Artigo Destaque dos editores

O Ministério Público como assistente simples:

o interesse institucional como expressão do interesse jurídico

Exibindo página 3 de 4
27/01/2006 às 00:00
Leia nesta página:

6. O Ministério Público como assistente simples: a necessidade de uma nova leitura do instituto da assistência

            Certamente, a proposta veiculada neste trabalho causará perplexidade, caso o instituto da assistência seja pensado em seus moldes clássicos, limitado ao direito individual e, normalmente, patrimonial.

            Fredie Didier Júnior, com razão, assinala que toda a construção dogmática acerca dos institutos da intervenção de terceiros pauta-se por idéias criadas na época em que o processo tinha uma concepção puramente individualista, servindo como mecanismo de solução de conflitos individuais, destacando que o fenômeno interventivo diz respeito, sobretudo, ao problema da legitimidade, que sofre inúmeras derrogações com o aprimoramento da tutela coletiva. [68]

            Nesse sentido, entendemos que deve ser conferido um novo enfoque ao ingresso do terceiro no processo, a partir da concepção constitucional do amplo acesso à justiça e da necessidade de um debate democrático em processos que na realidade transcendem os direitos das partes envolvidas, de modo que se confira à assistência o máximo de eficácia que a nova realidade jurídica autoriza. [69]

            Estamos vivendo uma época em que não só o direito processual, mas também o direito material vem se modificando e o Ministério Público assume particular posição nessa mudança do direito, especialmente em razão de seu novo perfil constitucional, que possibilitou sua presença do denominado "processo civil de interesse público". [70]

            No processo civil, estamos sendo convidados a reler princípios e a renunciar a dogmas [71] e é o que procuramos fazer neste trabalho. Temos uma nova realidade no Direito Material, especialmente no Direito Público, e no Direito Processual, tanto assim que se fala em um novo ramo – o Direito Processual Coletivo [72] -, com amplo destaque ao papel do Ministério Público.

            Estamos, portanto, diante de uma nova situação, que não pode ser resolvida pela simples aplicação de raciocínios estabelecidos em outra realidade, em uma espécie de interpretação retrospectiva, para nos valermos de mais uma expressão de Barbosa Moreira.

            Um exemplo de como não se deve resolver a questão debatida neste trabalho foi fornecido por uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que analisou a questão como se tratasse de hipótese de intervenção como custos legis e ainda exigiu que houvesse lei autorizando expressamente eventual intervenção do Ministério Público como assistente, como se não houvesse o Código de Processo Civil e a Constituição. [73]

            O Direito não pode ser interpretado sem que haja uma leitura sistemática [74], sob pena de chegarmos a conclusões juridicamente insustentáveis como esta antes mencionada.

            Além de o próprio sistema já autorizar a intervenção do Ministério Público como assistente, na medida em que é reconhecida a existência de interesse institucional, é importante lembrar que vem ocorrendo uma abertura legislativa do instituto da assistência, já que o legislador pode dispensar a existência de efetivo interesse jurídico para o ingresso de terceiro no processo. [75] O artigo 5o da lei nº 9469/97 dispensa a demonstração da existência de interesse jurídico por parte das pessoas que enumera e o artigo 49, parágrafo único, da Lei 8906/94, autoriza a OAB ser assistente de um de seus membros em caso de violação de direitos da classe. [76] Essa tendência de abertura, embora realmente sejam discutíveis os critérios adotados, deve ser levada em consideração na moderna interpretação da assistência.

            Na realidade, o critério utilizado pelo legislador, ao estabelecer os requisitos para o ingresso de um terceiro em processo pendente, responde a "motivos de política judiciária", como bem identificou Donaldo Armelin, que prossegue afirmando que, "a rigor, a regra que deveria presidir a outorga aos terceiros de legitimidade para intervir em processo alheio seria a que estabelecesse um justo equilíbrio entre a lesividade do prejuízo emergente de tal processo para o terceiro e as conseqüências negativas para as partes da intervenção desse terceiro no processo". [77]

            No caso da intervenção do Ministério Público, a nova realidade jurídica recomenda sua atuação como assistente nas hipóteses que delimitamos, sendo inegável que há um justo equilíbrio entre a extrema lesividade que pode emergir do processo e as conseqüências de sua intervenção, recomendando-se, pois, a admissibilidade desta intervenção.


