, Leis e Decretos-Leis editados ao longo do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que fixavam as oito horas diárias e 48 horas semanais (art.58), porém sempre abria exceções que acabavam permitindo jornadas mais longas. É aí que entra a chamada jornada 12 por 36 onde o empregado labora 12 horas diárias e descansa por 36 horas consecutivas. (DAL ROSSO, 1996).

A súmula nº 444 traz validade a essa escala 12x36 em caráter excepcional, conforme esta, a jornada deve ser ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, além de assegurar a remuneração em dobro dos serviços prestados em feriados. (BORGES, 2017).

É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas. Súmula nº 444 do TST. Jornada de trabalho. NORMA COLETIVA. LEI. Escala de 12 por 36. Validade. – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. (DEJT, 2013).

A validade da adoção de jornada de trabalho em escala de 12 horas trabalhadas em um dia, seguida de 36 horas destinadas ao descanso é um dos temas debatidos no Senado Federal pelo projeto de reforma trabalhista. A proposta acrescenta o artigo 59-A a CLT para autorizar o labor em 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de descanso a todas as categorias profissionais já que é de costume esse tipo de jornada a categoria de profissionais da área da saúde. (MARTINS; OLIVEIRA, 2017).

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2.2 A JORNADA DE TRABALHO DOS EMPREGADOS DA ÁREA DA SAÚDE E O REGIME 12/36

Segundo os autores Alessandro Zenni e Marcia Cristina Rafael (2006), constitui-se como jornada de trabalho, o lapso temporal no qual o empregado fica à disposição do empregador, aguardando a fim de executar suas ordens. Logo, a jornada representa todo o espaço de tempo que o trabalhador passa à disposição do empregador, incluindo os intervalos, disponibilidade ou paralisações. (LINHARES, 2013).

Os direitos trabalhistas, como assegurados constitucionalmente, apresentam-se como um parâmetro a ser seguido por todo o ordenamento jurídico interno do Estado brasileiro, que se comprometeu com uma prestação eficaz do referido direito. (RUSSOMANO, 2009).

Como já mencionado, não se pode falar de um Estado Democrático de Direito, sem que haja a garantia de um trabalho pautado em condições dignas, em que os cidadãos de fato tenham seus direitos satisfeitos na sociedade. Assim também preceitua Maurício Delgado:

A partir da garantia satisfativa do trabalho digno é que irá ocorrer uma dinâmica de distribuição de renda no universo econômico e social, havendo uma plena construção de um Estado Democrático de Direito na sociedade civil, principalmente no que tange à economia. (DELGADO, 2012, s.p.).

Então, nota-se que a constitucionalização da legislação do trabalho conferiu-lhe maior hierarquia jurídica, que em tese, ocasiona maior proteção dos direitos dos prestadores de serviço. Seguindo o exposto, ressalta-se que frente à evolução dos direitos trabalhistas, os profissionais da área da saúde começaram a buscar melhores condições de exercer o seu labor. Importa dizer que o trabalho dos profissionais da saúde é indispensável para o grupo social, visto que envolve a valorização do ser humano e preserva o maior bem que cada um possui: A vida. (LINHARES, 2013)

Conforme a Constituição Federal brasileira de 1988 (CF/88), a duração da jornada de trabalho é fixada em oito horas diárias e quarenta e quatro horas por semana. Posto que a redação da Magna Carta de 88 estipula limite para a duração normal da prestação de serviços pelo trabalhador, acentua-se que um limite inferior ao estabelecido pode ser adotado, nos casos em que as atividades profissionais justifiquem tratamento diferente, mediante contrato individual ou regulamento da empresa. Também através da negociação coletiva estabelecem-se limites inferiores ou se ajusta a compensação da jornada laboral. (SMANIOTTO, 2010).

Os empregados da área da saúde buscam remunerações dignas e para as alcançarem, submetem-se a jornadas de trabalho maiores. Para conseguir essa remuneração, os profissionais acabam se submetendo a jornadas de trabalho de doze por trinta e seis horas, trabalhando em mais de um emprego. Portando, esse é o assunto que merece ser tratado com certa relevância, a partir da garantia dos direitos pertencentes a esses trabalhadores. (MEDEIROS, 2000).

