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O princípio constitucional da eficiência administrativa: a construção possível de seu conteúdo jurídico

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Resumo:


  • A Emenda Constitucional nº 19 de 1998 introduziu o princípio da eficiência no artigo 37 da Constituição Federal, exigindo que a administração pública direta e indireta de todos os poderes e entidades atue conforme esse princípio.

  • O conceito de eficiência está relacionado à capacidade de produzir efeitos desejados com o mínimo de recursos e esforço, sendo interligado ao conceito de eficácia, que se refere à qualidade de alcançar os resultados esperados.

  • O princípio da eficiência deve ser interpretado em um sentido amplo, integrando tanto a otimização dos meios quanto a obtenção de resultados, sendo fundamental para a concretização das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam a atividade administrativa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflete-se sobre a possibilidade de se construir um conteúdo jurídico específico e útil para o princípio constitucional da eficiência, a fim de permitir um controle de qualidade da administração pública não realizado por outros princípios.

Em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 inseriu no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988 o princípio da eficiência, o qual passou a vincular a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Antes, todavia, de iniciarmos a discussão sobre um possível conteúdo jurídico para o princípio da eficiência, cabe indagar a respeito do próprio conceito do termo eficiência: “ 1. ação, força, ou virtude de produzir um efeito; 2. eficácia”. Por sua vez, eficácia seria: “ 1. qualidade ou propriedade do que produz o efeito desejado, do que dá bom resultado; 2. eficiência.”[1]

De imediato, verificamos que as segundas acepções dos termos eficiência e eficácia são sinônimas uma da outra, reforçando a sua interrelação no vocabulário comum social. Por outro lado, ao entendermos o termo eficiência em sua primeira acepção, vemos que apresenta uma tênue diferença com relação à primeira acepção do termo eficácia. A primeira acepção de eficiência se refere a uma ação, a um processo que tem sua própria dinâmica na produção de determinados efeitos, enquanto a primeira acepção de eficácia se refere à qualidade que advém deste mesmo processo, quando ele produz os devidos efeitos (isto é, após a devida produção dos efeitos).

Em outras palavras, eficiência se refere aos meios utilizados para a produção de determinados resultados, enquanto eficácia se refere à produção real e final desses resultados. Todavia, como visto, também podemos entender o termo eficiência em sua segunda acepção, isto é, como sinônimo de eficácia[2]. Assim, o conceito de eficiência relaciona-se, em seu sentido comum, tanto com o uso de certos meios, quanto com a consequente produção de determinados resultados na realidade fática.

É justamente o sentido comum e amplo do termo eficiência que usaremos como ponto de partida para construirmos o conteúdo jurídico primário do princípio. Para nos aprofundarmos nesse processo, todavia, será necessário nos valermos dos conceitos técnicos dos termos eficiência e eficácia, os quais, como visto, estão conectados no conceito comum.

Os termos em questão, todavia, não são estudados e definidos pela Ciência do Direito, mas pela Ciência da Administração, dentre outras.

Nesse sentido, deve-se reconhecer que o termo eficiência, por uns considerado um conceito jurídico indeterminado[3], ou um conceito deveras fluido[4], pode ter seu conteúdo jurídico delimitado, de forma a tornar-se concretizável em situações específicas de políticas públicas, processos administrativos e esferas de atuação administrativa outras, caso o termo eficiência, em sentido comum e amplo (que como visto abrange eficiência em sentido estrito e eficácia em sentido estrito), seja interpretado de forma integrada com os seus respectivos elementos conceituais científicos e técnicos extrajurídicos, pois que profundamente estudados pela ciência da administração e por outras áreas do conhecimento humano, que muito têm a contribuir para o bom desempenho da Administração Pública. 

Reiterando a possibilidade de se atribuir ao princípio da eficiência tal conteúdo jurídico, fazemos nossas as palavras de Jorge Miranda, quando leciona acerca de algumas diretrizes importantes a serem perseguidas para se assegurar a coerência e a subsistência do ordenamento, com base em uma interpretação constitucional objetiva e evolutiva:[5]

(...) c) Um paralelo esforço, agora de determinação ou de densificação, tem de ser levado a cabo relativamente aos chamados conceitos indeterminados. Estes têm de ser entendidos sempre na perspectiva dos princípios, valores e interesses constitucionalmente relevantes. É indispensável reconhecer ao legislador uma margem relativamente grande de conformação, mas ele não pode transfigurar o conceito, de modo a que cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa[6]; e o que se diz do legislador deve dizer-se, até por maioria de razão, do intérprete;

d) Diversos dos conceitos indeterminados, mas pondo problemas algo parecidos, são os conceitos pré-constitucionais ou exógenos – conceitos vindos de outros setores e ramos do direito, ou extrajurídicos, vindos de outras ciências; e, com estes, entra largamente a realidade constitucional a agir. Ora, todos os elementos e conceitos, uma vez situados em disposições da Constituição formal, têm de ser entendidos em conexão com os demais e analisados tendo em conta quer o seu originário sentido (em princípio, recebido) quer o que lhe advém da sua colocação sistemática;

e) Deve assentar-se no postulado de que todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento. A nenhuma pode dar-se uma interpretação que lhe retire ou diminua a razão de ser. Mais: a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição.[7] (grifos nossos).

