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Definição de um novo marco regulatório para a indústria de gás natural no Brasil

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4. A Lei nº 9.478/97: uma visão crítica

            Neste cenário, não poderíamos nos furtar ao comentário e análise crítica de algumas premissas e dispositivos previstos na Lei nº 9.478/97, devidamente conhecida como "Lei do Petróleo", marco regulador de inegável valor à estruturação do mercado.

            Inicialmente, cumpre-nos salientar que a mencionada lei trouxe à baila, ainda que de forma bastante incipiente, alguns dispositivos condizentes com a indústria do gás natural. À primeira vista, no entanto, se verifica que os dispositivos constantes deste instrumento legal dão mais ênfase à indústria do petróleo, o que facilmente se pode explicar, se considerarmos a importância, bem como o grau de maturação desta indústria no cenário nacional.

            As premissas para a elaboração da mencionada lei, tal qual mencionado na parte introdutória deste trabalho, diz respeito às mudanças ocorridas em razão da reforma pela qual o Estado brasileiro, seguindo uma tendência mundial, sobretudo sob influência de fortes economias capitalistas, como EUA e Reino Unido, submeteu-se a um novo modelo econômico (neoliberal), que preconizava a visão de que pressões competitivas e alternativas de suprimento gerariam benefícios ao consumidor e à sociedade. Nesta esteira de idéias, encaixa-se perfeitamente a flexibilização do monopólio da Petrobrás, bem como a edição da mencionada lei.

            Os seus objetivos consistiam da atração de investimentos privados, viabilização da entrada de novos agentes, introduzindo concorrência no suprimento de gás, bem como proteção dos interesses do consumidor.

            Na mesma esteira de idéias, surge o ente regulador (ANP), devidamente instituído pela mencionada lei, cujo papel consiste da implementação da política nacional de gás natural, dentre outras atribuições mais específicas.

            Seus pressupostos consistem da regulação tarifária indireta (presença da ANP somente em caso de conflitos entre os agentes no que se refere ao estabelecimento da tarifa de transporte), bem como o acesso negociado e a separação da atividade de transporte.

            Conclui-se que a legislação estabeleceu diversas metas, mas o mesmo não aconteceu em relação aos instrumentos para implementá-las, causando um grande descompasso entre os objetivos pretendidos e os efetivamente alcançados.

            Neste sentido,

            O potencial do gás natural como insumo no Brasil, no entanto, é inibido pela falta de uma legislação adequada. O segmento espera a aprovação do marco regulatório, a Lei do Gás, que estimularia os investimentos estrangeiros. Em outubro de 2005, o governo se preparava para enviar ao Congresso um projeto de lei para regulamentar o segmento. A proposta previa a realização de leilões públicos para a concessão de gasodutos, nos mesmos moldes adotados para as linhas de transmissão de energia. Com isso, a Petrobrás perderia seu virtual monopólio no transporte de gás e a ANP ganharia poder. A expectativa é que o projeto seja aprovado até dezembro (Anuário Exame, 2005. p. 103)

            Percebe-se, sobretudo, que o arcabouço do livre acesso, de extrema importância para o desenvolvimento do setor, através da inserção de novos agentes, sobretudo nos setores de produção e comercialização, não gozou de regulamentação consistente, uma vez que a Portaria ANP nº 169, que pretendeu regulamentar a questão, foi revogada.

            Recentemente, foram editadas as Resoluções nº 27, 28 e 29, que têm por objeto, mais uma vez, o trato das questões atinentes ao livre acesso, bem como critérios para o cálculo de tarifas. No entanto, o mercado sinaliza no sentido de que instrumentos que confiram mais segurança sob o ponto de vista legal e institucional são necessários, no sentido de viabilizar os investimentos.