7. Observações finais:

            Todo processo possui uma dimensão de interesse público, não cabendo mais a antiga idéia de que seja mera "coisa das partes", como se pertencesse somente aos litigantes. [78] Certamente essa dimensão de interesse público comporta gradação, mas sem dúvida um processo "individual" em que se discutam questões institucionais possui carga de interesse público suficiente para autorizar o ingresso de um terceiro, no caso o próprio Ministério Público, que tenha seu interesse institucional em risco.

            A maior visibilidade [79] alcançada pelo Ministério Público, especialmente por meio de atuações firmes contra interesses que até então não eram "importunados", veio acompanhada de uma forte reação, que encontrou um de seus instrumentos de intimidação nas ações ajuizadas diretamente contra seus membros. Possibilitar a participação da Instituição nesses processos é homenagear o próprio interesse público e o próprio Estado Democrático de Direito, já que o que menos se precisa neste país é de um Ministério Público fraco e omisso. O Ministério Público tem que se preservar e a intervenção como assistente é um dos diversos meios legítimos de que dispõe.

            Em tempos em que ser processado pelo Ministério Público constitui-se praticamente em ofensa pessoal e a improcedência de um pedido formulado por um Promotor ou Procurador é sinônimo de atuação leviana, como se apenas ao Ministério Público estivesse reservada a teoria concreta da ação, é necessário que a Instituição também cuide de sua própria preservação, especialmente se estiver em risco a fundamental independência funcional.

            Possibilitar a intervenção do Ministério Público como assistente simples em processo contra seus membros, em razão de legítima atuação funcional, a partir da noção de interesse institucional, é fazer com que o processo sirva às partes, mas também, e sobretudo, à sociedade [80], que é a quem, afinal, serve uma Instituição atuante e independente.


8- Tese:

            Com base no que foi exposto, é proposta a seguinte tese: vislumbrando a existência de interesse institucional, poderá o Ministério Público, por meio do Procurador Geral, intervir como assistente simples em processo que potencialmente possa acarretar prejuízo sua situação jurídica. [81]


9- Bibliografia:

            ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro – um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003.

            ALVIM, Thereza. Da assistência litisconsorcial no Código brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: RT, n° 11/12, julho/dezembro de 1978;

            _______________. Direito Processual de Estar em Juízo. São Paulo: RT, 1996;

            ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e Política no Brasil. São Paulo: Sumaré/Educ, 2002;

            ARMELIN, Donaldo. Embargos de Terceiro. Tese de doutoramento. PUC/SP,1981. Inédito;

            ARRUDA ALVIM. Assistência. Revista de Processo. São Paulo: RT, nº 6, abril/junho de 1977;

            ________________. Manual de Direito Processual Civil. 7a ed. São Paulo: RT, 2001. vol. 2;

            ________________. Assistente simples. Direito Processual civil – 1 (coleção estudos e pareceres). São Paulo: RT, 1995;

            ________________ e ARRUDA ALVIM, Teresa. Assistência-Litisconsórcio. Repertório de jurisprudência e doutrina. São Paulo: RT, 1986;

            BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. vol. I;

            BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo, as partes e a sociedade. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n° 5, agosto de 2003;

            ____________________. Recorribilidade das decisões interlocutórias no processo de mandado de segurança. Temas de Direito Processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997;

            ____________________. Reformas processuais e poderes do juiz. Revista de Direito – TJ-RJ. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, nº 56, julho/setembro de 2003;

            BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003;

            _______________________. Processo Civil de Interesse Público: uma proposta de sistematização. Processo Civil e Interesse Público. Carlos Alberto de Salles (coord.). São Paulo: RT/APMP, 2003;

            CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Irresponsáveis? (trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989;