Na tentativa de construção do conteúdo jurídico do princípio da eficiência, servimo-nos dos conceitos extrajurídicos da Ciência da Administração, advindos dos estudos de Idalberto Chiavenato, que traça diferenças bem definidas entre eficiência e eficácia no campo da administração de organizações:

Cada organização deve ser considerada sob o ponto de vista de eficácia e de eficiência simultaneamente. Eficácia é uma medida do alcance de resultados, enquanto a eficiência é uma medida da utilização dos recursos nesse processo. (...) Nesses termos, a eficiência é uma relação entre custos e benefícios, ou seja, uma relação entre os recursos aplicados e o produto final obtido: é a razão entre o esforço e o resultado, entre a despesa e a receita, entre o custo e o benefício resultante. (...) Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira (the best way) pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos (pessoas, máquinas, matérias-primas) sejam aplicados da forma mais racional possível. A eficiência preocupa-se com os meios, com os métodos e procedimentos mais indicados que precisam ser devidamente planejados e organizados a fim de assegurar a otimização da utilização dos recursos disponíveis.(...) O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia. (...) 

Eficácia: é (...) a capacidade de atingir objetivos e alcançar resultados. Em termos globais, significa a capacidade de uma organização satisfazer necessidades do ambiente ou do mercado. Relaciona-se com os fins almejados.[8] (grifos nossos)

Com base nas considerações anteriores, podemos concluir que para a ciência da administração, eficiência corresponde à otimização dos métodos de trabalho e dos recursos disponíveis em uma determinada organização, referindo-se, portanto, à mais racional utilização dos meios; eficácia corresponde à otimização dos resultados alcançados pela mesma organização, referindo-se portanto ao maior alcance possível dos objetivos ou finalidades desejados. Em suma, eficiência diz respeito à otimização dos meios, enquanto eficácia diz respeito à otimização dos resultados.

Assim, percebe-se que o conceito de eficiência traçado pela ciência da administração é mais restrito do que o conceito de eficiência referido anteriormente, pois que este não se refere somente aos meios a serem utilizados na obtenção de determinados resultados, podendo ser tomado ainda como sinônimo de eficácia, significando a efetiva obtenção dos resultados almejados.

Há de se perguntar, portanto, qual dos dois sentidos deve corresponder ao sentido do princípio da eficiência, positivado no Texto Constitucional: se o sentido amplo, relativo à otimização tanto dos meios quanto dos resultados, ou o sentido restrito, relativo apenas à otimização dos meios.

A adoção do sentido mais restrito, fornecido pela administração científica, não é recomendável pois possibilitaria que a Administração Pública se considerasse obrigada apenas a fazer a melhor utilização possível de seus recursos e métodos de trabalho, não se considerando obrigada a manter o foco na obtenção de resultados ótimos ou no mínimo satisfatórios.

Entendemos que, em tal hipótese, haveria a possibilidade de se exigir a obtenção de resultados que fossem previamente considerados no mínimo satisfatórios, por meio de outros instrumentos jurídicos, como o princípio da supremacia do interesse público, também conhecido como princípio da finalidade pública, que impõe que cada ato administrativo cumpra a finalidade pública prevista na lei que o autorizou a ser editado. Todavia, essa hipótese é temerária, pois a) possibilitaria a adoção de inúmeras teses controversas, umas com maior ou menor abrangência, de forma a justificar diferentes graus de eficácia de uma administração supostamente eficiente, mas com resultados mínimos ou medíocres, o que não justifica o uso do dinheiro público; b) não possibilitaria, com o mesmo rigor, a exigência de que a Administração Pública estivesse vinculada à otimização da obtenção de resultados em seu atuar, no que tange ao atendimento das demandas sociais relacionadas aos direitos fundamentais do cidadão. Assim, a interpretação restritiva do princípio da eficiência seria antes de tudo ilegítima perante a sociedade brasileira.

O fato de o conceito de eficiência ser dado pela ciência da administração não impõe que seja adotado com a mesma restrição de sentido na regência da Administração Pública, pois o conceito que aqui se discute deve atender a outras exigências, como a sua compatibilidade com inúmeras normas jurídicas (constitucionais ou infraconstitucionais) e construções doutrinárias e jurisprudenciais, que vinculam o atuar da Administração Pública, e que não se aplicam necessariamente à administração das entidades privadas. Somos favoráveis à adoção pelo Direito do conceito de eficiência em sentido amplo, que todavia agregue os conceitos técnicos de eficiência e eficácia, dados pela Ciência da Administração.

Na construção do conceito do princípio da eficiência, deve ser considerado o princípio da ótima concretização da norma constitucional, que tem sido acolhido por inúmeros doutrinadores de peso, e que foi idealizado inicialmente por Konrad Hesse em texto elaborado como base de sua aula inaugural na Universidade de Freiburg, na República Federativa da Alemanha, em 1959. Eis algumas das palavras do professor alemão que merecem destaque:

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma. (...) Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. (...) A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (telos) de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de uma proposição normativa não pode ser mais realizado, a revisão constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão da tensão entre norma e realidade com a supressão do próprio direito. Uma interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses limites.

..................................................................

