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Cobrança extrajudicial de honorários advocatícios:

cláusula abusiva. Código do Consumidor

01/02/2001 às 00:00
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Ao proceder a leitura do excelente artigo do colega Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, (1) sob o título "A cobrança extrajudicial de honorários do consumidor", não resisti ao apelo de tecer algumas considerações a favor do tema abordado, acostando aspectos de interesse do consumidor. (2)

Com muita propriedade sustentou Leonardo Roscoe a abusividade da cobrança dos honorários advocatícios por escritórios de advocacia, da parte vulnerável, que é o consumidor, em razão de débitos em atraso com o fornecedor, fundamentando que o referido escritório "só recebe o pagamento se houver o acréscimo dos encargos (juros de mora e multa) além de honorários advocatícios, que variam de 10 a 20% do valor devido".

Destacou ainda o renomado autor que "a questão não é se o profissional deve ou não receber os honorários advocatícios, e sim quem deve arcar com o pagamento de tal verba", sustentando que o consumidor não efetuou nenhum contrato com o escritório de advocacia devendo arcar com o pagamento dos honorários o fornecedor, quem realmente contratou os serviços advocatícios.

Arrimado a este fato, registra-se que o fornecedor ao contratar os serviços advocatícios "não aceita mais receber a parcela vencida, que deve ser paga diretamente ao advogado".

Após laboroso comentário jurídico e acostar jurisprudência a respeito do tema, acrescenta Roscoe que o próprio Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) dispõe em seu artigo 22 a possibilidade da cobrança dos honorários advocatícios em três situações: "quando há convenção entre as partes, arbitramento judicial ou sucumbência", hipóteses estas que não legitimam a cobrança de honorários da parte que não contratou, como é o caso do consumidor, reforçando a tese da abusividade da cobrança.

Nesse sentido, acrescentamos alguns argumentos no sentido de reforçar a tese defendida por Roscoe, que traduz o nosso entendimento a luz do Código do Consumidor.

Há casos, conforme o artigo retrata que o consumidor não efetuou contrato com o advogado logo, não deverá arcar com o pagamento dos honorários, conforme já expressado. E como fica o caso do consumidor que assume uma determinada obrigação contratual, com a cláusula prevendo expressamente que em caso de inadimplemento o consumidor arcará com o pagamento dos honorários advocatícios ? Estará o consumidor obrigado a efetuar o pagamento dos honorários do causídico que objetiva agir contra os interesses/direitos do consumidor ?

A priori, verificamos que por disposição contratual, o consumidor assumiu livremente a obrigação de efetuar o pagamento dos honorários advocatícios, em consonância com o dispositivo legal previsto no art.22 do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), que autoriza a cobrança "quando há convenção entre as partes"; logo, ao entendimento da Teoria Contratual o consumidor deve honrar este compromisso.

Todavia, ao nosso juízo, a cláusula que autoriza o pagamento de honorários de advogados em razão de inadimplemento de obrigação assumida, apesar de lícita é abusiva, sendo necessário o reconhecimento e aplicação da Teoria da Abusividade na Relação de Consumo em prol do consumidor, objetivando declarar a nulidade absoluta da cláusula.

Nesse enfoque prende-se a nossa análise, buscando acrescentar de forma singela ao trabalho primoroso desenvolvido, uma extensão da abordagem, sem contudo, esgotá-lo, haja vista a imensidão do tema sugestivo.

Abordaremos o caso do contrato de adesão, contrato de massa que foi referendado pelo nosso Código do Consumidor, deixando portanto para uma posterior análise os contratos paritários nas relações de consumo.

É de conhecimento geral, que o nosso Código do Consumidor no art. 54 do CDC. estabeleceu o contrato de adesão como sendo " aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."

É cediço que no contrato de adesão não há liberdade contratual, conforme consignado no conceito de contrato de adesão, vigorando não obstante a liberdade de contratar; por isso faz-se necessário a tutela da parte vulnerável, em razão da ausência de discussão das cláusulas contratuais, como é comum acontecer na pactuação dos contratos paritários.

O STJ. já pronunciou a respeito da nulidade de cláusula contratual no caso da denominada cláusula mandato, que autoriza a emissão de título cambial por procurador, prescrevendo a Súmula nº 60 do STJ: "É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante no exclusivo interesse deste." (3)

Sempre foi do nosso entendimento que este tipo de cláusula, constante inclusive em contratos bancários, era uma cláusula abusiva, importando um desequilíbrio na relação de consumo, consagrado na desvantagem outorgada à parte mais fraca que não contratou os serviços daquele profissional.

