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Arrolamento de bens em fase de conhecimento:

medida necessária para o sucesso da execução futura

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Apresentam-se sugestões para melhorar, no contexto da execução, um quadro frustrante e garantir aos vencedores dos litígios nada mais do que aquilo que já lhes pertence.

Um dos principais problemas no Direito em exercício é a satisfação efetiva do crédito reconhecido por decisão judicial. Não raro a parte vencedora fica sem receber o que lhe devem.

Em Quincas Borba, Machado de Assis dava uma noção exata das disputas mundanas da época: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor as batatas”. No mundo jurídico de hoje, ignoramos ódios e compaixões; percebemos só a carência das batatas.

Porque a cada dia aumentam as vitórias de Pirro, e assim fica o vencedor do litígio basicamente a ver navios. Por isso, ao bom advogado não basta buscar só a vitória na fase de conhecimento. É preciso garantir que o sucesso chegue realmente às mãos do representado. Poucas coisas frustram mais do que vencer e não ganhar. Daí a necessidade de medidas preventivas, dotadas de eficácia física, para a futura satisfação do resultado da disputa judicial.

Anteriores à própria fase de execução, tais atos dotam-se de importância manifesta. Estendem um muro de proteção contra a destruição do direito conhecido, declarado e constituído em juízo. Preserva-se, assim, até a dignidade do Poder Judiciário, protegido da impassibilidade sem esperança das decisões sem cumprimento e do tédio compenetrado pela ineficiência da balança.

Não é pouco o descaso caloteiro com que muitos se furtam a obedecer a Justiça. Por isso, o presente estudo, misto de artigo e parecer sumário, está focado na prática de atos e de procedimentos prévios, incidentais ou não, para a salvaguarda de direitos.

Vejamos:

Para garantir o desfrutar de uma possível condenação, logo que distribuída a ação de conhecimento, pode-se pedir uma certidão, a fim de dar publicidade à existência de ação de cobrança, averbar a matrícula dos bens imóveis (e móveis) e, assim, mais fácil fazer prova de fraude à execução ou mesmo resguardar eventual direito de terceiros adquirentes.

Essa certidão está prevista pelo artigo 828 do CPC (averbação premonitória), comum em fases de execução. Nada impede, contudo, que, por analogia seja admitida na fase de conhecimento. Alguns juízes de 1º grau indeferem o pedido, com fundamento na falta de previsão legal para o procedimento comum (processo de conhecimento). Contra isso, resta a analogia. E o exemplo jurisprudencial. Até porque em muitos casos concedem-na em segunda instância, ao julgar agravos de Instrumento.

Porém, temos outras possibilidades.

Analisando outras alternativas admitidas no ordenamento, há duas posições satisfatoriamente possíveis de se adotar: a tutela de urgência (art. 300 do CPC) ou arresto inominado com base no poder geral de cautela (art. 139, IV do CPC).

1 – tutela de urgência: para seu deferimento exige-se a presença dos dois requisitos clássicos: periculum in mora e fumus boni iuris, detalhes difíceis de comprovar em certos contextos, já na distribuição da inicial. A regra então é o indeferimento do pedido.

No entanto, com indícios documentados (geralmente ocorrência de fraude), seria um caminho distribuir a inicial já com o pedido de Incidente de desconsideração da Personalidade Jurídica. Dessa forma, haveria um encurtamento do processo em fase de cumprimento de sentença. Seus requisitos também são difíceis de comprovar na distribuição da ação, porém não impossíveis.

2 – certidão para averbação com base no poder geral de cautela: embora muito parecido com a certidão premonitória e com a tutela de urgência, dispensa os requisitos e, portanto, aumenta a probabilidade de deferimento.

Tem natureza cautelar, mas como não se trata de arresto, possibilita a alienação do bem. Além disso, não impede a atividade comercial da possível devedora, porém, se futuramente se confirmar a sentença condenatória, facilita-se demonstração de fraude à execução, uma vez que averbada na matrícula do bem a pendência de litígio.

Assim, estaríamos dentro da compreensão do STJ (Súmula 375), dentro da qual para decretar fraude na alienação de bem imóvel cumpre demonstrar: averbação na matrícula ou má-fé do adquirente.

Concede-se essa medida, via de regra, também em segunda instância, em sede de Agravo de Instrumento. Seria um caminho bastante lógico a se avaliar, estudar e aprofundar.

Importante esclarecer: essas medidas realmente são exceções. Há poucos julgados e não há jurisprudência dominante. No entanto, pode ser uma ferramenta importante em processos de valor elevado e risco de insolvência.

Há um parâmetro adotado na administração pública (FISCO), procedimento administrativo, critério passível de adoção por analogia, em que a autoridade fiscal pode realizar um arrolamento administrativo de bens (indisponibilidade/averbação) antes mesmo de efetuar autuação ou notificação do contribuinte.

Ela utiliza como parâmetro o seguinte: débito superior a 2 milhões cujo valor corresponda a pelo menos 30% do patrimônio conhecido do contribuinte. (artigo 64 da Lei 9537/97).

Evidentemente que este escrito não tem pretensões de exaurir o assunto. Tampouco tem caráter concludente. Seu viés é tão apenas propositivo.

Para a solução desse problema crônico, medidas de rigor mais audazes fazem-se necessárias e urgentes. Não basta criatividade, urge também um pouco de ousadia.

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Esperamos com isso melhorar, no contexto da execução, o quadro frustrado e frustrante, e com isso garantir aos vencedores dos litígios nada mais do que aquilo que já lhes pertence.

O sistema legal brasileiro construiu-se ao modo dum escudo para proteger devedores e criminosos. Já passou do momento de mudar isso. Não sabemos o que propor em relação a criminosos, mas contra os devedores já temos uma ideia.    

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Sobre os autores
Paulo Henrique Cremoneze

Sócio fundador de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas – Advogados Associados, mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito do Seguro e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, autor de livros jurídicos, membro efetivo do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo e da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro, diretor jurídico do CIST – Clube Internacional de Seguro de Transporte, membro da “Ius Civile Salmanticense” (Espanha e América Latina), associado (conselheiro) da Sociedade Visconde de São Leopoldo (entidade mantenedora da Universidade Católica de Santos), patrono do Tribunal Eclesiástico da Diocese de Santos, laureado pela OAB Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia, professor convidado da ENS – Escola Nacional de Seguros e colunista do Caderno Porto & Mar do Jornal A Tribuna (de Santos).

Humberto Taba

Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREMONEZE, Paulo Henrique ; FELICIANO, Giselle et al. Arrolamento de bens em fase de conhecimento:: medida necessária para o sucesso da execução futura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6016, 21 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78517. Acesso em: 26 abr. 2024.

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