Em outros termos, o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. [9] (grifos nossos)

Dessa forma, o princípio da ótima concretização da norma constitucional estabelece que a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

Ora, a demanda social pela otimização dos resultados no atuar da Administração Pública existe em nosso País indissociavelmente ligada à demanda social pela otimização dos recursos e métodos de trabalho disponíveis à mesma Administração Pública. Essas são condições reais dominantes em nossa sociedade, que devem ser levadas em consideração na construção do sentido da proposição normativa em estudo. Assim, o princípio da ótima concretização – ou da máxima efetividade – da norma constitucional impõe que a idéia de eficiência administrativa a ser construída no direito constitucional brasileiro refira-se ao sentido amplo de eficiência tratado no presente estudo, e não ao sentido estrito.

Uma outra razão para a adoção do sentido amplo de eficiência é apontada por Linares Quintana, sendo plenamente aplicável à realidade constitucional brasileira, segundo a qual na interpretação constitucional deve sempre prevalecer o conteúdo teleológico da Constituição, que tem como finalidade suprema e última a proteção e a garantia da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Assim, a interpretação da Constituição deve se orientar em direção àquela meta suprema. Esta observação merece ser lida com outra, a de que a Constituição deve ser interpretada com um critério amplo, liberal e prático e nunca estreito, limitado e técnico, de forma que na aplicação prática de suas disposições se cumpram cabalmente os fins que a informam. [10]

A adoção do sentido amplo de eficiência, e não de seu sentido estrito, é também decorrência direta de uma interpretação constitucional voltada para a consecução dos objetivos fundamentais[11] da República Federativa do Brasil, expressos no art. 3º da Constituição Federal de 1988: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Podemos ressaltar que, estando tais objetivos na Constituição como metas fundamentais da República, vinculam o atuar da Administração em suas políticas públicas e em seus planos de governo, estando intimamente relacionados com os princípios que regulam a atividade administrativa.

Na persecução de tais objetivos, muito mais sensato é atribuir à Administração Pública a vinculação ao alcance de determinados resultados e não somente ao uso de determinados procedimentos, o que em muitas vezes possibilita um atuar administrativo burocrático, formalmente legal e econômico, mas sem qualquer comprometimento com a satisfação das necessidades sociais. Em outras palavras, o alcance de resultados torna-se viável na realidade prática quando estes passam a fazer parte do planejamento integrado da Administração Pública. Assim, o conteúdo teleológico da Constituição aponta para o sentido amplo do termo eficiência na construção do conteúdo jurídico do princípio da eficiência. 

Além disso, há de ser ressaltado que as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19/98 devem ser interpretadas de acordo com a finalidade social que motivou a sua edição, isto é, devem ser interpretadas teleologicamente. Oportunas as palavras de Carlos Maximiliano a respeito:

Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida.[12]

Nesse sentido, observe-se que uma das finalidades sociais declaradas na exposição de motivos da Emenda nº 19/98 indica a adoção do sentido amplo do termo eficiência na construção semântica do princípio:

Como resultados esperados da reforma administrativa, vale destacar o seguinte: incorporar a dimensão da eficiência na Administração Pública: o aparelho do Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte. [13] (grifamos).

Como confirmação de que a motivação teleológica da reforma administrativa promovida no texto da Constituição pressupõe que a visão de eficiência da Administração Pública inclua a busca da otimização dos resultados e dos meios e recursos disponíveis, podemos citar algumas dentre as inúmeras normas (regras e diretrizes inspiradas no princípio em tela) introduzidas na Lei Maior pela emenda constitucional referida:

Art. 37, § 3º: A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública;

Art. 37, § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal;

Art. 39, § 7º Lei da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade. (grifamos)

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Portanto, uma das finalidades sociais da reforma administrativa promovida pela Emenda Constitucional nº 19/98 - seja a que foi expressamente declarada em sua exposição de motivos, seja a que decorre das normas analisadas - visou a justamente construir um novo conceito de Administração Pública, comprometida com um bom desempenho tanto no que diz respeito ao correto e racional uso dos recursos e métodos de trabalho no atuar administrativo, quanto no que diz respeito ao alcance de resultados ótimos, com vistas a atender com qualidade e presteza às necessidades da população. Novamente, a conclusão a que chegamos é que o termo eficiência deve ser tomado em seu sentido amplo.

Há de se considerar ainda, na construção do sentido jurídico do princípio constitucional da eficiência, o princípio da supremacia do interesse público. De acordo com os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio, também conhecido como princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento de elaboração da lei quanto no momento de sua aplicação em concreto por parte da Administração Pública. De fato, é o interesse público que inspira a edição da lei que há de vincular o atuar administrativo. As competências administrativas são todas conferidas pela lei aos agentes administrativos para que estes as exerçam no cumprimento de determinadas finalidades públicas, presentes de forma expressa ou implícita nas várias normas do ordenamento jurídico. Se no exercício de suas atribuições administrativas o agente atende a outra finalidade que não aquela prevista na “lei” (aqui como sinônimo de norma jurídica) para a realização do ato, este torna-se ilegal em sua essência porque viciado por desvio de poder, também denominado de desvio de finalidade[14].

Assim, o princípio da supremacia do interesse público indica o sentido amplo do termo eficiência [15] na construção do princípio constitucional em discussão, pois dessa forma este possibilitará sobretudo a avaliação da obtenção do máximo de resultados que correspondam às finalidades sociais previstas na lei.[16] [17]

Por hora, em meio à discussão sobre um sentido a ser possivelmente atribuído ao princípio constitucional da eficiência, entendemos que o mesmo deve representar a exigência à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de atuar quotidianamente de forma que os recursos disponíveis (pessoas, equipamentos, materiais em geral e matérias-primas) e métodos de trabalho sejam utilizados da forma mais racional e produtiva possível (otimização dos meios), com vistas a atingir o maior número de resultados, na satisfação das necessidades da sociedade (otimização dos resultados), com o mínimo de custo ou de trabalho e com o máximo de qualidade nos produtos e serviços entregues, perseguindo da melhor maneira as finalidades públicas previstas na lei e na Constituição para o atuar administrativo.

Dessa forma, a interpretação sistêmica de nossa Constituição indica que o conteúdo do princípio da eficiência seja tomado em sentido amplo, abrangendo a eficiência e a eficácia em seus sentidos técnico-científicos. Mas somente um estudo aprofundado sobre as diversas ideias de eficiência e eficácia, procurando identificar regras e recomendações específicas, práticas, poderá viabilizar a concretização do conteúdo jurídico do princípio da eficiência, isto é, a concretização da expressão “otimização dos recursos disponíveis integrada à otimização dos resultados”. 

O princípio da eficiência, vinculante para a Administração Pública direta e indireta de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, está previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, mas já era defendido por doutrinadores como Hely Lopes Meirelles muito antes da emenda constitucional nº 19/98 inclui-lo na Lei Maior. Meirelles cita ainda Carvalho Cimas, para lembrar que o princípio (ou o dever) da eficiência corresponde ao “dever de boa administração” da doutrina italiana, o qual já figurava entre nós no Decreto-lei 200/67, submetendo toda a atividade do Executivo ao controle de resultados (arts. 13 e 25, V), fortalecendo o sistema de mérito (art. 25, VIII), sujeitando a Administração indireta à supervisão ministerial, quanto à eficiência na realização das finalidades das entidades supervisionadas (art. 26, III) e recomendando a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100). [18]

Constituições de outros países adotaram o princípio da eficiência, como a de Espanha (1978), no art. 103, redigido como eficácia; a do Suriname (1987), no art.122, pelo qual compete ao Conselho de Ministros “preparar e executar uma política eficiente”; a de Portugal (1976), em seu art. 267, tendo como objetivos “evitar a burocratização”, “aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva”, especialmente “por meio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática”[19]; a da Colômbia (1991), no art. 209, ao especificar que a função administrativa, a serviço dos interesses gerais, terá como fundamento os princípios de igualdade, moralidade, eficácia, economia, celeridade, imparcialidade e publicidade.[20]

Mesmo antes de haver a inserção do princípio da eficiência no texto da Constituição de 1988, já se poderia extraí-lo de algumas de suas normas, como por exemplo:

a) a que prevê um controle interno de legalidade, eficiência e eficácia em todas as entidades e órgãos administrativos dos três Poderes Políticos, em todas as esferas da Federação brasileira (art. 74, I e II); [21]

b) a que autoriza os Tribunais de Contas, em função de controle externo, a avaliarem a legitimidade, a legalidade e a economicidade da atuação administrativa, bem como a realizarem a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional (esta mais diretamente relacionada à eficiência) e patrimonial da Administração Pública (art. 70, caput, c/c art. 71, caput e IV);

c) a que determina que qualquer irregularidade ou ilegalidade constatada pelo controle interno da Administração deverá ser comunicada ao Tribunal de Contas respectivo, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa (art. 74, § 1º)[22]. Note-se que o Constituinte vinculou de forma máxima os controles interno e externo de eficiência, indo até o sujeito responsável pela atividade na estrutura administrativa.

Para uns, todavia, não seria possível haver um princípio da eficiência, pois o termo “jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido (...) finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por consequência. (...) Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucionais já consagrados sobre Administração Pública.”[23]

Entendemos de forma diferente, pois não é simplesmente porque um termo remete a uma finalidade ou a um valor moral (que deve ser realizado, sendo portanto, finalístico) que ele deixará de ter caráter de princípio, pois é da própria natureza dos princípios que eles sejam referentes a algum valor ético (ou finalístico), de importância social, como por exemplo o princípio da supremacia do interesse público, o princípio da finalidade, o princípio da dignidade da pessoa humana. Importa mais, no caso, buscar a realização concreta de tais valores na realidade, e é justamente sobre isso que se refere o estudo sobre o princípio em tela.

princípio da eficiência tem sido relacionado pela doutrina com diferentes significados e abrangências:

a) rendimento funcional e produtividade de todo o agente público, que deve realizar suas atribuições com presteza, perfeição e adequação técnica aos fins visados pela Administração. [24] Inserem-se nessa ótica as avaliações de desempenho funcional e os procedimentos para perda do cargo do servidor estável, em caso de comprovada insuficiência de desempenho;

b) celeridade (rapidez na conduta administrativa) com qualidade;[25]

c) atendimento suficiente em quantidade e adequado em qualidade (esta envolvendo confiabilidade, precisão, cortesia, segurança e conforto[26]) das necessidades sociais de serviços, obras e bens públicos;[27]

