A APLICAÇÃO DO CDC COM AS ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.874/19 (INSTITUI A DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA)

22/12/2019 às 17:34
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O PRESENTE ARTIGO FAZ UM BREVE COMENTÁRIO SOBRE OS EFEITOS DA NOVA LEI 13.874/19 (INSTITUI A DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA) NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, INCLUSIVE NAS RELAÇÕES INTER EMPRESARIAIS

A APLICAÇÃO DO CDC COM AS ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.874/19 (INSTITUI A DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA)

O Presente artigo tem por finalidade apreciar se a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que estabelece a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, restringe ou interfere no Código de Defesa do Consumidor.

Do mesmo modo como ocorreu com a entrada em vigor do Novo Código Civil, a vigência da Lei nº 13.874/19, não acarreta grandes mudanças ou restrições a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A norma especial (CDC) não é revogada pela norma geral (Código Civil, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.874/19), conforme determina o artigo 2º, §2º do  Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. – LINDB)[1], aplica-se apenas supletivamente.

Diante da interpretação literal, sistemática e da vontade do legislador, observa-se que a Lei nº 13.874/19 não afetou os princípios e normas contidas no CDC, inclusive no tocante as relações interempresariais onde a norma consumerista é aplicável.

Da revisão contratual

No tocante a revisão contratual o artigo 421 estabelece que a liberdade contratual é limitada pela função social do contrato. De outra face, prevalece a intervenção mínima e permite a revisão apenas de forma excepcional:

“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”(NR)

A respeito do princípio da função social do contrato, merece transcrever elucidativo trecho do artigo elaborado pelo professor Paulo Lobo e publicado na Revista Jus Navigandi:

“O princípio da função social determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles pois os interesses sociais são prevalecentes. Qualquer contrato repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinado ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico.

(...)

O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o novo Código Civil. Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser interpretado em conformidade com o princípio da função social.

O princípio da função social do contrato harmoniza-se com a modificação substancial relativa à regra básica de interpretação dos negócios jurídicos introduzida pelo art. 112 do novo Código Civil, que abandonou a investigação da intenção subjetiva dos figurantes em favor da declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela.”[2]

Portanto, denota-se que a liberdade econômica não é absoluta e ilimitada, vedando o abuso do direito, tal com ocorre no direito de propriedade.

Não há indicação de que os artigos 421 seja aplicável a legislação consumerista, uma vez que não contém qualquer menção expressa a respeito.

Além do mais, o artigo seguinte, art. 421-A, traz esclarecimento mais detalhado ao assunto, especificando a abrangência da norma apenas aos contratos civis e empresariais:

“Art. 421-A Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”

Cabe destacar a ressalva contida na parte final do caput do artigo 421-A onde afasta de forma expressa a aplicação aos regimes jurídicos previstos em leis especiais.

Da assimetria entre as empresas

Corroborando com o entendimento quanto a limitação da incidência da MP 881/19, convertida na Lei nº 13.874/19, nos contratos de consumo, o artigo 480-B que estabelecia simetria entre contratantes nas relações interempresariais foi suprimido do projeto de lei mediante a ementa EMENDA 16 - MPV 881/19 do  Deputado Federal André Figueiredo (PDT/CE) sob a seguinte justificativa[3]:

“A MPV 881/19 tem como objetivo facilitar a livre concorrência e o exercício da atividade econômica no país. Nesse sentido flexibiliza e altera inúmeras regras. No artigo em comento objetiva-se a presunção de simetria dos contratantes nas relações interempresariais e a observação da alocação de riscos por eles definida. Sabemos que nem toda relação empresarial é assimétrica mas destacamos que no direito empresarial a assimetria não deriva da vulnerabilidade nem da hipossuficiência, mas sim da dependência empresarial, que se faz presente quando um empresário tem que organizar sua atividade segundo diretrizes emanadas por outro empresário (é o que ocorre com frequência, por exemplo, nos contratos de colaboração: franquia, representação etc.). Em que medida um contrato empresarial celebrado entre partes reconhecidamente desiguais (como um pequeno supermercado ou um posto de gasolina e um grande distribuidor) deve ser interpretado sem considerar sua desigualdade? Caracterizada essa dependência se justificaria a proteção do contratante mais fraco no direito empresarial. Portanto, os contratos empresariais podem ser simétricos ou assimétricos. Como dito, o que marca a assimetria nas relações contratuais entre empresários é a dependência empresarial que se caracteriza por situação de fato, no contexto de um contrato empresarial, em que a empresa de um dos empresários contratantes deve ser organizada de acordo com instruções ditadas pelo outro. Pelo exposto, não se pode presumir a simetria quando se tratar de relações interempresariais.” (grifei)

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Por conseguinte, denota-se que a incidência da Lei nº 13.874/19 não alcança o CDC., sequer nas relações interempresariais onde se permite a proteção da parte mais frágil, seja pela hipossuficiência, desigualdade, dependência,  bem como a  relação de consumo.

São José do Rio Preto, 22 de setembro de 2019.

 

FABIO GONÇALVES DA SILVA

OAB/SP.133.169

 

 


[1] § 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

 

[2] LÔBO, Paulo. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código CivilRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7n. 551 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2796. Acesso em: 14 set. 2019. Acessado em 14/09/2019 - https://jus.com.br/artigos/2796/principios-sociais-dos-contratos-no-cdc-e-no-novo-codigo-civil/2

[3] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7947174&disposition=inline acessado em 14/09/2019

Sobre o autor
Fábio Gonçalves da Silva

Advogado especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera e membro das Comissões de Direito Tributário, Empresarial e de Direitos Humanos da 22ª Subseção da OAB de São José do Rio Preto – SP., atua no contencioso, administrativo e consultivo para empresas de pequeno e médio porte, no Direito Tributário, Direito Penal Tributário, Empresarial e Trabalhista, há mais de 20 anos.

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