A jornada 12x36 foi inserida no sistema hospitalar, por volta da metade da década de 80. Normalmente, o trabalhador que obedece a esse regime de trabalho, exerce sua função trabalhando por doze horas, seguidas de trinta e seis horas de descanso. O regime firmou-se no ramo do Direito do Trabalho por meio de reiteradas jurisprudências, somado ao apoio da maior parte da doutrina. (SILVA, 2012).

Maurício Martins de Almeida (2012) constata que é perceptível que após essa jornada exaustiva, em que o trabalhador labora normalmente por oito horas e depois, trabalha de maneira excedente mais quatro, é causadora de um grande stress e gera inúmeros prejuízos biológicos ao profissional. Soma-se isso ao fato de que, como já explicitado, geralmente o trabalhador da área da saúde acaba por aprovar a jornada 12x36, devido à viabilidade de conciliar mais de um local de trabalho no período de 36 horas equivalente ao seu tempo de descanso e lazer. (ALVES, 2013).

Ainda em concordância com Cássia Alves (2013), conclui-se que no contexto socioeconômico brasileiro contemporâneo, grande parte dos trabalhadores recebem salários aquém do necessário para com seus gastos, atraídos dessa forma, pela possibilidade de aumento da renda mensal familiar a partir de mais de um vínculo empregatício. Logo, depreende-se que não é diferente no caso dos profissionais da saúde, que se submetem ao extenuante regime 12x36 atribuído de mais de um local de emprego, para enfim conseguirem renda salarial satisfatória.

2.3 O REGIME 12X36 NO PROJETO DE REFORMA TRABALHISTA – PLC 38/2017 E SEUS REFLEXOS NA A ÁREA DA SAÚDE

Considerando-se o exposto sobre o Projeto de Lei Complementar n. 38/2017, que promove relevantes alterações no texto da Consolidação das Leis do Trabalho – diploma que rege as relações trabalhistas no ordenamento jurídico brasileiro – reitera-se que com o advento da vigência da CLT modificada, refletirá diretamente na vida profissional dos trabalhadores brasileiros. Evidenciar-se-á a repercussão de algumas mudanças, quanto à jornada de trabalho daqueles que desempenham atividade laboral na área da saúde.

Cabe salientar que a redação da nova CLT, permite a instituição da jornada 12x36 através de acordo individual. De acordo com o art. 59-A:

Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação. (BRASIL, 2017, s.p.).

Como já exposto, esse regime de trabalho apresenta-se extremamente agressivo à saúde do trabalhador, visto que o limite diário é extrapolado quatro horas a mais. Antes da reforma, tal jornada somente era aceita por meio do cumprimento de duas cláusulas: I – Caso houvesse prova da necessidade prática dessa jornada, como nos casos dos plantões médicos; e II – Se houvesse uma negociação (acordo) coletiva com o sindicato profissional. (PAGOTTO, R. T.; OLIVEIRA, T. B. de; GEBRIM, R.; CORREGLIANO, D. U., 2017).

Ressalta-se ainda se tratando do artigo acima exposto, que a reforma trabalhista traz a possibilidade da supressão e indenização do intervalo de 1 hora para refeição e descanso. Consoante Victória Cassar:

A jornada compensada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso é uma exceção à regra geral e traz fadiga e exaustão ao trabalhador, por conta das 12 horas seguidas de trabalho. Se adotarmos o texto proposto de que o intervalo pode ser suprimido e que nesses casos ele não terá natureza salarial e sim indenizatória e, ainda, retirar o direito à remuneração em dobro dos dias feriados trabalhos e suprimir a redução da hora noturna prevista no artigo 73 da CLT, tornará ainda mais extenuante o trabalho e sonegará direitos legais a este trabalhador. O ideal seria considerar o pagamento do intervalo suprimido como hora extra e como tal, com natureza salarial. (CASSAR, 2017, p.6).

Mediante o esclarecido, observa-se que por meio do “acordo” por escrito, privilegia-se o empregador, pois é claro que o empregado, individualmente, não possui o mesmo poder de negociação que detém a organização da categoria no sindicato. (PAGOTTO, R. T.; OLIVEIRA, T. B. de; GEBRIM, R.; CORREGLIANO, D. U., 2017).

