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O Ministério Público como assistente simples:

o interesse institucional como expressão do interesse jurídico

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27/01/2006 às 00:00
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4. O interesse institucional como expressão do interesse jurídico

            A partir das noções expostas no item anterior, procuraremos traçar as linhas básicas do que entendemos ser interesse institucional, a fim de tentarmos demonstrar que tal categoria de interesse pode ser uma forma de expressão do interesse jurídico que seja apto a autorizar o ingresso do Ministério Público como assistente simples em processo instaurado contra um de seus membros, sempre em razão de sua atuação funcional.

            Como o Ministério Público possui personalidade judiciária, mas não possui personalidade jurídica, temos que examinar em quais hipóteses estaremos diante de temas que, por dizerem respeito diretamente a toda a Instituição e não exclusivamente à pessoa física de seu membro, transcendam a esfera jurídica do agente e recomende o ingresso no processo do próprio Ministério Público, para, auxiliando a parte, evitar um prejuízo institucional.

            A situação em que se nos afigura mais evidente a presença de interesse institucional é exatamente a hipótese envolvendo prerrogativas institucionais, direitos e garantias de membros do Ministério Público. Em princípio, portanto, apenas em processos em que se possa vislumbrar prejuízo institucional atual ou potencial dos membros do Ministério Público é que se faria presente o interesse jurídico. Em suma, a esfera jurídica do Ministério Público confunde-se com as prerrogativas, direitos e deveres de seus membros e o interesse institucional é que habilitará a Instituição a ingressar em processo como assistente simples. Tudo aquilo que não disser respeito à esfera pessoal do membro do Ministério Público será interesse institucional, já que o Promotor estará no exercício da função e, portanto, não haverá rigorosamente um agir individual e personalizado que possa ser destacado de seu vínculo funcional. O interesse institucional, portanto, transcende a esfera subjetiva do membro da Instituição, fazendo com que haja interesse do Ministério Público em que a sentença seja favorável a seu membro e, com isso, seja favorável à própria Instituição, que teria sua situação jurídica prejudicada em caso de vitória do adversário no processo.

            A partir do momento em que o Ministério Público só se faz presente no processo por meio de um agente no exercício regular das funções, não há como desvinculá-los. O Ministério Público é uno e indivisível, de modo que, ao ser ajuizada uma ação em face de seu membro em razão de sua atuação funcional, automaticamente surge o interesse em que haja uma sentença favorável a ele, já que sua derrota inevitavelmente atingirá a própria Instituição. É por isso que se diz que o membro do Ministério Público, quando atua, "presenta" [41]a Instituição. [42]

            Essa vinculação entre a Instituição e o seu agente levou Floriano Azevedo Marques a questionar o princípio do Promotor Natural, nos seguintes termos: "Minha crítica decorre do fato de ver na importantíssima legitimação do Ministério Público um caráter institucional da entidade Ministério Público e não do Promotor isolado. Até porque o Ministério Público, cada um daqueles que exerce sua função em alguma curadoria, quando se manifesta, não fala em nome pessoal, mas como membro do Ministério Público, com um peso institucional muito grande. Isso em alguns casos cria determinados exageros. Por exemplo, na Comarca do interior, o Promotor que se toma em brios, que entra em rusgas com o Prefeito e transforma sua atividade, a sua função em instrumento de sua sanha pessoal, que põe em comprometimento a própria figura institucional do Ministério Público. Levar adiante essa noção de’Promotor Natural’ implica lassear o caráter institucional no Parquet, imputando do promotor uma individualização que a Constituição não prevê". [43]

            É exatamente essa noção de "caráter institucional" que legitima a intervenção do próprio Ministério Público como assistente simples, a fim de tutelar um interesse institucional.