d) baixo custo, sem perda da qualidade técnica, na aquisição de materiais de escritório, equipamentos e outros bens materiais necessários e suficientes para os serviços públicos (economicidade)[28];

e) otimização do manejo dos recursos disponíveis da organização de forma a aumentar os resultados sem aumentar custos;[29]

f) simplicidade (sem burocracia),[30] transparência, moralidade, impessoalidade- imparcialidade, eficácia, consensualidade e participação da população nos procedimentos e atos administrativos, sem perda da qualidade técnica dos serviços e bens fornecidos, e com a eliminação do desperdício; [31] [32] [33]

g) vinculação da discricionariedade a padrões técnicos ou científicos de eficiência, caso em que restará ao administrador apenas a opção de escolher entre aquelas medidas que sejam aprovadas de acordo com os critérios técnicos ou científicos pertinentes;[34]

h) organização da estrutura das entidades administrativas de forma a criar uma disciplina voltada para o trabalho;[35]

i) Serviço de fácil acesso à população, prestado no momento oportuno, com frequência regular e prazo de resposta atendido;[36]

j) Equiparação com a regulação jurídica promovida pelo princípio da proporcionalidade, apenas exigindo o princípio da eficiência um grau de análise mais rigoroso e técnico-científico na escolha da medida a ser adotada;[37]

Segundo esta última posição, de Paulo Modesto, o princípio da eficiência pressupõe para a atividade administrativa:

a) eficácia – a medida a ser adotada deve ter aptidão técnico-científica para desencadear os resultados pretendidos;

b) economicidade - maximização dos recursos disponíveis para se obterem os resultados previstos;

c) adequação, qualidade e satisfação - aferidas por critérios técnico- científicos, fiscalizações, auditorias e pesquisas sociais.[38]

Nessa linha de entendimento, tentaremos fazer uma comparação entre o princípio da proporcionalidade na esfera constitucional/administrativa e o princípio da eficiência preconizado por Paulo Modesto.

O princípio da proporcionalidade na esfera constitucional/administrativa possui três subprincípios:

a) adequação - a medida administrativa ou legislativa deve ser apta para atingir o fim almejado pelo Estado, isto é, neste primeiro momento faz-se uma análise da pertinência entre a medida examinada (meio) e o fim a ser alcançado;

b) necessidade/exigibilidade – dentre todas as medidas adequadas para atingir a mesma finalidade (cf. o primeiro subprincípio), deverá ser escolhida aquela menos gravosa possível aos direitos fundamentais e aos interesses coletivos em geral;

c) proporcionalidade em sentido estrito – neste último momento, deverá ser feita uma ponderação entre os resultados e benefícios a serem alcançados pela medida escolhida e os danos ou restrições a direitos que ela acarretará. Em outras palavras, deverá ser verificada a existência de uma relação de custo-benefício positiva/vantajosa da medida, isto é, os benefícios dela devem superar e compensar os danos ou restrições a direitos que ela virá a causar.[39]

Levando-se em consideração as análises dos dois princípios, podemos apresentar a seguinte tabela comparativa:

Princípio da Proporcionalidade

Princípio da Eficiência

1º subprincípio

Adequação - a medida administrativa ou legislativa (meio) deve ser apta para atingir o fim almejado pelo Estado

Eficácia – a medida deve ter aptidão técnico-científica para desencadear os resultados pretendidos

2º subprincípio

Necessidade/exigibilidade – a medida a ser adotada deve ser aquela que, dentre todas as adequadas (conforme o primeiro subprincípio referido), seja a menos gravosa possível aos direitos fundamentais e aos interesses coletivos em geral

Economicidade – a medida deve representar uma escolha de maximização dos recursos disponíveis para se obterem os resultados previstos, ou seja, gastar o mínimo possível em termos de recursos (materiais, financeiros e humanos), mas garantindo-se a obtenção dos resultados almejados

3º subprincípio

Proporcionalidade em sentido estrito – a medida deve representar uma relação de custo-benefício vantajosa, isto é, os benefícios decorrentes dela devem superar e compensar os danos e/ou restrições a direitos que ela irá causar

Qualidade, adequação e satisfação – a medida deve ser aferível e aferida por critérios técnico-científicos, fiscalizações, auditorias e pesquisas sociais, a fim de se apurar a relação custo-benefício entre medida adotada e resultado alcançado, tanto no aspecto quantitativo quanto no aspecto qualitativo, e levando em conta também as necessidades da população.

Pertinente, neste momento, a transcrição das considerações sobre o modelo de Administração Pública gerencial implantado em nosso País:

a) A Administração Pública Gerencial está apoiada na Ad­ministração Pública Burocrática [40], da qual conserva, embora de maneira flexibilizada, alguns de seus princípios fundamen­tais, tais como: a admissão segundo critérios de mérito; a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração; as carreiras; a avaliação constante de desempenho; o treinamento sistemático. A diferença em relação ao modelo anterior está na forma de controle, que deixa de se basear nos processos para se concentrar nos resultados; [41] (grifos nossos)

b) A estratégia, na Administração Pública Gerencial, está voltada para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade; para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros [que lhe fo­rem confiados em prol do atingimento dos objetivos contratados]; para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados;

