Capa da publicação Mulheres trans podem ser vítimas de feminicídio?
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Aplicabilidade da Lei do Feminicídio aos transexuais

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11/12/2019 às 06:41

Resumo:


  • A Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015) qualifica o homicídio quando praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, incluindo-o no rol dos crimes hediondos.

  • Existe controvérsia sobre a aplicabilidade da lei para mulheres transexuais, com divergências entre entendimentos jurídicos e doutrinários sobre o reconhecimento da identidade de gênero.

  • Alguns casos de violência contra mulheres transexuais têm sido enquadrados como feminicídio, refletindo uma evolução na interpretação da lei e no reconhecimento dos direitos das pessoas transexuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O feminicídio protege também mulheres transexuais? A Lei 13.104/2015 trouxe avanços, mas persiste a polêmica sobre gênero, identidade e violência contra a mulher.

Resumo: O feminicídio passou a ser uma circunstância qualificadora do crime de homicídio a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, sendo incluído no rol dos crimes hediondos. Surgiu, assim, uma grande discussão acerca de quem poderá ser o sujeito passivo e o sujeito ativo do referido delito. A polêmica mais intensa refere-se à possibilidade de a mulher transexual ser vítima desse crime. Existem doutrinadores que sustentam que apenas mulheres definidas geneticamente como tais podem figurar no polo passivo, afirmando, portanto, que não haveria possibilidade de a mulher transexual ser considerada vítima nesses casos. Por outro lado, autores mais contemporâneos, com opinião voltada à preservação da dignidade da pessoa humana, defendem que, quando a pessoa se identifica como mulher, vive socialmente como tal e tem seu nome e seu sexo alterados no Registro Civil — ainda que sem a realização de cirurgia de redesignação —, deve ser protegida pela lei. Diante dessa controvérsia, o presente trabalho tem por objetivo oferecer, no campo da pesquisa, um estudo sobre a violência contra a mulher, a questão de gênero, o fenômeno da transexualidade e a forma como as mulheres transexuais são inseridas no ordenamento jurídico. Busca-se, ainda, abordar o feminicídio e a sua aplicação — ou não — nos casos em que a vítima seja uma mulher transexual.

Palavras-chave: Feminicídio. Lei 13.104/2015. Violência contra as mulheres. Gênero. Transexualidade. Mulheres transexuais. Discriminação

Sumário: Introdução. 1. A evolução da violência contra a mulher. 2. A península jurídica no feminicídio. 2.1. O que é feminicídio. 2.2. Definição de feminicídio segundo o código penal brasileiro. 2.3. O panorama de feminicídio no Brasil e no mundo. 2.4. Um mapa da violência contra a mulher. 3. Feminicídio relacionado à pessoa transexual. 3.1. A bioética e o transexual, evolução histórica. 4. Identidade de gênero. 4.1. A cirurgia de transgenitalização. 4.2. As espécies de diferenciações sexuais. 4.3. Quem pode ser considerada mulher para efeitos da lei. 5. Relatos de violência a transexuais. Considerações finais.


INTRODUÇÃO

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, criou-se mais uma circunstância qualificadora do crime de homicídio: o feminicídio, incluído no rol dos crimes hediondos. Tal inovação legislativa gerou grandes discussões doutrinárias acerca do sujeito passivo desse delito, já que o legislador o definiu como a “mulher por razões da condição de sexo feminino”. Contudo, parte da doutrina contemporânea entende que a mulher transexual também pode ser protegida pela Lei do Feminicídio, podendo, portanto, ser considerada vítima.

Para compreender a possibilidade de aplicação da qualificadora às mulheres transexuais, faz-se necessário analisar a violência sofrida por mulheres ao longo da história da humanidade, bem como sua posição na sociedade. Apesar de alguns avanços na proteção jurídica, ainda estamos distantes de um cenário ideal em que não existam vítimas.

Casos de violência contra a mulher são cotidianos. Quando analisamos os números de vítimas de violência por razões de gênero, constatamos um fenômeno social marcado pelo menosprezo e discriminação, afrontando um dos princípios fundamentais: a vida, bem jurídico maior. A naturalização da violência de gênero exigiu a criação de medidas de proteção, como a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que trouxe mecanismos de combate à violência doméstica. Entretanto, mesmo após sua promulgação, não se verificou diminuição significativa dos casos, o que levou à edição da Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), que buscou estabelecer punições mais severas, ainda que sem redução expressiva do número de vítimas.