            Tentemos figurar alguns exemplos em que esteja presente o interesse institucional do Ministério Público, por estarem em debate questões que, como já afirmado, transcendem a esfera subjetiva do membro da Instituição:

            A) Em determinada Comarca, é ajuizada uma ação em face de um Promotor de Justiça para que se abstenha de se pronunciar na imprensa sobre determinados fatos relacionados a processos em andamento, sob pena de multa diária. Nessa hipótese, entendemos que haveria interesse institucional a justificar a intervenção do Ministério Público, por meio do Procurador-Geral de Justiça, em razão de uma decisão que viole a livre manifestação pública (nos limites legais, evidentemente) causar prejuízo atual ou potencial a toda Instituição;

            B) Imagine-se, ainda, que um prefeito ajuíze uma ação em face de um membro do Ministério Público alegando que as audiências públicas por ele promovidas, relatórios e recomendações por ele emitidos causam-lhe prejuízos morais e políticos junto à população e, não sendo função do Ministério Público interferir nos rumos da política local, requer que se abstenha de emitir qualquer relatório ou recomendação e a promover audiências públicas que se refiram à administração municipal, sob pena de pagamento de multa diária. Também aqui nos parece evidente a presença de interesse institucional, por se tratar de uma legítima atribuição do Ministério Público a promoção de audiência pública e a expedição de relatórios e recomendações;

            C) Outra situação que revela a presença inequívoca de interesse jurídico institucional é a impetração de mandado de segurança por violação de direito líquido e certo de um membro do Ministério Público relacionado com exercício de suas funções. Em hipóteses desse jaez, a violação sempre será de um direito ou prerrogativa funcional, o que transcenderá a esfera subjetiva e pessoal do agente, habilitando a instituição a intervir no processo. São os seguintes os exemplos que podem ser formulados: desrespeito ao poder de requisição do Ministério Público; recusa de determinado juiz a intimar pessoalmente o Promotor de Justiça por meio de entrega dos autos com vista; impedir o acesso do Promotor de Justiça a determinadas dependências do fórum ou de qualquer outro órgão público. Em qualquer dessas hipóteses, a impetração de mandado de segurança pelo membro do Ministério Público habilita a intervenção da própria Instituição no processo. É certo que o membro do Ministério Público impetrará o mandado de segurança em nome da própria Instituição (como seu "presentante") e não em nome próprio, mas, em razão do interesse institucional, entendemos ser importante permitir a participação no processo do Procurador-Geral de Justiça, na condição de assistente. [44] Também é possível haver assistência no caso de o membro do Ministério Público ser apontado como autoridade coatora em mandado de segurança, desde que esteja envolvida alguma questão institucional.

            No que se refere especificamente ao mandado de segurança, sabe-se que não é pacífica a possibilidade de haver intervenção de assistente simples [45], talvez pelo antigo costume de considerá-lo um monstrum isolado do sistema processual, para nos valermos da precisa lição de Barbosa Moreira. [46] Athos Gusmão Carneiro, que sempre entendeu possível a assistência em mandado de segurança, defende, em seu mais novo trabalho sobre o tema, que, "embora forte corrente jurisprudencial ainda considere incabível qualquer modalidade de intervenção de terceiro na Ação de Mandado de Segurança, as mais ponderáveis razões jurídicas e pragmáticas indicam, neste momento em que o Direito busca a eficiência no processo, capacitando-o à justa resolução da lide com base em um contraditório amplo, a necessidade de abandonar a orientação restritiva e, assim, permitir que o terceiro interessado, máxime um Sindicato, possa intervir no processo do mandamus, quer como assistente litisconsorcial, quer em assistência simples, quer, quiçá, se a demanda versar matéria de interesse público, na qualidade de amicus curiae". [47]

            Uma outra hipótese em que está presente o interesse jurídico é na ação de controle de constitucionalidade de dispositivo de lei orgânica institucional ou qualquer outra lei que afete de algum modo a Instituição. Nesse caso, embora não caiba intervenção de terceiros, pode o Ministério Público figurar como amicus curiae (art. 7o, §2o, da Lei 9868/99) [48]/ [49].