c) o interesse público, na Administração Pública Burocrática, está identificado com a afirmação do Poder do Estado. Dessa forma, os administradores públicos acabam por direcionar atividades e recursos do Estado para suprir as necessidades da própria burocracia, identificada com o poder do Estado, dei­xando em segundo plano a viabilização e a execução das polí­ticas públicas. A Administração Pública Gerencial nega essa visão do interesse público, relacionando-o com o interesse da coletividade e não com o aparato do Estado;

d) a Administração Pública Burocrática considera que o resultado de uma ação administrativa é bom quando verifica que os processos administrativos estão sob controle e são se­guros; a Administração Pública Gerencial considera bom esse resultado quando constata que as necessidades do cidadão­-cliente estão sendo atendidas. A Administração Pública Geren­cial considera o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços;

e) o modelo gerencial está fundamentado nos princípios de confiança e de descentralização de decisão, exigindo for­mas flexíveis de gestão, estruturas horizontais, incentivo à cria­tividade, funções descentralizadas. Esse modelo destoa do formalismo e do rigor técnico inerentes à burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa Administração Burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrada.[42]

Do exposto, vê-se que nessa nova fase da Administração Pública brasileira, esta deixa de ser o único agente a produzir bem estar social e passa a coordenar um grande esforço cooperativo para o atendimento das necessidades coletivas, sendo menos interventor e produtor direta e mais regulador e fomentador de iniciativas privadas em prol da sociedade, como no caso da concessão de recursos públicos para a prestação de serviços socialmente relevantes por entidades não governamentais e sem fins lucrativos.

Dessa forma, parece ser esse um dos objetivos da reforma do Estado brasileiro: reconstruir o Poder Público sobre novos moldes, menos autoritário e distante da sociedade, mais interativo, descentralizador de decisões, democrático.

Merecidos dois comentários sobre a reforma administrativa: a) a transferência do controle de processos para o controle de resultados; b) o tratamento do cidadão como contribuinte e cliente.

Primeiramente, há de se lembrar que o controle de processos continua sendo necessário, afinal, é o controle interno o que deve ser o mais eficiente dentre todos os controles: se isso ocorrer, os controles externos apenas reconhecerão o seu bom funcionamento, e quase não haverá erros a consertar. Além disso, muito mais eficiente, simples e barato é resolver um problema “quando ele ainda não surgiu”, isto é, por antevisão do problema, sendo isso mais possível de acontecer quando acompanhamos a atividade administrativa (atos, processos, execuções contratuais etc.) de forma sistemática antes de tomarmos qualquer decisão, e temos informação técnico-científica suficiente para sabermos que alguns caminhos não levarão de forma satisfatória à realização dos objetivos. De nada adianta haver um controle de resultados se o processo de produção do bem ou do serviço não está funcionando, pois o controle de resultados será acionado quando o recurso público já foi desperdiçado e somente será aplicado para o próximo ciclo de atividade administrativa, não impedindo o desperdício que já ocorreu com o dinheiro público.

Por outro lado, se há um controle contínuo do “processo” (no sentido amplo e material das condutas concretas integradas, e não no sentido estrito e jurídico do “procedimento” administrativo) por parte dos próprios servidores, as eventuais falhas poderão ser imediatamente reparadas, o que nos leva a concluir que o mal do sistema de controle de processos não é o controle em si, mas a forma como se executa (a forma rígida, burocratizada), que muitas vezes exige atos e preenchimento de “requisitos” inadequados para a realização de determinada atividade, sendo imune a mudanças, estimulando com isso o seu próprio desrespeito e estando fadado à inefetividade. Assim, os controles internos devem ser continuamente recriados pelos próprios servidores envolvidos no trabalho, com a participação e coordenação de seus chefes.

Parece-nos, portanto, que essa concepção de “controle de resultados” é aplicável não só em relação ao controle interno, mas sobretudo em relação ao controle externo de eficiência, que é realizado:

a) pelos Ministérios ou pelas Secretarias em relação às entidades da Administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista);

b) pelos Ministérios/Secretarias em relação a recursos públicos concedidos a projetos sociais, executados por entidades civis sem fins lucrativos, as chamadas organizações sociais, e as organizações da sociedade civil de interesse público; [43]

c) pelas Agências reguladoras em relação às empresas concessionárias e permissionárias de serviço público. Nesse caso específico, deve haver também, por parte do controle externo, o acompanhamento (ainda que à distância) do planejamento estratégico e do desenvolvimento da política pública, pois se os controles internos das concessionárias e permissionárias apresentarem problemas, estes poderão ser corrigidos mais fácil ou rapidamente pela interação com os controles externos;[44]

d) pelos Tribunais de Contas competentes, responsáveis pelo controle externo de eficiência de todos os órgãos da Administração Pública brasileira, cf. visto acima (art. 70, caput, art. 71, caput e IV, art. 74, I e II, § 1º, todos da CF/1988).

Em todos esses casos, parece-nos que deve haver o acompanhamento (ainda que apenas em certos períodos, mas com regularidade) da realização das atividades de interesse social, pois é muito simples fixar objetivos, padrões de desempenho e de avaliação, e deixar as entidades “descentralizadas” fazerem o que bem entenderem, cobrando apenas resultados no final do programa. Essa conduta, todavia, pode permitir desvios e falhas de alto custo. Tanto a Administração centralizada quanto a descentralizada (por meio do recebimento de relatórios periódicos), como o Tribunal de Contas competente (por meio das auditorias operacionais), devem realizar o acompanhamento das atividades de interesse social, de forma a corrigir erros ainda em seu processo inicial de surgimento, evitando/prevenindo a ocorrência dos prejuízos maiores, que em regra ocorrem porque os erros que lhes causaram somente foram identificados posteriormente à execução da política pública, quando já era tarde demais para evitar os prejuízos. [45] 

Com relação ao objetivo da reforma administrativa de tratar o cidadão como “contribuinte” e como “cliente”, observamos que é insuficiente, pois mostra a pessoa apenas sobre certos aspectos: pagador de tributos e consumidor/pagador de produtos e serviços entregues pelo Estado ou entidades outras. Contudo, tratar bem o cidadão, independentemente de ele ser “contribuinte” ou “cliente”, deve ser a prioridade da Administração, afinal, a “dignidade da pessoa humana” é fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da Constituição) e promover o bem de todos, sem quaisquer tipos de discriminação, é objetivo fundamental desta mesma República (art. 3º, inciso IV, da Constituição), e não há qualquer exclusão, na Lei Maior, de pessoas ou cidadãos que não sejam pagadores de impostos ou que não sejam consumidores/pagadores de serviços públicos, como se por tal motivo deixassem de merecer a atenção das políticas públicas.

Muito pelo contrário, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I, da CF/1988) e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, inciso III, da CF/1988) determinam que a ação do Poder Público deve priorizar o atendimento dos mais necessitados e das regiões mais pobres, e com tal orientação deve formular suas políticas públicas, ao invés de sempre investir mais dinheiro público nas regiões mais abastadas e que já receberam a maior parte dos recursos públicos por décadas seguidas, contribuindo para a criação e/ou o agravamento do fenômeno conhecido como “segregação urbana”.[46] [47] [48]

Dessa forma, criticamos a adoção das expressões “cliente” e “contribuinte” como sendo o foco primordial da Administração, não porque sejam desnecessárias, mas porque, como visto, são insuficientes para representarem todas as dimensões da pessoa humana que estão envolvidas nas atividades administrativas e nas políticas públicas estatais.

Segundo o Escritório do Auditor Geral do Canadá, a eficiência de uma organização indica a que ponto ela utiliza corretamente seus recursos para a produção de bens e de serviços. A eficiência é, portanto, um conceito baseado nos recursos (insumos [49]), nos bens e serviços (pro­dutos [50]) e no ritmo em que se utilizam os insumos para se produzirem ou oferecerem os pro­dutos (produtividade [51]). Nesse contexto, é importante a fixação de padrões de nível de serviço, frequentemente definidos pela Lei, regulamentos ou políticas públicas. Estes critérios podem influenciar tanto a qualidade quanto o cus­to do serviço. [52]

No início do presente estudo tínhamos em mente encontrar um conteúdo jurídico para o princípio da eficiência. A primeira constatação é a de que só se concebe a eficiência administrativa, em um Estado de Direito, dentro da legalidade. A partir disso, lembramos que os estudos aqui realizados mostram que os inúmeros valores/ideias/padrões/critérios relacionados com a eficiência e com a eficácia administrativas (conceitos integrados no princípio constitucional da eficiência) não se justificam em função de sua mera juridicidade, mas em razão de sua operacionalidade prática, técnica e/ou científica para a obtenção da otimização dos meios e dos resultados nas atividades administrativas pertinentes, e por isso é que eles podem se tornar obrigatórios (jurídicos). Queremos frisar, com isso, que a eficiência e a eficácia administrativas referem-se ao alcance de certos resultados com suficiência e qualidade e com o mínimo de custo ou esforço, pertencendo a um espectro de análise balizado pelo ordenamento jurídico, mas determinado em sua essência pelos valores, ideias, padrões e critérios técnicos, científicos e/ou de experiência prática pertinentes a cada atividade administrativa analisada, ou seja, para cada atividade distinta, haverá distintos padrões, critérios, valores e ideias de eficiência, daí a relatividade do princípio da eficiência, a orientar o interprete para não se engessar sempre nas mesmas regras. Demais, disso, assim como o conhecimento humano evolui, deve o Administrador buscar sempre o contínuo aprimoramento prático e técnico de sua atividade.

A título de conclusão sobre o afirmado no início do parágrafo anterior, ressalta-se que se o legislador criar uma lei com regras de eficiência administrativa para determinada política pública ou atividade administrativa e tais regras, de fato, foram ineficientes, ficando comprovado isso justamente no campo de atuação do princípio (campo da técnica, da ciência ou da experiência prática, conforme o caso), é plenamente possível que tal lei seja declarada inconstitucional, pois, de acordo com os critérios e padrões que decorrem do princípio constitucional da eficiência, este está sendo violado pela lei.

Por outro lado, se os conceitos de eficiência e eficácia são sobretudo extrajurídicos, resta saber se é pertinente a construção de um conteúdo jurídico para o princípio da eficiência.