Percebe-se então, nítida violação aos preceitos constitucionais estabelecidos. Considerando os incisos XIII e XXII do art. 7º da CF/88:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores [...]:

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

[...]

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; (grifo nosso). (BRASIL, 1988).

Por conseguinte, vislumbra-se que a Constituição exige negociação coletiva para a criação do regime de prorrogação de jornada que ultrapassa as 8 horas diárias. Observa-se também, em se tratando do inciso XXII, que o a nova redação da CLT infringe os limites constitucionais, na medida em que o trabalhador sofre desgastes físicos e psicológicos devido à esgotante jornada, contribuindo para a ocorrência de acidentes de trabalho. (PAGOTTO, R. T.; OLIVEIRA, T. B. de; GEBRIM, R.; CORREGLIANO, D. U., 2017).

Pondera-se que o inciso XXII do art. 7 da CF/88 é novamente violado, no que diz respeito ao art. 59-A da nova CLT já exposto anteriormente, quanto à supressão do intervalo para que o trabalhador faça sua refeição e descanse, pois descumpre normas de saúde humana explanadas constitucionalmente. O mesmo inciso é desrespeitado, quando o art. 60 da CLT que brevemente entrará em vigência, explicita:

Art. 60. Nas atividades insalubres, [...], quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho [...].

Parágrafo único. Excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso. (BRASIL, 2017, s.p.).

Sendo assim, tem-se a efetivação do regime 12x36 em atividades insalubres e sem a necessidade de autorização prévia concedida pelo Ministério do Trabalho, ao empregador. (PAGOTTO, R. T.; OLIVEIRA, T. B. de; GEBRIM, R.; CORREGLIANO, D. U., 2017).

O trabalho insalubre intensifica-se conforme o tempo em que o trabalhador fica exposto ao agente agressivo, surgindo então a necessidade de pesquisas em matéria de higiene e segurança do trabalho, verificar se a exposição por 12 horas consecutivas agrava o perigo previsto nas Normas Regulamentares ou coloca a saúde do empregado em risco. (CASSAR, 2017).

Em conformidade ao exposto, cita-se a negação da juíza do Tribunal Regional de Goiás, Alciane Margarida, quanto ao requerimento de tutela de urgência cautelar do Sindicato dos Trabalhadores em Serviço de Saúde da Rede Privada do Município de Goiânia e Cidades Circunvizinhas em detrimento dos empregados do Crer – Centro de Reabilitação e Readaptação Henrique Santillo e Hugol – Hospital de Urgências Otávio Lage de Siqueira, para que o regime de trabalho 12x36 voltasse a vigorar, após a jornada ter sido alterada para 8 horas e 6 horas/dia. A juíza argumentou que a adoção do sistema 12x36 aumenta os riscos para o trabalhador e para a sociedade, violando a proteção da saúde do trabalhador, que é norma de indisponibilidade absoluta. (VILLELA, 2017).

De acordo com a juíza Alciane Margarida de Carvalho:

A extrapolação dos limites dos horários de trabalho de oito horas diárias, previstos na Constituição, deve ser observada independentemente do costume de contratar trabalhadores para a jornada de 12 horas, até porque a norma constitucional prevalece em detrimento dos usos e costumes anteriores à sua promulgação. (CARVALHO, 2017, p.x).

A mesma ainda faz ponderações acerca dos limites da jornada para o trabalhador que exerce sua atividade em ambientes insalubres, como nos hospitais: “A limitação à jornada daqueles que lidam com a vida humana tem, pois, duplo efeito: a preservação da saúde do trabalhador e a preservação da vida dos usuários dos serviços de saúde”. (CARVALHO, 2016).

Vislumbra-se um pouco mais da questão, a partir do seminário “A saúde do trabalhador e os transtornos mentais à luz das recentes reformas trabalhistas”, promovido pela Escola Judicial do TRT-15, do qual participou o juiz Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, esclarecendo alguns pontos acerca do texto da Lei nº13. 467/17. O magistrado afirma que tal norma ataca os pilares do Direito do Trabalho, sendo esses, a duração e a remuneração do trabalho. Silva dispõe e defende que há uma limitação histórica da jornada de trabalho e que diante da reforma de 1978 da CLT, cresceu um movimento de flexibilização da jornada, que refletiu de forma direta na elevação do número de acidentes de trabalho. O jurista continua, evidenciando que o número de acidentes entre trabalhadores em atendimento hospitalar, vem a ser o dobro do índice da construção civil (área com muitos problemas no que diz respeito à segurança e saúde no ambiente de trabalho.); o fato de os profissionais da saúde estarem sujeitos ao regime 12x36 vem a ser a principal causa do alto incide e como consequência, toda a sociedade terá que arcar com o pagamento de benefícios relacionados à previdência e pensões por morte, como também por invalidez. (MACHINI, 2017).