            Anote-se que o próprio Supremo Tribunal Federal vem admitindo a intervenção do Ministério Público como amicus curiae em ações diretas em que se veicule matéria de interesse institucional (o que não se confunde com o disposto no art. 482, §1o, CPC, em que temos a clássica figura do custos legis [50]): "Tendo em vista a douta manifestação do eminente Procurador-Geral da República (fls. 42/44), no sentido do reconhecimento da legitimidade da intervenção do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nesta causa, na condição de amicus curiae, e considerando, ainda, o que dispõe o art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/99, defiro o pedido formulado a fls. 39/40, admitindo, em conseqüência, como colaborador informal da Corte [...]No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo que terceiros - desde que investidos de representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. - A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae - tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional." Em conseqüência da presente decisão, inclua-se, na autuação, como interessado (amicus curiae), o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (fls. 39/40), anotando-se, ainda, o nome de seu ilustre representante" (ADI 2540 / RJ - Min. Celso de Mello - DJ 08/08/2002, p.020). [51]

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            Vê-se, pois, que a existência de interesse institucional foi reconhecida expressamente pelo Supremo Tribunal Federal, o que corrobora nossa tese da possibilidade de o próprio Ministério Público se fazer presente em processo em que se discutam questões institucionais, mesmo que se trate de processo individual.

            O Superior Tribunal de Justiça também já admitiu a defesa direta pelo Ministério Público de interesse institucional, ao julgar mandado de segurança impetrado pela Instituição, por meio de seu Procurador-Geral de Justiça, em que se discutia o poder de requisição de informações e de documentos. [52]

            Ainda sobre a existência de interesse institucional como forma de interesse jurídico, temos a moderna abordagem de João Luís Macedo dos Santos, que identificou "o reconhecimento de outras situações não previstas pela doutrina clássica, mas que denotam a existência de algum interesse jurídico – conseqüentemente de um bem jurídico – a ser tutelado, sem que contudo haja relação direta com a lide posta em juízo ou relação direta com o adversário do assistido, vem sendo admitida pela jurisprudência". [53] Em outra passagem de sua dissertação, afirma o autor que, "por vezes, o interesse restará caracterizado a partir de uma necessidade de uma entidade de classe em velar pelas prerrogativas ou pelo cumprimento de normas atinentes ao exercício profissional. Assim, já se admitiu a intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil, para o fim de ingressar em processo na qualidade de assistente simples de advogados demandados por atos praticados no exercício da profissão, tratando-se na espécie de indenização por dano moral". [54]

            Note-se, por fim, para que fique completa a caracterização da possibilidade de o Ministério Público ser assistente, que, mesmo que para nós não seja da essência do instituto da assistência simples a existência de relação jurídica entre assistente e assistido, como já ressaltamos, sempre estará presente a relação funcional entre a Instituição e seu membro.

            Nesses casos em que a causa de pedir e o pedido veiculados em ação em face de membro do Ministério Público se refiram diretamente a questões institucionais, ou seja, prerrogativas e direitos de todos os integrantes, a causa sempre transcenderá a pessoa física da parte para atingir toda a Instituição a que pertence, de modo que nos parece que a possibilidade de intervenção será automática, decorrendo do simples ajuizamento da ação. Em suma, nas hipóteses em que questões institucionais forem diretamente tratadas no processo, o interesse jurídico será automático, estando in re ipsa e autorizando sua intervenção como assistente [55].


5. Interesse institucional e responsabilidade civil direta do membro do Ministério Público

            A possibilidade de intervenção do Ministério Público nos casos de responsabilidade civil imputada pessoal e diretamente a seu membro em razão de sua atuação funcional merece uma análise separada ao menos por três motivos: a) é o tipo de ação mais comum em face dos membros da Instituição; b) existência de peculiaridades que aparentemente dificultam o reconhecimento do interesse institucional; c) a análise do interesse jurídico deverá ser feita caso a caso, não decorrendo automaticamente.