            CARNEIRO, Athos Gusmão. Mandado de Segurança. Assistência e amicus curiae. Revista de Direito Processual Civil, nº 27. Curitiba: Gênesis, janeiro/março de 2003;

            CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no Processo Civil e Penal - Promotor Natural, Atribuição e Conflito. 5a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995;

            CRUZ, José Raimundo Gomes da. Pluralidade de Partes e Intervenção de Terceiros. São Paulo: RT, 1991;

            DEL PRÁ, Carlos Gustavo. O Amicus Curiae e a Assistência nas Ações Coletivas: a ampliação do debate como forma de participação democrática. Trabalho apresentado no curso de mestrado da PUC/São Paulo (conclusão da disciplina ministrada pela Professora Doutora Thereza Alvim), 2003. Inédito;

            DIDIER JR., Fredie. Recurso de Terceiro – Juízo de Admissibilidade. São Paulo: RT, 2003;

            ________________. Réquiem para as condições da ação: estudo analítico sobre a existência do instituto. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, nº 351, julho/setembro de 2000.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo: Malheiros, 2001. vol. II;

            GARCIA, Emerson. Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, no prelo;

            GONZÁLEZ, Atilio Carlos. La legitimación de los terceros en el proceso civil. La Legitimación – Homenaje al Profesor Doctor Lino Herique Palacio. Augusto M. Morello (coord.). Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996;

            GRECO FILHO, Vicente. Da Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 1986;

            LASPRO, Orestes Nestor de Souza. A Responsabilidade Civil do Juiz. São Paulo: RT, 2000;

            LENZ, Luiz Alberto Thompson Florez. Da responsabilidade do Ministério Público pela sucumbência na ação civil pública. Revista de Processo. São Paulo: RT, nº 84, outubro/dezembro de 1996;

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito Processual Civil Brasileiro. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. vol. I;

            MACIEL, Adhemar Ferreira. Amicus curiae: um instituto democrático. Revista de Processo. São Paulo: RT, n° 106, abril/junho de 2002;

            MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre o assistente litisconsorcial. Revista de Processo. São Paulo: RT, n° 58, abril/junho de 1990;

            MARQUES, Floriano Azevedo. Discricionariedade administrativa e controle judicial da administração. Processo Civil e Interesse Público. Carlos Alberto de Salles (coord.). São Paulo: RT/APMP, 2003;

            MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974. vol.1;

            MAURÍCIO, Ubiratan de Couto. Assistência Simples no Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1983;

            NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7a ed. São Paulo: RT, 2003;

            PEREIRA, Milton Luiz. Amicus curiae – intervenção de terceiros. Revista de Processo. São Paulo: RT, n° 109, janeiro/março de 2003;

            PONDÉ, Lafayette. Da responsabilidade civil do Estado por atos do Ministério Público. Estudos de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995;

            PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 5a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. tomo I;

            REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Anotado. 3a ed.-reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. vol. 1;

            RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. 2a ed. São Paulo: RT, 2003. vol. 2;

            SALLES, Carlos Alberto de. Processo Civil de Interesse Público. Processo Civil e Interesse Público. Carlos Alberto de Salles (coord.). São Paulo: RT/APMP, 2003;

            SANTOS, João Luís Macedo dos. Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 2001. Inédito;

            SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 17a ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 2o vol.;

            SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. 4a ed. São Paulo: RT, 1999. vol. 1;

            _______________________Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. vol. I;

            THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. vol. I;

            TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974. vol. I;

            USTÀRROZ, Daniel. A Intervenção de Terceiros no Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004;

            WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 2a ed. São Paulo: RT, 1999. vol. 1.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Robson Renault Godinho

promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público como assistente simples:: o interesse institucional como expressão do interesse jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 938, 27 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7886. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho originalmente publicado na obra coletiva "Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo e Assuntos Afins" (São Paulo: RT, 2004), coordenada por Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. Com algumas alterações, o texto posteriormente foi apresentado como tese no XXIII Encontro Estadual do Ministério Público do Rio de Janeiro, realizado em Angra dos Reis em maio de 2004 (aprovada por unanimidade).

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos