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Dos vícios dos atos processuais

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01/10/1999 às 00:00
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12. Do Ato Inexistente

Reza o parágrafo único do art. 37 do Código de Processo Civil:

"Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos"(grifo nosso)

Julga-se, no mínimo, desatenta a terminologia empregada pelo legisferante, na medida em que é cristalino o entendimento de que, se é inexistente, não entrou no mundo jurídico, posto que não supriu requisitos mínimos para ser admitido. "O ato inexistente não tem a mínima aptidão de produzir efeitos (jurídicos), justamente porque corresponde a um não-ato, e não a um ato processual viciado", como pondera Dall’Agnol. Oportunas as palavras de Ovídio A. Baptista da Silva, do qual extraímos o exemplo:

"Se o ato pode ser ratificado, é porque o ato processual na verdade existira. Se não for ratificado, a inexistência decorrerá, a rigor, da circunstância de não haver a parte (!), através de procurador praticado qualquer ato. Tem-se, portanto, de distinguir bem a inexistência do ato processual, como ocorre quando não tenha havido, por exemplo, citação alguma da inexistência que decorre de se haver citado pessoa diversa daquela demandada."

Alberto Luis Maurino, citado por Dall’Agnol, (26) assevera que "el acto inexistente está excluído del régimen de las nulidades procesales". E, ao nosso ver, esta é a opinião mais acertada, muito embora alguns doutrinadores o consideram como uma espécie de invalidade do ato processual. Humberto Theodoro Jr. inspirado pela lição de Couture, classifica os atos processuais em: a) atos inexistentes; 2) atos absolutamente nulos e 3) atos relativamente nulos. Assevera o jurista que "em relação ao ato juridicamente inexistente, não se pode sequer falar de ato jurídico viciado, pois o que há é um simples fato, de todo irrelevante para a ordem jurídica (...) por isso, o ato inexistente jamais poderá convalidar e nem tampouco precisa ser invalidado". (27)

Vejamos, também a inteligência jurisprudencial tangente ao art. em epígrafe:

"Extingue-se o processo se não for junta no prazo a procuração do autor ao advogado que subscreve a inicial" (RT 495/165, 503/175, 503/218)(grifo nosso)

MANDATO – SUPRIMENTO – OPORTUNIDADE – 1. – Em face da sistemática vigente (CPC, art. 13), o juiz não deve extinguir o processo por defeito de representação antes de ensejar à parte suprir a irregularidade. 2. O atual CPC prestigia o sistema que se orienta no sentido de aproveitar ao máximo os atos processuais, regularizando sempre que possível as nulidades sanáveis. (STJ – REsp 1.561 – RJ – 4ª T. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJU 05.02.90) (RJ 150/97) (grifo nosso)

CITAÇÃO – OMISSÃO NO MANDADO DO PRAZO DE DEFESA, EX VI DO ART. 225, VI DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE – Em tema de nulidades processuais predomina o princípio da finalidade e do prejuízo. Art. 244 do CPC. A omissão no mandado de citação do prazo de defesa é suprida se a petição inicial, que integrou o instrumento citatório, fala tal registro. (TJPR – AC1.282/89 – 2ª C. – Rel. Des. Negi Calixto – J. 30.11.89) (RJ 151/86)( grifo nosso)

"Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente"(STF-RT 735/203)

Como bem se observa, na seara dos Tribunais igualmente não se tem uma homogeneidade no tocante à aplicação do termo ‘inexistente’. Ora se fala em irregularidades, ora em nulidades, ora em inexistência, ora na própria extinção do processo.

Sustenta Celso Agrícola Barbi: (28)

"A falta de apresentação de instrumento de mandato no prazo faz com que os atos praticados pelo advogado, sejam considerados não ratificados e havidos por inexistentes juridicamente, isto é, sem valor jurídico."(grifo nosso)

Ora, se os atos foram praticados, como havê-los como inexistentes? A nosso ver, in casu, ajusta-se o preconizado por Fábio Gomes: (29)

"Em geral, os casos apontados como correspondendo a atos processuais inexistentes, têm natureza extremamente duvidosa, podendo a maioria deles ser incluídos na categoria dos atos absolutamente nulos, porém existentes."

Por fim, o ato inexistente, ao contrário do inválido, não pode ser desconstituído, não pode ser desfeito, posto que, na linguagem ponteana: o que não foi feito não pode ser desfeito. Como bem elucidou o mestre:

"Para afastá-lo do mundo jurídico, indispensável atividade de desfazimento: o ato inválido (nulo, absoluta ou relativamente, ou anulável) para ser ejetado do mundo jurídico deve ser desconstituído. Já o mesmo não ocorre com o inexistente."


13. Conclusão

Urge salientar a importância do tema sub examine. Sem dúvida apaixonante, as invalidades processuais suscitam inúmeras interpretações e, por vezes, muitos equívocos, que grandes processualistas empenham-se em dissipar.

