INTRODUÇÃO
Desde o nascedouro da ciência jurídica é travada uma guerra entre os direitos negativos e direitos positivos, entre as garantias individuais e o interesse público. Guerra que sempre a qual é travada e ambos os lados perdem.
Quando os filósofos contratualistas, os ingleses Thomas Hobbes e John Locke e o francês Jean Jacques Rousseau, constroem a ideia de que a sociedade vivia no estado de natureza e que por uma questão de conveniência foi instaurada a paz social, através de um acordo que é denominado por aqueles como “contrato social”, para evitar os conflitos, outrora existentes, põe-se a refletir até onde a validade desse contrato social permite que o poder estatal (poder criado pelos os indivíduos que compõe o Estado) desconsidere os limites das garantias individuais para fazer valer o interesse social.
Visto que, de forma corriqueira, vê-se nascerem guerras burocráticas onde o Estado busca incessantemente romper as barreiras impostas pelas garantias individuais com o fulcro de que o interesse social está sendo desrespeitado ou ultrapassado, como por exemplo, nos conflitos judiciais sobre desapropriação.
No presente trabalho será abordado mais uma evidencia desse conflito entre os direito e garantias individuais e o interesse público, sendo evidenciado, não necessariamente nas guerras por propriedade, mas, sim nas quebras do sigilo das informações bancárias dos indivíduos.
1) ORIGEM DO SIGILO BANCÁRIO
O sigilo bancário é um direito tão antigo quanto o nascimento das atividades comerciais, visto que desde quando surgiram às primeiras formas de acúmulo de moeda, era feito o requerimento de sigilo e segredo, bem como em todas as atividades comerciais sempre foi e sempre será.
O sigilo teve como primeira provocação para seu surgimento à concorrência. O que muda de tempos anteriores para os tempos atuais é que para além da importância do sigilo em razão do aumento imensurável da concorrência, tem-se também após o fortalecimento das garantias individuais uma sede, de todas as sociedades, para beber nas fontes da privacidade das informações, ou seja, os componentes da sociedade buscando blindar seu foro íntimo das arbitrariedades do Estado.
Para que se evitem buscas por marcos que podem não existir, a primeira forma de sigilo bancário realmente aferida foi o sigilo profissional, dos banqueiros com relação aos seus clientes, em virtude da feição negocial e privada devendo sempre estes guardar sigilo para preservar o interesse privado do cliente. Portanto, podemos estipular que o verdadeiro sigilo bancário surgirá no sigilo profissional das informações negociais que os banqueiros tinham.
Todavia, com o construir dos tempos à descentralização do poder do Estado somado ao consequente crescimento das garantias individuais faz surgir para o contribuinte à necessidade de ter sua privacidade assegurada, principalmente a sua privacidade fiscal.
Em nosso País não foi diferente, o surgimento do sigilo bancário coincide com o nascimento do Banco do Brasil no período de 1808, vindo a se estabelecer de forma mais sólida no ano de 1853.
Após esse marco, se assim puder chamar, em 1850 o Código Comercial solidifica o direito ao sigilo ao prevê que é direito assistido ao comerciários o sigilo dos livros comerciais.
Ainda tratando do fortalecimento trazido pela legislação, a Lei 4595/64 que regulamentou o Sistema Financeiro Nacional, traz de forma rasteira uma regulamentação ao sigilo bancário, veja a seguir:
Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1.º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e
documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins
estranhos à mesma.
§ 2.º O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.
§ 3.º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal (LGL\1988\3) e Lei 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.
§ 4.º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2.º e 3.º deste artigo deverão ser aprovados pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.
§ 5.º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.
§ 6.º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.
§ 7.º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal (LGL\1940\2) e o Código de Processo Penal (LGL\1941\8), sem prejuízo de outras sanções cabíveis. (BRASIL,1964)
Dessarte pode-se entender que o sigilo fiscal tem seu engatinhar na preocupação com o sigilo profissional do banqueiro com seu cliente até que evolua para a preocupação do próprio contribuinte com seu foro privado.
2) SIGILO BANCÁRIO E SUAS FUNDAMENTAÇÕES
Para que se entenda da melhor forma possível buscar-se-á em primeiro lugar a fundamentação constitucional sobre o sigilo profissional.
Não existe uma fundamentação específica para o sigilo bancário em nossa constituição, busca-se o fulcro deste direito especificamente no direito a intimidade, a privacidade das informações pessoais e do sigilo de dados, ou seja, nos direitos a privacidade dos seres humanos.
Tal argumento busca escopo nos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal que narram:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (BRASIL, 1988)
Em tempo, parte da doutrina não enxerga o inciso XII como fundamento para o sigilo, todavia, faz-se mister enxergar tal inciso como bojo do direito em debate, uma vez que o dispositivo põe como inviolável o sigilo de dados.
Desse modo, enxerga-se indispensável à proteção das informações bancárias, fiscais e financeiras dos contribuintes. Ainda nessa construção é fundamental que se faça a seguinte observação, o sigilo profissional é algo tão fundamental que de forma esparsa existem proteções a este dever, tanto concernente a informações quanto a documentos.
Em vista disso, o Código de Processo Civil prevê das informações em alguns dispositivos de seu corpo legal. Note a seguir alguns artigos que garantem o sigilo profissional:
Art. 404. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa se:
IV - sua exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo;
Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. (BRASIL, 2016)
Interessante observar que o sigilo profissional é algo tão fundamental em nossa legislação que inclusive o Código de Processo Penal faz menção, ao proibir o depoimento de pessoas sobre informações que em razão de sua função devam manter o sigilo. Vejamos a transcrição do artigo:
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. (BRASIL, 1941)
Ainda nesse sentido, o Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de prestação de informações a autoridade administrativa, entretanto ressalva que caso as informações estejam protegidas por sigilo profissional a obrigação prevista no caput do artigo não será imposta. Vejamos a transcrição ipsis litteris do dispositivo legal:
Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. (BRASIL,1966)
Portanto, têm-se duas óticas em relação ao sigilo das informações, sendo elas a parte do sigilo profissional de quem lida com essas informações e a outra a privacidade inerente ao ser humano que é garantido pela própria Carta Magna.
3) LEI COMPLEMENTAR 105/2001, SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Acontece que no ano de 2001, foi marco para a entrada em vigor da lei complementar nº 105, instrumento normativo que trouxe uma série de discussões com relação a sigilo de dados do contribuinte.
A citada lei complementar possui uma máscara democrática em seu início, como por exemplo, com as previsões de que as instituições financeiras e órgãos fiscalizadores (CVM e Banco Central do Brasil), que estão dispostos no corpo legal, tem o dever legal de guardar sigilo de seus operadores e tomadores de serviço.
São elencadas no corpo legislativo as seguintes instituições financeiras que deverão obedecê-la: os bancos de qualquer espécie, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio e de valores mobiliários, sociedades de crédito, financiamento e investimentos, sociedades de crédito imobiliário, administradoras de cartões de crédito, sociedades de arrendamento mercantil, administradoras de mercado de balcão organizado, cooperativas de crédito, associações de poupança e empréstimo, bolsas de valores e de mercadorias e futuros, entidades de liquidação e compensação, outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim tenham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional. Ainda são incluídas nesse rol por força do parágrafo segundo as empresas de fomento comercial ou factoring.
Todavia, ao decorrer de sua leitura depara-se com previsões que concedem poderes extremamente autoritários e fortes para o ente fazendário, tornando-o quase onipotente quando se trata de penetrar na vida pessoal dos componentes do Estado.
Tanto que desde sua edição, a Lei Complementar 105/2001, vem permitindo que a Receita Federal do Brasil emita despachos no mínimo absurdos em seus atos fiscalizatórios, visto que é promovida constantemente a quebra do sigilo bancário do contribuinte sem prévia autorização judicial.
Acontece que o artigo 5º da referida lei, as instituições financeiras tem a obrigação de informar a administração tributária da União, todas as operações financeiras, como depósitos, pagamentos em moeda corrente ou em cheque, dentre outros que veremos a seguir com a transcrição do dispositivo de lei:
Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
§ 1o Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:
I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;
II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;
III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;
IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;
V – contratos de mútuo;
VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;
VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;
VIII – aplicações em fundos de investimentos;
IX – aquisições de moeda estrangeira;
X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;
XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;
XII – operações com ouro, ativo financeiro;
XIII - operações com cartão de crédito;
XIV - operações de arrendamento mercantil; e
XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizados pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente. (BRASIL, 2001)
Como se pode notar através do citado dispositivo legal é possível que a autoridade fazendária obtenha informações bancárias sem prévia autorização judicial. O professor Hugo Segundo faz a seguinte reflexão sobre o tema:
[...] é inconstitucional o dispositivo que praticamente torna esse sigilo inexistente, ao determinar que o Poder Executivo disciplinará (por decreto...) a periodicidade e os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão a administração tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços [...]. Com efeito o citado artigo não apenas “relativiza” o direito ao sigilo, possibilitando sua conciliação com outro à luz de um caso concreto. [...] Citado artigo transforma a “quebra” do sigilo em uma regra sem exceções. (SEGUNDO, p.71, 2019)
O que parece inconcebível visto que na maioria dos textos legais de nossa legislação infraconstitucional estão previstos os direitos ao funcionário o sigilo inerente a sua profissão, como já demonstrado.
É tamanha a insanidade do texto legal que relega a parte interessada a possibilidade de angariar informações sigilosas. Para que se evidencie ainda mais o absurdo que é, seria como entregar ao requerente em uma batalha na seara cível um dossiê sobre todos os atos passado da vida do requerido, ainda tendo a possibilidade de serem anexados a esse dossiê fatos que venham acontecer.
Sobrepondo-se ainda ao sigilo bancário profissional que é previsto, tem-se o direito a intimidade e a privacidade do indivíduo, que é garantida constitucionalmente e que só poderão ser violadas quando estiverem em confronto com outras garantias individuais, dentro dos padrões da proporcionalidade e racionalidade.
Visto isso, percebe-se que a norma em comento é uma verdadeira anomalia, pois o contribuinte é constrangido a demonstrar suas despesas, seu perfil de consumo e hábitos, expostos de forma cristalina para a Receita Federal, por uma mera vontade sem que haja se quer consulta ao poder judiciário.
Antônio Ramos de Vasconcelos aborda o direito a intimidade frente ao sigilo bancário da seguinte forma, note-se:
(...) a quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico, atividade que se reveste de extrema gravidade jurídica e cuja prática pressupõe, necessariamente, a competência do órgão judiciário ou legislativo que a determina, só deve ser decretada, e sempre em caráter de excepcionalidade, quando existentes fundados elementos de suspeita que se apoiem em indícios idôneos, reveladores de possível autoria de prática delituosa por parte daquele que sofre a investigação penal, competência realizada pelo Estado. A relevância da garantia do sigilo, que traduz uma das projeções realizadoras do direito à intimidade, impõe, por isso mesmo, cautela e prudência na determinação da ruptura da esfera de intimidade que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu subordinar a cláusula de reserva constitucional (VASCONCELOS, 1996, p.5)
Percebe-se que a violação do sigilo bancário toca diretamente na intimidade do contribuinte o que só ocorre em casos máximos, como nas investigações criminais ou acossamento penal, e que até nesses casos é necessária à autorização judicial. Ainda se enaltece que a seara criminal é o último instrumento do Direito para resoluções de conflitos, sendo ainda limitado a este a consulta judicial para romper as barreiras da intimidade do ser humano.