A metodologia adotada neste trabalho baseou-se na revisão bibliográfica, pelo método dedutivo, com a finalidade de analisar a Lei do Feminicídio e sua relação com a violência de gênero, a fim de verificar a possibilidade de aplicação da qualificadora às mulheres transexuais. Utilizou-se também o método dialético, a partir do diálogo entre conceitos e legislação vigente.

No primeiro momento, será apresentado o referencial teórico acerca da temática, conceituando gênero e caracterizando o campo a ser estudado. Em seguida, proceder-se-á à análise da Lei nº 13.104/2015, com destaque aos aspectos inovadores e, em especial, à expressão “por razões da condição de sexo feminino”.

O presente estudo, portanto, busca aprofundar a análise da violência de gênero e investigar de que forma a mulher transexual pode encontrar amparo jurídico, seja pela alteração do nome e do sexo no Registro Civil, seja pelo reconhecimento de sua vulnerabilidade social. Serão abordados casos concretos de discriminação contra mulheres transexuais e discutida a possibilidade de proteção específica e direta. Ao final, o trabalho examinará a origem do feminicídio, sua relação com a violência de gênero e a aplicação da lei.


1. A EVOLUÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Relatos de violência contra a mulher estão presentes desde o início da história da humanidade, atingindo ampla gama de direitos, tanto relativos à liberdade quanto às disposições sobre o próprio corpo.

Em resgate histórico, desde a Idade da Pedra Lascada (1000 a 4000 a.C.), a mulher viu-se prejudicada em sua evolução social, dado que o macho ocupava posição dominante. A mulher figurava como sujeito passivo, com foco na fertilidade e nos cuidados com a prole, em situação de submissão e dependência.

Ao longo da história, há relatos bíblicos (embora de cunho religioso) em que se narram episódios de violência sexual. Recorre-se, por vezes, ao estupro, ainda que nem sempre se mencionem, de modo direto, crianças que eventualmente nascem de tais abusos. Observa-se que, mesmo sem referência explícita ao termo “estupro”, a violência sexual é mencionada, por vezes de maneira indireta, nos seguintes trechos (mantidos literalmente):

Aqui estão a minha filha virgem e a concubina do homem; fá-las-ei sair; humilhai-as a elas, e fazei delas o que parecer bem aos vossos olhos; porém a este homem não façais tal loucura. Mas esses homens não o quiseram ouvir; então aquele homem pegou da sua concubina, e lhe tirou para fora. Eles a conheceram e abusaram dela a noite toda até pela manhã; e ao subir da alva deixaram-na: Ao romper do dia veio a mulher e caiu à porta da casa do homem, onde estava seu senhor, e ficou ali até que se fez claro. Levantando-se pela manhã seu senhor, abriu as portas da casa, e ia sair para seguir o seu caminho; e eis que a mulher, sua concubina, jazia à porta da casa, com as mãos sobre o limiar. Ele lhe disse: Levanta-te, e vamo-nos; porém ela não respondeu.

Juízes 19:22 (BÍBLIA, 2018).

Então disse a Tamar: Traze a comida a câmara, para que eu coma da Amnom tua mão. E Tamar, tomando os bolos que fizera, levou-os à câmara, ao seu irmão Amnom. Quando lhes chegou, para que ele comesse, Amnom pegou dela, e disse-lhe: Vem, deita-te comigo, minha irmã. Ela, porém, lhe respondeu: Não, meu irmão, não me forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. Quanto a mim, para onde levaria o meu opróbrio? E tu passarias por um dos insensatos em Israel. Rogo-te, pois, que fales ao rei, porque ele não me negará a ti. Todavia ele não quis dar ouvidos à sua voz; antes, sendo mais forte do que ela, forçou-a e se deitou com ela. Depois sentiu Amnom grande aversão por ela, pois maior era a aversão que se sentiu por ela do que o amor que lhe tivera. E disse-lhe Amnom: Levanta-te, e vai-te. Então ela lhe respondeu: Não há razão de me despedires; maior seria este mal do que o outro já me tens feito. Porém ele não lhe quis dar ouvidos, mas, chamando o moço que o servia, disse-lhe: Deita fora a esta mulher, e fecha a porta após ela.

Deuteronômio 22:1 (BÍBLIA, 2018).

Esses trechos oferecem visão geral do juízo moral contido no texto sagrado sobre a violência sexual, permitindo afirmar uma crítica veemente a tais práticas.