Há que se salientar, também, o trabalho daqueles que elaboraram o Capítulo em apreço, aclamado internacionalmente pelo seu art. 244, como "la plus belle règle en droit judiciaire".

Como visto, as invalidades processuais – ou como na Carta Processual, nulidades – são precipuamente informadas pelos princípios da finalidade e da não-prejudicialidade, o que nos envaidece, na medida em que são, efetivamente, aplicados preceitos supremos do direito. De fato. Animados por estes princípios, os arts. concernentes às nulidades terminam por ser considerados, mesmo, normas de sobre-direito, ou seja, que estão acima das demais, que se elevam a ponto de governar todas as outras.

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Do modo como é ordenada, as nulidades apresentam-se como mais um instrumento em prol da boa justiça, priorizando o aproveitamento dos atos processuais e o salvamento do processo, privilegiando a própria efetividade da Justiça.

Ademais, a feitura do trabalho em questão mostrou-se de grande benesse, posto que nos fez entrar em contato com brilhantes doutrinadores como o professor gaúcho Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior, o qual prestou imensa contribuição para o desenvolvimento do tema. Sobretudo, Dall’Agnol foi o responsável pelo tom crítico do trabalho, insurgindo contra velhos dogmas e propondo novas concepções. Isso é que reputo o mais importante.


NOTAS

1 "... esse dispositivo foi considerado, no IX Congresso Mundial de Direito Judiciário, la plus belle règle en droit judiciaire (Congresso, 1991, p. 437)" (Rui Portanova. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, p. 189)

2 Tratado de Direito Privado, Plano da Existência, vols. I, II e III, Ed. Borsoi, 1970, p. 28

3 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 2

4 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 40

5 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 41

6 Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997, p. 18

7 Theotonio Negrão. Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, 30ª ed., 1999

8 em palestra proferida em 15.07.83por ocasião do Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil, em Porto Alegre

9 Desse modo, no estudo em apreço procuramos adotar a expressão reputada a melhor segundo cada autor consultado.

10 Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, ps. 185/186.

11 Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997, p. 188

12 Theotonio Negrão. Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, 30ª ed., 1999, p. 297

13 in Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Revista de Processo 60 p.p 15/30

14 Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil, vol. I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 176

15 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol. III, Ed. Forense, 1997, p. 258/259

16 Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 26

17 Texto publicado na Revista Forense, volume 344, outubro 1998, Rio de Janeiro, pp. 03/19

18 Antônio de Pádua Ribeiro. Das Nulidades. Revista Jurídica Ano XLII n.º 201/julho de 1994.

19 Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p. 48/49

20 Humberto Theodoro Jr. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Ed. Forense, 27ª ed., 1999, p. 282

21 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover, Cândido R. Dinamarco. Teoria Geral do Processo. Malheiros Editores, 9ª ed., 1992, p. 288

22 Em tese. Como já visto anteriormente, hipóteses há, e não raras, em que o ato, mesmo considerado passível de nulificação absoluta, por atingir seu escopo, conserva sua eficácia

23 O assunto será melhor aprofundado, a posteriori

24 publicado na Revista Ajuris vol. 33 mar/85 p.p 123/132

25 Revista de Processo 60 p.p 15/30

26 Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989, p.21

27 Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 27ª ed., Ed. Revista Forense, 1999, p. 282

28 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 10ª ed., Ed. Forense, p. 176 I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 181

29 in Curso de Processo Civil. Ovídio A. Baptista da Silva, vol. I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996, p. 181


BIBLIOGRAFIA

  1. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 10ª ed., Ed. Forense, 1998
  2. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria Geral do Processo, Malheiros Editores, 9ª ed., 1992
  3. COSTALUGNA, Danilo Alejandro Mognon. "Nulidades e sobredireito. A teoria das nulidades e o sobredireito processual", RJ 250/23
  4. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antonio Janyr. Revista de Processo 60 p.p 15/30
  5. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antonio Janyr. Invalidades Processuais, Letras Jurídicas Editora Ltda., 1989
  6. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico, Plano da Validade, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1997
  7. NEGRÃO, THEOTONIO. Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, 30ª ed., 1999.
  8. NERY Jr., Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed., 1997.
  9. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Plano da Existência, vols. I, II e III, Ed. Borsoi, 1970
  10. PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Livraria do Advogado, 1997
  11. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, vol. III, Ed. Forense, 1997
  12. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, vol. I, Sergio Antonio Fabris Editor, 3ª ed., 1996.
  13. THEODORO RJ, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Ed. Forense, 27ª ed., 1999.
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Sobre a autora
Michele Cioccari

advogada, acadêmica de Ciências Contábeis na Universidade Federal de Santa Maria

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIOCCARI, Michele. Dos vícios dos atos processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/785. Acesso em: 28 mar. 2024.

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