Da análise de diversas reclamações formuladas por consumidores em contratos de adesão, como financiamentos, abertura de créditos e até mesmo confissão de dívida, restou patente a cobrança por parte dos fornecedores/instituições bancárias a cobrança de até 20% de honorários de advogados, devidos tão somente pela cobrança extrajudicial, fato este que ao nosso aviso é considerado abusivo.

Fato interessante ocorreu com a edição da Portaria nº4/98 da SDE (Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça) que tipificou como abusiva a cláusula contratual que obriga o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios, sem ajuizamento de ação.

A referida Portaria adita ao elenco do art. 51 da lei 8.078/90 e do art. 22 do Decreto 2.181/97, outras cláusulas abusivas, prescrevendo como nulas de pleno direito a cláusula contratual que obriguem o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que haja ajuizamento de ação correspondente. (item 9 da Portaria nº 4/98).

O Despacho nº 132 do Secretário de Direito Econômico de 12/05/98, expressou nota explicativa a respeito dos motivos da edição da Portaria nº 04 de 13.03.98, em conformidade com a decisão unânime extraída da 19ª Reunião do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, realizada em Brasília, esclarecendo em relação ao item 9, que "O consumidor não está obrigado ao pagamento de honorários ao advogado do fornecedor. Os serviços jurídicos contratados diretamente entre o advogado e o consumidor não se enquadram neste item. (4)

Na Europa, por exemplo, o Conselho das Comunidades Européias estabelece "Directivas", através de propostas, aos estados membros, sobre cláusulas consideradas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, como forma de controle.

Permitimo-nos realçar ainda que na França, a Comissão das Cláusulas Abusivas já havia elencado, como Cláusula Abusiva, o fato de obrigar o consumidor a reembolsar os custos e honorários para a cobrança judicial. (5)

A Legislação francesa apresenta através da Comissão das Cláusulas abusivas, várias Recomendações entre elas a Recomendação n. 79-02 que estabelece a respeito da cobrança de honorários no item 7, recomendando a exclusão deste tipo de cláusula dos contratos entre profissionais e não profissionais ou consumidores. (6)

O art. 6, IV do CDC. estabelece que um dos direitos básicos do consumidor é o de proteção contra cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos ou serviços, sendo que o CDC enumerou várias cláusulas abusivas no art. 51.

O art. 51 caput, estabelece que são nulas de pleno direito, "entre outras" as cláusulas alí enumeradas, traduzindo o entendimento que o rol expresso é meramente exemplificativo, vale dizer, não é numerus clausus e sim numerus apertus, demonstrando assim a ilimitação das cláusulas.

Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson Nery Junior, "são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimos de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas..." (7)

Nesse sentido, chega-se a conclusão que a cláusula é abusiva quando imputar o ônus ao consumidor em desvantagem exagerada, ofendendo o direito do consumidor, que constitui arcar com os honorários de advogado para agir contrário aos seus próprios direitos/interesses.

O art. 51, XII do CDC estabelece como sendo nula a cláusula contratual que "obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito Ihe seja conferido contra o fornecedor", deixando patente que se o fornecedor estipular unilateralmente o ressarcimento do custo da cobrança em cláusula contratual, tal disposição é considerada nula. O dispositivo legal busca assegurar o respeito a bilateralidade, assegurando assim no contrato que ambos consumidor e fornecedor podem ressarcir do custo da ação ajuizada por um ou outro.

Constata-se que o legislador brasileiro preferiu, ao invés de enumerar exaustivamente as cláusulas abusivas (como o elenco do art. 1.341 do Código Civil Italiano, que a doutrina entende como taxativo, ou mesmo a lei alemã que apresenta a lista negra e lista cinza, etc.), adotar a fórmula exemplificativa de cláusulas, admitindo a existência de inúmeras cláusulas que não somente aquelas elencadas no art.51 do CDC.

Outro aspecto interessante é que uma vez identificado que a cláusula é abusiva, se opera o regime da nulidade de pleno direito (art. 51 caput). De sorte que, pela sistemática do Código do Consumidor, é possível o Juiz, diante da conjuntura do caso real, reconhecer a abusividade da cláusula e, portanto, declarar a mesma nula de pleno direito.

É necessário destacar que o Código do Consumidor consagrou o princípio da boa-fé, constante no art. 4, caput e inciso III do codex citado, sendo que toda cláusula que infringir esse princípio é considerada como abusiva. Nesse sentido o art. 51, XV do CDC. estabelece que são abusivas as cláusulas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor".