Muitos padrões de desempenho são genéricos e aplicáveis a todas as atividades administrativas (salvo exceções expressamente justificadas na lei e no interesse da sociedade) e têm relação direta com a eficiência: são justamente os princípios da Administração pública, como os princípios da simplicidade [53] (que rege os procedimentos administrativos), da publicidade-transparência, da impessoalidade-imparcialidade, da moralidade, da legalidade [54], da motivação, da proporcionalidade, da supremacia do interesse público, da descentralização. Sem dúvida tais normas integram o conteúdo jurídico do princípio da eficiência, pois são ao mesmo tempo operacionais e jurídicas. Todavia, já sendo defendidas por princípios específicos de nosso ordenamento, cabe-nos questionar se resta algum conteúdo jurídico específico para o princípio em tela.

Nesse sentido, observe-se que, como visto, a eficiência e a eficácia administrativas estão relacionadas com a otimização dos recursos/meios disponíveis e com a otimização dos resultados quantitativos e qualitativos possíveis, pressupondo, para tanto, o desenvolvimento de padrões e critérios de planejamento, desempenho e avaliação específicos para o alcance dos objetivos de uma dada atividade (daí a sua aplicabilidade às políticas públicas).

Nesse sentido, a busca de otimização não é estática, pois assim como o conhecimento humano evolui, as ideias, as práticas, as técnicas e a ciência estão em constante transformação em busca de aprimoramento. Dessa forma, a eficiência e a eficácia administrativas (preconizadas pelo princípio constitucional da eficiência) dependem do aprimoramento contínuo da utilização transformadora dos recursos disponíveis da organização administrativa, obtido pela experiência prática aliada à comprovação técnico-científica, visando sempre ao máximo de resultados que satisfaçam as demandas sociais tanto em termos quantitativos quanto qualitativos.[55]

Nesse campo de análise, entendemos que as leis, regulamentos e demais atos administrativos normativos podem tornar jurídicos (obrigatórios) alguns padrões específicos de desempenho e avaliação, mas o que os justifica e os torna merecedores de serem tornados obrigatórios juridicamente é a sua operacionalidade no campo da ciência, da técnica, da prática, e não a sua mera e formal juridicidade. Em outras palavras, a eventual juridicidade de tais padrões de eficiência depende de sua pertinência prática, técnica e científica. Só devem ser “juridicizados” os padrões e critérios específicos de organização, planejamento, desempenho e avaliação que sejam comprovadamente essenciais para uma dada atividade; os demais devem ser apenas regulados administrativamente e aprimorados continuamente, o que pressupõe uma postura interativa, flexível e ao mesmo tempo compatível com os padrões específicos que já tenham sido escolhidos de forma justificada. Torna-se assim necessária a existência de um sistema de controle interno técnico-científico e prático de qualidade que possibilite o envolvimento integrado de todos os agentes da organização administrativa, e que seja ao mesmo tempo jurídico e operacional.[56]

Concluímos, portanto, que o princípio da eficiência não tem um único sentido, mas vários, conforme análise anterior. Além de estar relacionado com princípios que regem a Administração Pública de forma genérica, está mais propriamente relacionado com a atividade específica a ser desempenhada, a qual deve ser continuamente aprimorada pelo sistema de controle interno de cada estrutura administrativa, tendo em vista padrões e critérios de planejamento/organização, desempenho e avaliação adequados para a atividade em foco, que possibilitem a obtenção dos resultados desejados com o mínimo de custo, atrito, esforço ou tempo, de forma suficiente para atender às necessidades dos destinatários da atividade e sem perda da qualidade técnica dos bens e serviços fornecidos, os quais devem estar inseridos em uma política pública que se mostre autossustentável e renovável, e não em medidas isoladas e desintegradas da sociedade, que seriam, neste caso, apenas medidas “de efeito”.

Assim, percebem-se repercussões jurídicas importantes do princípio da eficiência (o qual já estaria implícito na Constituição antes da Emenda nº 19/1998, como visto acima), no que tange ao controle interno das organizações administrativas. Toda organização administrativa, assim, está juridicamente obrigada a possuir um sistema de controle interno, o qual deve possibilitar o aprimoramento contínuo da atividade. Se isso não ocorrer, o sistema deve ser modificado, para que a adoção de padrões técnicos, científicos e práticos adequados às suas atividades permita o seu aprimoramento contínuo. Essa mudança pode ser provocada, a princípio:

a) via auditoria operacional do Tribunal de Contas competente, o qual também pode ser provocado nesse sentido por qualquer cidadão [57];

b) por meio de Ação Civil pública a ser interposta pelo Ministério Público [58] competente ou outro legitimado (ex. associação civil), na falta do Tribunal de Contas competente, afinal, diante da interrelação entre os princípios da moralidade e da eficiência administrativas[59], passou a ser imoral e ofensivo ao patrimônio público[60] e à probidade administrativa um órgão administrativo que não tenha um Controle interno de eficiência/eficácia, 21 anos após a inserção do princípio constitucional da eficiência no art. 37 da Constituição Federal de 1988 e 31 anos após a promulgação desta.

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Sobre o autor
Eduardo Pereira Nogueira da Gama

Delegado de Polícia Civil do DF, Professor de Direito Administrativo, Direito Penal e Direito Processual Penal, Mestre em Direito Público (UERJ-2003), Especialista em Gestão de Polícia Civil (UCB-2010), Bacharel em Direito (UFES-1997)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAMA, Eduardo Pereira Nogueira. O princípio constitucional da eficiência administrativa: a construção possível de seu conteúdo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6034, 8 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78816. Acesso em: 18 dez. 2024.

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