De acordo com Candy Florencio Thomé (2009), o direito sanitário do trabalho visa proteger a saúde do trabalhador, o que inclui o bem-estar físico e psíquico, como preceitua a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (art. 30, “e”). No caso dos trabalhadores do setor da saúde sujeitos ao regime 12x36, percebe-se claramente uma afronta ao supracitado direito sanitário, visto que não só a saúde do trabalhador é colocada em situação de perigo, mas como também a de outras pessoas, sendo certo que após determinado período de labor, o risco de o profissional da saúde cometer erros vai aumentando. Além disso, diante da constante diminuição dos salários dos profissionais do ramo, os mesmos acabam por trabalhar doze horas em um lugar, doze horas em outro e as vezes, até doze horas em um terceiro estabelecimento. Atenta-se ao fato de que a manifestação da síndrome de burn-out, em que o indivíduo apresenta sintomas de esgotamento físico, antes era considerada doença específica dos profissionais da saúde, denominada de “síndrome do cuidador descuidado” e também de “síndrome do assistente desassistido”. (PEREIRA, 2002).

Partindo desse pressuposto, considera-se que diversas vezes a nova legislação trabalhista aprovada mediante o PLC 38/2017, suprime os direitos da pessoa humana pautados na Constituição, incluindo-se o direito social fundamental a uma condição digna de trabalho. É sabido que os profissionais da saúde submetem-se ao regime especial de 12x36 devido à sistemática de plantões e sendo assim, tendo hospitais como ambiente de trabalho, exercem suas funções em locais insalubres e, portanto, tendo sua saúde ameaçada. Vale lembrar que as próprias horas a mais de trabalho presentes nas 12 horas ininterruptas, tornam o trabalho desses profissionais ainda mais cansativos. Soma-se ainda os múltiplos vínculos estabelecidos por estes profissionais, como complementação como forma de renda, no período das 36 horas de descanso de determinado emprego. Por isto, conclui-se que as modificações recentes na legislação trabalhista são prejudiciais ao profissional da área da saúde.

5 CONCLUSÃO

No tocante à regularização da jornada de trabalho 12x36 a partir da vigência da Lei 13. 467/17, percebeu-se nítida redução dos direitos pertencentes a todos os trabalhadores brasileiros constitucionalmente, colocando o trabalhador em situação de desamparo e sem garantias de um ordenamento jurídico pátrio a favor dos trabalhadores. Outrossim, a proposta mostra-se em completa dissonância com o Estado Democrático de Direito, uma vez que a proposta não perpassara por debate social em que os trabalhadores pudessem ter a chance de expressar-se diante da considerável mudança das leis trabalhista, sendo os mesmos, os principais afetados.

A reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, também não se apresenta benéfica para os empregados da área da saúde, visto que acarreta sérios danos tanto físicos quanto psicológicos no mesmo, viabilizando maior ocorrência de acidentes de trabalho. Evidencia-se que esses profissionais, por adotarem esse tipo de jornada, acabam estabelecendo múltiplos vínculos laborais com a mesma sujeição ao regime 12x36. Dessa forma a rotina do empregado torna-se extremamente perigosa, visto que não trabalha 12 horas e descansa 36, mas sim utiliza-se das horas para descanso para trabalhar. Ressalta-se aqui o perigo não só para os profissionais, como também para todo o grupo social, uma vez que todos necessitam recorrentemente do sistema de saúde e possuem tal direito amparado pela Magna Carta, tendo a integridade colocada à margem de risco, devido a uma norma que institucionaliza uma afronta aos preceitos básicos que regem o Estado brasileiro hodiernamente.

REFERÊNCIAS

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36 na atividade hospitalar. São Paulo, 2012, LTR Suplemento Trabalhista, 080/12.

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