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É indispensável, para o controle das cláusulas abusivas, para a definição do exercício normal ou abusivo do direito, para as exigências da atuação criadora, quando o dever determina ao Juiz não só a captação da realidade social e econômica em que está sendo operado o contrato, mas também a compreensão da sua tipicidade, a aferição da lealdade das partes e, finalmente, a elaboração da norma para o caso concreto. (8)

A lei espanhola de defesa do consumidor, estabelece no art. 10, item 3 a respeito do conceito de cláusula abusiva, afirmando: As Cláusulas Abusivas, entendendo-se como tais as que prejudiquem de maneira desproporcionada ou não eqüitativa o consumidor, ou comportem no contrato uma posição de desequilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes em prejuízo dos consumidores ou usuários. (9)

Na verdade, cada parte no contrato deve ao outro o auxílio necessário à execução daquilo que foi objeto de pactuação, devendo-se abster de qualquer ato que possa tornar mais onerosa para as partes.

O Código de Defesa do Consumidor consagra o princípio da transparência e harmonia das relações de consumo (art. 4º), definindo como abusiva a cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatível com a boa-fé e eqüidade (art. 51, IV), preceituando que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47), impondo-se, nos contratos de adesão, que estes sejam redigidos em termos claros de modo a facilitar sua compreensão (art. 54, § 3º).

Assim, a cláusula prevendo a cobrança de honorários advogados é abusiva, imputando o pagamento do causídico para agir contrários aos seus próprios interesses, consistindo numa cláusula mandato, que como já foi visto, o STJ já pronunciou através de Súmula a nulidade.

O pagamento de honorários advogados é abusivo, pois se mostra excessivamente oneroso para o consumidor, consolidando em vantagem exagerada para o fornecedor, que em face da Teoria do Risco Empresarial repassa o risco da operação a parte vulnerável.

Impõe-se consignar, que a norma do consumidor é a responsável pela releitura da teoria contratual, estabelecendo como princípio básico o equilíbrio no negócio jurídico, assegurando assim a Justiça contratual entre as partes, restringindo ou eliminando a rigidez de cláusulas que impõe uma manifesta desvantagem ao consumidor.

Destarte, restou demonstrado, que o Código do Consumidor fulmina de nulidade de pleno direito as cláusulas contratuais abusivas, entre elas a cláusula que atribui ao consumidor o ônus de arcar com o pagamento dos honorários advocatícios contrários ao seu interesse, haja vista que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, incompatíveis com a boa-fé, importando em desequilíbrio para a parte mais fraca.

É oportuno registrar, que o art.51, § 4º faculta a qualquer consumidor requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.


NOTAS

1.Titular da Segunda Promotoria de Defesa do Consumidor, professor de Direito Civil e mestrando pela Universidade de Brasilia.

2. publicado no jornal do comércio de 05/09/00, (caderno suas contas/apontamentos), Rio.

3. No mesmo sentido Nelson Nery leciona que é nula a cláusula contratual pela qual o devedor nomeia o credor, caráter irretratável e irrevogável, seu procurador, para emitir cambial em favor e no exclusivo interesse do credor. NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 1381.

4. O Despacho nº 132 do Secretário de Direito Econômico foi publicado no Diário Oficial da União, em 18/0598.

5. Conforme ensina João Bosco Leopoldino da Fonseca, Cláusula Abusivas, nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 1998 p.162.

6. Recommandation CCA nº 79-02 du 30 janvier 1979, La Commission des clauses abusives. Code de La Consummation. Paris: Dalloz,1996.p.406/407.

7. NERY JUNIOR, Nelson. op. cit. p.1.379.

8. Sobre cláusulas abusivas recomendamos o trabalho jurídico da Prof. Maria Cecília Nunes Amarante - Monografia apresentado no Curso de Doutorado da Universidade Gama Filho, para obtenção dos créditos avulsos na Disciplina Jur. 250, Direito do Consumidor, sob o tema: "A Filosofia de Ação em Defesa do Consumidor". Universidade Gama Filho. Rio.1999.

9. Lei General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, lei 26/84, editada em 19 de julho de 1984.preferimos a tradução de João Bosco Leopoldino da Fonseca. Clausulas Abusivas nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1998. pp.170-172.

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Sobre o autor
Plínio Lacerda Martins

promotor de Justiça em Juiz de Fora (MG), professor de Direito do Consumidor da FGV e UGF, mestre em direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Plínio Lacerda. Cobrança extrajudicial de honorários advocatícios:: cláusula abusiva. Código do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/788. Acesso em: 19 dez. 2024.

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