            O setor de transporte, sobretudo, cujas características demandam capital intensivo, bem como longos prazos de maturação, atrelados a complexas questões ambientais, carecem de dispositivos que confiram mais segurança aos investimentos, vitais para o seu desenvolvimento. Comparativamente, a malha de transporte brasileira, se consideradas as dimensões do país, assim como o potencial de consumo, ainda não passou da fase embrionária, uma vez verificado que nossa malha conta hoje com 7.800 km de extensão, ao passo que a americana já supera os 450.000 km. Em outras palavras: ainda que houvesse a disponibilidade do gás natural em território nacional em quantidade suficiente para suprir toda a demanda, não haveria, em contrapartida, a disponibilidade de gasodutos para o transporte, situação esta que precisa ser revista e revertida em tempo hábil, sob pena de revisão das metas de crescimento para o setor, o que prejudicaria, por conseguinte, as metas de crescimento do país.

            Nas palavras de Paulo Ludmer [09], "Hoje, sem este nome (secundário) e sem qualquer regulação, existem sobras e faltas (vide Bahia) de gás no Brasil". E adiante, assevera que:

            Nesse contexto entendemos que urge: 1) disciplinar o mercado secundário existente, permitindo que o usuário final usufrua dos benefícios de oferta e preço do interrompível; 2) com a regulação do setor se obterá transparência com simetria de informações, isonomia no tratamento dos agentes e maior previsibilidade para o equilíbrio entre oferta e demanda; e 3) acesso de novos agentes à comercialização. (os grifos são nossos).

            Em artigo publicado recentemente na imprensa especializada [10], se afirma com veemência, após estudos desenvolvidos pela Confederação Nacional da Indústria, que as incertezas sobre o fornecimento de gás natural são um dos fatores que limitam a expansão da geração térmica no país, apontando ainda a rigidez dos contratos, alto custo do gás e incompatibilidade entre a regulamentação do setor elétrico e do gás natural enquanto fatores que prejudicam o desenvolvimento do mercado.

            Na avaliação da CNI, o setor de gás, que hoje está subordinado à legislação do petróleo, merece tratamento específico porque possui características distintas. Neste diapasão, a confederação defende a aprovação de uma lei federal própria para o gás natural. Segundo Paulo Britto, um dos autores do estudo, a geração termelétrica é importante para complementar a geração hidrelétrica, predominante no parque gerador brasileiro.

            O estudo ressalta ainda que a retração de investimentos não permitiu que o Programa Prioritário de Termeletricidade fosse integralmente viabilizado. Estão em operação comercial 22 usinas, que somam 7, 7 mil MW de potência, contra os 11 mil MW originalmente previstos.

            A própria ANP, cuja função consiste em não permitir a apropriação das rendas do monopólio, bem como aplicação do princípio de não discriminação na prestação do serviço, elaborou uma série de propostas que deveriam constar de um novo marco regulatório do gás natural, quais sejam:

            - Adoção do regime de concessão para o exercício da atividade de transporte do gás natural (procedimento público de oferta e alocação de capacidade; licitação de novos projetos; contratos de concessão para o exercício da atividade de transporte de gás natural com as empresas transportadoras proprietárias dos gasodutos de transporte existentes seriam celebrados dentro de um prazo de 180 dias, dispensando-se a licitação);

            - Estabelecimento da regulação de estrutura na indústria, por parte da ANP (possibilidade, dada ao regulador, de impor limites e condições para a participação cruzada de agentes econômicos, conforme as condições de mercado);

            - Introdução da regulamentação, em regime de autorização, das atividades de liquefação e regaseificação do gás natural;

            - Introdução da regulamentação, em regime de concessão, da atividade de armazenagem em formações geológicas naturais;

            - Proposta de regulamentação básica para a distribuição do gás natural canalizado, atividade explorada pelos Estados, conforme preceitua o art. 25, da Constituição Federal de 1988;

            - Criação do Operador do Sistema de Gás Natural – OSG.

            Do exposto, chega-se à conclusão irrefutável de que o setor carece de regulamentação específica, no sentido de viabilizarem-se os instrumentos que correspondam às metas previstas para seu crescimento. Neste sentido, passamos à análise do Projeto de Lei nº 226/05, do senador Rodolfo Tourinho, que muito tem sido debatido junto aos agentes interessados, bem como por especialistas da área.