            Inicialmente, merece ser registrado que está longe de ser pacífico o tema da responsabilização direta do Juiz ou do membro do Ministério Público. [56] No estudo que realizou sobre a responsabilidade por atos do Ministério Público, por exemplo, Lafayette Ponde só forneceu hipóteses de responsabilidade direta do Estado. [57]

            O Código de Processo Civil, por sua vez, em seus artigos 85 e 133, prevê a responsabilidade civil do "órgão do Ministério Público" e do Juiz, havendo divergência quanto à possibilidade de responsabilização direta dos agentes públicos. [58]/ [59]

            O Supremo Tribunal Federal, no mais recente julgamento sobre o tema de que temos notícia, entendeu que não é possível ajuizar a ação diretamente contra o agente público nesta hipótese. Confira-se a ementa do julgado: "Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido". [60]

            Entretanto, o fato é que em todo o país há diversas ações de responsabilidade civil ajuizadas contra membros do Ministério Público, em razão de suas atividades funcionais, o que faz com que tenha que se trabalhar com a possibilidade de intervenção da Instituição em tais hipóteses, já que os processos estão recebendo seguimento.

            A dificuldade que surge para caracterizar o interesse institucional nestes casos é exatamente a natureza desta ação de responsabilidade civil, que exige que se descreva um comportamento ilícito individualizado do membro do Ministério Público, imputando-se-lhe um agir doloso ou fraudulento (art. 85, CPC). [61]

            Vê-se, pois, que nenhuma questão institucional, em princípio, será diretamente afetada em uma ação indenizatória e, além disso, a denominada "justiça da decisão" aparentemente em nada influirá na esfera jurídica do Ministério Público e não afetará nenhuma situação em processo posterior. A "justiça da decisão" nada mais é do que a fundamentação da sentença, já que na assistência a imutabilidade "não vai alcançar a parte dispositiva, e sim os motivos, a apreciação dos fatos que levaram à sentença na causa em que houve assistência". [62] Na hipótese de ação de responsabilidade civil, a fundamentação da sentença cuidará apenas da análise da atuação subjetiva específica de um Promotor de Justiça, não havendo um exame direto de questões institucionais.

            Além disso, por não possuir personalidade jurídica, não é simples a verificação de como a esfera jurídica do Ministério Público poderá ser afetada por um processo individual de responsabilidade civil. No mais das vezes, a esfera jurídica do Estado é que será afetada pelos atos do Ministério Público ou de qualquer outro agente público, embora já tenha havido decisão vinculando o pagamento de verbas de sucumbência ao orçamento da Instituição. [63]

            Diante desse quadro, repita-se, afigura-se mais difícil a caracterização do interesse institucional, o que faz com que se recomende uma mudança de enfoque no instituto da assistência.

            Realmente, se nos ativermos apenas aos efeitos naturais da sentença e sua relação com o assistente, dificilmente veremos possibilidade de o Ministério Público intervir no processo nessa condição.

            Entretanto, a questão deve ser resolvida pela óptica do interesse institucional de evitar que processos aparentemente apenas individuais acabem por prejudicar toda uma Instituição, já que ninguém duvida que a possibilidade de condenação de um membro do Ministério Público por ato cometido no regular exercício de suas funções acabe por criar uma situação desfavorável mais ampla, que transcenda a esfera individual e atinja indistintamente, como fato, todos os membros e, conseqüentemente, a própria Instituição.

            Com efeito, ao ser ajuizada uma ação responsabilizando um membro da Instituição por atos decorrentes de sua atuação funcional, o próprio Ministério Público é que estará sendo indiretamente responsabilizado, havendo interesse institucional em auxiliar seu agente, a fim de resguardar a própria Instituição, que poderá sofrer prejuízo jurídico no caso de uma condenação. O prejuízo jurídico na hipótese decorre, além da própria posição ocupada pelo Ministério Público em um Estado Democrático de Direito, que exige uma postura preocupada com a qualidade do agir de seus membros, da possibilidade de a independência funcional de seus membros ser ameaçada. O Ministério Público tem que estar imune a quaisquer ameaças – externas e internas – a sua independência funcional, sob pena de se tornar uma Instituição atrofiada e meramente decorativa. A independência funcional é o que assegura a atuação digna do Ministério Público e o modo de neutralizá-lo passa necessariamente por arranhar esse fundamental princípio institucional. O simples risco de a independência funcional ser ameaçada é suficiente para caracterizar o interesse institucional que autoriza o ingresso do Ministério Público no processo.

