ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO, ATO ADMINISTRATIVO COMPOSTO E AUTORIDADE COATORA EM MANDADO DE SEGURANÇA
Rogério Tadeu Romano
I – NOÇÃO DE ADMINISTRATIVO COMPLEXO E ATO ADMINISTRATIVO COMPOSTO
Ato complexo é o ato administrativo formado pela manifestação de vontade de órgãos diversos, enquanto que procedimento administrativo é uma sequência de atos administrativos, geralmente praticados pelo mesmo órgão.
Por fim, ato administrativo composto é o ato que resulta da "vontade de um órgão, mas depende da verificação por parte de outro, para se tornar exequível. (...) O ato composto distingue-se do complexo porque este só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo que aquele é formado pela manifestação de vontade de um único órgão, sendo apenas ratificado por outra autoridade" (Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 2007, p. 173).
Conforme Alexandre Magno F. Moreira, "O ato complexo é apenas um ato administrativo, formado por duas mais ou mais vontades independentes entre si. Ele somente existe depois da manifestação dessas vontades. O ato composto, ao contrário, é único, pois passa a existir com a realização do ato principal, mas somente adquire exequibilidade com a realização do ato acessório, cujo conteúdo é somente a aprovação do primeiro ato." ( Atos Administrativos).
Diverso é o procedimento administrativo que é uma sequência de atos administrativos.
Sabe-se que, no caso das pessoas jurídicas de direito público, elas exercem suas atividades através de órgãos, ou seja, as autoridades incumbidas de tomar decisões em nome dessas administrações.
Uma pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, age através de seus órgãos. O órgão, em verdade, não representa a pessoa jurídica. A representação supõe duas pessoas distintas, uma das quais atua por conta da outra. O órgão carece de personalidade jurídica.
Os órgãos são fragmentos da pessoa jurídica. E a pessoa jurídica de direito público quando expressa a vontade, quando age, o faz por meio de seus órgãos.
O órgão público pode ser simples ou composto. No primeiro, há uma unidade de atribuições(por exemplo, o juízo). Já o órgão composto é como se fosse formado de pequenos órgãos, todos com atividades diversificadas, como é o caso de um tribunal.
Quando o órgão é ocupado por uma única pessoa dizemos que é singular; quando formado de várias pessoas físicas ele é colegiado.
II – AUTORIDADE COATORA EM MANDADO DE SEGURANÇA. A QUESTÃO DA INDICAÇÃO ERRÔNEA
Esses conceitos são importantes para definição da autoridade coatora no mandado de segurança.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXIX, determina a concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O mandado de segurança está regulado pelo recente diploma legal: a Lei nº. 12.016, de 7 de agosto de 2009, que revogou expressamente a Lei nº. 1.533/1951 e, ainda, a legislação extravagante (Leis nº. 4.348/1964 e nº. 5.021/1966).
Primeiramente, é fundamental para fins de determinação da competência, pois para processar e julgar a ação mandamental importa determinar a hierarquia da autoridade que perpetrou o ato guerreado, pouco importando a natureza da controvérsia ou a matéria do objeto de discussão, como explica Lopes Meirelles (Mandado de segurança, ação popular) e também Celso Agrícola Barbi(Mandado de Segurança):
A exata determinação de quem seja a autoridade coatora nos casos concretos é da maior importância, porque disso depende a fixação do órgão competente para julgamento, uma vez que, segundo o nosso direito positivo, a competência para conhecer dos mandados de segurança não deriva da natureza da questão ajuizada, e sim da hierarquia da autoridade que praticou o ato impugnado por aquela via processual.
Lopes Meirelles(obra citada) afirma que a autoridade coatora é a parte no mandado de segurança e que o ingresso da pessoa jurídica no feito não mais se dá na posição de assistente, mas na de litisconsorte facultativo, com base no inciso II, do art. 7º, da nova lei (previsão de obrigação de se dar ciência do feito ao "órgão de representação judicial" da pessoa jurídica interessada e de enviar cópia da inicial, "para que, querendo, ingresse no feito")
Fixa-se a competência do STF para julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato do Presidente da República, do Procurador-Geral da República e das Mesas da Câmara dos Deputados e Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do próprio STF, do Conselho Nacional da Magistratura e, ainda, do Conselho Nacional do Ministério Público.