5. Projeto de Lei do Gás Natural

            5.1. Senado Federal ou Ministério de Minas e Energia? – Corte Metodológico.

            Tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei n.º 226/2005, de autoria do Senador baiano Rodolpho Tourinho, que pretende delinear um novo marco regulatório para a indústria do gás natural no país. Com efeito, quando se analisa esse segmento do setor energético e se constata a urgência da implementação de uma regulação mais eficiente, não há como se ignorar a necessidade de um arcabouço jurídico que propicie o forjamento de um novo marco regulatório.

            Sob esse prisma, o Projeto de Lei (PL) supramencionado procura ser o instrumento que viabilize as mudanças demandadas pelo setor de gás natural, já explicitadas ao longo do presente trabalho.

            Fato é que o Ministério de Minas e Energia (MME) possui igualmente um Projeto de Lei para o setor do gás natural, que, no entanto, ainda está em fase de discussão no âmbito do próprio Ministério, encontrando-se, portanto, mais atrasado que o PL proposto pelo Senado Federal. Na atualidade, o próprio MME já admite pôr em pauta de discussão o PL n.º 226/2005, propondo alterações, ou corroborando alguns pontos, mesmo sem abrir mão do seu projeto [11].

            Logo de início, cumpre estabelecer aqui a premissa de que os autores destes escritos não são partidários desse ou daquele projeto, mas, sim, de um progresso para a indústria do insumo em pauta e, portanto, para fins de corte metodológico – bem como tendo em vista o adiantamento e a maior materialidade do PL do Senado Federal –, analisar-se-á apenas o PL n.º 226/2005, em detrimento do PL do MME. Este será tratado furtivamente, apenas como referência.

            Assim, o PL do Senado será considerado, neste trabalho, como o provável novo marco regulatório para o gás natural, passando, neste momento, a ser analisado com maior profundidade.

            5.2. Manutenção de dispositivos e não revogação da Lei 9.478/97.

            A despeito de toda crítica formulada à Lei 9.478/97, também conhecida como Lei do Petróleo, o PL n.º 226/2005 não possui o ímpeto de revogar a lei já existente. De fato, naquilo em que não forem incompatíveis, as duas normas jurídicas se complementarão. Nada mais natural, tendo em vista que – mesmo que veladamente – a Lei do Petróleo trata com muito mais vigor do petróleo, relegando o gás natural e os biocombustíveis a um segundo plano [12]. Desse modo, o PL propõe apenas a alteração de alguns dispositivos da Lei 9.478/97, conforme se verá esmiuçado em item apartado.

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            5.3. Definições técnicas mais detalhadas atentas às peculiaridades da indústria do gás natural.

            Atendendo à expectativa dos agentes, o PL apresenta em seu Capítulo 3, um conjunto de definições técnicas mais detalhadas e, conseqüentemente, muito mais consistentes, no que tange à indústria do gás natural. Isso porque a Lei do Petróleo, além de não dispor sobre certos aspectos da indústria, como a diferenciação entre comercialização, distribuição e transporte do gás natural, ainda careceu de clareza técnica em alguns das definições ali consubstanciadas.

            Eis porque, tratando-se de um PL exclusivo para o gás natural, procura o mesmo dispor sobre um número maior de definições, ao encontro dos anseios do setor. Ali estão contemplados, por exemplo, as figuras do carregador, do transportador, do produtor, do importador e do exportador, anteriormente ignorados pela Lei 9.478/97. Da mesma forma, constam as definições acerca do processamento, do gás natural liquefeito (GNL), do gás natural comprimido (GNC), do armazenamento, bem como sobre uma gama de espécies de gasodutos, como os de transferência, de transporte e de produção.

            Ainda, nesse mesmo capítulo, o PL dispõe sobre capacidade contratada, unidades de processamento de gás natural (UPGN), ponto de entrega e de recebimento, serviço interruptível e capacidade ociosa de transporte, dentre outros, definições que anteriormente não se encontravam firmadas em sede de lei ordinária, mas, quando era caso, tão somente em portarias e resoluções da ANP.