No período do Primeiro Reinado no Brasil, com o Código Penal de 1830 (fase imperial), prevalecia a ideia de que a mulher era tolhida na expressão de seus sentimentos, em relações afetivas ou não, situação que se manteve até o final do século XX. Frequentemente, exigia-se que aceitasse a infidelidade do companheiro como “direito” do homem, enquanto, na infidelidade feminina, podia-se impor pena de um a três anos de prisão, com trabalhos forçados — infidelidade tida como afronta aos direitos do marido e insulto ao cônjuge enganado.

Por longos anos, o homicídio contra mulheres foi tratado como “crime de paixão”, muitas vezes com decisões que vitimizavam o autor — sob o argumento de defesa da honra ferida pela suposta traição. Avaliava-se o estado emocional do agressor como momento de “loucura”, transformando-o em vítima e não em homicida, atribuindo-lhe inimputabilidade. Ainda hoje, encontra-se defesa com apelos à inimputabilidade por enfermidade mental, como se o “crime passional” justificasse o papel de “justiceiro que lavou sua honra com sangue”, hierarquizando valores de dominação e a máxima de “não levar desaforo para casa”.

A suposta superioridade do homem mantém-se presente há, pelo menos, 2.500 anos, assentada em ideologia de supremacia e consequente subordinação da mulher.

O Código Penal de 1940 (ainda vigente, com muitas reformas) eliminou a licitude de crimes “passionais” praticados por perturbação dos sentidos e da inteligência. Surgiu a figura do homicídio privilegiado, pelo qual o criminoso, embora com pena inferior à do homicídio simples, não permanece impune. A atenuação recai quando praticado por relevante valor moral ou social, ou sob domínio de violenta emoção — fundamento hoje mais utilizado na defesa do “crime passional”.

Com o tempo, consolidou-se a tese da legítima defesa da honra e da dignidade, como estratégia defensiva para além do privilégio nos casos passionais. Previu-se, então, a possibilidade de reconhecimento de excesso culposo na defesa da honra, com redução da reprimenda, inclusive abaixo de dois anos, ou até absolvição do primário. Em caso de homicídio qualificado (hediondo), a pena é de 12 a 30 anos. Nessa linha, analisa-se a qualificação por motivo torpe (meios empregados em grau repugnante, p.ex., “vingança” diante da recusa à reconciliação) ou fútil (razão irrelevante). Presentes tais motivos, o crime será qualificado. O estado de embriaguez do agente não afasta o delito (CUNHA, 2017, p. 238).

Há divergências entre doutrina e jurisprudência quanto à compatibilidade (ou não) do homicídio privilegiado-qualificado. As causas privilegiadoras são subjetivas, podendo concorrer com qualificadoras objetivas; já as qualificadoras de motivo torpe ou fútil (de caráter subjetivo) não podem coexistir com aquelas que logicamente as contradigam. Se reconhecido homicídio qualificado-hediondo, a punição é mais severa; se privilegiado, a pena é mais branda e o regime prisional menos rigoroso. Havendo entendimento pelo homicídio privilegiado-qualificado, a configuração (ou não) de hediondez dependerá do aplicador, na ausência de posição universal (CUNHA, p. 239). Persistem, assim, estratégias defensivas para reduzir a pena, a critério do Conselho de Sentença.

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Após a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), diversas estratégias foram criadas, modificando a natureza da pena, a competência para julgamento e a natureza jurídica da ação penal em crimes de lesão corporal caracterizados como violência doméstica. A pena passou de 1 para 3 anos, sendo a criação dos Juizados de Violência Doméstica medida de grande relevância.

A violência contra a mulher não distingue classes sociais. Não se trata de “crime de pobre” ou “de rico”, nem é praticada por “gente normal”, no senso comum. É preciso compreender a lógica subjacente e reconhecer o agressor como sujeito que deve responder por seus atos, sem travestir violência em enfermidade genérica. Ao mesmo tempo, políticas públicas de prevenção, critérios de normalidade e estratégias de enfrentamento são imprescindíveis.

Diante dos elevados índices de violência, urge que estudiosos debatam políticas públicas de combate. Tais crimes colocam mulheres em risco iminente; quando não resultam na consumação, ficam próximos dela, produzindo incapacidade para o trabalho, estudos e vida em sociedade. A vida ameaçada de mulheres é realidade que deve ser enfrentada. A violência atinge tanto a esfera física quanto a psicológica, causando graves danos.

A violência contra a mulher não é apenas produto histórico ou cultural; envolve a sociedade contemporânea e não foi reduzida por leis mais severas. Persiste, em muitos, a visão machista de que a mulher é propriedade do homem, ideia de domínio cuja frustração resulta em violência e crueldade.