Acentua-se que a competência determinada em função da autoridade mandante pode diferir daquela fixada em relação à autoridade executora, questão que envolve o polêmico conceito de autoridade coatora.
A substituição da autoridade indicada é vedada, em regra, sob a justificativa de que é fundamental que a autoridade indicada tenha a atribuição de corrigir a ilegalidade impugnada, ou seja, que disponha de poderes e meios para cumprir a ordem emanada pelo Poder Judiciário na hipótese da concessão da segurança.
Fala-se na chamada teoria da encampação.
A teoria da encampação consiste numa pacífica, ainda que restrita , construção jurisprudencial. Considera legítima ao polo passivo a autoridade hierarquicamente superior que, ao prestar as informações de estilo, além de suscitar sua ilegitimidade passiva, enfrenta o mérito e defende o ato tido como ilegal. Ou seja, não obstante a alegação de ilegitimidade, entende-se que a autoridade coatora acaba por defender a juridicidade do ato.
A correção da irregularidade, levada a cabo ex officio pelo magistrado, apoia-se no interesse público, na economia e no aproveitamento de atos processuais.
A construção alerta que, não havendo qualquer prejuízo para adequada formação e desenvolvimento do processo, máxime quando a autoridade apontada como coatora tiver vínculo de hierarquia com a que deveria ter participado do processo, e não havendo alteração de competência, não há porque deixar de enfrentar o mérito do mandado de segurança.
No tocante à exigência de não alteração na competência jurisdicional, fundamenta-se que a teoria não deve ser utilizada como forma irrestrita de se convolar o vício de incompetência. Para tanto, o magistrado deve analisar o caso concreto e perceber eventual manobra tendente à escolha do juízo, que pode ter por critério a maior ou menor dificuldade de se identificar quem é o agente público hábil a praticar ou a reverter o ato estatal impugnado.
(i) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (ii) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e (iii) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas.
Eis um exemplo de aplicação:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INDICAÇÃO ERRÔNEA DA AUTORIDADE COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. APLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 515, § 3º, DO CPC. IRPJ. EXCLUSÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE DEMONSTRATIVOS FINANCEIROS. ANO BASE 1997. CONSTITUCIONALIDADE. LEI 9.249/95.
I - Afigura-se como parte legítima para figurar no pólo passivo do presente mandado de segurança, em que se pretende discutir tributo administrado pela Receita Federal, a autoridade responsável por arrecadar os impostos e impor a sanções fiscais respectivas, no caso, o Delegado da Receita Federal do domicílio fiscal do contribuinte.
II - A todo modo, na espécie, considerando que há existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; não haverá modificação de competência; e a autoridade coatora se manifestou a respeito do mérito da demanda, deverá ser aplicada a teoria da encampação, para reconhecer a legitimidade passiva da autoridade impetrada.III - No mérito, entendo que "não há ofensa ao ordenamento jurídico infraconstitucional a opção do legislador em revogar a correção monetária das demonstrações financeiras tratadas pela Lei n. 7749, de 10 de julho de 1989, e pelo art. 1º da Lei n. 8.200, de 28 de junho de 1991", porquanto "a correção monetária sobre valores tributários depende de lei", não competindo ao Poder Judiciário aplicar correção monetária sobre tributos por criação jurisprudencial. Precedentes deste Tribunal e do STJ. - Apelação provida. Sentença anulada. Segurança denegada, de logo, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC.(AMS 0020140-90.2000.4.01.0000/MG, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma,e-DJF1 p.413 de 09/07/2010).
Portanto, sendo indicada equivocadamente a autoridade superior como coatora, ao invés de julgar imediatamente extinto o processo, sem resolução do mérito, o juízo deverá verificar se é o caso ou não da aplicação da teoria da encampação.