            Por óbvio, a firmeza e a contemplação de certas definições pelo PL do Senado representam um avanço para a verve regulatória e se traduzem numa contribuição valiosa para o mercado.

            5.4. Ratificação do transporte e da importação e exportação de gás como monopólios da União.

            Quando se atenta para o art. 177 da Constituição Federal de 1988, pode-se perceber que constituem monopólio da União, ipsis litteris:

            I – a pesquisa, a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos, fluidos;

            II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

            III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

            IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.

            O art. 5º da Lei 9.478/97 pode ser considerado cópia do art. 177 da Constituição, uma vez que traz os mesmos incisos redigidos da mesma forma que na Lei Maior. Assim, o art. 3º do PL achou por bem ratificar o monopólio da União com relação ao transporte, à importação e à exportação do gás natural, já exaustivamente tratado tanto na Constituição, como na lei infraconstitucional.

            Fazendo uma análise do ponto de vista estritamente jurídico, tanto a Lei 9.468/97 como o PL nº 226/2005, possuem dispositivos inúteis, vez que a Constituição, como Lei Maior da nação, já trazia a previsão, não sendo necessária a menção das normas ordinárias. Muito porque é de competência constitucional da União tratar com Estados estrangeiros, restando óbvio que não poderia caber aos Estados-membros, aos Municípios, ou a corporações privadas tal função. Apenas a disposição com relação ao transporte por meio de conduto poderia realmente acrescentar algo à legislação pátria, mas bastaria apenas remeter ao art. 177, da CF/88, sem a necessidade de transcrevê-lo na íntegra, como fez a Lei do Petróleo que, por sua vez, é mencionada no projeto.

            A despeito de toda controvérsia, o art. 3º do PL entendeu ser razoável trazer novamente disposições acerca do monopólio da União nos quesitos aqui debatidos.

            5.5. Criação do Operador do Sistema de Transporte de Gás Natural – ONGÁS

            Dada a semelhança de características da indústria do gás natural com a indústria de energia elétrica, conforme já explanado no presente trabalho, uma grande reivindicação da primeira era justamente a existência de uma figura similar ao Operador Nacional do Sistema (ONS). Isso porque, em se tratando de uma indústria de rede, seus vários seguimentos têm ficado carentes de um órgão centralizador, que viesse a coordenar as atividades inerentes ao setor.

            Com efeito, atento à inquietação da indústria do gás natural, o legislador fez constar do Projeto de Lei n.º 226/2005 um capítulo (IV) instituindo o Operador do Sistema Nacional de Transporte do Gás Natural – ONGÁS – bem como traçando seus principais delineamentos [13].

            O ONGÁS seria uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, a ser organizado na forma de associação civil, estando subordinado, por óbvio, à agência reguladora competente, no caso, a ANP. O objetivo desse órgão seria, de acordo com o art. 7º, do PL, "promover o uso eficiente dos Gasodutos de Transporte e Unidades de Armazenamento de Gás Natural, com vistas a aumentar a confiabilidade do sistema e a eliminar condutas discriminatórias".

            Daí se pode inferir que o ONGÁS tem suas atribuições muito mais vinculadas ao transporte e ao armazenamento, assim como o PL também priorizou essas atividades, em detrimento da produção e da exploração. No entanto, é de se esperar que o ONGÁS atue também nas outras atividades da rede, como a distribuição, tendo em vista que todas as vertentes possuem grande interdependência. Assim, uma decisão acerca dos gasodutos de transporte poderia vir a interferir na seara dos distribuidores e comercializadores, o que ensejaria uma atuação do órgão também nesses setores, como exemplo.

            O fato é que, ainda que necessite de ajustes na sua concepção e em um ou outro dispositivo concernentes ao ONGÁS, sua criação vem atender a um anseio do mercado de gás natural, tratando-se de uma inovação sem precedentes. Dessa forma, os agentes esperam com ansiedade a aprovação do PL sua conversão em lei, principalmente no que tange à criação do operador do sistema.

            5.6. Novas atribuições da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

            Uma vez que o PL procura introduzir novos ditames à indústria do gás, nada mais natural que o órgão regulador responsável por esse insumo venha possuir atribuições antes inexistentes. Assim é que o PL, em seu art. 10, através de quinze incisos, atribui novas competências à ANP, sem prejuízo das que lhe foram conferidas pela Lei 9.478/97, conforme explicitamente exposto no caput do dispositivo em pauta.

            Dentre tais as atribuições, pode-se destacar como mais importantes a elaboração de editais e a promoção de licitações para concessões no setor do gás, o estabelecimento de critérios para fixação de tarifas de transporte e armazenamento, a fiscalização do ONGÁS, a conferência de autorização para o exercício de atividades em que caiba essa espécie jurídica, a autorização e operação dos gasodutos de transferência e a reclassificação de gasodutos de transferência.

            Há também atribuições que podem ser consideradas normas meramente programáticas, por carecerem de substância e efetividade, como a interação da ANP com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e com a Empresa de Planejamento Energético (EPE). Certo é que a interação entre esses órgãos se reveste da mais alta obviedade e, em tese, nem precisaria constar expressamente em lei. No entanto, dada a instabilidade e a insipiência das instituições no Brasil, achou por bem o legislador fazer constar expressamente tal interação do Projeto de Lei n.º 226/2005.

            Desconsiderando convenientemente possíveis e discutíveis distorções, as novas atribuições da ANP são, sem dúvida, necessárias ao novo arcabouço regulatório que poderá passar a existir com a aprovação do PL.

            5.7. Adoção do regime de concessão para a atividade de transporte.

            Mais uma vez o Projeto de Lei n.º 226/2005 atende às expectativas do setor do gás natural e dispõe sobre a obrigatoriedade de celebração de contrato de concessão para a atividade de transporte. Conforme já explanado neste trabalho, a figura da concessão possui muito mais consistência jurídica que a autorização [14]. Com efeito, a concessão se lastreia num vínculo de parte a parte e possui regras muito específicas para a rescisão, celebração e continuidade do contrato, bem como se presta a manter seu equilíbrio econômico financeiro. A autorização, por sua vez, reveste-se de um ato precário, em que a administração pública pode, a qualquer tempo e sem ônus algum, extinguir a relação travada inicialmente.

            Sob esse prisma, a adoção do regime de concessão para a atividade de transporte confere maior segurança para os investidores e pode promover um incremento dos investimentos privados para o gás natural.

            5.8. Princípios tarifários e critérios de cálculo e revisão.

            De acordo com o disposto no Projeto de Lei do Senado Federal, a ANP será competente para fixar critérios de cálculo e revisão das tarifas do setor do gás natural. Uma lei que delineasse os princípios tarifários e pusesse a ANP na posição de aplicador desses princípios era, há muito, reclamada pelos agentes do setor.

            Daí, advirá que haverá regulação de fato por parte de agência, vez que a fixação de tarifas se constitui numa das mais importantes atribuições dos reguladores, como forma de garantir a eficiência econômica.

            No que tange ao gás natural, também uma política tarifária regulada e definida, que venha a garantir um mercado pautado na eficiência, contribuirá significativamente para o incremento de sua viabilidade econômica.

            5.9. Livre acesso aos gasodutos de transporte.

            O PL n.º 226/2005 traz, nesse ponto, uma grande inovação, que promete aquecer o mercado de gás natural, incentivando a entrada de novos agentes e aumentando a viabilidade econômica do insumo: o livre acesso aos gasodutos de transporte.

            Sem sombra de dúvida, será muito importante ao pequeno investidor possuir o livre acesso a esses gasodutos, pagando uma taxa pelo uso, a ser definida pela agência reguladora.