            Não se pode negar com seriedade que interessa a muitos um Ministério Público acuado, com medo de agir [64]. O ajuizamento de ações contra Promotores e Procuradores que exercem regularmente suas funções é, indubitavelmente, um dos meios que réus em ações coletivas ou investigados em inquéritos civis têm utilizados para tentar intimidar o agente que atua de modo independente. Está se configurando uma situação lamentável: o processo está sendo utilizado como instrumento de intimidação do Ministério Público. Diante desse quadro, o interesse institucional de participar desses processos auxiliando seu membro é inegável.

            Emerson Garcia trata com propriedade da questão, valendo transcrever excertos de sua recente obra:

            "Ante o teor dessa constatação, certamente será oposta a objeção de que a pretensão deduzida na ação de reparação de danos tem natureza patrimonial, em nada afetando o Ministério Público. Não obstante a engenhosidade do argumento, nele não se divisa um verdadeiro obstáculo, mas tão-somente um percalço facilmente transposto. Justifica-se a assertiva, pois o pedido não é o único elemento de uma ação, a ele devendo ser acrescidas as partes e a causa de pedir, o que torna despiciendas maiores digressões para se constatar que este último elemento está diretamente imbricado com as prerrogativas dos membros do Ministério Público e a própria subsistência da Instituição. O pedido somente haverá de ser julgado procedente em sendo encampada a causa de pedir, e esta se encontra diretamente relacionada à posição do Ministério Público no cenário jurídico, o que é suficiente para demonstrar o interesse jurídico da Instituição em pleitear a sua intervenção no feito como assistente simples.

            Frise-se, ainda, que o fato de os motivos da sentença não fazerem coisa julgada (art. 469 do CPC) em nada afeta o que foi dito. Como é do conhecimento de todos, o ordenamento jurídico pátrio encampa a denominada ação declaratória incidental (art. 325 do CPC), o que permite que o autor requeira que o juízo profira sentença incidente sempre que o réu contestar o direito que constitui fundamento do pedido. Possível ação dessa natureza permitiria fosse judicialmente reconhecida a impossibilidade da prática de determinado ato funcional por membro do Ministério Público, o que traria, ante à natureza do precedente, sério comprometimento ao ulterior exercício funcional. Mesmo que a ação declaratória incidental não venha a ser manejada, será inevitável o enfraquecimento da posição jurídica do Ministério Público, pois, não só o agente demandado, como os demais, serão constantemente premidos pelo receio de sofrerem vultosas perdas patrimoniais pelo simples fato de exercerem suas funções. [...]

            Na medida em que a Instituição não goze de características existenciais que consubstanciem um ser com individualidade própria, afigura-se evidente que qualquer ato a ser por ela praticado haverá de ser fruto de um elemento volitivo humano, que se originará de um de seus múltiplos agentes. Assim, como já foi dito, punindo-se um agente pelo simples fato de estar exercendo suas atividades laborativas, punida será a própria Instituição, já que os princípios constitucionais da unidade e da indivisibilidade demonstram que qualquer ato praticado pelos agentes do Parquet, no estrito e regular exercício de suas funções, deve ser imputado àquele; possível condenação redundará, ainda, em indiscutível enfraquecimento das relações funcionais mantidas entre o Ministério Público e os seus agentes, pois sobre suas cabeças sempre penderá uma ‘espada de Dâmocles’, sujeitando-os a perdas patrimoniais sempre que exerçam suas funções.

            Repita-se, uma vez mais, que o mérito da questão longe passa da vida privada do agente ministerial, terminando por se interpenetrar com os objetivos institucionais do próprio Ministério Público, tendo as ações propostas, regra geral, nítido caráter intimidativo. A intervenção do Ministério Público,é importante frisar, não deve buscar, em uma desenfreada manifestação de corporativismo, acobertar ilícitos oriundos do dolo e da fraude. À Instituição compete aferir a conduta de seus membros e, em divisando a licitude no agir, lançar-se à preservação do vínculo funcional, sendo tal obrar legítimo até que, esgotadas todas as vias recursais, termine o Judiciário por encampar a tese contrária. Embasando-se o pleito de intervenção na licitude do agir, deve ser ele acolhido, possibilitando-se à Instituição a apresentação dos argumentos e a produção das provas conducentes a essa conclusão." [65]

