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Impossibilidade de cobrança de créditos calculados com base em valor-de-referência

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Introdução

            Diversas obrigações previstas no ordenamento jurídico, especialmente as referentes a multas, são fixadas em valores-de-referência. O objetivo deste artigo é mostrar que a norma que, em março de 1991, estabeleceu a importância do valor-de-referência, é nula, o que implica a impossibilidade da cobrança de créditos, como os referentes a multas, fixados em valor-de-referência.


Fundamentos

            Os valores-de-referência regionais foram extintos pelo art. 3o, III, da Lei 8.177, de 4 de março de 1991:

            "Art. 3º Ficam extintos a partir de 1º de fevereiro de 1991:

            I - o BTN Fiscal instituído pela Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989;

            II - O Bônus do Tesouro Nacional - BTN de que trata o art. 5º da Lei nº 7.777, de 19 de julho de 1989, assegurada a liquidação dos títulos em circulação nos seus respectivos vencimentos;

            III - o Maior Valor de Referência - MVR e as demais unidades de conta assemelhadas que são atualizadas, direta ou indiretamente, por índice de preços.

            Parágrafo único. O Valor do BTN e do BTN Fiscal destinado à conversão para cruzeiros dos contratos existentes na data de publicação da Medida Provisória que deu origem a esta Lei, assim como para efeitos fiscais, é de Cr$ 126,8621."

            No mesmo dia da aprovação da Lei 8.177, foi editada a Lei 8.178, cujo art. 21 estabeleceu o equivalente, em cruzeiros, de valores-de-referência regionais:

            "Art. 21. Os valores constantes na legislação em vigor expressos ou referenciados:

            I - ao BTN ou BTN Fiscal, são convertidos pelo valor de Cr$ 126,8621;

            II - ao MVR, são convertidos pelos valores fixados na Tabela abaixo:

             --------------------------------------------------------------

            Valores (Cr$)Regiões e Sub-Regiões (Tais como definidas pelo Decreto nº 75.679, de 29 de abril de 1975)

            1.599,75 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª - 2ª sub-região, 10ª, 11ª, 12ª - 2ª sub-região

            1.772,35 1ª, 2ª, 3ª, 9ª - 1ª sub-região, 12ª - 1ª sub-região, 20ª e 21ª

            1.930,76 14ª, 17ª - 2ª sub-região, 18ª - 2ª sub-região

            2.107,02 17ª - 1ª sub-região, 18ª - 1ª sub-região, 19ª

            2.266,17 13ª, 15ª, 16ª, 22ª

             ----------------------------------------------------------------------

            III - aos índices de que trata o art. 4º da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, são atualizados, de acordo com a variação correspondente ao mês de janeiro de 1991."

            Já que o valor-de-referência é diferente para cada uma das regiões mencionadas no art. 21, II, da Lei 8.178/91, é necessário que exista uma norma definindo cada uma dessas regiões.

            O art. 21, II, da Lei 8.178/91 faz referência ao Decreto 75.679, de 29 de abril de 1975. No entanto, esse decreto estava, ao tempo da edição da Lei 8.178/91, revogado, conforme se procurará mostrar a seguir.

            O Decreto 75.679/75 fixou o valor do salário mínimo regional, diferenciado de acordo com as regiões nacionais que definia. O art. 21, II, da Lei 8.178/91 utilizou-se dessa classificação de regiões para estabelecer os valores-de-referência.

            A diferenciação do salário mínimo por regiões do País, estabelecida pelo Decreto 75.679/75, foi extinta pelo caput do art. 1o do Decreto 89.589, de 26 de abril de 1984, dispositivo que determinou que o valor do salário mínimo fosse unificado em todo território nacional:

            "Art. 1o O salário mínimo fixado pelo Decreto n. 88.930, de 31 de outubro de 1983, fica estipulado em Cr$ 97.176,00 (noventa e sete mil, cento e setenta e seis cruzeiros), em todo o Território Nacional.

            O art. 7o, IV, da Constituição Federal, também determinou a unificação do salário mínimo no país:

            "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

            (...)

            IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;"

            Portanto, a Lei 8.178/91 baseou-se no Decreto 75.679/75, que já havia sido revogado ao tempo da edição dessa lei. A vigência do Decreto seria essencial para a determinação do valor-de-referência para cada região do país.

            Por ter o art. 21, II, da Lei 8.178/91, quando da sua edição, se fundado em norma que já estava revogada, esse dispositivo já nasceu nulo.


Normas anteriores à Lei 8.178/91

            Os créditos fixados em valores-de-referência não podem ser exigidos com fundamento em parâmetros fixados por normas anteriores à Lei 8.178/91, porque a nulidade do art. 21, II, dessa Lei, não permite que dispositivos anteriores referentes à matéria permaneçam no ordenamento jurídico atualmente.

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            Ainda que se entenda possível a atualização dos valores-de-referência somente até março de 1991, o valor dos créditos será diminuto, devido à grande desvalorização da moeda ocorrida após essa data.


Conclusões

            Assim, o art. 21, II, da Lei 8.178/91 é um dispositivo nulo. Portanto, é impossível a cobrança de créditos, como os referentes a multas, fixados em valor-de-referência.

            Na pior das hipóteses para o administrado, a atualização monetária dos créditos pode ser realizada somente até março de 1991, o que implica uma redução drástica no valor exigido.

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Sobre o autor
Cacildo Baptista Palhares Júnior

advogado em Araçatuba (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALHARES JÚNIOR, Cacildo Baptista. Impossibilidade de cobrança de créditos calculados com base em valor-de-referência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 944, 2 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7878. Acesso em: 5 nov. 2024.

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