            Essa questão relativa ao livre acesso aos gasodutos trará enormes benefícios pra a indústria e promoverá um maior incremento do gás natural na matriz energética nacional [15].

            5.10. Manutenção da faculdade dos Estados fixarem prazo de exclusividade nas atividades de distribuição e na comercialização.

            Talvez seja essa a questão mais controversa e polêmica inserta no Projeto de Lei do Senado. Isso porque, na atualidade, as distribuidoras gozam de exclusividade de atuação, conferidas pelo Poder Público estadual, o que seria mantido na futura norma. A distribuidora baiana BahiaGás, a título de exemplo, possui uma exclusividade de 50 anos. Algumas distribuidoras de outros estados possuem exclusividade de 30 anos, renováveis por mais 30 [16].

            Quando se concebe que a construção de um novo marco regulatório – como pretende ser o PL n.º 226/2005 – não se pode deixar de estranhar a inclusão de um dispositivo como esse, que retarda os mecanismos concorrenciais. Poder-se-ia argumentar que o segmento da distribuição se configura como monopólio natural, o que justificaria a possibilidade de os Estados fixarem exclusividade de serviço para apenas uma empresa. No entanto, tal assertiva não é verdadeira, tendo em vista que o Estado de São Paulo possui três empresas distribuidoras (COMGÁS, Gás Brasiliano Distribuidora e Gás Natural SPS), demonstrando que é possível a estados de maior dimensão econômico-geográfica repartir o segmento da distribuição entre duas ou mais empresas [17].

            Esclareça-se, de plano, que, caso a questão da manutenção da exclusividade seja vetada e retirada do texto final do projeto, as distribuidoras que já gozam de tal benefício não deverão ser atingidas, uma vez que seus contratos celebrados com a administração pública poderão conferir-lhes segurança jurídica.

            Por todas essas razões, é de se esperar que, durante a tramitação do Projeto de Lei pelo Congresso Nacional, haverá bastante discussão acerca dessa questão.

            5.11. Alterações na Lei 9.478/97

            Apesar de não conter nenhum dispositivo que remeta à revogação completa da Lei 9.478/97, o Projeto de Lei n.º 226/2005 propõe alterações em alguns artigos da mesma. Com efeito, caso ocorra a provável aprovação do PL, certos dispositivos da lei mencionada não poderão subsistir, por estarem em total desacordo com a lei que entrará em vigor.

            É de se notar, conforme já explicitado aqui, que a Lei 9.478/97 é uma lei para o petróleo, embora não seja exclusivamente voltada a esse insumo [18]. Não se trata de uma lei da complexidade que exige o mercado de gás natural. Assim, nada mais natural que uma lei que contenha comandos mais específicos e, conseqüentemente, mais próximos das necessidades do setor, expurgue do ordenamento jurídico comandos que com ela não sejam compatíveis.

            Não se trata de preponderância da futura lei sobre a norma já existente, mas tão somente de sua adequação ao novo modelo proposto. Com isso, a Lei 9.478/97 terá dispositivos alterados ou parcialmente revogados, como forma de tornar a Lei do Petróleo compatível com a Lei do Gás.

            Cumpre, também, salientar que no que tange à exploração e à produção de gás natural, valerá, em muitos casos, o que ora dispõe a Lei 9.478/97, tendo em vista que o PL se atém muito mais às questões do transporte e do armazenamento. Dessa forma, as duas leis poderão vir a complementarem-se entre si, atuando em favor do desenvolvimento do petróleo e do gás natural.

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Sobre os autores
Gustavo Vilas Bôas

advogado, bolsista da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mestrando em Regulação da Indústria de Energia, da Universidade Salvador (UNIFACS)

Patrícia Crichigno Távora

advogada, bolsista da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mestranda em Regulação da Indústria de Energia, da Universidade Salvador (UNIFACS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BÔAS, Gustavo Vilas ; TÁVORA, Patrícia Crichigno. Definição de um novo marco regulatório para a indústria de gás natural no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 930, 19 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7860. Acesso em: 19 dez. 2024.

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