É inquestionável que as despesas e receitas obtidas pelos contribuintes fazem parte de sua seara íntima, pois representam os desejos de cada indivíduo. Nessa linha, Celso Bastos preconiza o seguinte:
Todas as despesas ordinárias feitas pelo cidadão comum em sua vida cotidiana devem ser consideradas parte de sua vida privada, familiar ou doméstica e, portanto, protegidas contra interferências a despeito de qualquer pretexto. Desde as condutas mais corriqueiras como as compras efetuadas em um supermercado para manutenção da família, quanto aquelas outras moralmente reprováveis, como presentes ou jóias compradas e dadas a quem presta ao homem serviços de natureza extraconjugal, tudo está abarcado pelo manto da proteção à vida privada, familiar ou doméstica… O direito à intimidade e à vida privada representa aspiração universal, cabendo aos Estados a responsabilidade de sua tutela, pouco importando os sistemas políticos que orientam sua ação. (BASTOS, 1993. pp. 62-65)
Além do mais o sigilo, como dito no item primeiro deste estudo, é fundamental na construção das relações negociais entre particulares, bem como as financeiras realizadas entre os clientes e as instituições financeiras.
Em tempo, pondera-se que o direito ao sigilo não é um direito intransponível, todavia, não se pode conceber que o direito ao sigilo das informações seja algo que para a autoridade fazendária seja tão simples como uma navalha transpassa o fio de seda.
Além do que a principal contestação de todos os que buscam o estudo desta violação é sempre contrapondo a preponderabilidade do direito que a Fazenda possui de fiscalização em relação ao direito a intimidade, privacidade e sigilo das informações que assistem o contribuinte.
Destaca-se ainda que a insegurança jurídica que são trazidas por disposição legal e arbitrária em favor da autoridade fazendária é algo grandioso, visto que o acesso as informações do contribuinte são livres e sem qualquer óbice.
No que concerne ao princípio da segurança jurídica Humberto Ávila preconiza da seguinte maneira em sua obra:
Em suma, o exame minucioso dos seus fundamentos permite concluir que a constituição protege todas as dimensões da segurança jurídica, atribuindo-lhe, pelo modo e pela insistência com que prevê os seus independentes fundamentos, elevada importância como princípio constitucional protetivo do indivíduo e destinado a garantir um estado de confiabilidade e de calculabilidade do e pelo ordenamento jurídico, baseado na sua cognoscibilidade. Todas essas constatações são de extrema importância tanto para a compreensão do conteúdo do princípio constitucional da segurança jurídica como para delimitação da sua eficácia. A Constituição, repita-se, não apenas protege a segurança jurídica – ela a superprotege. Esta superproteção está intimamente conectada com o princípio do Estado de Direito tanto na sua dimensão formal, que visa a regrar e repartir o poder do Estado, quanto na sua dimensão material, que se destina a limitar o exercício do poder por da proteção dos direito fundamentais.(ÁVILA, 2012, pp. 248-249).
Desse modo, em razão da quebra do sigilo por parte da receita põem-se em cheque princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, que são eles: intimidade, privacidade e segurança jurídica. E este último nas palavras de Humberto Ávila é objeto de superproteção constitucional.
É fundamental que ao escrever sobre a quebra do sigilo bancário proposta pela Lei Complementar 105/2001 e não comentar sobre as Ações Diretas de Incontitucionalidades (ADI) 2.390, 2.397, 2.386 e 2.859 e o julgamento do RE 601.314 é cometer erro gravíssimo, frente a discussão levantada pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao tema.
É necessário que se fale que é pacífica no Supremo a ideia, visto que o próprio tribunal faz a leitura de que o previsto na Lei Complementar não passa de mero compartilhamento de dados não sendo caracterizado como a quebra de um sigilo fiscal propriamente dito.
Em tempo, cabe destacar que antes daquelas decisões citadas o Supremo conservava o entendimento de que a quebra de sigilo somente era válida mediante autorização judicial.
Note-se a seguir o item 4 da ementa da ADI 2390/DF que teve como requerentes o Partido Social Liberal (PSL), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional Do Comércio (CNC), destaca-se ainda que tal ADI tem como um de seus patronos o advogado Ives Gandra da Silva Martins:
4. Os artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e seus decretos regulamentares (Decretos nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e nº 4.489, de 28 de novembro de 2009) consagram, de modo expresso, a permanência do sigilo das informações bancárias obtidas com espeque em seus comandos, não havendo neles autorização para a exposição ou circulação daqueles dados. Trata-se de uma transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o art. 145, § 1º, da Constituição Federal.