2. A PENÍNSULA JURÍDICA NO FEMINICÍDIO

O homicídio de mulheres cresce gradativamente e se tornou comum em manchetes. Cotidianamente se divulgam agressões que revelam letalidade, barbárie e brutalidade dirigidas a mulheres, ferindo corpo, psique e, sobretudo, o bem maior: a vida.

Alguns estudiosos sustentam que o termo “feminicídio” teria origem por aproximação a “genocídio”, para designar assassinatos massivos direcionados por recorte de gênero. Assim se define:

O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES, 2011, p. 9)

A morte de mulheres no Brasil apresenta índices alarmantes. Para enfrentar essa endemia, é imprescindível bom diagnóstico do feminicídio, suas causas e consequências; somente assim políticas públicas e processos criminais poderão evitar mortes e a reiteração de condutas.

2.1. O Que é Feminicídio?

Compreendido como um fenômeno em que há mortes violentas de mulheres, cuja causa essencial é a sua condição de gênero, ou seja, o simples fato de ser mulher.

Incluem-se nesse tema não somente as mortes violentas em razão do gênero feminino, mas também aquelas decorrentes de aborto inseguro, práticas de mutilação genital, mortalidade materna, enfim, toda e qualquer forma de violência em que o descaso e a omissão em razão do gênero sejam evidentes.

Algumas autoras ativistas de causas feministas definem a perspectiva específica em que se identifica o sexismo como causa essencial da morte, para além dos motivos aparentes.

Sendo assim, é necessário entender e classificar o feminicídio mediante análise minuciosa do tema. Quando se fala em feminicídio, considerar que se está apenas reivindicando do Estado uma resposta jurídica é equívoco, na medida em que o conceito pode ser utilizado com a intencionalidade de mobilizar a força do discurso e da denúncia, e não necessariamente para acionar o direito penal. Não se trata apenas de mostrar o que está oculto, porque, muitas vezes, não está escondido.

Há feminicídio quando o Estado não dá garantias para as mulheres e não cria condições de segurança para suas vidas na comunidade, em suas casas, nos espaços de trabalho e de lazer. Mais ainda quando as autoridades não realizam com eficiência suas funções. Por isso o feminicídio é um crime de Estado.

(LAGARDE, 2004, p. 6)

Ainda na mesma linha de pensamento:

Como bem adverte a Antropologia, é preciso também estar atento para a normatividade social que justifica os feminicídios e favorece sua reiteração. Para isso não podemos fixar a atenção apenas no patriarcado como gerador de discriminação, mas temos que incluir outras formas de opressão social que se entrecruzam com o gênero e contribuem para desenhar o contexto que favorece as agressões violentas a mulheres, como a classe, a etnia da vítima, a violência do entorno e o desenraizamento social.

(COPELLO, 2012, p. 13)

De modo geral, o feminicídio pode ser considerado uma forma extrema de misoginia, ou seja, ódio e repulsa às mulheres ou contra tudo o que seja ligado ao feminino.

2.2. Definição de feminicídio segundo o código penal brasileiro

A Lei nº 13.104/2015 definiu feminicídio como o homicídio praticado contra a mulher em razão de sua condição de sexo feminino (leia-se: violência de gênero quanto ao sexo). A incidência da qualificadora ocorre nos crimes praticados contra a mulher, caracterizados por relação de poder e submissão, podendo ser cometidos por homem ou por mulher sobre mulher em situação de vulnerabilidade.

Por se tratar de uma lei nova e de abordagem multidisciplinar, nos casos concretos nem sempre se reconhece a prática de feminicídio. Por esse motivo, para pesquisas e estatísticas, foram analisadas todas as denúncias em que havia morte violenta de mulher motivada por gênero, ainda que inexistente referência expressa ao artigo de lei do feminicídio (CUNHA, 2016, p. 62).

Assim, pode-se entender que a morte violenta de mulher por sua condição de mulher é a essência do feminicídio, e não simplesmente a referência ao tipo penal. Ademais, a noção abarca tanto crimes tentados quanto consumados.

Observa-se no art. 121 do Código Penal Brasileiro que o feminicídio é um homicídio qualificado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, sendo consideradas como causas:

  • violência doméstica e familiar;

  • menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 até a metade se o crime for praticado:

  • durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

  • contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

  • na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Com a nova Lei nº 13.104/2015, o feminicídio passou a configurar a sexta forma qualificada do crime de homicídio, punida com pena de reclusão de 12 a 30 anos, etiquetada como delito hediondo, submetido aos consectários da Lei nº 8.072/1990.