A recente Lei do Mandado de Segurança, Lei n. 12.016/09, optou por considerar "autoridade coatora" aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para prática desse, inovando ao incluir a norma explicativa no parágrafo 3º, do art. 6º, in verbis:
Art. 6º. (...)
§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
O que a lei quis demonstrar é que a autoridade é quem tenha o poder de mando, tenha ela praticado ou não o ato. Às vezes quem manda, faz. Em outras, alguém ordena que outro o faça.
Para o STJ, a autoridade que não praticou o ato, mas tem poderes para corrigir o ato reputado violador do direito líquido e certo também tem legitimidade passiva para o mandamus: “A autoridade coatora, para fins de impetração de mandado de segurança, é aquela que pratica ou ordena, de forma concreta e específica, o ato ilegal, ou, ainda, aquela que detém competência para corrigir a suposta ilegalidade. Inteligência do art. 6.º, § 3.º, da Lei n.º 12.016/2009” (AgRg nos EDcl no RMS 45074 / PE, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, unânime, DJe 12/08/2014).
A respeito dos atos coatores praticados mediante delegação, já algum tempo não lavra controvérsia, como lecionou Sérgio Ferraz(Mandado de Segurança. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.1)., com fundamento na tese da Súmula 510 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual coator é o agente delegado (agente que recebeu a atribuição), e não o agente delegante.
Já o ato emanado de órgão colegiado, por ser formado por várias vontades individuais, gera controvérsia. Apesar do entendimento doutrinário no sentido da legitimidade do presidente do órgão colegiado para figurar no polo passivo da demanda , há doutrina e recente decisão do STJ indicando a legitimidade do próprio órgão colegiado.
Veja-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça na matéria:
Processo
RMS 40367 MG 2013/0001508-9
Orgão Julgador
T2 - SEGUNDA TURMA
Publicação
DJe 13/08/2013
Julgamento
6 de Agosto de 2013
Relator
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO SUPERIOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. AUTORIDADE COATORA. PRESIDENTE DO ÓRGÃO COLEGIADO.
1. O Presidente do órgão colegiado, por ser representante externo do órgão que preside, tem legitimidade passiva para responder em juízo pelas decisões do órgão colegiado.
2. "Em se tratando de órgãos colegiados, o seu Presidente, além de responder por atos de sua competência própria (oportunidade em que se manifestará, se for o caso, como agente individual), tem também a representação externa do próprio órgão que preside. Assim, quando o mandado de segurança visa a atacar ato praticado pelo colegiado, o Presidente é chamado a falar, não como agente individual, mas em nome e em representação da instituição" (RMS 32880/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 26/09/2011).
3. Recurso ordinário provido.
O ato complexo, ato que, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro(Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo, Atlas, 2001),exija a manifestação de mais de um órgão para sua formação, singular ou colegiado, cuja vontade se funde para formar um ato único, enseja a impetração da segurança contra "a autoridade que representa o órgão que praticou o ato final, ou que completou o ato complexo, aperfeiçoando-o", como ensinou o Ministro Carlos Mário Velloso(MS 97.203-DF). Naquele julgamento, o Ministro Velloso sustentou a tese de que no caso de “ato complexo”, no qual intervém mais de um órgão, a segurança pode ser impetrada contra a autoridade que representa o órgão que praticou o ato final, ou que completou o ato complexo, aperfeiçoando-o.
Repitamos que é diferente o caso do ato composto.
No ato composto, diferentemente do ato complexo, não há unidade jurídica. São dois atos jurídicos que se interdependem, como explicou Oswaldo Aranha Bandeira de Mello(Princípios gerais, pág. 123). A vontade parte de um só órgão. Um segundo órgão se limita a apor seu visto ou que o valha, ratificando o que foi feito pelo primeiro órgão. O ato principal praticado pelo primeiro órgão só adquire eficácia após visto do segundo. O impetrante pode atacar só o ato principal, sem qualquer necessidade de pedir a notificação do órgão que o notificou ou o aprovou. Se o ato principal for considerado nulo, automaticamente nulo será o segundo, dele dependente.