            Também o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul tratou do tema com precisão [66]:

            "O objetivo é preservar a atuação ministerial, apoiando seus membros a atuar com real independência e autonomia, e não acobertar eventuais excessos cometidos no exercício de suas funções. Em suma: a intervenção não é obrigatória, em qualquer hipótese. É apenas possível, do ponto de vista técnico. [...] Se um membro da Instituição está sendo acionado judicialmente porque atuou com rigor, quiçá atingindo interesses econômicos de terceiros, parece-nos razoável que a Instituição a qual pertence possa auxiliá-lo em sua defesa, não por simpatia pessoal, mas porque, defendendo interesse alheio, isto é, do assistido, o assistente indireta e mediatamente defende o seu próprio interesse – o de ver respeitado o exercício das funções do Ministério Público com a amplitude que lhe foi dada pela Constituição Federal".

            Ao mesmo tempo, não se pode negar a possibilidade de efetivamente haver uma atuação abusiva por parte de determinado membro do Ministério Público. Havendo casos em que realmente tenha havido desvio na atuação do Promotor ou Procurador, evidentemente a Instituição não terá nenhum reflexo desfavorável em sua situação jurídica, de modo que não intervirá em hipóteses dessa espécie. A rigor, o próprio Ministério Público terá interesse em apurar devidamente o caso e tomar as medidas administrativas cabíveis, já que o uso do cargo para fins anormais é uma agressão à própria Instituição, mas não estará configurado o interesse institucional nos moldes apresentados no item anterior.

            Exatamente pelas peculiaridades das ações de responsabilidade civil é que afirmamos que o interesse institucional não estará presente automaticamente em hipóteses de processos em que se discuta a responsabilidade civil de membro do Ministério Público. Somente na análise do caso concreto é que será possível aferir a presença do interesse que legitima a intervenção do Ministério Público como assistente. Caso se entenda que a atuação funcional de seu membro foi regular, o Ministério Público poderá intervir no processo para auxiliá-lo; caso vislumbre a existência de dolo ou fraude, não haverá intervenção. Em havendo o ingresso do Ministério Público como assistente e, no curso do processo, a instrução revelar que houve atuação irregular de seu membro, simplesmente a Instituição desistirá da assistência, o que pode ser feito em qualquer momento processual. [67]

            Sobre essa necessidade do exame preliminar da atuação do membro do Ministério Público, assim se manifestou o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, no expediente administrativo já citado:

            "a análise do cabimento do pedido de intervenção do Ministério Público em processos da espécie há de ser feita à vista do caso concreto, pois não há que se confundir independência funcional e inviolabilidade das manifestações processuais com eventuais excessos praticados pelo agente no exercício da função, incompatíveis com o interesse público que serve de fundamento às garantias institucionais."

            Em resumo, haverá interesse institucional e, portanto, interesse jurídico apto a autorizar o ingresso do Ministério Público no processo na condição de terceiro apenas se a atuação funcional de seu membro houver sido regular, porque, nessa situação, poderá ser prejudicado o princípio institucional da independência funcional. Caso se vislumbrem excessos na atuação do promotor ou procurador, a Instituição não intervirá, já que o instituto da assistência não se presta a ser mero escudo corporativo.

            A assistência do Ministério Público deve ser vista como instrumento de proteção de suas garantias institucionais, não podendo ser confundida com um modo indiscriminado de proteger eventuais ilegalidades de seus membros. A intervenção do Ministério Público como terceiro deve servir apenas para que a Instituição permaneça inabalável na defesa do Estado Democrático de Direito.

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Sobre o autor
Robson Renault Godinho

promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público como assistente simples:: o interesse institucional como expressão do interesse jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 938, 27 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7886. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho originalmente publicado na obra coletiva "Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo e Assuntos Afins" (São Paulo: RT, 2004), coordenada por Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. Com algumas alterações, o texto posteriormente foi apresentado como tese no XXIII Encontro Estadual do Ministério Público do Rio de Janeiro, realizado em Angra dos Reis em maio de 2004 (aprovada por unanimidade).

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