O § 2º-A foi acrescentado ao artigo 121 do Código Penal Brasileiro para esclarecer quando a morte da mulher deve ser considerada em razão da condição do sexo feminino:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Esse esclarecimento, entretanto, além de redundante, causa confusão. Em 2011, quando a Lei foi redigida, houve grande empenho de parlamentares ligados às causas de proteção da mulher para tornar a redação do tipo legal mais clara, simples e coerente com o objeto do projeto, conectando seus termos aos estampados na Lei Maria da Penha, berço do conceito de violência de gênero contra a mulher no Brasil.

Constata-se que o comportamento objeto da lei pressupõe violência baseada no gênero, agressões motivadas pela opressão à mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A previsão do § 2º-A do art. 121 do CP, além de reiterar pressuposto já inerente ao delito, fomenta confusão entre feminicídio e femicídio. Matar mulher na unidade doméstica, sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracteriza femicídio; se a conduta é movida por menosprezo ou discriminação à condição de mulher, então há feminicídio (CUNHA, 2016).

2.3. O Panorama de Feminicídio no Brasil e no Mundo

No Brasil, a situação é gravíssima. A cada dia, os índices de assassinatos de mulheres aumentam, fato noticiado diariamente pela imprensa. Segundo o Fórum Brasileiro de Violência da Secretaria de Segurança Pública (2017), o Brasil possui a quinta maior taxa de mortes de mulheres por violência em razão de sua condição de mulher, ou seja, feminicídio. Esses índices são ainda mais elevados entre mulheres negras e de baixa renda, chegando a 57%, e aumentam quando se analisa o número de mulheres transexuais, lésbicas e bissexuais (DIRETRIZES, 2016).

“A violência contra mulheres é uma construção social, resultado da desigualdade de força nas relações de poder entre homens e mulheres. É criada nas relações sociais e reproduzida pela sociedade.”

(GASMAN, 2017)

Em outros países, ainda é grande o desafio de criar leis capazes de tipificar o crime, como ocorreu no Brasil. Apenas quinze países da América Latina possuem legislação específica com diferentes tipos de penalidades. Em diversos Estados sequer há punições contra crimes praticados contra mulheres. Entre 193 países, apenas 140 possuem leis capazes de coibir a violência doméstica. As regiões com menor ou quase nenhuma punição são a África Subsaariana, o Oriente Médio e o Norte da África, conforme informações do jornal El País (INFOGRAFIA, 2017).

2.4. Um mapa da violência contra a mulher

A partir da análise de dados coletados pelo Ministério Público (2017), pode-se estudar o número de mulheres vítimas de feminicídio, identificando dia da semana, horário, local e instrumentos usados para a prática desses crimes.

Conclui-se que, em relação aos dias da semana, a concentração de crimes se manifesta de modo alarmante nos finais de semana, cerca de 32%, mas a maior incidência ocorre nos dias úteis, totalizando 68%.

Gráfico 1 – Incidência de mortes durante a semana

Fonte: Fernandes; Smanio, 2018

No tocante aos horários, os crimes se concentram pela manhã (20%), à tarde (19%) e, com maior índice, no início da noite, chegando a 35%, conforme gráfico.

Gráfico 2 - Horários dos feminicídios

Fonte: Fernandes; Smanio, 2018

Outro dado relevante é o local onde as mulheres foram atacadas pelos agressores. Os critérios pesquisados incluíram: residência da vítima (compreendidos arredores, casa comum do casal e casa de parentes), residência em que a vítima se encontrava, casa do réu, trajeto da vítima (casa-trabalho), estabelecimentos públicos como bares, hotéis, motéis e pousadas, interior de veículo, local ermo e via pública.

Gráfico 3 – Locais do feminicídio

Fonte: Fernandes; Smanio, 2018

O feminicídio atinge distintas categorias de vítimas e pode decorrer de diversas razões: relacionamento íntimo, convivência doméstica ou familiar, discriminação ou menosprezo à condição de mulher.

No perfil das vítimas, observa-se maior incidência entre pessoas em união estável, seguidas pelas casadas e, por último, pelas que mantinham namoro. Também há percentual ligado a relações extraconjugais e a profissionais do sexo.

Foram registrados ainda crimes contra outras mulheres do núcleo familiar sem relação sexual com o agressor, como mães, filhas, sogras, cunhadas e irmãs. O estudo aponta também feminicídios decorrentes de atos de machismo, desprezo e discriminação contra mulheres.

Gráfico 4- Feminicídio: relação afetiva

Fonte: Fernandes; Smanio,2018

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Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC) como requisito para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Agnez Foltran Moniz.

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