Entretanto nos parece maquiador o posicionamento do Supremo visto que o defeito ou a incoerência não está somente no compartilhamento de dados ou quebra do sigilo bancário, mas, também, em quem é legitimado para tal.
Restringir a discussão apenas para a conceituação da quebra do sigilo bancário para que passe a ser compartilhamento de dados nos parece omitir o fato de que princípios bem maiores estão sendo postos em jogo.
Ainda dentro dessa interpretação do Tribunal máximo de nosso País, recentemente, foi julgado em favor da quebra de sigilo ou compartilhamento de dados, o Recurso Extraordinário nº 1055941 em sede de repercussão geral.
CONCLUSÕES
Desse modo percebe-se que o sigilo das informações financeiras dos contribuintes tem nascedouro no direito a intimidade e a privacidade das informações, portanto sendo garantia constitucional aos contribuintes.
Na outra ponta da relação, tem-se também o sigilo do profissional que recai sobre aqueles que possuem as informações em razão da atividade exercida, que é garantido por inúmeras leis já asseguradas e consolidadas em razão do tempo em que estão em vigor e sem muitos questionamentos graves, sobre o tema.
Acontece que de forma inexplicável surge a Legislação Complementar 105 de 2001 buscando derrubar todas as barreiras possíveis que o Estado encontra para acessar as informações pessoais do contribuinte.
Nesse diapasão o Estado demonstra uma necessidade extrema de acessar a vida pessoal daqueles a fim de ter o máximo controle sob os componentes da sociedade, a partir da demolição dos muros que o impedem de acessar as informações privadas, através de uma legislação totalmente inconstitucional.
O fato é que uma lei inconstitucional em vigor não preocupa somente pelo fato de legitimar algo que a Carta Magna veda, mas também pelas consequências trazidas como a insegurança jurídica que, talvez, os filósofos contratualistas quando concluíram que a sociedade firmou a paz através de um contrato, não imaginariam que fosse possível existir a quebra dessa paz em razão da necessidade de o Estado saber tudo que se passa na vida de seus componentes.
O que ainda indigna frente a esta determinação arbitrária, para legitimação da quebra do sigilo, é que o ato de transpassar a intimidade do sujeito não tem a necessidade de oitiva do próprio contribuinte frente a tamanha invasão.
Importa destacar que a forma Democrática de nosso Estado abre espaço para que aqueles que estão sendo questionados se posicionem ou se defendam e a prestação de informações constantes por parte das instituições financeiras ao Poder Executivo só demonstra o quanto o poder público não permite uma democracia sem sequer o contribuinte saiba por que a intimidade e a privacidade estão sendo violadas.
Para legitimar a ideia, o professor Hugo Segundo trata o tema em seu livro Processo Administrativo Tributário da seguinte forma:
A regra é o respeito ao sigilo, sendo exceção a sua quebra, em face de circunstâncias que justifiquem a atribuição de maior peso aos princípios que o justificam a fiscalização que aos que protegem a intimidade do fiscalizado. (SEGUNDO, p.71, 2019)
Dessarte nota-se que a regra tornou-se a exceção e após o novo julgamento do Supremo continuaremos a viver a insegurança da transparência do sigilo fiscal e agora não tão somente na seara da ausência de privacidade, mas, também na dúvida de como serão interpretado os dados.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Nelson, Direito bancário / Nelson Abrão. – 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: entre permanência, mudança e realização do direito tributário. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
BASTOS, Celso. Estudos e Pareceres: direito público, constitucional, administrativo, municipal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
BRASIL. Código de Processo Civil, de 16 de março de 2016. . Brasília, DF.
BRASIL. Congresso. Senado. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Brasília, DF. 2001.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal nº 5, de 05 de outubro de 1988. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.. . Brasília,DF. 1988.
BRASIL. Decreto-lei nº 3689, de 03 de outubro de 1941. . Rio de Janeiro, RJ.
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo tributário/ Hugo de Brito Machado Segundo. – 11 ed. – São Paulo: Atlas, 2019.
VASCONCELOS, Antonio Ramos de. Proteção Constitucional do Sigilo Bancário, Fiscal e Telefônico in Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nº 214, 1996.